Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0538/08.1BELRA
Data do Acordão:05/05/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CULPA DO LESADO
HONORÁRIOS
MANDATÁRIO JUDICIAL
Sumário:I - No contexto da responsabilidade civil do Estado por danos inferidos à esfera jurídica de particulares, o juízo de ponderação e censura por inobservância do ónus do lesado (artº 570º CC) em adoptar a diligência exigível a evitar a produção ou o agravamento dos prejuízos sofridos, carece de ser fundamentado em circunstâncias de facto que evidenciem a eficácia impeditiva da conduta omitida e o grau de culpa nessa omissão.
II - À diligência do lesado no domínio específico da conduta processual se refere o artº 7º nº 2 DL 48051 de 21.11.1967, reproduzida no actual RREE pelo artº 4º DL 67/2007 de 21.12.
III - Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais.
Nº Convencional:JSTA00071455
Nº do Documento:SA1202205050538/08
Data de Entrada:04/23/2019
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A......., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CC ART563 ART570
Aditamento:
Texto Integral: O Estado Português, representado pelo Ministério Público, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 18.10.2018, dele vem recorrer concluindo como segue:
1. Impõe-se a intervenção desse mais alto órgão de cúpula da justiça administrativa, face ao evidente erro de julgamento do Venerando Tribunal recorrido na aplicação do direito e deste aos factos, com o prejuízo inerente para interesses públicos relevantes e para dissipar dúvidas sobre a matéria de direito em apreço e sobre o quadro legal que a regula, havendo utilidade prática na apreciação das questões suscitadas, tendo em vista uma boa administração da justiça, e por ser necessária orientação jurídica esclarecedora do STA, nos termos do artº 150º do CPTA.

2. Considerando a data dos alegados factos ilícitos, tem aplicação o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos de gestão pública, aprovado pelo D.L. n.° 48.051, de 21/11/1967, por ser o vigente à data, sendo a Lei n.° 67/2007, de 31/12, posterior no tempo e, por isso, inaplicável (artº 12º do C. Civil).

3. Verificou-se a inexistência de qualquer ato de deferimento prévio e expresso, relativamente ao necessário licenciamento camarário e omissão de pronúncia da então DRAOTLVT (Direção Regional do Ambiente e de Ordenamento do Território) e de decisão ou parecer favorável das entidades responsáveis pela gestão e ordenamento do território, no caso, pelas construções em zona situada junto do mar, conforme resulta da al. V) dos factos provados.

4. Nos termos dos artº 1º, nºs 1 e 2, 55º, nº 3 e 85º, do DL n.º 46/94, de 22/02, competia às, então designadas, Direções Regionais do Ambiente e de Ordenamento do Território o licenciamento, a verificação e a fiscalização das construções junto da orla marítima, com vista a impedir a construção indevida e dentro das margens das águas do mar.

5. Os funcionários da DRAOT que realizaram o auto de embargo em apreço atuaram na convicção da legalidade das suas condutas, no âmbito do entendimento referido, e na execução do seu dever jurídico-legal de fiscalização das obras para salvaguarda do ambiente, da contenção urbanística e do ordenamento do território, nomeadamente junto da orla marítima – artº 483º, nº 1, do C. Civil a contrario.

6. Muito naturalmente, por força variável das marés, tendo que ser calculados os limites da preia-mar, é evidente que uma margem de erro de cerca de 40 metros, como foi considerado no douto Acórdão do STA, é um lapso desculpável, dada a proximidade da construção relativamente ao mar, não se podendo considerar um erro grosseiro e evidente e suscetível de ser considerado ilícito.

7. O ato de selagem da obra, datado de 04/07/2001, veio a ser revogado por despacho de 27/07/2001, conforme alínea R) do probatório, por despacho da Diretora Regional da Direção Regional de Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, e ordenou o levantamento dos selos no dia 30/07/2001, donde se conclui que a Autora poderia ter evitado parte dos prejuízos retirando os materiais de construção.

8. A atuação dos agentes da administração pública encontra-se plenamente justificada, sendo um "mal” necessário, pois que foi realizada para proteção dos valores ambientais, e de ordenamento do território, não sendo os direitos económicos privados direitos absolutos, cedendo perante os interesses da coletividade, e podendo ser sacrificados, em prol dos mesmos,

9. sendo certo que, tendencialmente, cada vez mais, com o avanço do leito das águas marítimas, poderá existir risco para quem habite em construções próximas do mar e dos limites da orla marítima.

10. O que permite concluir dever ser afastada a ilicitude e a culpa na atuação que foi levada a cabo na execução do referido dever jurídico-legal e inerente às suas funções, relativamente aos funcionários que procederam ao embargo, no âmbito do entendimento referido, e de fiscalização de obras para salvaguarda daqueles valores da coletividade, tratando-se de um ato praticado no exercício regular de um direito – artºs 483º nº 1, e 487º, do C. Civil, e artºs 4º, nº 1, e 6º, do citado DL nº 48.051.

11. De forma alguma se aplica in casu a presunção legal de culpa previsto no artº 493º do C. Civil que, como a sua epígrafe menciona, se reporta à condução de veículos, ou outras máquinas, à vigilância de animais ou a atividades perigosas, situações que manifestamente não se verificam, ou minimamente integram o caso em apreço, inexistindo o princípio da inversão e aplicação das regras do ónus da prova a que se referem os artºs 349º e 350º, do C. Civil, relativamente ao artº 342º do mesmo diploma legal.

12. Os danos provados, para além de não serem indemnizáveis e merecedores da pretendida tutela do direito, não vão além do que decorre do normal funcionamento das instituições, não sendo chocantes, particularmente graves, desrazoáveis e anormais, e suscetíveis de serem considerados relevantes, constituindo sim o necessário sacrifício pelo atividade ordenadora do território e de proteção do ambiente, por parte do Estado – artºs 496º, 48º; do C. Civil, e 9º do citado DL nº 48,051 (vd. Jurisprudência e doutrina citadas e transcritas a propósito deste preceito) - , carecendo o artº 22º da CRP, à data, de diploma legal suficientemente concretizador e balizador destas situações, decorrentes de ato lícito.

13. O pagamento de despesas com honorários de advogados e taxas de justiça é excecional e tem um regime específico distinto do regime geral de responsabilidade civil, ficando fora do âmbito dos prejuízos indemnizáveis, a não ser nos casos a que se referem os artºs 542º e 543º. nº 1, al. a), 610º, e seu nº 3, e 540º, do atual CPC, aplicáveis ex vi artº 1º do CPTA, situações que não estão em causa, não sendo os referidos preceitos aqui aplicáveis.

14. Na conta final já não entra em regra de custas, nem se contabiliza a Procuradoria a favor do vencedor para compensar o dispêndio com o mandato judicial, podendo este reclamar o valor que entender a título de honorários e despesas com o mandato, na nota discriminativa e justificativa das custas de parte a remeter diretamente à parte vencida, nos termos dos artºs 533º, do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPTA, e 25º e 26º, ambos do Regulamento das Custas Processuais, atualmente aplicável,

15. não podendo o vencido ser condenado nas despesas despendidas com honorários, por existirem normas especiais que prevalecem sobre o regime da responsabilidade civil, acima citadas, e que já prevêem tal situação, ficando o vencedor devidamente ressarcido pela sua aplicação, não tendo a Autora invocado quaisquer circunstâncias excecionais, donde se possa concluir que os honorários devem ser ressarcidos a título de indemnização nos presentes autos.

16. Sem nada conceder, para além da exorbitância do valor dos danos em que o Estado foi condenado, os alegados prejuízos ocorridos apenas poderiam corresponder aos verificados no período compreendido entre os dias 4/7 e 27/7, de 2001, data em que perdurou a selagem e que veio a ser retirada - cfr. alíneas Q) e R) dos Factos Provados e doc. 9 anexo ao requerimento probatório do MP.

17. Por isso não se justifica a contabilização da totalidade dos valores a que aludem as alíneas MM) a QQ), uma vez que com o levantamento dos selos a Autora/recorrida poderia ter evitado parte dos prejuízos retirando o material que se estragou posteriormente à desselagem, e apenas, teria, quando muito, os danos a que aludem as alíneas NN), OO), e QQ), mas não a importância a que se refere a alínea PP), o que implica um valor total de apenas € 62.422,15, ao qual deve ser, ao menos, reduzido o valor indemnizatório a pagar à mesma.

18. De qualquer forma, e como já referido, não sendo o ato em apreço reprovável, nem ilícito, por faltar o desvalor da conduta, e estando a atuação dos funcionários justificada, é irrelevante a existência do necessário nexo de causalidade, pois que não se verificam todos os requisitos da responsabilidade civil enunciados.

