Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03265/11.9BEPRT 0123/17
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
TAXA
INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Sumário:I - A inspecção tributária prevista no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC (na redacção em vigor em 2009) não pode qualificar-se como prestação de um serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem; trata-se, antes e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal.
II - Pela inspecção tributária prevista no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC não pode ser exigida a taxa por acto inspectivo prevista no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e na Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.
Nº Convencional:JSTA000P25129
Nº do Documento:SA22019110603265/11
Data de Entrada:02/08/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 - A Fazenda Pública interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 31 de Outubro de 2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, S.A. da liquidação da taxa no montante de € 18.914,40, prevista no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro e na Portaria 923/99, de 20 de Outubro (taxa por inspecção tributária por iniciativa do sujeito passivo), apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
A - Julgou a sentença recorrida procedente a impugnação deduzida na sequência da liquidação da taxa, no montante de €18.914,40, calculada nos termos do definido na Portaria 923/99 de 20/10, por remissão do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 6/99, de 08 de Janeiro, e para os efeitos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 93.º do Código do IRC (CIRC).
B - O Tribunal a quo considerou que não tem qualquer aplicação ao regime do PEC o previsto no D.L. n.º 6/99, por não se tratar da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, mas sim do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.
C - Considerou ainda o Tribunal a quo que, ainda que se admitisse a aplicação do Decreto-Lei n.º 6/99 à acção inspectiva prevista para o reembolso do PEC, dificilmente poderia o montante que incumbiria ao sujeito passivo pagar ser classificado como taxa, já que não se vislumbra que serviço ou contraprestação estará a Administração Tributária a prestar ao contribuinte.
D - Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto, considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade da taxa em crise.
E - Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, apesar da ausência de uma remissão expressa do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC para o Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, não há legitimidade para sustentar que não faria sentido que, ao reembolso do valor do PEC, dependente de acção inspectiva a pedido do sujeito passivo, não fosse aplicado o regime constante do referido Decreto-Lei,
F - dados os objectivos associados ao estatuído no n.º 3 do artigo 93.º do CIRC e atendendo ao elemento sistemático e à unidade do sistema jurídico, na determinação do exacto sentido e alcance da norma, e levando em conta que à data da criação deste normativo já se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.º 6/99.
G - Acresce que, a lei (em vigor à data dos factos) não previa qualquer outra possibilidade de o sujeito passivo reaver o montante em excesso dos pagamentos especiais por conta.
H - Para mais, tendo em conta que, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 6/99, o deferimento do requerimento depende da invocação da prova do interesse legítimo do requerente na realização da inspecção, e que como decorre do termo “nomeadamente” previsto no n.º 6 do mesmo artigo, é meramente exemplificativo o elenco das situações qualificadas como “interesse legítimo”, entende-se, pois, que o pedido de reembolso do pagamento especial por conta, efectuado ao abrigo do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, qualifica-se como “interesse legítimo”, aplicando-se, em consequência, o regime constante do Decreto-Lei n.º 6/99.
I - Em concordância com a conclusão do parecer n.º 65/2011 de 27.09.2011 do Centro de Estudos Fiscais (elaborado na sequência de uma exposição da Provedoria da Justiça que suscitou a questão da inspecção a pedido para efeitos de reembolso do PEC), julga-se, pois, que a alínea b) do n.º 3 do artigo 93.º do Código do IRC estabelece, a partir da verificação dos requisitos nela constantes, uma remissão implícita para o regime constante do Decreto-Lei n.º 6/99.
J - Os pagamentos especiais por conta poderão desembocar, quando não haja lugar a reembolso, por falta de preenchimento dos requisitos previstos pelo legislador no CIRC, numa verdadeira colecta mínima de imposto.
K - Ora, a acção de inspecção para efeitos de obtenção do reembolso do PEC visa, objectivamente, a confirmação de que os sujeitos passivos não obtiveram durante os cinco exercícios possíveis, colecta que justifique o pagamento efectuado e, concomitantemente, a restituição do imposto pago e não devido a final.
L - Mais, não faria de todo sentido, que a insuficiência de colecta que dá origem ao reembolso, fosse certificada por outra entidade que não a AT.
M - Logo, sendo a realização da acção inspectiva condição essencial para o reembolso do PEC em excesso, logo no interesse do contribuinte, será justo que os custos dela decorrentes sejam por ele suportados, o que configura um serviço público prestado ao sujeito passivo, daí resultando o pagamento de uma taxa.
N - Classificada a natureza da acção inspectiva, a mesma só poderá ser enquadrada no âmbito do regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, previsto no art.º 47 da LGT e regulamentado no Decreto-Lei n.º 6/99 de 8 de Janeiro, com as consequências que daí advêm no que se refere ao pagamento da taxa devida pela realização da acção de inspecção.
O - Tal como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de 14.07.2003, a criação da taxa assenta numa relação sinalagmática que “há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado.”
P - No caso em apreço, quanto aos pedidos de reembolso dos PEC’s pagos em 2004 e 2005, o DL n.º 6/99 de 8 de Janeiro, conjugado com a Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro, regula e determina os montantes devidos pela realização de inspecções a pedido do sujeito passivo.
Q - Resulta da aplicação da tabela constante daquela Portaria (convertida para Euros), o pagamento de uma taxa no montante de € 18.914,40, conforme informação da Direcção de Apoio e Planeamento da Inspecção Tributária junta aos autos.
R - Conclui-se assim que se encontra legitimada a previsão da referida taxa e a sua subsequente liquidação impugnada que foi efectuada nos termos da Portaria n.º 923/99 de 20/10, pelo que, a mesma não merece censura, uma vez que foi efectuada conforme a legislação vigente e aplicável ao caso concreto.
S - Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por padecer de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade da taxa em crise.
T - A sentença recorrida fez, assim, incorrecta interpretação e consequente aplicação da lei.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira justiça».


