Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:060/23.6BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO
IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
Sumário:Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável.
Nº Convencional:JSTA000P32043
Nº do Documento:SAP20240321060/23
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA ADUANEIRA
Recorrido 1:FUNDO DE PENSÕES BANCO 1...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do artigo 25.º, n.º2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, da decisão arbitral proferida em 27 de Março de 2023, no processo n.º 432/2022-T, por alegada oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 102/22.2BALSB.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria.
B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo
C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 432/2022-T, de 27.03.2023e o Acórdão fundamento n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023

D. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.
E. Em ambas as decisões está em causa:
i. A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação sobre o património regulados pelo Código do imposto municipal sobre o património (IMI);
ii. Pese embora no caso do Acórdão Fundamento esteja em causa o Adicional ao IMI, e na decisão recorrida o IMI, o núcleo essencial da estrutura tributária é idêntica, ambos são impostos municipais sobre o património, não havendo dissemelhanças suficientes para afastar a identidade que existe entre ambos os atos de liquidação;
iii. Por outro lado, em ambos os casos estão em causa as normas de cálculo do valor patrimonial tributário (VPT) referencial em ambos os casos;
iv. No Acórdão fundamento estão em causa os atos de liquidação de 2017, 2018, 2019 e 2020 e na decisão recorrida os atos de liquidação de 2017, 2018 e 2019;
v. Não obstante os períodos de tributação não sejam totalmente coincidentes não há alterações substanciais entre ambos os períodos que justifiquem uma divergência suficiente para ser afastada a identidade das situações em apreço;
vi. As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção;
vii. Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação.
F. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação.
G. Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06,
H. Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito.
I. Enquanto que no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.
J. Em sentido oposto, a decisão recorrida vem preconizar o entendimento que “ Não obstante o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, a legalidade dos atos de liquidação de IMI pode ser apreciada com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do valor patrimonial tributário.”
K. Ou seja, analisando a mesma questão, a de saber se no ato de liquidação podem ser impugnados vícios próprios do valor patrimonial tributário, a decisão recorrida responde de forma afirmativa, em contradição com o acórdão fundamento que sobre a mesma questão responde de forma negativa e uniformiza a jurisprudência sobre esta matéria.
L. Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”.
M. A jurisprudência foi especificamente uniformizada no sentido de estar excluída a apreciação da legalidade do ato que fixa o VPT em sede de discussão da legalidade do ato de liquidação, incluindo os casos em que mesma seja despoletada por um pedido de revisão oficiosa.
N. No caso em apreço, não tendo a Recorrida colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.
O. Em face de todo o exposto fácil é de concluir que, por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação impugnado nos presentes autos serem anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.
P. Em suma, entre a decisão recorrida e a Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada no Acórdão fundamento que uniformizou a jurisprudência.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça.

Não houve contra-alegações.

O Exmo. Procurador - Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de que “deve o recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado procedente, com a consequente revogação da decisão arbitral recorrida, considerando a jurisprudência anteriormente uniformizada pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 23.02.2023, proferido no processo nº 102/22.2BALSB”.