19. Pelo que, não se mostrando reunidos os pressupostos do direito de indemnização que conduziram à condenação do Estado Português, não podia proceder o pedido, devendo a ação ter sido julgada improcedente e não provada e o Réu ter sido absolvido da totalidade do pedido, face ao exposto.

20. O douto Acórdão recorrido ofendeu por erro de julgamento ou interpretação e aplicabilidade dos artºs 2º, 4º, 6º e 9º, do DL nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967, assim como dos art.ºs 487º, 493º, nº 1, 349º, 350º, n°s. 1 e 2, 342º, 483,484, 494º e 496º, todos do C. Civil, o artº 22º da CRP, e também os artºs 25º e 26º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais.


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A sociedade Recorrida A………., Lda contra-alegou, concluindo como segue:

1. Não logrando demonstrar quais os motivos que fundamentam a admissibilidade do presente recurso de revista, as questões que o Recorrente pretende submeter a revista são inidóneas a preencher o conceito de importância fundamental, pela sua relevância jurídica, necessário à admissibilidade do presente recurso.

2. Para além da manifesta simplicidade do raciocínio jurídico envolvido, não se tem conhecimento que as referidas questões tenha vindo a suscitar divergências ao nível da produção jurisprudencial e doutrinal, sendo que tais questões não têm a capacidade de expansão da controvérsia num número indeterminado de situações futuras; não sendo o facto de se tratar de contencioso que envolve o Estado Português apto a subsumir o caso em apreço no conceito de relevância jurídica exigido pelo artigo 150º do CPTA, sendo de concluir pela inadmissibilidade do recurso de revista interposto pelo Recorrente.

3. No caso em apreço torna-se manifesto que não estamos perante uma questão de importância fundamental pela sua relevância social, porquanto não está em causa nenhum impacto positivo ou negativo para a comunidade, não são acautelados interesses comunitários de larga escala e a projeção da questão não tem a potencialidade de se expandir muito para além da esfera jurídica do Recorrente, ainda que seja o Estado Português (os efeitos da indemnização apenas se refletem na esfera jurídica do próprio Estado).

4. O caso em apreço é insuscetível de se subsumir no conceito de relevância social exigido pelo artigo 150º do CPTA, sendo também, por esta via, de concluir pela inadmissibilidade do recurso de revista interposto pelo Recorrente.

5. A verificação do pressuposto da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito implica que se esteja em presença de uma errada ou má interpretação do direito em termos extremos, que justifiquem a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo.

6. Com efeito, não é suficiente a existência de divergências jurisprudências ou doutrinárias, nem sequer o mero carácter erróneo da decisão impugnada, nos termos aduzidos pela Recorrente.

7. Não se encontrando preenchidos, in casu, nenhum dos pressupostos exigidos para o recurso de revista, deve ser recusada a sua admissão, de acordo com o artigo 150º do CPTA.

8. O Recorrente incorre num erro de raciocínio ao defender que a atuação danosa dos agentes da Administração que realizaram o auto de embargo mostra-se plenamente justificada, sendo um "mal" necessário porque foi realizada para proteção dos valores do ambiente, da contenção urbanística e do ordenamento do território, nomeadamente junto à ora marítima, devendo os direitos económicos privados ceder perante os interesses da coletividade e podendo ser sacrificados em prol dos mesmos, porquanto tal raciocínio redunda na conclusão de que nenhum ato praticado em ostensiva ofensa das normas que tutelam os referidos valores será suscetível de lesar os direitos dos particulares, ou pelo menos, fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil por força dos prejuízos causados com a ilegalidade da sua atuação.

9. O entendimento propugnado nas alegações do Recorrente afigura-se ostensivamente contrário e ofensivo dos princípios constitucionais que enformam a responsabilidade do Estado e das entidades públicas, designadamente o artigo 22º da Lei Fundamental, e aos restantes direitos fundamentais que protegem os particulares, designadamente, no caso concreto, o direito à propriedade dos equipamentos e o direito à iniciativa económica privada, bem como a todo o regime legal subjacente ao regime da responsabilidade extracontratual do Estado e das entidades públicas constante do Decreto-Lei n 48051 de 21 de novembro de 1967.

10. Ao contrário do que alega o Recorrente, não é possível justificar a conduta da Administração com o argumento de que o procedimento de licenciamento não foi precedido de qualquer parecer da entidade responsável pela orla marítima, uma vez que tal ocorreu, muito simplesmente, porque a obra em causa se situava fora do domínio protegido pelo Decreto-Lei nº 468/71, de 5 de novembro, não prevendo a lei a necessidade de obter tal validação, o que veio a ser judicialmente reconhecido pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, conforme resulta provado nos presentes autos.

11. A emissão de um ato de embargo em erro sobre os pressupostos de direito que presidiram à sua emissão, com fundamento na aplicação de uma norma legal que não tinha a mínima aplicabilidade ao caso concreto, por se destinar a impedir a construção dentro dos limites do domínio público marítimo, quando não era manifestamente o caso, viola necessariamente os direitos subjetivos do particular, resultando daqui a necessária ilicitude do facto em apreço.

12. Com efeito, se a norma em causa, por via do seu âmbito positivo, estabelece que determinada zona se enquadra no domínio público hídrico marítimo, estabelece igualmente por via de uma delimitação negativa, que as zonas excluídas de tal limite se situam fora da zona dominial, nelas se permitindo, nos termos gerais, a sua construção, protegendo assim, diretamente, os particulares contra a sua incidência fora da zona que aí se encontra expressamente delimitada.

13. Como entendeu o douto Tribunal o quo impendia sobre os serviços da Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo certificar-se da exata localização do prédio - no que respeita aos limites ao domínio hídrico marítimo - e da verificação dos pressupostos da sua atuação antes de embargar a obra, abstendo-se da prática de atos ilegais e da violação de normas e princípios gerais da atividade administrativa nomeadamente quando está em causa um ato fortemente lesivo dos direitos subjetivos dos particulares, como é o caso vertente.

14. Assim, afigura-se inquestionável que a atuação da Administração, no caso concreto, se reveste da ilicitude que o Decreto-Lei nº 48051, de 21 de novembro de 1967 exige para a verificação da responsabilidade civil extracontratual do Estado pela prática de atos ilícitos, não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido que alcançou esta conclusão.

15. Não assiste razão ao Recorrente quanto tenta excluir o elemento da culpa da atuação prosseguida pela Administração, afigurando-se que a culpa do funcionário não se dirige necessariamente a um comportamento doloso ou de culpa grave, podendo também consubstanciar-se numa culpa leve ou até numa omissão negligente, designadamente a omissão dos deveres funcionais na aferição dos corretos pressupostos factuais e legais da sua atuação.

16. O conceito de “homem médio" previsto no artigo 487º do Código Civil, para o qual remete o artigo 4º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de novembro de 1967, deverá ter-se, segundo a jurisprudência dominante, como o do "funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres" e, que portanto, não poderia deixar de ter um especial cuidado na apreciação da situação em presença, munindo-se de todos os elementos tendentes a sustentar a sua atuação e a afastar as suspeitas de ilicitude que impendiam sobre o embargo executado.

17. Ainda para mais, quando se encontra provado nos presentes autos que a Recorrida alertou a Direção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território para a ilegalidade da sua atuação, designadamente para a violação da suspensão automática da eficácia do ato de embargo que, nessa altura, vigorava, o que sempre deveria ter alertado a Administração para a ilicitude da conduta prosseguida.

18. Sendo que é o próprio Supremo Tribunal Administrativo que vem admitir, no âmbito do apuramento da responsabilidade civil extracontratual do Estado, a diluição na ilicitude do elemento culpa, por via da prática do ato ilegal, pelo que, no caso concreto, este pressuposto sempre estaria preenchido, nos termos em que o reconheceu o douto acórdão recorrido.

19. Pelo que, independentemente da bondade do juízo do Tribunal a quo que considerou, também aplicável ao caso em apreço, o disposto no artigo 493º do Código Civil, por remissão operada pelo artigo 4º, nº 1 do Decreto-Lei nº 48051 de 21 de novembro de 1967, considerando por essa via que é indiferente saber quem produziu a prova da verificação do elemento em apreço, existindo sobre o Recorrente uma presunção de culpa que este não logrou ilidir, no caso em apreço, verifica-se o preenchimento do requisito culpa na medida em que o facto gerador dos danos (o embargo executado) é censurável, porquanto contrário ao padrão de uma Administração zelosa e cumpridora da lei e dos seus deveres, teria atuado em conformidade com as normas aplicáveis e com os deveres de diligência que se impunham na sua atuação.

