Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0809/16.3BELRS
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:TAXA
TAXA MUNICIPAL DE DIREITOS DE PASSAGEM
Sumário:Na vigência do n.º 4 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 183.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, os municípios não podiam cobrar às empresas de comunicações electrónicas qualquer remuneração pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes pertencentes ao domínio daquelas, para além da taxa a que se referia então o artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro.
Nº Convencional:JSTA000P31893
Nº do Documento:SA2202402070809/16
Recorrente:MUNICÍPIO DE LISBOA
Recorrido 1:A... – SGPS, S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE LISBOA, tendo sido notificada da douta sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial interposta por B..., S.A., com o número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ...06, e A... – SGPS, S.A., com o número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ...86, ambas com sede na Avenida ..., ... Lisboa, contra o ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação de “Contrapartidas” pela utilização da galeria técnica do Parque das Nações, relativas ao 1.º semestre de 2014, a que se reporta a fatura n.º ...92, no valor de € 7.939,69 e, em consequência, anulou a liquidação correspondente.

Com a interposição do recurso, foram apresentadas alegações e formuladas as seguintes conclusões: «(…)

A. O presente Recurso é deduzido da douta Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida a 4 de Janeiro de 2022, que julga procedente a Impugnação Judicial a que se refere o presente, e, em consequência, anula a liquidação das Contrapartidas pela utilização da Galeria Técnica do Parque das Nações respeitante ao 1.º semestre de 2014, porquanto entende que a compensação exigida pelo Município de Lisboa pela utilização da Galeria Técnica constante da liquidação impugnada tem a mesma incidência objectiva que a TMDP, “visando os encargos pela implantação, passagem, atravessamento de sistemas, equipamentos e quaisquer outros meios físicos, necessários às actividades dos operadores económicos que desenvolvam a actividade de comunicações electrónicas em domínios públicos e privados”;

B. A Sentença acompanha a alegação das Recorridas de que a liquidação padece de violação da Lei das Comunicações Electrónicas (LCE) e do DL n.º 123/2009, de 21 de Maio, diplomas legais que admitem a Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) como o único tributo exigível, por parte dos municípios, relativamente aos designados direitos de passagem, concedidos às empresas fornecedoras de redes e serviços de comunicações electrónicas. Defendem as Recorridas que a cobrança de contrapartida, sob qualquer título ou designação, na sequência da utilização da Galeria Técnica, colide com a TMDP e logo, encontra-se vedada aos municípios as respectivas liquidação e cobrança, pois aquela taxa corresponderá à única prestação que os mencionados diplomas legais permitem liquidar, no âmbito de actuação das operadoras de redes e serviços de comunicações electrónicas, como contrapartida dos direitos previstos no art. 24.º da LCE, pelo que a cobrança de uma taxa, de outros encargos ou de remunerações em contrapartida da concessão dos direitos previstos no art. 24.º da LCE configura dupla tributação face à TMDP;

C. A Sentença a quo incorre em erro de direito por acolher o argumento das Recorridas da existência de sobreposição entre as Contrapartidas e a TMDP, desconsiderando o Regulamento de Utilização da Galeria Técnica, as normas que caracterizam a Galeria Técnica, os serviços respeitantes à mesma, e as que disciplinam as Contrapartidas, designadamente a interpretação que adopta do Anexo I do mesmo Regulamento. Ademais, desvaloriza a relevância da cessão contratual ocorrida no que respeita à titularidade e gestão da Galeria Técnica, na questão sub judice, assente no facto de o Município de Lisboa estar investido na posição anteriormente assumida pela …, por força do DL n.º 241/2012, de 6 de Novembro, em violação do mesmo;

D. Considera o Recorrente que a Sentença não pode manter-se na ordem jurídica porquanto, decidindo como decidiu, colide com o estabelecido no Regulamento da Galeria Técnica do Parque das Nações e o regime especial de gestão do espaço urbano daquela zona da cidade de Lisboa, onde se inclui a Galeria Técnica, imposto pelo DL n.º 241/2012, de 6 de Novembro. A Sentença deve ser revogada e substituída por outra, que considere a legalidade da liquidação das Contrapartidas pela utilização da Galeria Técnica do Parque das Nações, porquanto o âmbito de incidência das normas do Regulamento de Utilização da Galeria Técnica é distinto da TMDP, determinante da decisão de mérito no sentido da legalidade da liquidação e da improcedência da Impugnação;