Notificadas as partes do teor do parecer do Ministério Público, nada disseram.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
a) O Requerente é um fundo de pensões, representado pela sociedade gestora B..., S. A.
b) No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
c) Em 31 de dezembro de 2017, 2018 e 2019, um dos terrenos para construção propriedade do Requerente era o inscrito sob o artigo ... na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, com o valor patrimonial tributário de € 2.612.497,73, nos dois primeiros anos, e de € 2.651.685,20, no ano de 2019. [cf. documentos n.ºs 2 e 3 anexos ao PPA]
d) O valor patrimonial tributário do aludido terreno para construção foi determinado pela AT segundo a fórmula de cálculo prevista no artigo 38.º do Código do IMI, ou seja, considerando a aplicação de coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto. [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA]
e) Relativamente a esse mesmo terreno para construção, o Requerente não solicitou uma segunda avaliação, nos termos do disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código do IMI, nem impugnou jurisdicionalmente o ato de avaliação direta.
f) O Requerente foi notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de IMI [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]:
Ø Liquidações n.ºs 2017... (emitida em 20.03.2018 e com data limite de pagamento em 30.04.2018), 2017... (emitida em 19.06.2018 e com data limite de pagamento em 31.07.2018) e 2017 ... (emitida em 18.10.2018 e com data limite de pagamento em 30.11.2018), referentes ao ano de 2017, no montante total de € 282.497,49;
Ø Liquidações n.ºs 2018 ... (emitida em 04.04.2019 e com data limite de pagamento em 31.05.2019), 2018 ... (emitida em 17.07.2019 e com data limite de pagamento em 31.08.2019) e 2018 ... (emitida em 08.10.2019 e com data limite de pagamento em 30.11.2019), referentes ao ano de 2018, no montante total de € 257.544,00; e
Ø Liquidações n.ºs 2019 ... (emitida em 20.04.2020 e com data limite de pagamento em 31.05.2020), 2019 ... (emitida em 21.07.2020 e com data limite de pagamento em 31.08.2020) e 2019 ... (emitida em 04.10.2020 e com data limite de pagamento em 30.11.2020), referentes ao ano de 2019, no montante total de € 256.237,99.
g) Em datas concretamente não apuradas, o Requerente efetuou o pagamento integral dos montantes de imposto resultantes das mencionadas liquidações de IMI [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]
h) Na sequência da reiterada jurisprudência do STA no sentido da inaplicação, para efeito da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a AT, no decurso do ano de 2020, corrigiu a fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário aplicável a esses prédios urbanos, deixando de aplicar aqueles coeficientes.
i) No dia 24.01.2022, o Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI elencados no facto provado f), nos termos e com os fundamentos constantes do documento n.º 1 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
j) O mencionado pedido de revisão oficiosa veio a presumir-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo legalmente cominado para o efeito.
k) No dia 20.07.2022, o Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD].

2.1.2.O acórdão fundamento considerou provados os seguintes factos:
a. No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, tendo sido notificado dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:
§ Liquidação com o n.º 2017 004679608, referente ao ano 2017, no montante total de € 4.025.291,53;
§ Liquidação com o n.º 2018 009513933, referente ao ano 2018, no montante total de € 4.054.699,52;
§ Liquidação com o n.º 2019 014482385, referente ao ano 2019, no montante total de € 3.580.298,52;
§ Liquidação com o n.º 2020 019247102, referente ao ano 2020, no montante total de €2.979.749,57.
b. O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, das respetivas liquidações de AIMI supra identificadas, conforme informação disponível no Portal das Finanças;
c. As sobreditas liquidações foram processadas com base nos VPT’s que à data de 1 de janeiro de cada um dos anos (2017, 2018, 2019 e 2020) constavam das respetivas matrizes...
d. ... e fixados entre 2008 e 2017 (Doc 4, com o PPA);
e. Em parte, as liquidações de AIMI sub judice tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção...
f. ... e que haviam sido fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas respectivas cadernetas prediais urbanas;
g. Os citados prédios são os terrenos para construção identificados na seguinte Tabela, elaborada pelo Requerente e junta aos autos (Doc 6, com o PPA) e que espelham os VPT’s que constavam da matriz respetiva em 1 de janeiro de cada um dos anos a que respeitam:
IMAGEM
h. Em 25/05/2021 o Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das liquidações ora impugnadas alegando errónea aplicação dos coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto no cálculo do VPT dos terrenos para construção;
i. A 12/10/2021 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral com fundamento na ilegalidade do cálculo do Valor Patrimonial Tributários (VPT) que esteve na base do cálculo das liquidações impugnadas.
j. A AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar os sobreditos coeficientes [conforme resulta das notificações de (re)avaliação efetuadas em 2019 e 2020 - Documento 5 que junta em anexo com o PPA];
k. - Não se conformando com a posição da AT quanto aos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, o Requerente apresentou, no dia 25 de Maio de 2021 (cf. Documento 1 e 3), ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, correspondente pedido de revisão oficiosa destes atos tributários;
l. - O referido pedido de revisão oficiosa considerou-se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT.
2. Factos não provados
Não ficou demonstrado: que o Requerente tivesse impugnado ou reclamado dos VPT´s que serviram de base às liquidações documentadas e impugnadas.