20. Assim, não se verifica qualquer erro de julgamento por violação das normas aplicáveis pelo tribunal a quo não merecendo o acórdão recorrido qualquer censura ao considerar verificado o requisito da culpa.

21. Não merece qualquer censura o acórdão recorrido ao ter considerado verificada a existência de um nexo causal entre o facto ilícito e o dano provocado por tal atuação, porquanto existe uma causalidade direta e adequada entre o facto ilícito e os danos indicados pela Recorrida, e considerados provados de acordo com a matéria de facto assente.

22. Com efeito, de acordo com as regras da experiência comum, em abstrato o ato de embargo e o ato de selagem têm a aptidão de, por si só, provocarem os danos que resultam demonstrados nos presentes autos, não existindo quaisquer outras circunstâncias que o justifiquem, sendo a atuação do Recorrente causa direta e adequada dos danos ocorridos, verificando-se o pressuposto do nexo de causalidade.

23. Não se pode invocar que a Recorrida votou os seus bens ao abandono, importando alertar para a forma como todo o procedimento tendente ao embargo e à selagem da obra ocorreu, em absoluta violação de todos os direitos em presença e para a complexidade e os custos associados à desmontagem de um estaleiro de tal dimensão, o que se encontra ainda associado ao grau de hostilidade dos executores do embargo para com a Recorrida, podendo qualquer tentativa de movimentação dos equipamentos do local ser confundida como desobediência a uma ordem administrativa.

24. Não merece qualquer censura o acórdão recorrido em relação aos danos cuja produção se considerou provada, no que respeita à extensão dos danos bem como ao apuramento do quantum da indemnização.

25. Não assiste razão ao Recorrente ao considerar que os danos provados não são indemnizáveis nem merecedores da tutela do direito, porquanto, conforme, resulta provado, são danos que vão para além daqueles que decorrem do normal funcionamento das instituições, sendo particularmente graves, desrazoáveis e anormais, e que são relevantes para efeitos de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.

26. Não assiste também razão ao Recorrente quando refere que os prejuízos ocorridos apenas poderiam ter sido contabilizados entre os dias 4 e 27 de julho de 2001, período durante o qual perdurou a selagem, porquanto, como já foi cabalmente demonstrado, os efeitos do ato ilegal de embargo na esfera jurídica da Autora prolongaram-se por um período de tempo muito superior ao que vem invocado pelo Recorrente.

27. O Recorrente incorre em erro de raciocínio ao alegar que as despesas incorridas pelo Recorrido com o pagamento de honorários de advogados e com as custas do tribunal não seriam ressarcíveis no âmbito da presente ação, o que contraria aquele que tem sido o entendimento de abundante jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.

28. E estando as autoridades administrativas - o Ministério Público em representação do Estado Português - isentas de custas a consideração de que o pagamento das despesas de justiça não pode ser objeto de pedido indemnizatório autónomo conduziria a que uma parte das consequências lesivas da atuação administrativa ilícita ficasse sistematicamente excluída de indemnização.

29. Pelo que não merece censura o acórdão recorrido ao considerar como dano indemnizável as despesas com honorários dos advogados e despesas judiciais, cujo quantitativo fixou segundo um juízo de equidade em €6.500,00, a título de compensação pelos encargos incorridos com despesas de advogado e de custas do tribunal como resulta do facto provado em UU) da factualidade provada em tal aresto.

30. De todo o exposto impõe-se concluir que o douto acórdão recorrido não ofendeu por erro de julgamento ou interpretação e aplicabilidade os artigos 2º, 4º, 6º e 9º do Decreto-Lei nº 48051 de 21 de novembro de 1967, nem os artigos 487º, 493º, nº 1, 349º, 350º, nºs 1 e 2, 342º, 483º, 484º, 494º e 496º do Código Civil, nem tão pouco o artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, e muito menos, os preceitos invocados do Regulamento das Custas Processuais.


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Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA foi decidido admitir a revista.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelas Instâncias foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. A Autora A….……, LDA é uma sociedade comercial que tem por objecto “a exploração da indústria de construção civil" - cfr. doc. 1, junto com a p.i..

B. A 8 de Agosto de 1986 a Autora assinou um contrato-promessa de permuta do prédio rústico inscrito na matriz sob o n.° ………., sito na …………., freguesia de Pataias, concelho de Alcobaça, com B……….. em representação de sua mãe C……….. - cfr. doc. 2, junto com a p.i..

C. De acordo com o referido contrato-promessa a Autora ficava obrigada à construção de um conjunto habitacional no terreno identificado e permuta da propriedade do terreno pela propriedade de seis vivendas com garagem a construir no mesmo - cfr. doc. 2, junto com a p.i..

D. Tendo em vista a construção de tal conjunto habitacional, em 14 de Julho de 1998 foi apresentado por B…………., D……….. e E………., na qualidade de proprietários do prédio acima referido, um projecto de arquitectura na Câmara Municipal de Alcobaça, dando origem ao processo camarário n° 911/08 - cfr. doc. 3, junto com a p.i..

E. Consta da estimativa orçamental apresentada no processo de licenciamento o valor de 107 095 800$00 [€ 534.191,60] para a construção do conjunto habitacional em apreço - cfr. doc. n° 1, junto com a contestação.

F. Consta do mapa de trabalhos apresentado no processo de licenciamento o prazo de execução de 24 meses para a construção do conjunto habitacional em apreço - cfr. doc. n° 2, junto com a contestação.

G. A 10 de Março de 2000, B…………, D…….. e E………… requereram no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra a intimação da Câmara Municipal para passagem do Alvará de licença de construção do conjunto habitacional no prédio referido [processo camarário n.° 911/98], que correu termos sob o n° 179/00 - cfr. doc. n° 4, junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por reproduzido.

H. Em 20 de Novembro de 2000, o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra proferiu sentença favorável aos Requerentes B………….., D………. e ……E…………, intimando o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça a proceder à emissão do alvará de construção referente ao processo nº 911/98, no prazo legal de 45 dias - cfr. doc. n° 5, junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

I. O referido alvará de construção foi emitido - acordo.

J. Perante a emissão do alvará, a Autora enquanto promotora da construção do conjunto habitacional licenciado iniciou a construção da mesma - acordo.

K. Essa construção era a única “frente de obra” da Autora, tendo investido todos os seus meios financeiros e humanos na prossecução da mesma - cfr. depoimento da testemunha F……. e G………...

L. Em 2 de Março de 2001, a referida obra foi embargada por funcionários da Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, constando do respectivo auto de embargo o seguinte:

AUTO DE EMBARGO

- cfr. doc. n° 9, junto com a p.i..

M. A 5 de Abril de 2001, a Autora requereu a suspensão de eficácia do auto de embargo perante o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, a qual veio a ser rejeitada por sentença proferida em 23/05/2001 por o acto impugnado ”(..) não emanar do dirigente máximo do serviço - Ministro do Ambiente, não é passível de recurso contencioso de anulação. Daqui resulta que a suspensão de eficácia não pode proceder por falta do requisito constante da al. c) do n° 1 do art° 76° da LPTA - fortes indícios de ilegalidade da interposição do recurso do acto, cuja suspensão aqui se aprecia, pois que esta só procede quando se verificarem, simultaneamente os requisitos estabelecidos no referido artº 76° n° 1 da LPTA(..) ” - cfr. doc. n° 10, junto com a p.i. e doc. n° 14, junto com o requerimento probatório do R..

N. Dessa sentença recorreu a Autora para o Tribunal Central Administrativo que, por acórdão de 18/10/2001 negou provimento ao recurso sustentando que o acto recorrido não é verticalmente definitivo, sendo por isso irrecorrível nos termos do artº 25° da LPTA - cfr. doc. n° 15, junto com o requerimento probatório do R..

O. A 6 de Abril de 2001, a Autora apresentou junto do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território recurso hierárquico do acto de embargo, assente nos vícios de violação de lei por violação de caso julgado material, incompetência, falta de base legal para o embargo da obra em causa e falta de fundamentação - cfr. doc. n° 11, junto com a p.i..

P. A 3 de Maio de 2001, a Autora apresentou Recurso Contencioso de Anulação do acto de embargo junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, que veio a ser julgado improcedente com fundamento na falta de definitividade do acto impugnado - cfr. doc. n° 12, junto com a p.i./acordo.

Q. A 4 de Julho de 2001, a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo procedeu à selagem da obra em curso, constando do respectivo auto de selagem o seguinte:

AUTO DE SELAGEM

- cfr. doc. n° 13, junto com a p.i..