E. Com efeito, a quantia impugnada corresponde à contrapartida, devida pelos utentes da Galeria Técnica do Parque das Nações, cobrada de acordo com o Regulamento de Utilização da Galeria Técnica. Tal quantia não reveste natureza tributária, sendo directamente consequente de expressa determinação legal, consubstanciada no DL n.º 241/2012, de 6 de Novembro, que concretizou a transmissão para o Município de Lisboa dos bens e infra-estruturas afectos a uso público e a serviço público urbano, situados na área de intervenção da Exposição Mundial de Lisboa (Expo´98) e de titularidade da C... S.A., ou da sua participada D..., S.A.;

F. No elenco de bens e infra-estruturas enumerado no n.º 1 do art. 1.º do referido DL, inclui-se a “galeria técnica implantada no subsolo, dotada de sistemas próprios de acesso, segurança e iluminação, construída em túneis enterrados de betão armado, com a extensão total de 6200 m, com capacidade para integrar instalações e infra-estruturas urbanas, designadamente relativas a rede de abastecimento de água, rede de rega, rede de distribuição de energia elétrica, rede de distribuição de energia térmica de frio e calor, rede de recolha de resíduos sólidos urbanos e rede de telecomunicações” - al. b);

G. O mesmo DL determinou “igualmente a cessão da posição contratual da C... S. A., e da D..., S. A., para o Município de Lisboa, nos contratos de empreitada de obras públicas, locação e aquisição de bens móveis e serviços celebrados no âmbito das actividades de gestão e manutenção urbana na zona de intervenção da Expo' 98” – n.º 2 do art. 1.º;

H. O art. 3.º do mesmo Diploma dita a sucessão, pelo município de Lisboa, na “posição contratual detida pelas sociedades C... S. A., e D..., S. A., nos contratos celebrados no âmbito das actividades de gestão e manutenção urbana integrada prosseguida na zona de intervenção da Expo' 98, delimitada conforme planta constante do anexo I ao presente decreto-lei “– n.º 1 do art. 3.º. Identifica ainda, o n.º 2 da referida norma, os contratos expressamente abrangidos pela aludida sucessão contratual: “Os contratos a considerar para efeitos do número anterior, constam do anexo iii ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, e reportam-se às seguintes áreas de actividade (...) Manutenção e gestão da galeria técnica” – al. d);

I. A referida cessão de posição contratual produziu os seus efeitos em 1 de Dezembro de 2012, momento a partir do qual o Município de Lisboa é responsável pelos correspondentes encargos, nos termos dos n.ºs 3 e 5 do referido art. 3.º, bem como do n.º 2 do art. 6.º, do mesmo Diploma legal;

J. Relativamente à identificação das parcelas transferidas para o Município, inscritas no Anexo II do referido DL, é expressa a menção ao comando da galeria técnica (4.80), bem como, de entre os contratos a transferir para o município, de acordo com o anexo III do mesmo, a Manutenção e Assistência Técnica das Instalações Privativas da Galeria Técnica e a Vigilância da Galeria Técnica;

K. A liquidação impugnada decorre, não da LCE, ou de um licenciamento de ocupação do espaço público, ou da utilização da infra-estrutura, mas do descrito enquadramento, revestindo natureza de contrapartida, cobrada, desde 2013, pelo Município e, anteriormente, pela E..., na qualidade de gestora da Galeria Técnica, na sequência dos serviços inerentes à gestão (manutenção e vigilância) da Galeria Técnica, de que as Recorridas beneficiam, directa e exclusivamente (à semelhança dos demais utentes da Galeria Técnica), enquanto utente da mesma e que, aliás, aceitou, tal como anteriormente cobrada pela E..., sendo certo que actualmente é cobrada pelo Município, nos mesmos termos e fundamentos;