2.2. O direito
2.2.1. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 25.º do RJAT, tem como fundamento a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o indicado acórdão do STA “quanto à mesma questão fundamental de direito”.
De acordo com o n.º 2 do invocado artigo 25.º, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. E, por força do disposto no n.º 3 do mesmo preceito legal, ao recurso é aplicável com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 152.º do CPTA.
Um dos requisitos de admissão deste recurso, cujo objectivo é resolver a existência de um conflito de jurisprudência, é, portanto, a existência de uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o invocado acórdão do STA e a decisão arbitral impugnada.
Quanto à “mesma questão fundamental de direito”, é jurisprudência consolidada do Pleno desta Secção que: (i) a identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto pressupõe uma situação de facto substancialmente idêntica; (ii) não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Vejamos então se a alegada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito se verifica.
Na decisão arbitral recorrida, perante uma impugnação das liquidações de IMI dos anos de 2017, 2018 e 2019, apresentada na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa de tais actos, foi julgado procedente o pedido de anulação dessas liquidações, considerando que “[n]ão obstante o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI, a legalidade dos atos de liquidação de IMI pode ser apreciada com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do valor patrimonial tributário” e que não só os vícios do ato de fixação do valor patrimonial tributário não se encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário”.
Por seu turno, no acórdão fundamento, o pedido de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de AIMI, efectuado junto do tribunal arbitral após a formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa desses actos, foi julgado improcedente, considerando, no que aqui importa, que, tendo esse pedido como fundamento a ilegalidade dos actos de fixação dos VPT a que se referem as liquidações e não tendo esses actos de avaliação, que constituem actos autónomos e destacáveis para efeitos de impugnação (cf. artigo15.º do CIMI e artigo 86.º, n.º 1, da LGT), sido oportunamente atacados - primeiro, pelo esgotamento dos meios graciosos do procedimento de avaliação (cf. artigo 134.º, n.º 7, do CPPT e artigo 76.º, n.º 1, do CIMI) e, depois, mediante impugnação judicial (cf. artigo134.º, n.º 1, do CPPT e artigo 77.º, n.º 1, do CIMI) - formou-se caso resolvido ou caso decidido quanto a esses valores, o que obsta à impugnação dos actos de liquidação com fundamento em vício próprio dos atos de fixação do VPT (cf. artigo 86.º, n.º 2, da LGT). Ou seja, no acórdão fundamento considerou-se que os actos por que foram fixados os VPT dos prédios a que se referem as liquidações impugnadas se tinham consolidado na ordem jurídica, motivo por que os vícios próprios desses actos não podiam servir de fundamento ao pedido de impugnação das liquidações de IMI, seja directamente, seja, como no caso, mediante a impugnação do indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão das liquidações.
Daqui decorre que, perante uma situação factual substancialmente idêntica e aplicando o mesmo quadro normativo, à mesma questão de direito - saber se, sendo os actos de avaliação do VPT actos destacáveis autonomamente impugnáveis, podem ou não os vícios desses actos constituir fundamento para a impugnação judicial dos actos de liquidação emitidos com base naqueles - foi dada resposta divergente na decisão arbitral recorrida e no acórdão fundamento.
Verificando-se a invocada oposição de julgados e uma vez que a orientação perfilhada na decisão arbitral não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [cf. artigo 152.º, n.º3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 25.º do RAJT], importa passar para o conhecimento do mérito do recurso.
2.2.2. Sucede que o Supremo Tribunal Administrativo já uniformizou jurisprudência sobre esta questão, precisamente através do acórdão invocado como fundamento no presente recurso, onde ficou decidido que “[d]eixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável”.
Entendimento reiterado, designadamente nos acórdãos deste Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 25/10/2023 (Processos 045/23.2BALSB e 047/23.9BALSB), de 22/11/2023 (Processo 0115/23.7BALSB), de 24/1/2024 (Processos 86/23.0BALSB, 64/23.9BALSB, 133/22.5BALSB, 134/23.3BALSB, 148/23.3BALSB).
Assim sendo, em conformidade com a jurisprudência consolidada vinda de referir, se impõe dar provimento ao recurso e anular a decisão recorrida.

Em conclusão (cf. sumário do acórdão fundamento):
Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável.

3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, reafirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal, conceder-lhe provimento e anular a decisão arbitral.
Custas pelo Recorrido, sem taxa de justiça por não ter contra-alegado no recurso.
Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 21 de Março de 2024. - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro