Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0356/11
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
CONHECIMENTO DE QUESTÃO PRÉVIA
CASO JULGADO
ÂMBITO DO CASO JULGADO
VÍCIOS DO ACTO ADMINISTRATIVO
NULIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - O art. 87º, n.º 2, do CPTA deve ser restritivamente interpretado por forma a excluir dele as questões prévias silenciadas no saneador que continuem plenamente operantes e ainda oponíveis à decisão de mérito.
II - A causa de pedir nas acções administrativas especiais consiste em cada um dos vícios fautores da ilegalidade do acto impugnado, motivo por que a improcedência de uma dessas acções não veda que, por efeito do caso julgado, se instaure outra contra o mesmo acto por vícios diversos.
III - Deduzida, numa segunda acção contra o mesmo acto, a excepção de caso julgado, há que comparar os vícios arguidos e conhecidos da primeira vez com os denunciados na segunda lide, o que pressupõe um prévio trabalho instrutório, da responsabilidade da Secção.
Nº Convencional:JSTA00068986
Nº do Documento:SAP201411130356
Data de Entrada:09/17/2014
Recorrente:A....
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM CONT.
DIR ADM GER - DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:ETAF02 ART12 N3.
CPTA02 ART78 N2 G ART83 N1 ART87 N2 ART95 N2.
CPA91 ART134 N1 N2.
CCIV66 ART342 N1.
CPC96 ART668 N1 D ART660 N2.
CPC13 ART580 ART581 N4 ART621.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO ED1950 VOLIII PÁG121.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
O Dr. A…………, identificado nos autos, interpôs recurso do acórdão da Secção que, na acção administrativa especial por ele movida contra o CSMP – com vista a que se declare a nulidade do acto do Plenário daquele Conselho, de 3/2/2009, que aplicara ao autor a pena disciplinar de aposentação compulsiva – julgou procedente a excepção de caso julgado e absolveu da instância a entidade demandada.
O recorrente findou a sua alegação de recurso oferecendo as seguintes conclusões:
I. Ao julgar verificada a questão prévia suscitada pelo Conselho Superior do Ministério Público, absolvendo a entidade demandada da instância, o acórdão recorrido incorre em nulidade e em erro de julgamento, devendo ser revogado.
II. O Tribunal tinha, obrigatoriamente, de conhecer em despacho saneador uma questão suscitada na contestação da entidade demandada que, a proceder, obstava ao conhecimento do mérito da causa, como impõe a alínea a) do nº 1 do artigo 87º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
III. Ora, o Tribunal não só não conheceu da excepção invocada como abriu a fase de alegações, vindo a decidir a questão prévia no acórdão final.
IV. Não se tendo pronunciado no momento processualmente adequado sobre a questão prévia suscitada pela entidade demandada, a 1ª Subsecção ficou legalmente impedida de sobre ela se pronunciar no acórdão final, já que aí apenas deviam ser consideradas as questões relativas ao mérito da acção, nos termos do nº 2 do artigo 87º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
V. Deste modo, o acórdão recorrido deve ser declarado nulo, por ter conhecido uma questão impeditiva do conhecimento do mérito da causa, em violação do nº 2 do artigo 87º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
VI. Ainda que tal pronúncia fosse possível no momento em que foi efectuada, o acórdão recorrido também errou na aplicação do direito ao julgar verificada a questão prévia suscitada pelo Conselho Superior do Ministério Público.
VII. A tese perfilhada pelo Tribunal é a de que a imposição ao juiz do dever de conhecer, de ofício, todas as causas de invalidade de cuja existência se aperceba, determina o alargamento máximo dos limites objectivos do caso julgado. O recorrente entende que tal tese não é sustentável.
VIII. A imposição ao juiz do dever de conhecer, de ofício, todas as causas de invalidade de cuja existência se aperceba, determina um alargamento dos efeitos objectivos do caso julgado aos fundamentos que, embora não tenham sido invocados pelas partes, foram efectivamente conhecidos. Mas não mais que isso
IX. Subjacente à pretensão anulatória existe sempre uma relação material constituída pela definição introduzida pelo acto na ordem jurídica e pela lesão que ele causa posição jurídica subjectiva do autor. Ora, os efeitos do caso julgado circunscrevem-se aos fundamentos toda a relação material (a não ser, claro está, que no processo tenha sido esgotada essa apreciação).
X. A causa de pedir na acção é constituída por nulidades específicas (porque especificadas e delimitadas), nunca anteriormente invocadas, nem conhecidas judicialmente, pelo que não há identidade de causa de pedir na acção e na anterior (Proc. nº 551/2009). A invocação de nulidades específicas do acto administrativo, nunca invocadas, não pode ser confundida com invocação de uma qualquer outra nulidade já invocada anteriormente, como bem prevê o artigo 498º, nº 4 do Código do Processo Civil, para a verificação dos requisitos do caso julgado.
XI. Por outro lado, tais nulidades são invocáveis a todo o tempo, nos termos do nº 2 do artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo.
XII. Improcede pois a excepção do caso julgado invocada pelo Conselho Superior do Ministério Público e acolhida pelo acórdão recorrido, razão pela qual o acórdão apelado deve ser revogado.
XIII. O Tribunal não apreciou nem conheceu questões suscitadas pelo recorrente e que estava vinculado a conhecer: todas as questões relativas ao mérito da acção.
XIV. Deste modo, o acórdão recorrido deve ser declarado nulo, por omissão de pronúncia sobre todos os fundamentos de mérito da acção, em violação da alínea d) no nº 1 do artigo 668º do Código do Processo Civil.
XV. O acórdão recorrido não se pronunciou sobre o mérito da causa. Não obstante, o recorrente, pelas razões já sumariadas, entende que o não fez ilegalmente. Tendo de existir, necessariamente, uma pronúncia sobre os fundamentos invocados na acção, o recorrente entende que deve ser decidido como pedido na acção, com os fundamentos expressos na petição inicial, e que não se especificam em conclusões por dizerem respeito ao acto administrativo impugnado na acção e não ao conteúdo do acórdão recorrido.

O CSMP contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
1- O Juiz Relator pode e deve remeter para o momento da decisão final, em conferência, o julgamento de questões que não esteja habilitado a conhecer após a apresentação dos articulados.
2- O vício de excesso de pronúncia que o Recorrente atribui ao Acórdão recorrido seria - mas não é, como vimos - por omissão de pronúncia, do despacho que determinou a notificação das partes para a alegação do artigo 91º do CPTA,
3- QUE TRANSITOU EM JULGADO e NÃO PODE SER REMOVIDO pela decisão a proferir no presente recurso,
4- Que toma apenas por objecto o Acórdão recorrido.
SEM PRESCINDIR
5- O Tribunal operou o julgamento acertado da matéria de excepção — CASO JULGADO — julgamento esse que o Pleno da Secção não pode deixar de fazerem caso de procedência do primeiro pedido deste recurso.
6- O julgamento da questão prévia impede, por determinação legal, o conhecimento dos vícios imputados ao acto objecto da Acção.
SEM PRESCINDIR
7- Pelas razões expostas na Contestação e na Alegação do artigo 91º, do CPTA que o CSMP oportunamente juntou à Acção, acima reproduzidas, o acto punitivo não padece de qualquer dos vícios que lhe vêm atribuídos, ou de outros, que permitam a declaração da sua nulidade.

A matéria de facto pertinente é a dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui damos por integralmente reproduzida – como ultimamente se estabelece no art. 713º, n.º 6, do CPC anterior e ora aplicável.

Passemos ao direito.
O acórdão recorrido considerou verificada a excepção de caso julgado e absolveu da instância o CSMP porque o acto punitivo sobre que versa a acção dos autos já fora impugnado pelo autor noutra acção administrativa especial, que improcedera.
O recorrente ataca o aresto dizendo-o nulo, por excesso (conclusões 1.ª a 5.ª) e omissão de pronúncia (conclusões 13.ª e 14.ª), e imputando-lhe um erro de julgamento (conclusões 6.ª a 12.ª).