2 - A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
i. Entende a Recorrente que ao pedido de reembolso de PEC subjaz uma inspecção tributária nos termos do D.L. n.º 6/99, de 08.01 - à qual são aplicáveis as taxas previstas na Portaria n.º 923/99, de 20.10 - dado que, por exemplo, exigiu o pagamento de uma "taxa" no valor de €18.914,40 para processamento de um reembolso de PEC no montante de €1.250,00.
ii. O artigo 93.º do CIRC não remete, implícita ou explicitamente, para o regime previsto no D.L. n.º 6/99, sendo igualmente notório que, segundo esse regime, para a tramitação de um pedido de inspecção: a mesma deve ser requerida ao director geral dos Impostos (art. 2.º n.º 1); é o requerente (e não a AT) que deve definir o âmbito e extensão da inspecção (art. 2.º n.º 2); o deferimento do requerimento depende da invocação e prova do interesse legítimo na realização da inspecção (art. 2.º n.º 4).
iii. Ou seja, afigura-se evidente que aquele regime especial tem uma delimitação específica, nomeadamente quanto ao respectivo âmbito, condições de acesso e efeitos - que o torna absolutamente incompatível com o pedido de reembolso de PEC, como resulta expresso do preâmbulo do D.L. n.º 6/99, ao estabelecer que esse regime foi instituído em favor da "certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de vista da reestruturação empresarial e da dinamização da vida económica".
iv. Como resulta da "doutrina administrativa" da AT, junta aos autos, o pedido de inspecção (e pagamento da taxa pela mesma) apenas foi estabelecido para dissuadir o Contribuinte de solicitar o reembolso do que entregou a mais nos cofres do Estado - para, em suma, dificultar ou impossibilitar esse reembolso, na medida em que é a própria AT que confessa que: «(...) com este procedimento quis o legislador, sem dúvida, dissuadir o pedido de reembolso dos pagamentos especiais por conta.» (!) v. Logo, para além de obviamente não existir qualquer "serviço" público susceptível de conduzir ao pagamento de uma taxa, é artificialmente criado um obstáculo, um subterfúgio, para obviar ao reembolso do PEC, para dissuadir o pedido, uma vez que a taxa a pagar é superior ao reembolso a que o Contribuinte tem direito.
vi. Como é sabido, a regra é a AT encetar acções inspectivas, por sua própria decisão e iniciativa, quando os contribuintes invocam determinados direitos perante a mesma - como é o caso de benefícios fiscais, restituição de IRS, reembolso de IVA, reembolso de IRC, etc. (Cfr. art.º 2.º n.º 1 do RCPIT.), sendo que não se vislumbra qualquer fundamento minimamente razoável e coerente para defender que o reembolso de PEC tenha um tratamento diferente nesta matéria.
vii. Na verdade, tratando-se, como se trata, de um adiantamento de IRC não se percebe por que motivo no caso de reembolso de IRC a AT coloca em marcha, motu proprio, a sua faculdade inspectiva e, no caso de reembolso de PEC, o Contribuinte seja compelido a solicitar e pagar uma inspecção.
viii. Ao contrário do pretendido pela Recorrente, no caso do reembolso do IRC adiantado através do PEC, o procedimento inspectivo apenas serve para a AT aferir da legitimidade do solicitado reembolso - tal como sucede com o reembolso de IRC em geral - o que, em última análise, serve os interesses da própria Fazenda Pública e não configura qualquer "serviço público” (Cfr. João de Avillez Ogando, Revista da Ordem dos Advogados, 2002, “A Constitucionalidade do Regime do Pagamento Especial por Conta”, Ano 62 – Vol. III –Dez. 2002 e, no mesmo sentido, Teresa Gil, in Revista Fisco, Pagamento Especial por Conta, n.º 107-108, Março 2003, Ano XIV, p. 16.).
ix. Logo: i) se não há qualquer "serviço público"; ii) se não há qualquer correspondência entre o valor pago e o "serviço público" prestado; iii) se não existe qualquer equivalência minimamente razoável entre a taxa paga e o PEC cujo reembolso se pretende; iv) se não está subjacente à cobrança da taxa a preocupação de cobertura de despesa pública, mas apenas a intenção de dissuadir os pedidos de reembolso de PEC; iv) então é patente que a inspecção para reembolso de PEC, nos termos do artigo 93.º n.º 3 CIRC, não reveste os formalismos do D.L. n.º 6/99.
x. Daí que, quando formula o pedido de reembolso invocando expressamente o artigo 93.º n.º 3 do CIRC, está implícito o pedido de realização da inspecção que a AT entenda encetar para o efeito - não sendo o contribuinte obrigado a deslindar a interpretação que a AT faz da norma ou a conhecer as orientações administrativas através das quais, ilegalmente, pretende aplicar ao pedido de reembolso de PEC um regime especial de inspecção tributária sujeito a pagamento de uma taxa muito superior ao próprio reembolso.
xi. Como decidido pelo Tribunal a quo, o regime de reembolso de PEC, a ser interpretado como defende a AT, é manifestamente ilegal por errada interpretação e aplicação do regime estabelecido no D.L. n.º 6/99 e art. 93.º n.º 3 CIRC, mas é também violador do princípio da tributação segundo o rendimento real - uma vez que, atenta a "taxa" que tem de pagar - o contribuinte se vê totalmente impossibilitado de reaver do estado o IRC que pagou em excesso - em violação do artigo 103.º e 104.º CRP e art. 30.º n.º 1 c) LGT (Cfr. Saldanha Sanches, André Salgado de Matos, “O pagamento especial por conta de IRC: questões de conformidade constitucional”, in Revista de Direito e Gestão Fiscal, Julho 2003.) .
xii. O artigo 93.º n.º 3 do CIRC, na interpretação segundo a qual a obtenção do reembolso do PEC, nas condições nele referidas, depende fiscalização paga pelo Contribuinte, padece de inconstitucionalidade material - quer por violação do princípio fundamental do acesso ao direito, quer por violação do princípio fundamental da proporcionalidade - ambos expressões do princípio elementar do Estado de direito democrático (Art.ºs 2.º e 20.º CRP.).
xiii. A lei só pode restringir direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo essas restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (Art.º 18.º, n.º 2 CRP.), não se vislumbrando, in casu, quaisquer outros direitos ou interesses que legitimem a restrição ao direito de reembolso dos PEC's constante da al. b) do n.º 3 do artigo 93.º CIRC e artigo 30.º n.º 1 c) da LGT, muito menos na interpretação pretendida pela Recorrente.
xiv. Parafraseando o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 494/2009, publicado no Diário da República, 1.ª série – n.º 206 – 23.10.2009.):
«I (...) a medida legislativa em apreço não passa no teste da proporcionalidade (...) em duas das suas três vertentes ou dimensões concretizadoras (adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito) em que o princípio se analisa.»;
«Efectivamente, ainda que se demonstre que não está completamente posta de parte a garantia do reembolso total do PEC, a verdade é que não tem razoabilidade obrigar uma entidade a entregar um determinado montante a título de PEC, quando se sabe, no momento em que o pagamento é exigido, que será ulteriormente reembolsado na sua totalidade, desde que seja solicitada uma acção de inspecção pelo sujeito passivo. Esta solução apresenta-se manifestamente desproporcionada, consubstanciando uma medida excessiva, na medida em que é, certamente, demasiado onerosa para o destinatário.».
xv. Assim, a al. b) do n.º 3 do artigo 93.º do CIRC, na interpretação segundo a qual só há direito ao reembolso dos PEC's se o contribuinte pedir e pagar uma fiscalização, nos termos do D.L. n.º 6/99, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da capacidade contributiva e tributação das empresas pelo seu rendimento real.
Termos em que, com a falta de provimento do presente recurso, deve a Douta sentença recorrida manter-se nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo».


3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso pelas seguintes razões:
1.ª a inspecção tributária realizada no caso em apreço resultou do cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC (redacção em vigor em 2009), não sendo aplicável, neste caso, o disposto no Decreto-Lei n.º 6/99;

2.ª nos casos de reembolso de PEC (previsto no mencionado n.º 3 do artigo 87.º do CIRC) não pode considerar-se que são os contribuintes que, por sua iniciativa, solicitam uma inspecção, nem a mesma se reconduz a um serviço prestado ao contribuinte; trata-se antes de uma inspecção para que a AT afira da legitimidade do reembolso;

3.ª o procedimento inspectivo estipulado no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC não visa proporcionar ao sujeito passivo uma vantagem, mas apenas permitir-lhe exercer o direito de ser tributado pelo rendimento real e não pelo "rendimento legal";

4.ª a concluir-se que o exercício do direito previsto no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC fica dependente do pagamento, pelo sujeito passivo, da taxa por acto inspectivo nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 6/99 e na Portaria n.º 923/99, então terá de concluir-se pela desaplicação daquela norma com fundamento em inconstitucionalidade por violação dos princípios da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP), da legalidade fiscal (artigo 103.º, n.º 2 da CRP), da proporcionalidade (artigos 17.º e 18.º, n.º 2 da CRP), e ainda por ser organicamente inconstitucional, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, al. I da CRP).


4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. No dia 19 de Agosto de 2009, a impugnante apresentou, no Serviço de Finanças do Porto 1, requerimento, solicitando o reembolso do montante de Pagamento Especial por Conta do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas entregues ao Estado, relativo ao exercício de 2004, no montante de €1.250,00, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com fundamento na circunstância de não poder tal montante ser deduzido à colecta da impugnante (fls. 35 a 39 do PA).
2. No dia 26.7.2011, foi produzida a informação constante de fls. 124 a 128, cujo teor se dá por reproduzido, onde se considera que a taxa a pagar pela realização de inspecção, nos termos do art. 93.º, n.º 3, al. b) do CIRC e art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 6/99 de 8.1 é de €18.914,40.
3. Por ofício n.º 47930/05.03, datado de 10.8.2011, foi a impugnante notificada de que tinha sido autorizada a realização da acção inspectiva aos exercícios de 2004 a 2009 e que lhe tinha sido fixada a taxa provisória, prevista no art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 6/99 de 8.1, no valor de €18.914,40 (doc. n.º 1 junto com a p.i.)».


2. Questão a decidir
Saber se pela inspecção tributária prevista no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC (na redacção em vigor em 2009) seria devida a taxa por acto inspectivo prevista no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e na Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.