R. Por despacho de 27/07/2001 da Directora Regional da Direcção Regional de Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, exarado na informação n° 233/GJ/01, foi revogado o despacho de 04/07/2001 que determinou a selagem e ordenado o levantamento dos selos no dia 30/07/2001 - cfr. doc. n° 8 e 9, junto com o requerimento probatório do R., cujo teor se dá aqui por reproduzido.

S. A 22 de Agosto de 2002, B………….., D…………., E………… e a ora Autora A………., Lda. apresentaram no Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito, imputável ao Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, do recurso hierárquico interposto do acto de embargo da obra, imputando ao acto recorrido vícios de violação de caso julgado material, de incompetência, de falta de norma legal que preveja o poder administrativo de embargar a obra, violação do disposto no art° 3o, n° 2 e 6 do Decreto-Lei n° 468/71, de 05/11 e falta de fundamentação - cfr. doc. n° 14, junto com a p.i..

T. Por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 21 de Abril de 2005, foi anulado o acto de embargo em causa, com a seguinte fundamentação:

“(..) 1. Começam os recorrentes por alegar a nulidade do impugnado acto de indeferimento tácito, por ofensa de caso julgado, nos termos do artº 133°, n° 2, alínea h), do CPA.

Reportam-se os recorrentes à sentença do TAC de Coimbra que intimou o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça a emitir o alvará de licença de construção dessa obra, pretendendo que aí se formou caso julgado material quanto à conformidade do licenciamento com as normas jurídicas em vigor.

E manifesto que lhes não assiste razão, pois que essa decisão judicial, proferida em processo de intimação a que são de todo alheios o Ministro do Ambiente e a DRAOT, não é oponível à entidade recorrida, atenta a delimitação da eficácia subjectiva do caso julgado (arts. 498° e 671°, n° 1 do CPCivil, aplicáveis nos termos do art. 1º da LPTA).

Com efeito, como bem refere o Exmo magistrado do Ministério Público, não tendo a autoridade recorrida sido chamada a intervir naquele processo (sendo certo que era terceiro juridicamente interessado, dada a competência da Administração Central no licenciamento e fiscalização de construções levadas a cabo em zona classificada como "domínio público marítimo"), a decisão ali proferida não é para ela vinculativa, pelo que o impugnado indeferimento tácito não padece da apontada ilegalidade.

Improcedem as conclusões 1 e 2 da alegação.

2. Alegam seguidamente os recorrentes a nulidade do acto recorrido, por incompetência absoluta (falta de atribuições) da DRAOT para ordenar o referido embargo, referindo que não está consagrada no Regime Jurídico dos Terrenos do Domínio Hídrico qualquer competência das DRAOT em tal matéria, pelo que a única entidade competente para o referido embargo seria o Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça.

Vejamos.

O DL n° 46/94, de 22 de Fevereiro (Estabelece o regime de licenciamento da utilização do domínio hídrico) dispõe que "a utilização privativa do domínio hídrico ... é titulada por licença ou por contrato de concessão", e que "a licença é atribuída pela respectiva direcção regional do ambiente e recursos naturais (DRARN)" (art. 1º nºs. 1 e 2).

Na sua Secção VII (Construções), dispõe o art. 55°, n° 3 que "o licenciamento de construções em terrenos do domínio hídrico depende da obtenção de licença, que pode ser outorgada pelo prazo máximo de 10 anos, nos termos do artigo 6º...”

E na parte final do diploma (Fiscalização), refere-se que as funções de fiscalização "competem ao INAG, às DRARN, às autoridades marítimas e às autarquias locais" (art. 85°).

Das disposições legais transcritas resulta, sem sombra de dúvida, e contrariamente ao alegado, que está legalmente consagrada a competência das Direcções Regionais do Ambiente e do Ordenamento do Território (ex-DRARN), quer para a atribuição da licença necessária à utilização privativa de terrenos do domínio público marítimo, quer para a respectiva fiscalização.

Improcedem, assim, as conclusões 3 a 5 da alegação.

3. Alegam ainda os recorrentes que, de qualquer modo, não se trata, in casu, de terreno inserido no domínio público marítimo, tal como este é definido nos diplomas legais aplicáveis, pelo que o acto recorrido padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto (errada qualificação do terreno em que está a ser executada a obra embargada), violando o disposto no art. 3º, nºs 2 e 6 do DL nº 468/71, de 5 de Novembro, bem como o princípio da legalidade consagrado nos artºs. 266º, nº 1 da CRP e 3º, n° 1 do CPA.

E, nesta perspectiva, cremos que lhes assiste inteira razão.

Importa, desde já, referir que o acto de embargo aqui em causa tem como único fundamento o de a obra embargada estar a ser executada em "área classificada como Domínio Público Marítimo", e sem licença da DRAOT-LVT, "em violação do DL n° 468/71, de 5 de Novembro, e DL n° 46/94, de 22 de Fevereiro" (cfr. auto de embargo de fls. 24, ponto 6 da matéria de facto).

O que vale por dizer que a legalidade do acto de embargo apenas terá que ser aferida por referência a esse fundamento legal.

O DL n° 468/71, de 5 de Novembro (Revê, actualiza e unifica o regime jurídico dos terrenos do domínio público hídrico, no qual se incluem os leitos e as margens das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas) dispõe: 

Art. 1º:

Os leitos das águas do mar, correntes de água, lagos e lagoas, bem como as respectivas margens e zonas adjacentes, ficam sujeitas ao preceituado no presente diploma em tudo quanto não seja regulado por leis especiais ou convenções internacionais.

Art. 3º:

1.Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.

2. A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição das autoridades marítimas ou portuárias, tem a largura de 50 m.

(...)

5. Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.

6. A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem será contada a partir da cristã do alcantil."

Art. 5º:

1. Consideram-se do domínio público do Estado os leitos e margens das águas do mar... "

*

Resulta dos normativos transcritos que a margem das águas do mar, integrante do domínio público marítimo ("faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas), tem a largura de 50 metros, e que essa largura se conta a partir da linha limite do leito ou, se esta atingir arribas alcantiladas, a partir da cristã do alcantil.

Ora, dos documentos constantes dos autos (e não foram apresentados quaisquer outros que, de algum modo, os infirmassem), resulta que o local de implantação da obra se situa fora do limite do domínio público marítimo, tal como ele é definido nos apontados preceitos legais.

Vê-se dos referidos documentos (fotografias, levantamento topográfico de fls. 96, e carta marítima do Instituto Hidrográfico de fls. 98) que a arriba existente não é alcantilada ("elevação íngreme de terreno áspero ou rocha abrupta talhada a pique - falésia” 1), mas sim em elevação progressiva, permitindo a acessibilidade à praia por caminhos rasgados na arriba.

E, sendo assim, a margem de 50 metros delimitadora do domínio hídrico há-de contar-se "a partir da linha limite do leito" (que é a linha máxima de preia-mar de águas vivas equinociais), nos termos da 1ª parte do n° 6 do citado art. 3°, ficando o limite dessa margem sensivelmente a meio da arriba, ou seja, a mais de 40 metros da vedação da obra embargada.

Aliás, e ainda que a arriba fosse alcantilada, sempre a referida obra estaria fora do domínio público marítimo, como referem os recorrentes, uma vez que, como se alcança dos aludidos documentos, a linha limite do leito, ou seja, a linha da máxima preia-mar, não atinge a base do talude da arriba (condição necessária para que os 50 metros se contassem da cristã do alcantil, nos termos da 2ª parte do referido preceito), havendo de permeio alguma extensão de praia ou areal.

O que nos leva forçosamente à conclusão de que, em qualquer das situações referidas, a linha dos 50 metros delimitadora do domínio público marítimo sempre terá de ser contada a partir do areal, ficando claramente aquém da vedação da obra embargada.

Esta obra não está, pois, incluída em área do domínio público marítimo, pelo que o acto silente recorrido (indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do acto de embargo) incorre em violação de lei por erro nos pressupostos de facto, violando os preceitos legais referidos pelos recorrentes.” - cfr. doc. n° 15, junto com a p.i..

U. O referido acórdão transitou em julgado em 9 de Maio de 2005 - cfr. doc. n° 16, junto com a p.i..

V. A referida obra localiza-se junto ao mar - acordo/fotografias juntas na audiência final.

W. A obra foi selada conjuntamente com todo o material que a ela se encontrava afecto, nomeadamente:

o 2 Betoneiras;

o Uma Grua 315 Noé-Potain, sem translação, com 30 metros de alcance, incluindo um balde de abertura lateral 400 litros;

o Uma Grua Soima City;

o Material para execução de muros e placas;

o Pilares e chapas zincadas para vedação;

o Cabos eléctricos e ferramentas diversas - cfr. doc. n° 13, junto com a p.i., doc. n° 8, junto com o requerimento probatório do R. e depoimento das testemunhas F………….. e H………...