Nas cinco primeiras conclusões da sua minuta, o recorrente defende que a excepção de caso julgado tinha de ser apreciada no despacho saneador, não podendo sê-lo depois (art. 87º, n.º 2, do CPTA), como sucedeu; consequentemente, o acórdão «sub specie» seria nulo, por se haver pronunciado sobre questão de que não podia conhecer.
É indiscutível que esse art. 87º, n.º 2, preceitua que as questões prévias obstativas ao conhecimento do mérito, isto é, as excepções dilatórias, devem ser apreciadas no despacho saneador, não podendo ser suscitadas nem decididas depois dessa fase. Trata-se duma solução que promove a tomada de decisões de mérito, tidas como mais valiosas e úteis. Mas, apesar da sua feição terminante, o texto dessa norma deve ser restritivamente interpretado, por forma a dele excluir as questões prévias silenciadas no saneador que continuem plenamente operantes e ainda oponíveis à decisão de mérito – em termos de suprimirem, «a radice», as suas valia e utilidade.
É que nenhum sentido faria que, «ex vi» do art. 87º, n.º 2, do CPTA, o juiz tivesse de sentenciar sobre o mérito apesar da questão prévia olvidada continuar operativa e inutilizadora do que sentenciasse. E enquadra-se perfeitamente aí a excepção de caso julgado, pois, se acaso a Secção se abstivesse de conhecer «in fine» da excepção dilatória existente, a pronúncia que emitisse sobre o mérito seria inteiramente vã, atento o que se dispunha no n.º 1 do art. 675º do CPC anterior e então aplicável.
Assim, e mau grado as aparências, uma interpretação atenta à «ratio» e aos fins do art. 87º, n.º 2, do CPTA, exige que, das «questões prévias» nele referidas, excluamos, ao menos, a excepção de caso julgado. E, nesta linha de entendimento, o acórdão recorrido andou bem ao enfrentar tal assunto – o que traz a improcedência das cinco primeiras conclusões da alegação de recurso.
Nas conclusões 13.ª e 14.ª, o recorrente diz que o acórdão «sub censura» é nulo porque não se pronunciou sobre o mérito da acção. Mas esta nulidade – prevista na 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art. 668º do CPC anterior – não existe, ante a evidência de que a decisão de mérito ficara prejudicada pela pronúncia do aresto sobre a excepção de caso julgado (art. 660º, n.º 2, do mesmo CPC). Improcedem, portanto, as duas conclusões que estiveram em apreço.
Nas suas conclusões 6.ª a 12.ª, o recorrente sustenta que, nas acções administrativas especiais, a «causa petendi» se desdobra em cada um dos vícios concretamente atribuídos ao acto impugnado, razão por que a força de caso julgado da decisão que julgue improcedente uma dessas acções não impede que se deduza outra contra o mesmo acto, desde que fundada em causas de invalidade diversas. E, partindo destas considerações – que se ajustam ao modo como habitualmente se tem encarado a impugnação dos actos administrativos, no âmbito da LPTA e mesmo antes dela – o recorrente imputa ao acórdão em crise um erro de julgamento.
É que o acórdão recorrido, firmando-se em posições doutrinais que citou, entendeu que o CPTA trouxe, neste campo, uma efectiva mudança de paradigma, que centraria a causa de pedir das acções administrativas especiais na global ilegalidade do acto impugnado, ainda que matizada e discutida segundo os vários vícios de que ele padeça. E seria por causa desta ideia que o CPTA propende ao conhecimento de todas as causas de ilegalidade do acto, sem distinguir entre as formas de invalidade que lhes correspondam e sejam elas invocadas pelo autor ou conhecidas «ex officio» (art. 95º, n.º 2, do CPTA). Desse modo, o CPTA pretenderia que a pronúncia judicial acerca da bondade do acto impugnado fosse esgotante e derradeira, o que imediatamente alargaria o âmbito do respectivo caso julgado.