L. A sucessão da entidade gestora, e parte contratual, não é susceptível de alterar a natureza jurídica da contrapartida, cobrada pelo Município (como anteriormente, pela E...) a título de compensação de custos contratuais, com prestação de serviços, e aos beneficiários dos mesmos;

M. As Contrapartidas em causa nos autos configuram realidade independente, quer da Lei das Comunicações Electrónicas, quer do DL n.º 123/2009, não respeitando à utilização ou ocupação, da infra-estrutura ou do domínio público municipal, mas tão só à compensação à parte contratual que assume os custos de serviços prestados na Galeria, em exclusivo benefício dos seus utentes, entre os quais se encontram as ora Recorridas; o Município de Lisboa assumiu a aludida posição contratual na qualidade de gestor da Galeria Técnica e em cumprimento das referidas disposições legais e, no mesmo âmbito, assumiu o regulamento de utilização da Galeria, aprovado pela sua antecessora e no qual se encontra prevista a contrapartida impugnada;

N. O Regulamento de Utilização da Galeria Técnica, proveniente da E... (D..., SA) e assumido pelo Município de Lisboa, contém a descrição da Galeria Técnica, não só física, quanto dos equipamentos e serviços que engloba e que, na mesma, são facultados/disponibilizados aos utentes, mais sendo identificada, a entidade responsável pela sua gestão (desde Dezembro de 2012, o Município), que nessa qualidade, procedeu à contratação das empresas responsáveis pelos serviços prestados, no âmbito da gestão da mesma – manutenção e vigilância -, da qual beneficiam directa e exclusivamente os utentes da Galeria. Actualmente, e já ao tempo da cobrança da quantia aqui impugnada, a posição da designada E..., enquanto gestora da Galeria Técnica identificada no Regulamento e contratante dos mencionados serviços, subjacentes à gestão da infra-estrutura, é assumida pelo Município, por força do DL n.º 241/2012, de 6 de Novembro;

O. O Regulamento identifica de igual modo as obrigações do gestor da Galeria Técnica (4.), entre as quis “zelar pelo bom estado da Galeria Técnica e suas instalações privativas (a.), promover, diretamente ou através de empresas contratadas, a manutenção, conservação, reparação, limpeza e vigilância da Galeria Técnica (b.), proceder à cobrança da contrapartida pela utilização da Galeria Técnica” e as dos seus utentes (5.), aos quais incumbe, designadamente, “liquidar nos prazos estipulados as contrapartidas pela utilização que lhe sejam aplicadas pelo Gestor da Galeria Técnica”; são, ainda, estabelecidos os direitos dos utentes (6.): “instalar os respectivos sistemas na Galeria Técnica, desde que essa instalação seja aceite pelo Gestor da Galeria Técnica, e mediante o pagamento das contrapartidas pela utilização que lhe sejam aplicadas”. Estabelece o mesmo Regulamento, quanto à manutenção da Galeria Técnica (8.), que a mesma será assegurada por empresa designada pelo gestor, mais descrevendo os serviços inerentes a tal actividade (9.). A contrapartida dos referidos serviços é cobrada aos beneficiários dos mesmos, enquanto utentes da Galeria Técnica e beneficiários (directos e únicos) dos serviços prestados na Galeria Técnica, sendo prevista no referido Regulamento (10.) a cobrança das contrapartidas, nos termos do Anexo I do mesmo, que contém a respectiva fórmula e índices de cálculo;

P. A douta Decisão Recorrida faz errada interpretação do Anexo I, na medida em que lhe atribui a definição dos serviços assegurados pela entidade gestora da Galeria Técnica, do qual, conclui, não constarem os relativos à manutenção e à conservação da mesma, não podendo o Município, nessa qualidade, liquidar as designadas Contrapartidas pela utilização da Galeria Técnica. O Recorrente não pode conformar-se com tal interpretação, porquanto, no mencionado afere-se o factor de cálculo (valor por metro) em relação a cada um dos sistemas instalado na Galeria Técnica (de instalação), sendo a respeitante ao caso dos autos - “telecomunicações por cabo condutor”-, calculada com base no “valor de 1,284 €, por metro de instalação”;

Q. A utilização pela ora Recorrente da Galeria Técnica motiva a utilização, por aquela, dos descritos serviços (de manutenção – que incluem a conservação e a limpeza – e de vigilância), contratados a terceiros e que constituem encargo do Município, enquanto sucessor na posição contratual anteriormente assumida naqueles contratos pela D..., SA (E...). De acordo com o citado Regulamento, o pagamento da contrapartida refere-se a tais serviços e encargos e não à ocupação do domínio público, ou à utilização da infra-estrutura, propriamente dita;

R. Os serviços prestados na Galeria Técnica nem são serviços públicos (na estrita medida em que beneficiam, apenas, os utilizadores de tal infra-estrutura e não o público em geral), nem são prestados pelo Município, mas contratados a empresas particulares, que prestam os mesmos, agindo no mercado e de acordo com as condições, deste e dos contratos celebrados para o efeito;

S. As Contrapartidas não são enquadráveis na definição legal de taxa, não colidindo, directa ou indirectamente, com a TMDP, cujo facto tributário é concretizado na Lei das Comunicações Electrónicas (art. 106.º) e respeita, apenas, aos designados direitos de passagem, vulgo ocupação do espaço público (à superfície ou em subsolo), de igual modo não sendo abrangida pelo DL n.º 123/2009, por não respeitar àquelas realidades, contempladas no mesmo;

T. Evocando o disposto no art. 3.º do RGTAL, para o que importa na situação sub judice, e face ao descrito enquadramento, não está em causa a compensação, nem pela ocupação do domínio publico, ou respectivo título (licença ou autorização), nem pela gestão do equipamento (se assim se considerar de designar a Galeria Técnica), porque o mesmo não se encontra afecto ao uso do público, mas apenas dos seus utentes, determinados, não sendo sequer susceptível de utilização por parte do público em geral, atentas as características de tal infra-estrutura. Naquela zona da cidade encontra-se implantada a infra-estrutura denominada Galeria Técnica, na qual são prestados determinados serviços cujo pagamento é assegurado pelo Município e que, a final, são imputados aos seus beneficiários directos - os utentes da infra-estrutura -, por intermédio da descrita contrapartida;

U. Por seu turno, a TMDP é prevista no art. 106.º da LCE, respeitando aos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal”; os sujeitos passivos da TMDP são os utilizadores finais dos serviços prestados por aquelas empresas, os particulares contratantes dos mesmos;

V. No município de Lisboa, TMDP é consignada no art. 17.º do Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas do Município de Lisboa que transpõe, no âmbito de intervenção do município de Lisboa, o disposto no art. 106.º da LCE;

W. A quantia impugnada, de acordo com o Regulamento – aceite pelas Recorridas, atenta a sua qualidade de utente da Galeria Técnica – é suportada pelos utentes, mediante o pagamento da contrapartida, que se refere a tais serviços e encargos. Não é enquadrável na definição legal de taxa, nem colide, directa ou indirectamente, com a TMDP, cujo facto tributário é concretizado na LCE (art. 106.º) e respeita, apenas, aos direitos de passagem. Só assim se justifica que, na TMDP o sujeito passivo seja o cliente final dos serviços de comunicações electrónicas, que se encontra vinculado ao seu pagamento por força do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 106.º e n.º 1, alínea c), n.º 2, alínea a) e n.º 4 do art. 5.º, ambos da LCE;

X. Admitir-se a interpretação preconizada na Sentença a quo, ocorreria flagrante desigualdade entre as Recorridas e os restantes utentes da Galeria Técnica, que pagam as respectivas Contrapartidas, como se verificaria idêntica desigualdade do Município de Lisboa face à E..., a qual liquidava tais quantias em apreço às Recorridas, que as aceitou, pretendendo escusar-se, agora, ao seu pagamento, desta feita ao Recorrente;