X. A exposição prolongada à acção dos ventos de predominância Sudoeste e Noroeste, carregados de humidade salina, provocou a deterioração do material e maquinaria referida em W) - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i., fotografias juntas na audiência final e depoimento das testemunhas F…………., H…………… e I………...

Y. A grua 315 Noé-Potain ficou totalmente inutilizada devido à corrosão - cfr. Doc. n.° 17, junto com a p.i., fotografias juntas na audiência final e depoimento da testemunha F………..

Z. A grua 315 Noé-Potain foi adquirida pela A. pelo montante de € 28.596,08 - cfr. Doc. n.° 18, junto com a p.i..

AA. A grua Soima City foi objecto de reparações no montante de € 7.673,17 - cfr. Doc. n.° 19, junto com a p.i..

BB. As betoneiras ficaram totalmente inutilizadas - cfr. depoimento da testemunha F………….

CC. A vedação que delimitava a propriedade, constituída por uma rede metálica (malha sol), ficou totalmente corroída - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i..

DD. O material aplicado para execução de muros e placas que em virtude do auto de selagem não chegaram a ser betonados foram objecto de furto durante o período de suspensão dos trabalhos - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento da testemunha F………….

EE. No que respeita à estrutura de betão armado do edifício, todas as superfícies horizontais de betão, em que afloravam armaduras para betonagem em fase de sequência, nomeadamente na rampa das caves (corpo A e B), bem como nos pilares de varandas Norte, encontravam-se em total corrosão, mais evidente no contacto com o betão - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H………… e I…………..

FF. Esta corrosão teve reflexo até cerca de 8 a 10 cm abaixo desse plano de afloramento, o que produziu rebentamento do betão até essa cota, face ao aumento do volume das armaduras devido à corrosão - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H…………. e I………...

GG. Para reposição da situação descrita em EE) e FF) foi necessário efectuar:

a. Demolição dos elementos referidos, até 15 cm abaixo da cota de afloramento, e corte dessas armaduras, verificando-se que estas, a esse nível se encontravam sem corrosão.

b. Execução de furações com 20 mm de diâmetro e 40 cm de profundidade, junto a cada armadura cortada, para aplicar empalem de novas armaduras, com resina poliéster.

c. Retirada de todas as armaduras suspensas no corpo A, para colocação de novas. Na ligação do 5º volume a betonar, com o 4º volume, como já existia parte de viga betonada, referente ao apoio do 4º volume, foi necessário cortar a parte superior dos estribos que afloravam essa viga, efectuar 8 cm de demolição abaixo dessa cota e aplicar novos estribos com diâmetro de 12 mm - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H…….. e I……….

HH. A existência de tacos de madeira nos topos das caixas pré fabricadas, para fixação das chumaceiras dos enroladores, constituíram um meio de absorção da humidade salina, que se transmitiu à armadura próxima, aplicada em pré-fabricação, produzindo a sua corrosão e rebentamento do elemento de topo - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H………. e I……….

II. Tendo sido necessário proceder à substituição total das caixas de estore - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H……….. e I………….

JJ. A exposição continuada das paredes das fachadas, principalmente as viradas a Poente, ao serem fustigadas pelos ventos dominantes quer pelo exterior como pelo interior, apresentavam nítidas eflorescência salinas - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H………. e I……….

KK. A possibilidade de pelo menos as paredes Poente se encontrarem totalmente contaminadas, aconselhou a sua demolição total interior e exterior, passando a executar nova, sob pena de a curto prazo os rebocos virem a ser afectados por esse efeito, não se conhecendo solução perfeitamente eficaz para anulação posterior desse inconveniente - cfr. doc. n° 17, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H…………. e I…………

LL. Os trabalhos de demolição e reposição atrás discriminados implicaram cerca de três meses de trabalho que decorreram durante o período de Abril de 2006 a Junho/Julho de 2006 - cfr. depoimento das testemunhas H……….. e I………..

MM. Para o efeito, foi necessário proceder ao aluguer de um compressor, um gerador, uma máquina rectro e uma grua Potain 315 Torre - cfr. doc. n° 20 e depoimento das testemunhas H……….. e I……….

NN. O que implicou um custo de € 5.765,65 - cfr. doc. n° 20, junto com a p.i..

OO. Durante o período referido em LL) foi ainda necessário contratar serviços de bombagem, o que implicou um custo de € 17.406,50 - cfr. Doc. n.° 21, junto com a p.i..

PP. Foi necessário proceder à substituição do material corroído e inutilizado, o que implicou um custo de € 43.031,91 - cfr. Doc. n.° 22, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H………… e I……….

QQ. E foram executados novos trabalhos de cofragem, para substituição das cofragens danificadas, o que implicou um custo de € 39.250,00 - cfr. Doc. n.° 23, junto com a p.i. e depoimento das testemunhas H………. e I……….

RR. Em Março e Abril de 2002, a Autora contraiu empréstimos no montante global de € 350.000,00 - cfr. Doc. n.° 24, junto com a p.i. e depoimento das H………….. e J………..

SS. A reputação da Autora no mercado ficou afectada, quer ao nível comercial quer financeiro - cfr. depoimento das testemunhas H……….., G…………. e J………..

TT. Os fornecedores deixaram de assegurar o fornecimento de material com receio de que a Autora não pudesse garantir o respectivo pagamento - cfr. depoimento da testemunha H………..

UU. A Autora, tendo em vista a obtenção da anulação judicial do acto de embargo, despendeu em honorários de advogados e despesas de tribunal a quantia de € 17.814,07 - cfr. Doc. n.° 25, junto com a p.i..

VV. A Autora alertou a Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo para a ilegalidade da sua actuação - cfr. doc. n° 26, junto com a p.i., cujo teor se dá aqui por reproduzido.

FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que o volume da obra projectada implicava três anos de trabalho garantido - art° 58°, da p.i.

2. Que aquando do início da obra, a Autora tinha 30 inscrições para a venda de um total de 24 fracções - art° 65°, da p.i.

3. Que a Autora tem apenas garantida a venda de cerca de 40% da totalidade das fracções do edifício em causa - art° 67°, da p.i.

4. Que a inutilização das betoneiras implicou um custo de € 7.531,84 - art° 35°, da p.i.

5. Que a corrosão da vedação que delimitava a propriedade e do material aplicado para execução de muros e placas implicaram um custo de € 29.908,74 - cfr. art° 39°, da p.i.

DO DIREITO

Nas conclusões de recurso vem assacado o acórdão de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento nas seguintes matérias:

a. pressupostos da ilicitude e da culpa (presunção legal)itens 5, 6, 8 a 11 e 18 a 20;
b. irrelevância jurídica dos danos (normal funcionamento das instituições)itens 12 e 16;
c. concurso do lesadoitens 7 e 17;
d. despesas com honorários de advogados e taxas de justiça itens 13 a 15.

*

À matéria dos efeitos indemnizatórios da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito nos termos do julgado anulatório do acórdão do STA de 21.04.2005 (al. T do probatório), importa o regime do DL 48051 de 21.11.1967.

Por Acórdão do STA de 21.04.2005 foi anulado o acto de indeferimento tácito por parte do Ministro do Ambiente e do Território (MAOT) do recurso hierárquico necessário interposto do embargo de obra ordenado pela Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo (DRAOT-LVT), executado conforme auto de 02.03.2001 – vd. alíneas L, O, S e T do probatório.

No citado Acórdão considerou-se que o auto de embargo “… tem como único fundamento o de a obra embargada estar a ser executada em “área classificada como Domínio Público Marítimo”, e sem licença da DRAOP-LVT, e em violação do DL 468/71, de 5 de Novembro e DL 46/94, de 22 de Fevereiro …” e que “… dos documentos constantes dos autos … resulta que o local de implantação da obra se situa fora do limite do domínio público marítimo …” tal como definido nos artºs. 1º, 3º e 5º do DL 468/71, 5.11.

Continua o Acórdão, “… a linha dos 50 metros delimitadora do domínio público marítimo sempre terá de ser contada a partir do areal, ficando claramente aquém da vedação da obra embargada. Esta obra não está, pois, incluída em área do domínio público marítimo, pelo que o acto silente recorrido (indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do acto de embargo) incorre em violação de lei por erro nos pressupostos de facto …”, decidindo pela anulação do acto impugnado – vd. transcrição na alínea T do probatório.