Fruto dessa sua tese, o acórdão recorrido absteve-se de analisar se as diversas causas de invalidade arguidas na presente acção já haviam sido julgadas pelo STA no processo anterior em que o autor, aliás sem êxito, atacara o mesmo acto. Em vez disso, a Secção decidiu-se logo pela ocorrência da excepção de caso julgado, fazendo-o a partir da mera circunstância do acto já ter sido impugnado e o tribunal não ter então concluído pela sua ilegalidade.
Mas afigura-se-nos que este entendimento é desconforme às regras gerais do processo e subverte a posição ancilar do direito adjectivo relativamente ao substantivo.
Salta, de imediato, à vista que essa tese permite que se considere abrangido pelo caso julgado de uma decisão o que nela não fora realmente julgado – mesmo que pudesse sê-lo. Ora, esta é uma solução que parece brigar com o disposto no art. 621º do CPC actual – onde se estabelece que «a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga». E, ademais, alguma incoerência ressalta da ideia de que uma causa de invalidade não apreciada numa sentença absolutória fez parte, afinal, do seu campo de apreciação – motivo por que integraria o caso julgado respectivo.
E esta primeira impressão, desfavorável ao acórdão «sub specie», encontra fundamento na identificação das «causae petendi» dos processos impugnatórios como o destes autos. Em geral, a causa de pedir corresponde ao facto jurídico concreto em que se baseie o pedido (art. 581º, n.º 4, do CPC). Contudo, o aresto em crise não seguiu por aí.
Com efeito, já «supra» adiantámos que a Secção lobrigou a causa de pedir das acções administrativas especiais na global ilegalidade do acto impugnado – e não nos diversos vícios arguidos. Mas a ilegalidade é uma categoria abstracta, como mostra o sufixo do vocábulo. E isso confirma-se facilmente de outro modo: a ilegalidade é a negação da legalidade; e esta é a conformidade à lei. Assim, se identificássemos a causa de pedir dos processos impugnatórios com a «ilegalidade» do acto, acabaríamos por reconduzir tal causa à própria norma legal, tida por violada; e, dessa maneira, localizaríamos a «causa petendi» no plano abstracto da lei, e não no plano concreto dos factos – como o direito adjectivo impõe («vide», a propósito, Alberto dos Reis, CPC Anotado, ed. de 1950, vol. III, pág. 121).
Ao que acresce o seguinte: a ilegalidade global de um acto – que não se confunde com as ilegalidades concretas de que ele acaso padeça, pois estas constituem já, e propriamente, os vícios do acto – não apresenta só o inconveniente de corresponder a uma categoria abstracta. Essa ilegalidade global possui ainda a característica de ser algo que se deduz de outra coisa; pelo que, enquanto consequência, ajusta-se mal à ideia de que ela seria genuinamente causa. Vejamos melhor este ponto.
Parece óbvio que a ilegalidade afirmada (pelo autor) ou reconhecida (na sentença) é algo que deriva dos vícios que o acto impugnado apresente e que sejam causais dela. Assim, mesmo que tomássemos tal ilegalidade como intermediária entre esses vícios e a pronúncia supressiva do acto, deveríamos recusar que ela fosse a causa autêntica do pedido impugnatório formulado na acção. É que a «causa petendi» é, em rigor, a causa eficiente do pedido; e essa eficiência só pode achar-se nos vícios invalidantes – e não em quaisquer consequências que se lhes sigam, mesmo que imediatamente, como sucede com a «ilegalidade», sob pena de se confundir a ordem dos efeitos com a das causas.
Por outro lado, se a causa de pedir nas acções administrativas especiais fosse a global e conjunta ilegalidade do acto, perderia sentido o art. 78º, n.º 2, al. g), do CPTA, onde se impõe ao autor o dever de, «in initio litis», «expor os factos e as razões de direito que fundamentam a acção». Ao exigir a indicação dos factos jurídicos concretos onde radica o pedido, esta norma está, evidentemente, a tratar da «causa petendi» – e a precisar o seu conteúdo em moldes que não trazem qualquer novidade. Assim, o art. 78º, n.º 2, al. g), veda que o autor simplesmente alegue que o acto impugnado lhe desagrada porque é ilegal, remetendo para o juiz a pesquisa oficiosa dos vícios que o inquinem. Mas, se o autor não pode ficar-se por essa vaga denúncia de ilegalidade, logo se deduz que esta não pode ser a verdadeira causa de pedir nas acções do género.