Y. O que o legislador pretendeu impedir, na LCE e no DL n.º 123/2009, foi que pela ocupação ou utilização do domínio público, fossem cobradas às operadoras outras taxas para além da TMDP ou encargos, realidade que não se verifica in casu, não ocorrendo violação daquela Lei, porque não está em causa qualquer remuneração de ocupação do espaço público ou de utilização da infra-estrutura; a quantia impugnada à prestação de serviços, por terceiros contratados e em benefício das Recorridas, enquanto utentes da galeria técnica. Inexiste, pois, qualquer relação entre a cobrança da quantia impugnada e o âmbito de aplicação dos referidos Diplomas;

Z. Não se alcança qualquer ponto de confluência entre a TMDP e as referidas Contrapartidas, quer quanto aos sujeitos passivos quer quanto à base de incidência. Inexiste, assim, qualquer relação entre a cobrança da quantia impugnada e o âmbito de aplicação do referido Decreto-Lei. Donde só pode concluir-se que o Município de Lisboa não está impossibilitado de liquidar e cobrar as Contrapartidas sub judice;

AA. Por estes motivos e pelos demais de Direito, deverá o Tribunal ad quem julgar procedente o presente Recurso, revogando a Sentença Recorrida e ser substituída por outra, que considere a legalidade do acto de liquidação das Contrapartidas sub judice, e, consequentemente, julgue improcedente a Impugnação Judicial, mantendo o acto de liquidação impugnado, por total ausência de vícios.».

Pediu a procedência do recurso e a revogação da douta sentença recorrida, bem como a manutenção do ato de liquidação impugnado.

A Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

A. O presente recurso vem interposto na sequência da notificação da Sentença Recorrida, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pelas Impugnantes, ora Recorridas, contra a Indeferimento Tácito do pedido de revisão oficiosa que, por seu turno, recaiu sobre as liquidações das Contrapartidas pela utilização da Galeria, relativas ao 1.º semestre do ano de 2014;

B. Com efeito, quanto à questão material controvertida, demonstrou-se que a B..., enquanto empresa que oferece “redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público” é proprietária de cabos e outros equipamentos de comunicações eletrónicas instalados na Galeria;

C. Nesta qualidade, a B... tem direito à “utilização do domínio púbico, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação de sistemas, equipamentos e demais recursos”, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da LCE;

D. Resulta, no entanto, da interpretação conjugada dos artigos 106.º, n.º 2 da LCE e do artigo 13.º, n.º 4, do DL 123/2009, que tal utilização pelas Recorridas comporta somente o pagamento da “taxa a que se refere o artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas [ou seja, a TMDP] […], não sendo, neste caso, cobrada qualquer outra taxa, encargo, preço ou remuneração”;

E. É evidente que a liquidação e cobrança das Contrapartidas constituiu, em relação à TMDP, “outra taxa, encargo, preço ou remuneração” encontrando-se, por conseguinte, em flagrante violação do disposto no artigo 13.º, n.º 4, do DL 123/2009;

F. Por outro lado, não poderá proceder, como entende o Recorrente, a ideia de que a Contrapartida é devida a qualquer título contratual, já que a própria utilização da Galeria, nos termos do seu Regulamento, é obrigatória, e não foi celebrado qualquer contrato entre as Recorridas e o Município, responsabilizando-se a B..., inclusivamente, pela manutenção dos seus equipamentos instalados naquela estrutura;

G. Ademais, contrariamente à pretensa inocuidade que o Município atribui à cessão da posição contratual operada no que respeita à gestão da Galeria, tal cessão é verdadeiramente relevante, pois é pela circunstância de o Município se encontrar vinculado à LCE que não pode, simultaneamente, lançar e cobrar TMDP e Contrapartidas;

H. Ficou também demonstrado que, servindo de justificação para a liquidação e cobrança das Contrapartidas a utilização da Galeria, pelos serviços alegadamente compensados com a mesma, é manifesta a sua desconformidade com o artigo 13.º, n.º 4, do DL 123/2009;

I. Pois não poderia nunca ser aceite qualquer interpretação do artigo 13.º, n.º 4, do DL 123/2009, no sentido de que o legislador teria conferido aos operadores de telecomunicações direitos de passagem e de utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas pertencentes ao domínio publico ou privativo das autarquias locais, criando uma taxa específica (e exclusiva) que compensasse os municípios pelo sacrifício imposto, pretendendo, do mesmo passo, que nessa taxa não se encontrassem também abrangidos os custos que essas entidades pudessem ter com tais infraestruturas que, ao fim e ao cabo, seriam absolutamente necessários à efetivação e materialização daqueles direitos de passagem e utilização;

J. As Contrapartidas constituem, pois, um efetivo tributo, decorrendo a obrigação de pagamento das mesmas diretamente do Regulamento e não sendo os serviços alegadamente por si remunerados solicitados pela B..., ao que acresce que tais serviços são impostos como condição sine qua non para o exercício do direito de utilização da Galeria;

K. Por outro lado, a própria forma de cálculo utilizada para determinar as Contrapartidas evidencia, per se, a sua clara natureza de tributo, uma vez que consiste na multiplicação de um valor fixo pelo número de metros de cabo instalado, como todas as taxas de ocupação do domínio público em contexto equivalente, sendo totalmente irrelevantes os custos incorridos na contratação de serviços afetos à manutenção e segurança da Galeria;

L. Não poderão, neste âmbito, sobrar dúvidas de que a liquidação e cobrança das Contrapartidas constitui um fenómeno de dupla tributação, proibido pelo ordenamento jurídico-tributário;

M. Salientando-se ainda, e por fim, que foram já produzidos (pelo menos) 25 arestos dos Tribunais Superiores que confirmam a acuidade da interpretação avançada pelas Recorridas;

N. Razão pela qual, a a liquidação das Contrapartidas é manifestamente ilegal, não podendo senão manter-se a respetiva anulação, nos termos exarados na Sentença Recorrida, sob pena de, a concluir-se de outro modo, se permitir ao Município, pela “imposição” de serviços não solicitados e a pretexto de uma suposta “eficácia de utilização”, lograr, afinal, o oposto do pretendido pela lei: obter, pela utilização das infraestruturas em causa, uma remuneração distinta e para além da TMDP.».

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foram os mesmos com vista ao M.º P.º.

O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, tendo concluído no sentido de que o recurso não merece provimento.

Por despacho do relator, foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto a questão de competência do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do recurso.

No prazo concedido, vieram ambas as partes pronunciar-se no sentido de que o Supremo Tribunal Administrativo é o competente para decidir. Esclarecendo o Recorrente Município que os factos que tiver alegado considera resultantes direta e exclusivamente de diplomas legais. E que só se insurge contra a «errónea interpretação e aplicação daqueles diplomas».

Em face do exposto, julgamos agora que nada obsta ao prosseguimento do recurso para a apreciação do seu mérito, dando-se desde já por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código.

Cumpre, pois, decidir.


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2. A questão fundamental a decidir é a de saber se o Tribunal Tributário de Lisboa incorreu em erro de julgamento ao concluir que era ilegal a cobrança da contrapartida impugnada nos autos.

A esta questão respondemos negativamente.

Na essência, porque n.º 4 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 183.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, dispunha que, pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações electrónicas que pertençam ao domínio público ou privativo das autarquias locais é devida a taxa a que se refere o artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, especificando que não é, em tal caso, cobrada qualquer outra taxa, encargo, preço ou remuneração.

Incluindo a «remuneração do acesso» a essas infraestruturas, a que alude o artigo 19.º do mesmo diploma – ver o n.º 5 do mesmo artigo 13.º.

A galeria técnica é uma infraestrutura apta ao alojamento de redes de comunicação eletrónicas para o efeito deste diploma – cfr. alínea h) do n.º 1 do artigo 3.º.

Integra o domínio do Município de Lisboa, que assegura a sua manutenção e gestão – cfr. de resto, a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e a alínea d) do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 241/2012, de 6 de novembro.

A contrapartida é cobrada aos utentes (utilizadores) da galeria e é devida por essa utilizaçãocfr. o ponto 4 dos factos provados e, em particular, o ponto 5, alínea f), do «regulamento de utilização da galeria» que ali se transcreve parcialmente.