*

Em ordem à compreensão do contexto físico dos terrenos a que os autos se referem, primeiro há a considerar o conceito de leito das águas do mar, solo “(..) limitado pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais; e essa linha é definida, para cada local, em função do espraiamento das vagas em condições médias da agitação do mar (..)”, que pertence ao Estado como titular do domínio público marítimo, vd. artº 2º nº 2 e artºs 1º nº 1 e 5º nº 1 DL 468/71. (Mário Tavarela Lobo, Águas, titularidade do domínio hídrico, Coimbra Editora/1985, pág.76; Manual do direito de águas, Vol I, pág. 207)

O conceito normativo de leito consta do artº 2º nº 1 DL 468/71 –“Entende-se por leito o terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas pelas cheias extraordinárias, inundações ou tempestades” e, por isso, “(..) pondo de parte estas circunstâncias meteorológicas reconhece-se que o fenómeno natural do equinócio da Primavera, quando se observam as mais altas marés vivas, é suficientemente pré-determinável para alicerçar a noção de habitualidade.

Nesta orientação se integrou o Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 33/92, de 9 de Julho de 1992, segundo o qual o limite do respectivo leito coincide com a linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais – quando o Sol está sobre o Equador -, isto é, em função do espraiamento das vagas em condições médias de agitação do mar. (..)” (Mário Tavarela Lobo, Manual do direito de águas, Vol I, págs. 202-203.)

Seguidamente, temos a considerar o conceito de margem de águas marítimas, “(..) trata-se da faixa de terreno habitualmente enxuta e adjacente à linha alcançada pelo colo da máxima preia-mar das águas vivas destinada aos serviços hidráulicos de polícia e acessórios de navegação e flutuação (..)”, definição que reporta ao direito romano, consistente na “(..) a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas (..)”,com a “(..) largura de 50 metros (..)” e “(..) conta-se a partir da linha limite do leito (..)”, sendo solo também na titularidade do Estado, conforme prescrito nos artº 3º nºs. 1, 2 e 6 e artºs. 1º e 5º DL 468/71, 5.11. (Mário Tavarela Lobo, Águas, titularidade do domínio hídrico, pág.77; Manual…, Vol I, pág. 209.)

Por quanto vem de ser dito e nos exactos termos do Acórdão do STA de 21.04.2005 transitado em 09.05.2005 – vd. alíneas T e U do probatório –, não sofre dúvidas que a ilegalidade cometida fundada em erro sobre os pressupostos de facto é de molde a determinar a invalidade do acto de embargo, na medida em que a obra de construção do conjunto habitacional licenciada pela Câmara Municipal de Alcobaça embargada em 02.03.2001 pela Direcção Regional do Ambiente (DRAOT-LVT) – vd. alíneas G a J do probatório -, está fora da faixa de terreno que constitui a margem de águas marítimas fixada em 50 metros de largura e contada a partir da linha limite do leito, conforme artº 3º nº 2 e 6 DL 468/71, 5.11, solo expressamente integrado no domínio público desde os recuados tempos do Decreto de 31.12.1864, cabendo ainda salientar que a largura de 50 metros para a margem de águas marítimas já vem estabelecida desde o Decreto 12455 de 29.09.1926.

Actualmente, esta matéria dos leitos e margens, que se mantém igual, vem regulada nos artºs. 10º e 11º da Lei 54/2005, 15.11 (Titularidade dos recursos hídricos) entrada em vigor em 30.12.2005, simultaneamente com a Lei 58/2005, 29.11 (Lei da Água).

a. ilicitude;

Verificado o pressuposto básico da ilegalidade do acto administrativo de embargo (02.03.2001) da obra licenciada e em construção em solo não incluído na faixa de 50 metros de margem de águas marítimas, cabe analisar o segundo pressuposto da responsabilidade civil, a ilicitude.

Quanto aos actos jurídicos, no artº 6º DL 48051 define-se a ilicitude como segue,

· “… consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis …”

definição que, em articulação com o disposto no artº 2º nº 1,

· O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados

constitui o bloco normativo que sustenta o entendimento doutrinário e jurisprudencial que dissocia a ilegalidade e ilicitude - tese de pendor minimalista, em contrário da tese maximalista segundo a qual a ilicitude coincide com a ilegalidade do acto.

*

Relativamente a este artº 2º nº 1 DL 48051 vem a propósito deixar nota do Acórdão nº 154/2007 do Tribunal Constitucional, procº nº 65/02 de 02.03.2007, em que foi decidido “(..) julgar inconstitucional por violação do princípio da responsabilidade extracontratual do Estado consagrado no artº 22º da Constituição, a norma constante do artº 2º nº 1 do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967, interpretada no sentido de que um acto administrativo anulado por falta de fundamentação é insusceptível, absolutamente e em qualquer caso, de ser considerado um acto ilícito, para o efeito de poder fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito.(..)”, afirmando este Alto Tribunal a incompatibilidade com o disposto no artº 22º CRP do afastamento da responsabilidade extracontratual do Estado com fundamento na não verificação do pressuposto da ilicitude do acto administrativo quando esteja em causa um vício de natureza formal.

No Acórdão nº 83/2014, procº 203/13 de 22.01.2014, o Tribunal Constitucional afirmou expressamente a existência de um “princípio da indemnizabilidade dos danos decorrentes de ilegalidades meramente formais que viciem os actos de autoridade da Administração.”

*

Neste enquadramento, não basta a violação de preceitos jurídicos (pressuposto objectivo da ilicitude) para responsabilizar civilmente a Administração e condenar em indemnização pelos prejuízos causados na esfera jurídica do lesado, cabendo verificar se dessa violação normativa resultou a efectiva lesão da posição substantiva do particular, ou seja, a ofensa de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos (pressuposto subjectivo da ilicitude) traduzida na lesão de posições jurídicas substantivas.

Como nos diz a doutrina quanto ao significado do conceito de lesão antijurídica “(..) para haver ilicitude e, consequentemente, responsabilidade é necessário – entre outros requisitos – que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico. A essência da ilicitude radica, pois, na lesão antijurídica de interesses normativamente qualificados e não no desvalor subjectivo da acção, que, não obstante, pode (também) concorrer para a formulação do juízo de ilicitude. É que não nos podemos esquecer que a função da responsabilidade civil é privilegiadamente reparadora: o propósito principal é reparar danos e não o de sancionar condutas, razão pela qual não é possível prescindir do desvalor do resultado, até porque em responsabilidade civil não releva a tentativa. (..)” (Margarida Cortez, Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado, Studia Iurídica nº 52, Coimbra Editora/2000, pág.54.)

Neste sentido os Acórdãos do STA de 25.02.2003 procº nº 01992/02 (Pires Esteves) e de 24.03.2004, procº nº 01690/02 (Fernanda Xavier), este último sumariado como segue,

I. A administração não incorre automaticamente em responsabilidade civil, cada vez que pratica um acto administrativo ilegal.
II. Não é qualquer ilegalidade que determina o surgimento de um acto ilícito gerador de responsabilidade da Administração, como resulta da conjugação do artº 6º do DL 48 051, de 21.11.67 com os artºs 2º e 3º do mesmo diploma.
III. Para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha violado uma norma que proteja o direito ou interesse que o particular pretende ver satisfeito.
IV. À ilicitude interessa, pois, o conteúdo das normas violadas.
V. A violação de normas substantivas, que conformam o conteúdo dos actos administrativos, já que são elas que fixam a disciplina dos interesses público e privado, é, em princípio, geradora de ilicitude.

É o caso.

Por um lado, o embargo de obra (02.03.2001) foi ordenado e executado em violação de lei expressa, posto que a obra se encontrava a ser construída em solo fora da faixa de terreno de 50 metros de largura constitutiva da margem de águas marítimas fixada pelo artº 3º nº 2 DL 468/71, 5.11 e, consequentemente, fora do domínio público marítimo definido nos artºs 1º nº 1 e 5º nº 1 DL 468/71.

Por outro, à data dos factos, a Recorrida era a sociedade promotora da operação urbanística de construção devidamente licenciada pelo Município, pelo que não sofre dúvidas a efectiva lesão da posição substantiva do particular em consequência do embargo ordenado e executado pela Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo (DRAOT-LVT), desvalor de resultado por acto no exercício da função administrativa, substanciado na ordenada paragem dos trabalhos de construção e consequentes prejuízos económicos pela sustação à concreta actividade empresarial desenvolvida pela sociedade Recorrida – vd. alínea J do probatório.

*

Alega o Estado Português, representado pelo Ministério Público, que,

· “(..) uma margem de erro de cerca de 40 metros, como foi considerado no douto Acórdão do STA, é um lapso desculpável (..)” – vd. item 6 das conclusões de recurso

· “(..) A actuação dos agentes da administração pública encontra-se plenamente justificada, sendo um "mal” necessário, pois que foi realizada para protecção dos valores ambientais (..) – vd. item 8 das conclusões de recurso

· “(..) tendencialmente, cada vez mais, com o avanço do leito das águas marítimas, poderá existir risco para quem habite em construções próximas do mar e dos limites da orla marítima (..)” – vd. item 9 das conclusões de recurso.

Não tem razão.

Relativamente aos elementos do acto administrativo, são de qualificar como pressupostos os requisitos cuja formulação legal tem em vista a indicação do interesse público ou a necessidade pública a prosseguir.

A Administração actua de acordo com o princípio da competência e norteada pelo interesse público, pelo que só pode fazer aquilo para que é ordenada em resultado de uma norma atributiva de competência concreta ao respectivo decisor, cfr. artº 266º nºs. 1 e 2 CRP.

Exactamente por isso, os pressupostos do acto administrativo são de constatação vinculada quanto à factualidade realmente ocorrida, isto é, quanto à sua real existência no momento da prática do acto administrativo, constituindo um requisito de validade do acto praticado na exacta medida em que “(..) a actividade administrativa visa a satisfação de necessidades concretas, reais e estas não existem se os pressupostos são materialmente inexistentes. (..) O órgão administrativo não goza de nenhuma liberdade quanto à constatação da realidade ou do direito existente: só podem ser dados como tendo ocorrido factos materiais que realmente se verificaram e factos jurídicos existentes. (..)” ( Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo – Lições, 1980 FDL, págs. 615, 621-622.)

Ou seja, os pressupostos têm de ter apoio no mundo dos factos.

Por outro lado, do probatório não resultam quaisquer factos que permitam aferir, juridicamente, em favor da alegada existência de erro ou lapso desculpável incorrido pela Administração relativamente ao dimensionamento do solo integrado no domínio público marítimo limitado aos 50 metros de largura de margem de águas marítimas (artº 3º nºs 2 e 6 DL 468/71, 5.11).

Como referido, a obra (objecto mediato do embargo) encontrava-se em construção em solo fora da faixa de terreno de 50 metros de largura que constitui a margem de águas marítimas fixada pelo artº 3º nº 2 DL 468/71, 5.11 e, consequentemente, fora do domínio público marítimo definido nos artºs 1º nº 1 e 5º nº 1 DL 468/71, ao contrário do referido expressamente no auto de embargo de que “(..) A área ocupada pelos trabalhos é de 5.348 m2, utilizando uma área classificada em Domínio Público Marítimo. (..)” – vd. alínea L do probatório.

Face ao claríssimo contexto dissonante entre a realidade dos factos e o facto declarado no auto de embargo, por Acórdão do STA de 21.04.2005 com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto foi anulado o acto de indeferimento tácito por parte do Ministro do Ambiente e do Território (MAOT) do recurso hierárquico necessário interposto do embargo de obra ordenado pela Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo (DRAOT-LVT), executado conforme auto de 02.03.2001 – vd. alíneas L, O, S e T do probatório.

b. culpa – presunção legal;

Conforme disposto no artº 2º nº 1 DL 48051, só perante a existência de factos ilícitos culposos a Administração incorre em responsabilidade civil, dispondo o citado Diploma no artº 4º nº 1 que,

· A culpa dos titulares do órgão ou dos agentes é apreciada nos termos do artº 487º do Código Civil.”.

e o artº 487º C. Civil,

· 1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.”

· 2. A culpa é apreciada (..) pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso.”

Na interpretação deste preceito é entendimento firme da jurisprudência de que a remissão do citado artº 4° nº l, é feita não apenas para o nº 2 do artº 487º CC, onde se consagra o critério legal de apreciação da culpa, mas também para o nº l deste preceito, no qual se estabelece como regra que cabe ao lesado provar a culpa mas se prevê a possibilidade de inversão deste ónus em casos excepcionais, consagrados na lei.

Um dos casos em que se presume a culpa do lesante é precisamente o previsto no artº 493°, nº 1 CC, em sede de culpa in vigilando, o que significa que uma vez demonstrada a ilegalidade em que a Administração incorreu, a lei dá por firme a sua culpa, pese embora tal não desemboque na consagração da responsabilidade objectiva na medida em que as presunções constituem meios de prova, pelo que, dada a sua natureza adjectiva, a presunção legal (artº 349º CC) tem como consequência não a eliminação do citado pressuposto mas tão só liberar o lesado do ónus de provar a culpa do lesante, nos termos gerais do disposto nos artºs 342º nº 1 CC e citado 4º nº 1do DL 48 051.

Ou seja, ao lesado apenas incumbe provar o facto que serve de base à presunção, no caso, o facto que juridicamente é passível de subsunção no conceito de culpa in vigilando, mas o lesado não tem, também, que provar o facto presumido; de modo que, atento que a regra em sede de presunções legais é a possibilidade de prova em contrário (artº 350º CC), a entidade administrativa pode ilidir a presunção demonstrando que o facto presumido não se verificou.


*

Em termos conceptuais, a culpa “(..) exprime um juízo de censura sobre um determinado comportamento que parte do pressuposto de que o agente, nas concretas circunstâncias em que se encontrava, podia e devia fazer melhor. “Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” [A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, pg. 571].

A qual, por força do disposto no art.º 4.º do DL 48.051,é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil”; o que quer dizer que, na falta de outro critério legal, será apreciada “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” (art.º 487.º/2 do CC).

O juízo de culpa pressupõe, assim, a existência de um comportamento padrão a observar em determinadas circunstâncias – definido por lei ou estabelecido de acordo com o comportamento diligente, responsável, ponderado próprio de um bonus pater famílias - sobre o qual se há-de aferir a conduta do agente, traduzindo-se esse juízo na desconformidade entre essa conduta padrão que o agente podia e devia realizar e aquilo que efectivamente realizou.

E, por isso, afirmar a existência de culpa numa conduta ilícita – seja por violação das prescrições legais estabelecidas, seja por violação das regras de ordem técnica ou de prudência comum que deviam ser adoptadas - implica a formulação de um juízo de reprovação por se considerar que o agente tinha obrigação para agir de modo a não violar as aquelas regras e que o não fez. - vd., entre outros, Acórdãos deste Tribunal de 28/6/95 (rec. n.º 19.014), de 26/09/2002 (rec. 487/02) e de 4/04/2006 (rec. 1.116/05). (..)” – vd. Acórdão do STA de 23.10.2008, procº 0264/08.

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O Estado Português, representado pelo Ministério Público, alega que

· “(..) De forma alguma se aplica in casu a presunção legal de culpa previsto no artº 493º do C. Civil … inexistindo o princípio da inversão e aplicação das regras do ónus da prova a que se referem os artºs 349º e 350º, do C. Civil, relativamente ao artº 342º do mesmo diploma legal.(..)” - vd. item 11 das conclusões de recurso

Não tem razão.

Em primeiro lugar, como referido, a remissão para o artº 487º C. Civil entende-se feita no seu todo, cabendo aferir a culpa funcional em abstracto (487º/nº 2) bem como o regime relativo ao ónus de prova (487º/nº 1); consequentemente, como nos diz a doutrina, permite “(..) estender ao regime da responsabilidade civil da Administração as diversas modalidades de presunção de culpa previstas nas disposições dos artºs. 491º e segts. do Código Civil. O STA começou por excluir a presunção de culpa … mas veio a inflectir essa posição com o Acórdão do Pleno da Secção de 29 de Abril de 1998, procº nº 36463 in AP-DR de 12 de Abril de 2001, pág. 709, que passou a constituir entendimento jurisprudencial corrente. (..)” (Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, 2ª ed. Coimbra Editora/2011, págs.196-197.)

Em segundo lugar, o caso dos autos é subsumível na hipótese descrita no artº 493º nº 1 C. Civil que estabelece uma inversão do ónus de prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tenha a seu cargo a vigilância de coisas ou animais.

Efectivamente, do probatório resulta que a situação em apreço nos autos envolve por parte da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo (DRAOT-LVT) o exercício funcional da actividade administrativa numa das modalidades levadas à previsão do citado normativo, a saber, funções de vigilância e fiscalização de construções levadas a cabo em zona classificada como domínio público marítimo, expressamente atribuídas ao INAG à DRARN, às autoridades marítimas e autarquias locais pelo artº 85º DL 46/94, 22.02.

Funções de vigilância e fiscalização inerentes às atribuições da DRAOT-LVT que constituem matéria já estabelecida pelo Acórdão do STA de 21.04.2005 levado à alínea T do probatório por transcrição de fundamentação.