E, se a «causa petendi» consistisse em tal ilegalidade, globalmente afirmável, teríamos então de atribuir à denúncia dos vícios do acto uma outra função qualquer. E eles só poderiam funcionar como razões ou argumentos, deixando de se entrever, em cada vício, uma autónoma «quaestio juris». No entanto, isto tornaria impossível que incorresse em omissão de pronúncia a sentença que negligentemente silenciara algum dos vícios arguidos pelo autor; pelo que o pretenso paradigma processual novo, tendente a uma alargada sindicância do acto, acarretaria o irónico resultado de salvar decisões que haviam pecado por defeito. Assim, por esta outra via se conclui que a «causa petendi» das acções administrativas especiais não reside na ilegalidade do acto, antes se desdobrando nos concretos vícios de que ele sofra e que fundem a pretensão do autor.
E tal conclusão não é abalada pelo disposto no art. 95º, n.º 2, do CPTA. Esta norma não rompe qualitativamente com o paradigma anterior, em que já se atribuía ao juiz o dever de, «ex officio», declarar o acto nulo, ainda que por razões omitidas pelo impugnante. Portanto, a mudança trazida pela norma aparenta ser meramente quantitativa, já que alargou a anterior possibilidade de conhecimento extravagante de vícios aos casos de simples anulação do acto – permitindo a detecção, na sentença, dos que sejam causais desse efeito.
Concede-se que a fronteira entre as mudanças de grau e de qualidade é frequentemente pouco nítida. Mas cremos que o art. 95º, n.º 2, somente inovou «in quantitate». Desde logo, e como já dissemos, porque aí nos surge uma mudança para mais. Depois, porque o programa da norma restringe-se à indicação dos vícios cognoscíveis, sendo despropositado tomá-la como resolutiva da questão de saber qual é a causa de pedir nas acções administrativas especiais. Até porque esta questão está directamente tratada num outro preceito – o art. 78º, n.º 2, al. g) – conforme acima vimos.
Portanto, o art. 95º, n.º 2, do CPTA nada disse, nem quis dizer – sob pena de entrar em conflito com o art. 78º, n.º 2, al. g), e as regras adjectivas gerais – quanto à identificação da causa de pedir nos processos impugnatórios. E, se aquele art. 95º, n.º 2, é alheio a isso, tem de se lhe negar qualquer contribuição para o recorte do âmbito do caso julgado, designadamente o absolutório.
Mas há mais: não se vê como é que o art. 95º, n.º 2, poderia fundar a tese de que o caso julgado absolutório haveria de abranger vícios que nem sequer eram cognoscíveis – em virtude do tribunal não «dispor dos elementos indispensáveis» para os apreciar (cf. o n.º 1 do artigo). E isto, que parece incontornável, contribui para desacreditar a tese – acolhida no acórdão «sub censura» – de que o acto impugnado só pode sê-lo uma vez.
Do que dissemos, flui que a causa de pedir nos processos impugnatórios continua, no CPTA, a localizar-se nos vícios concretos atribuídos ao acto impugnado e aptos, caso existam, a provocarem o efeito jurídico supressivo que o autor persegue. E esta conclusão, extraída do plano processual, tem ainda apoio na lei substantiva.
Com efeito, e tendo em conta os curtos prazos de caducidade do direito de impugnar actos administrativos por vícios determinantes da sua anulação, o problema colocado nos autos só verdadeiramente surge nas acções, subsequentes a outras, em que se peça a declaração de nulidade do acto impugnado. Esse acto, se for efectivamente nulo, nenhuns efeitos produziu ou produzirá e tal nulidade é invocável a todo o tempo (art. 134º, n.º 1 e 2, do CPA). Perante um acto tão gravemente viciado, a lei afirma a conveniência de, em qualquer altura, se actuar com vista a erradicá-lo com nitidez da ordem jurídica; e, ao afirmá-lo, a lei coloca num plano subalterno valores como os da certeza e segurança jurídicas.
Ora, essa afirmação da lei substantiva seria anomalamente negada pela lei adjectiva, que daquela é serventuária, se aceitássemos a ideia que perpassa pelo aresto recorrido. Este crê que o caso julgado absolutório abrange os vícios causais de nulidade não conhecidos pelo juiz, de modo que seria vedado propor uma segunda acção, fundada nesses vícios. Mas, por este modo ínvio, a Secção possibilita, «contra legem», uma convalidação dos vícios dessa espécie – pois o acto nulo tornar-se-ia futuramente inatacável, apesar de nenhum tribunal alguma vez se haver pronunciado «expressis verbis» sobre o vício fautor da nulidade.
Ou seja: a lei substantiva trata os actos nulos sem contemplações, apontando para que eles sejam reconhecidos e suprimidos; e, segundo o aresto em crise, o CPTA, mau grado o seu carácter instrumental, seria interpretável num sentido oposto – impeditivo da sindicância, em qualquer altura, de um acto nulo que nunca fora impugnado sob esse prisma. Mas esta ideia do acórdão não pode colher, por derivar de uma hermenêutica que olvida a postura subordinada da lei processual.
Estamos agora em condições de recusar a posição assumida pelo acórdão recorrido a propósito da excepção de caso julgado. Desde que sejam diferentes os vícios invocados em duas acções administrativas especiais dirigidas contra o mesmo acto, torna-se impossível dizer que a segunda delas, na medida em que veicula essa diferença, ofende o caso julgado formado na primeira; pois não há, entre esses pleitos, a absoluta identidade de causa de pedir em que se funda tal excepção dilatória (arts. 580º e 581º do CPC).
E, assente este ponto, a questão seguinte é a da saber quais, são, doravante, os poderes cognitivos do Pleno «in casu».
Independentemente da qualificação atribuível a este recurso – ou apelação, ou revista – sempre se justificaria que, em condições normais, prosseguíssemos no conhecimento da excepção dilatória a que a Secção se ateve, ainda que de maneira somente vestibular. Assim, seguir-se-ia um exercício que consiste em comparar as causas de nulidade do acto impugnado, denunciadas pelo autor nestes autos, com os vícios alegados e decididos no processo anterior, que o CSMP considera estar repetido. Contudo, essa tarefa não é imediatamente realizável.
É sabido que este Pleno só conhece de matéria de direito (art. 12º, n.º 3, do ETAF), decidindo «de jure» dentro do enquadramento factual estabelecido pela Secção. Ora, o elenco dos «factos» que o acórdão recorrido considerou «provados» não contém qualquer referência à acção anterior, fundante da excepção de caso julgado. Ignora-se, pois, que vícios o autor aí alegou e qual o exacto modo como o STA os refutou e decidiu. Sendo assim – e à luz do novo enfoque, que acolhemos, da excepção dilatória – depara-se-nos uma deficiência de instrução, que tem de ser colmatada para se poder seguidamente efectuar o trabalho comparativo a que aludimos. E essa ampliação da matéria de facto, essencial ao conhecimento preciso da questão do caso julgado, incumbe unicamente à Secção – por constituir matéria alheia ao «munus» do Pleno, como dissemos.
Nesta conformidade, os autos deverão voltar à Secção para ampliação da matéria de facto e julgamento da excepção dilatória segundo a perspectiva acima apontada. E, ainda, para conhecimento, total ou parcial, do mérito, se a excepção de caso julgado improceder, no todo ou em parte.

Nestes termos, acordam em conceder provimento a este recurso, em revogar o acórdão recorrido e em determinar que o processo volte à Secção para os fins sobreditos.
Custas pelo recorrido.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – António Bento São Pedro – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Aberto Acácio de Sá Costa Reis (vencido pelas razões constantes do voto).

VOTO DE VENCIDO

1. O Acórdão que acaba de fazer vencimento não fez, a meu ver, uma correcta interpretação do Acórdão recorrido tirando, por isso, conclusões que o mesmo não consente.
E isto porque partiu da ideia de que o mesmo tinha considerado que “o CPTA propende ao conhecimento de todas as causas de ilegalidade do acto, sem distinguir entre as formas de invalidade que lhes correspondam e sejam elas invocadas pelo autor ou conhecidas «ex officio» (art. 95º, n.º 2, do CPTA)” e que, por isso, se absteve “de analisar se as diversas causas de invalidade arguidas na presente acção já haviam sido julgadas pelo STA no processo anterior em que o autor, aliás sem êxito, atacara o mesmo acto. Em vez disso, a Secção decidiu-se logo pela ocorrência da excepção de caso julgado, fazendo-o a partir da mera circunstância do acto já ter sido impugnado e o tribunal não ter então concluído pela sua ilegalidade.” Ou seja, “lobrigou a causa de pedir das acções administrativas especiais na global ilegalidade do acto impugnado - e não nos diversos vícios arguidos” o que era errado já que “se identificássemos a causa de pedir dos processos impugnatórios com a «ilegalidade» do acto, acabaríamos por reconduzir tal causa à própria norma legal, tida por violada; e, dessa maneira, localizaríamos a «causa petendi» no plano abstracto da lei e não no plano concreto dos factos - como o direito adjectivo impõe («vide», a propósito, Alberto dos Reis, CPC, Anotado, ed. de 1950, vol. III, pág. 121).” O que conduziria a que se pudesse considerar “abrangido pelo caso julgado de uma decisão o que nela não fora realmente julgado - mesmo que pudesse sê-lo”.
Todavia, salvo melhor opinião, não foi exactamente isso o que se disse no Acórdão recorrido.
2. Com efeito, aquele partiu do inquestionável princípio de que o processo judicial administrativo é um processo de partes e que, por ser assim, cumprirá ao Autor alegar os factos constitutivos do direito de que se arroga e ao Réu invocar factos que contrariem os que foram articulados e os que forem impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão formulada (art.º 342.º/1 e 2 do CC, art.ºs 467.º/1 d), e 487.º/2 do CPC e art.ºs 78.º/2/ g) e 83.º/1 do CPTA).
Tal não significava, porém, que o processo dependia unicamente das partes visto o principio dispositivo ter vindo a ser matizado pelas sucessivas alterações das leis processuais e tal ter conduzido à atribuição ao Juiz de poderes de intervenção cada vez maiores, tudo com vista a que o litígio seja resolvido através de uma decisão que, conhecendo o mérito da causa, o resolva definitivamente. Era, pois, certo que o processo, civil ou administrativo era um processo de partes em que lhes estava reservado o «papel» principal - desde logo, o de trazer a juízo os factos que materializam a sua pretensão e o de indicar os meios demonstrativos do direito que se arrogam - mas também o era que a lei reservava ao Juiz importantes poderes interventivos com vista a promover que o mérito da causa fosse discutido e decidido. E a prova disso era que o art.º 95.º do CPTA prescrevia que o Tribunal tinha o dever de conhecer “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” - o que não era novidade (art.ºs 660.º/2 e 668/1 d) do CPC) - como o instou a identificar e a pronunciar-se “sobre a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas” desde que, como é evidente, os factos trazidos a juízo pelas partes e a prova que sobre eles foi feita o permitissem e cumprido que fosse o princípio do contraditório. (vd. seus n.ºs 1 e 2).
Acrescentando-se a seguir que o legislador obrigou o Tribunal a pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade de que o acto impugnado podia padecer - tivessem, ou não, sido invocadas - obrigação de que só foi dispensado quando não dispusesse dos elementos de facto indispensáveis para o efeito elementos esses que, como não podia deixar de ser, tinham de ser trazidos pelas partes. Ou seja, o Acórdão recorrido afirmou claramente que cabia às partes o ónus de alegar e provar os factos de que dependia o êxito das suas pretensões, nele se incluindo a indicação daqueles que consubstanciavam os vícios determinantes da ilegalidade.