Assim, a contrapartida está abrangida pela proibição a que alude a parte final do n.º 4 do artigo 13.º do referido Decreto-Lei n.º 123/2009.

É verdade que a contrapartida não tinha a ver com a passagem de redes de comunicações e outros equipamentos, mas com a prestação de serviços de manutenção e de segurança – cfr. assumido na pág. 12 da sentença recorrida.

Mas também é verdade que esses serviços estão relacionados com a utilização da infraestrutura e que a norma em análise não concede qualquer margem para a cobrança de qualquer outra remuneração pela utilização dessas infraestruturas.

Assim, sendo, não vemos como dar razão à Recorrente.

Na verdade, a Recorrente começa por alegar (e concluir, conclusão “D”) que a decisão de julgar ilegal a contrapartida impugnada colide com o estabelecido no Regulamento de Utilização da Galeria Técnica e o Decreto-Lei n.º 241/2012.

Ora, o que nos parece evidente é que o referido «regulamento» (e não importa discorrer aqui sobre a sua verdadeira natureza jurídica) não pode colidir com o artigo 13.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, sobrepor-se às respectivas normas ou afastar a sua aplicação.

Quanto ao Decreto-Lei n.º 241/2012, de 6 de novembro, limita-se a prescrever a transferência de bens para o domínio do Município de Lisboa e a determinar que este sucede na posição contratual da “E...”.

É certo que na cessão da posição contratual está inerente a cessão nos direitos e deveres do cedente. E poderia dizer-se que, sendo o Município cessionário do dever de manter e gerir a galeria técnica, também é cessionário do direito de cobrar a respetiva contraprestação.

No entanto, a cessão da posição contratual não pode constituir um meio de contornar as normas de proibição que sejam especificamente dirigidas à pessoa do cessionário. Assim, estando prescrito na lei um instrumento específico para a remuneração de determinados serviços, com exclusão de qualquer outro, não pode o cessionário remunerar-se por outro meio invocando a sua posição contratual.

Alega (e conclui) também a Recorrente que a referida contrapartida não é enquadrável na definição legal de taxa [em particular, a conclusão “S”] e nem sequer tem natureza tributária [conclusão “E”], nem colide direta ou indiretamente com TMDP [conclusão “W”].

Mas, como vimos, nada disso importa para o caso.

Porque a lei é muito clara ao dispor que o acesso às infraestruturas que pertençam às autarquias locais (incluindo as que importem a gestão de custos de manutenção) não pode ser remunerado por outro meio que não seja a TMDP, designadamente qualquer outra taxa, encargo, preço ou remuneração.

Por último, a Recorrente refere que uma interpretação da lei que impeça a cobrança destes custos importa flagrante desigualdade entre os utentes da galeria técnica, isto é, entre os que pagam e os que não pagam as referidas contrapartidas.

Julgamos que a Recorrida não pretendia invocar a desigualdade entre as operadoras de redes de comunicação electrónica, já que a lei não faz qualquer distinção neste âmbito. Assim, a alegação só faz sentido contrapondo esta operadoras a outros utentes da galeria.

Só que os outros utentes da galeria não encontram na mesma situação que estas operadoras. Por um lado, não são destinatárias de soluções que o legislador julgou necessárias para assegurar a operacionalização de redes de comunicações electrónicas. Por outro lado, não são oneradas com os mesmos custos, já que não pagam a TMDP.

De todo o exposto deriva que, no primeiro semestre de 2014, o Município de Lisboa não podia cobrar a referida «contrapartida».

E, assim sendo, impõe-se confirmar a sentença recorrida com a precedente fundamentação.

Sentido convergente se decidiu em recente acórdão deste Supremo Tribunal, embora com fundamentação parcialmente diversa – acórdão de 29 de novembro de 2023, no processo n.º 01279/15.9BELRS.


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3. Conclusão

Na vigência do n.º 4 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 183.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, os municípios não podiam cobrar às empresas de comunicações electrónicas qualquer remuneração pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes pertencentes ao domínio daquelas, para além da taxa a que se referia então o artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro.


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4. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de fevereiro de 2024. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.