3. De direito
3.1. A questão aqui em apreço – liquidação pela AT da taxa por acto inspectivo estipulada no Decreto-Lei n.º 6/99 e na Portaria n.º 923/99 na sequência do pedido de reembolso do valor do pagamento especial por conta (PEC) previsto no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC – não é nova na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, pois sobre ela já se pronunciaram os acórdãos de 31 de Maio de 2017 (processo n.º 072/17) e de 11 de Outubro de 2017 (processo n.º 0581/17), em sentido do qual aqui não iremos divergir.
De resto, a questão de direito a que há que responder no âmbito do presente recurso é idêntica à que foi analisada e decidida nos acórdãos antes mencionados, pelo que deve aplicar-se o disposto no n.º 3 do artigo 94.º do CPTA, i. e., proceder-se a uma fundamentação sumária da presente decisão, através de remissão para as decisões precedentes e os fundamentos aí expendidos. Optamos, porém, por transcrever excertos do acórdão de 31 de Maio de 2017 (processo n.º 072/17), que se nos afiguram essenciais para a compreensão da fundamentação da decisão aqui adoptada:
“Pretendeu o legislador com a redacção, na altura vigente, do n.º 3, do artigo 93.º, do CIRC, sujeitar o pedido de reembolso do PEC à realização de uma acção de inspecção. Mas tal não significava necessária e imediatamente a sujeição desta acção inspectiva ao previsto no Decreto-Lei n.º 6/99 e Portaria n.º 924/99 e ao inerente pagamento de taxas, como pretende a Administração Tributária.
O preâmbulo deste normativo dispõe que: a inspecção tributária depende exclusivamente, no quadro da legislação actual, da iniciativa da própria administração tributária. No entanto, a certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de vista da reestruturação empresarial e da dinamização da vida económica aconselham a flexibilização desse regime, posto que com a devida salvaguarda dos interesses da administração tributária. É, assim, criado um regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, com efeitos vinculativos para a administração tributária, cujo acesso depende da prova de interesse legítimo pelo sujeito passivo ou terceiro, devidamente autorizado por este.
Por isso este normativo tem fins específicos, consubstanciando-se num serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo para apuramento da situação tributária deste e tendo em vista a realização de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica, entre outras.
O conceito de “interesse legítimo” do sujeito passivo está definido no n.º 6, do artigo 2.º, do normativo em análise, que explica que “o interesse legítimo referido no presente artigo consiste em qualquer vantagem resultante do conhecimento da exacta situação tributária do sujeito passivo, proveniente, nomeadamente, de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica ou de acesso a regimes legais a que o requerente pretende ter direito.
Trata-se de um elenco meramente exemplificativo e reforça a ideia de se tratar de um serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo em vista a obtenção por este de uma qualquer vantagem. E, como serviço que é, está sujeito ao pagamento de uma taxa, de montante variável consoante o âmbito e extensão da acção de inspecção, e cuja tabela vem prevista na já referida Portaria n.º 923/99.
Desta interpretação só se pode concluir, ao contrário do defendido pela Administração Tributária, que não é aplicável este Decreto-Lei n.º 6/99 ao regime de reembolso de PEC de IRC, mormente o seu artigo 4. °, e concomitantemente, a tabela de taxas previstas na Portaria n.º 923/99.
Trata-se de avaliar se existe uma falta de correspondência entre a finalidade inicial das inspecções a pedido com o regime previsto no n.º 3, do artigo 93.º, do CIRC. E, na verdade, inexiste qualquer correspondência.
O regime previsto no Decreto-Lei n.º 6/99 regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente.
Já quanto à inspecção feita a “pedido do sujeito passivo” para efeitos de reembolso de PEC de IRC, não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspecção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem, mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito.
Determinava o n.º 2, do artigo 106.º, do CIRC, em vigor à data que o montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com o limite mínimo de (euro) 1000, e, quando superior, é igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o limite máximo de (euro) 70.000 (sendo o volume de negócios correspondente ao valor das vendas e dos serviços prestados).
Estabeleceu o regime de PEC um conceito de “rendimento legal”: o legislador fixa um rendimento sem necessária correspondência com o rendimento real, o único tributável por imposição constitucional. E fê-lo qualificando aquele rendimento legal como uma verdadeira presunção legal, em sentido estrito. Como determina o artigo 349.º do CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido. E a lei, no CIRC, retira uma ilação de um facto conhecido, o volume de negócios do período de tributação anterior, para firmar um desconhecido, o rendimento do ano fiscal a que os pagamentos especiais por conta dizem respeito.
Ora, dispõe o n.º 2, do artigo 350.º do CC que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir. No que respeita ao PEC, não existe qualquer proibição legal de ilisão da presunção nem poderia nunca haver, atenta a imposição constitucional de tributação das pessoas colectivas segundo o seu rendimento real (n.º 2, do artigo 104.º, da CRP), estando antes taxativamente consagrada a possibilidade de ilidir tal presunção (artigo 73. ° da LGT).
Consequentemente, e ao contrário do entendimento da AT, não existe aqui qualquer “inversão”, ainda que aparente, da relação jurídica tributária, já que continuam a ser os mesmos o sujeito activo e o sujeito passivo daquela relação (nos termos previstos no artigo 18.º e seguintes da LGT). Também não colhe o argumento de que a acção inspectiva é necessária para a verificação de um “pressuposto legal” do direito ao reembolso: este direito nasce ope legis, se o rendimento dito “legal” for superior ao rendimento real. Ocorre, apenas e tão-só, uma inversão do ónus da prova quanto à determinação do rendimento real do sujeito passivo.
Se normalmente compete à Administração, mediante a operação desta presunção legal passa a caber àquele o ónus de a ilidir, se com a mesma não se conformar. E o meio imposto pelo legislador para ilidir tal presunção, nos termos do previsto naquela norma do n.º 3, do artigo 93.º, do CIRC, é a obrigação de o sujeito passivo pedir que lhe seja feita uma inspecção.
Todavia, não se trata aqui da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, mas sim, e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal fixado pelo legislador no supra-referido normativo. Ou seja, trata-se do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.
Não tem, por isso, aplicação a esta situação o previsto no Decreto-Lei n.º 6/99”.
3.2. Conclusões
Assim, podemos concluir, relativamente à questão em apreço, que:
A inspecção tributária prevista no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC (na redacção em vigor em 2009) não pode qualificar-se como prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, tratando-se, antes e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal.
Pela inspecção tributária prevista no n.º 3 do artigo 87.º do CIRC não pode ser exigida a taxa por acto inspectivo prevista no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro, e na Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.


Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e, do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


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Lisboa, 6 de Novembro de 2019. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Paulo Antunes – Francisco Rothes.