Não é, assim, exacto afirmar-se que o Acórdão recorrido partiu do princípio de que a causa de pedir das acções administrativas especiais era a global ilegalidade do acto impugnado - e não os diversos vícios arguidos - e que a mera circunstância do acto já ter sido impugnado e o tribunal não ter concluído pela sua ilegalidade determinava a improcedência de uma nova acção onde se arguíssem novos vícios, por tal significar a violação do anterior caso julgado.
3. E aplicando esse entendimento ao caso dos autos o Acórdão recorrido afirmou “o que aqui está em causa é a pretensão do Autor de ver reapreciada a legalidade da deliberação do CSMP que o puniu com a pena de «aposentação compulsiva», a qual já foi declarada por sucessivas pronúncias deste Tribunal como conforme à lei. E suporta essa pretensão argumentando que, desta vez, a impugnação daquele acto era feita através da invocação de vícios determinantes da sua nulidade que não invocados nem conhecidos na anterior acção.”
Só que essa pretensão não tinha fundamento uma vez que o Autor fundava-a “na mesma materialidade que invocou no primeiro processo - isto é, na existência do acto punitivo e na forma como ele se formou - não havendo nessa exposição nenhuma novidade em relação ao que fora anteriormente alegado. O que, de resto, se compreende já que não era possível «inventar» nada nessa matéria sendo, por isso, sintomático que o Autor ao fundamentar juridicamente o seu pedido não tenha mencionado que o mesmo se sustentava em factos não alegados na acção anterior.
E, se assim é, emerge imediatamente uma conclusão: a de que vícios ora alegados que já podiam ser visualizados na factualidade invocada na anterior acção pelo que podiam ter sido aí especificamente suscitados pelo Autor como, por outro lado, o Tribunal que a julgou, no uso dos seus poderes inquisitórios, podia e devia ter-se pronunciado sobre eles ...”.
E concluindo rematou: “Em suma, o pedido formulado nesta acção é sustentado na causa de pedir que já havia sido invocada na anterior acção visto, em ambos os casos, o objecto do processo ser o mesmo - a pretensão anulatória da identificada deliberação do CSMP - e ele ser fundamentado na mesma factualidade. E, porque assim, e porque o anterior processo impugnatório foi julgado improcedente ficou precludida a possibilidade de nova impugnação do mesmo acto ainda que, desta vez, com a arguição de causas de invalidade diferentes das invocadas no primeiro processo.”
Ora, estas considerações são a meu ver exactas não podendo, por isso, acompanhar as razões que fundamentaram, nesta matéria, o Acórdão que acaba de fazer vencimento.
4. Mas uma outra razão me afasta da decisão agora votada.
Nela se afirma que “o elenco de «factos» que o Acórdão recorrido considerou «provados» não contém qualquer referência à acção anterior, fundante da excepção do caso julgado. Ignora-se, pois, que vícios o Autor aí alegou e qual o exacto modo como o STA os refutou e decidiu.” E, por isso, e porque considera que esse trabalho comparativo implica a ampliação da matéria de facto, matéria alheia ao «munus» do Pleno, ordena que o processo volte à Secção para esse efeito.
Todavia, se bem virmos, a única questão que se suscita neste recurso é a de saber se a factualidade invocada nesta acção como fundamento do pedido nela formulado constitui, ou não, repetição da factualidade invocada na acção já julgada.
Ora, o trabalho de comparar o alegado na anterior acção com o que consta da petição inicial destes autos e dizer se essa factualidade constitui repetição do anteriormente alegado não implica o julgamento de matéria de facto por se tratar de um julgamento onde são convocados apenas conhecimentos jurídicos.
Trabalho que, salvo melhor opinião, foi já feito no Acórdão recorrido visto nele se ter afirmado que “o pedido formulado nesta acção é sustentado na causa de pedir que já havia sido invocada na anterior acção visto, em ambos os casos, o objecto do processo ser o mesmo - a pretensão anulatória da identificada deliberação do CSMP - e ele ser fundamentado na mesma factualidade.”

Deste modo, também aqui voto vencido.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014.
Alberto Acácio de Sá Costa Reis.