Pelo exposto improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 5, 6, 8 a 11 e 18 a 20 das conclusões, suscitadas para afastar os pressupostos da ilicitude e culpa funcional.

c. danos - prejuízos especiais e anormais;

O terceiro pressuposto da responsabilidade civil reporta-se aos danos.

Para que haja obrigação de indemnizar por parte da Administração é condição essencial, primeiro que haja dano na esfera jurídica de pessoa diversa daquela a quem é imputável a actividade causadora do prejuízo - vd. artºs. 2º, 3º e 9º DL 48051, 21.11 - e, segundo, que esse prejuízo figure como consequência adequada do facto ilícito, sendo que na ausência de previsão expressa da lei são aplicáveis os princípios gerais da responsabilidade civil em matéria de nexo de causalidade, ou seja, o regime do artº 563º C. Civil.

O Estado Português, representado pelo Ministério Público, alega que,

· “os danos provados, … não vão além do que decorre do normal funcionamento das instituições…” – vd. item 12 das conclusões;

Não tem razão.

Conforme decorre do probatório e foi considerado pelas Instâncias, a obra ficou parada desde a data do embargo de 02.03.2001 até 09.05.2005 correspondente à data do trânsito em julgado do Acórdão do STA de 21.04.2005 que anulou o acto silente recorrido (indeferimento do recurso hierárquico interposto do acto de embargo) – vd. alíneas L, T e U do probatório.

Nos termos expressos nos artºs. 8º e 9º DL 48051 a exigência de prejuízos especiais e anormais era pressuposto da obrigação de indemnização restrito, expressamente, aos casos de responsabilidade pelo risco e por factos lícitos, o que significa que em caso de responsabilidade por facto ilícito, como nos presentes autos, o tratamento jurídico da matéria não exige a referida qualificação de danos.

Pelo exposto improcede a questão trazida a recurso nos itens 12 e 16 das conclusões.

d. culpa do lesado;



Alega ainda o Estado Português, representado pelo Ministério Público, que,

· “os alegados prejuízos ocorridos apenas poderiam corresponder aos verificados no período compreendido entre os dias 4/7 e 27/7, de 2001, data em que perdurou a selagem e que veio a ser retirada…” – vd. item 16 das conclusões

· “a Autora/recorrida poderia ter evitado parte dos prejuízos retirando o material que se estragou posteriormente à desselagem,” – vd. itens 7 e 17 das conclusões.

Vem suscitada a questão da concorrência entre facto ilícito e culposo da Administração e facto culposo do lesado, dito de outro modo, é trazida a recurso a co-responsabilidade do lesado nos termos do artº 570º C. Civil.

Trata-se de questão nova, com que as Instâncias não foram confrontadas, nem apreciaram ex officio; todavia, a lei consagra no artº 572º C. Civil a possibilidade de conhecimento oficioso, isto é, o tribunal pode tomar em consideração a aplicação do regime do artº 570º C. Civil se a matéria de facto revelar a culpa do lesado existente.

Comecemos pelo conteúdo e pressupostos da culpa do lesado, conceito normativo vazado no artº 570º C. Civil, em sede de responsabilidade subjectiva, que reza como segue:

- artº 570º (Culpa do lesado)

“1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa., a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”

Importa apenas o comando do nº 1 posto que o nº 2 trata da equiparação do facto culposo do lesado a facto culposo dos seus representantes legais ou auxiliares, circunstâncias alheias ao caso em apreço.

*

No contexto da responsabilidade civil do Estado por danos inferidos à esfera jurídica de particulares, a questão da culpa do lesado reveste apreciável complexidade, desde logo porque se desenvolve em diversos planos de análise, qualquer deles convocando necessariamente a ponderação das circunstâncias do caso concreto levado a juízo.

Como nos diz a doutrina civilista, “(..) Para que o tribunal goze da faculdade conferida pelo nº 1 [do artº 570º CC], é necessário que o acto do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios da causalidade aplicáveis ao agente (artº 563º) (..)” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª ed./1987, pág. 587.)

Ou seja, no tocante à contribuição culposa por parte do lesado para a produção ou simples agravamento dos prejuízos por ele sofridos e de que outrem seja responsável, “(..) A formulação legal afasta, pois, os actos do lesado que, embora constituindo concausa do dano, não mereçam um juízo de reprovação ou censura. Quer dizer, a redução ou exclusão da indemnização só ocorre quando o prejudicado não adopte a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos. (..)

Importa, antes de tudo, que o facto do prejudicado possa efectivamente considerar-se causa do dano ou do seu aumento, em concorrência com o facto do responsável – isto é, que se verifique um nexo de concausalidade. E mostra-se ainda necessário que haja culpa do prejudicado. (..) No confronto das respectivas responsabilidades atende-se, segundo a lei, à gravidade das culpas e às suas consequências, se uma das partes agiu com dolo e a outra apenas culposamente; (..)” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª ed./1984, págs.533-535)

*

Seguindo a mesma linha interpretativa, cabe atender à questão do ponto de vista do direito administrativo.

Salienta a doutrina que “(..) A culpa não está aqui referida em sentido próprio, pois para haver culpa propriamente dita seria necessário que o prejudicado tivesse violado um dever jurídico … Deve assim entender-se que existe culpa do lesado quando ele tenha omitido a diligência exigível com a qual poderia ter evitado o dano. (..) pode esperar-se do lesado a colaboração no não agravamento dos danos quando tal não represente um sacrifício inexigível e desrazoável a que o administrado normalmente diligente não se submeteria espontaneamente.

(..) Não se trata de um dever jurídico - ao qual corresponda um direito do responsável – de cooperar ou não no agravamento dos danos… mas um encargosob pena de ver reduzido, ou mesmo excluído, o seu direito à indemnização pelos danos sofridos. (..) o comportamento que o ónus reclama ou contempla é necessário na perspectiva da realização do fim (conservação ou aquisição de um uma vantagem ou efeito útil) mas não é devido. (..)

(..) tal como [no sistema alemão),o Código Civil português acolheu uma ideia de ponderação. Sendo assim, é necessário, com vista à delimitação da obrigação de indemnizar, determinar, por um lado, a eficácia impeditiva da conduta omitida e, por outro, o grau de culpa nessa omissão. (..)

O aspecto mais saliente desta problemática refere-se às hipóteses em que o lesado não utilizou os meios jurídicos processuais ao seu dispor para evitar o agravamento do dano. (..) (i) a de o lesado ter protelado, com culpa, a propositura de uma acção sobre responsabilidade e (ii) a de o lesado não se ter servido de outros meios processuais aptos a impedir o agravamento dos danos. (..)

A primeira questão não suscita particulares dúvidas … Já a segunda questão é deveras mais complexa. (..) não nos podemos esquecer que nos encontramos numa zona de confluência de dois meios processuais, ou seja, na área de intersecção do recurso de anulação com a acção sobre responsabilidade. Importa, assim, indagar se a diligência do lesado não consiste, nestes casos, na tempestiva interposição do recurso de anulação do acto ilegal causador dos danos. (..)” (Margarida Cortez, Responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais e concurso de omissão culposa do lesado, págs. 151-152 e 155-156.)

A esta específica culpa do lesado assente na conduta processual refere-se o artº 7º nº 2 DL 48851, reproduzido no actual RREE pelo artº 4º, DL 67/2007, 31.12. (Carlos Cadilha, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado … págs. 111 e 117.)

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Feito o enquadramento jurídico da culpa do lesado (artº 570º C. Civil) em ambiente administrativo cabe salientar que o Recorrente no corpo alegatório diz exactamente o mesmo que no item 17 das conclusões, ou seja, a afirmação linear de que “ … com o levantamento dos selos a Autora/recorrida poderia ter evitado parte dos prejuízos retirando o material que se estragou posteriormente à desselagem …”.

Na linha do enquadramento doutrinário acima exposto, o juízo jurídico sobre a diligência exigível à Recorrida para retirar a maquinaria na sequência da revogação do acto de selagem da obra – alíneas Q, R e W do probatório – carece de ser fundamentado nas circunstâncias de facto existentes à data; todavia do probatório não resulta qualquer factualidade nesta matéria.

O que resulta do probatório remete para a conduta processual da Recorrida, seja pelos meios contenciosos seja pelos meios de impugnação administrativos, desencadeada pela Recorrida imediatamente ao embargo de 02.03.2001 – vd. alínea L do probatório – até à prolação do Acórdão do STA de 21.04.2005, anulatório do embargovd. alíneas M, N, O, P, S e T do probatório.

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Em face da conduta processual levada à prática pela Recorrida em ordem a destruir os efeitos de paralisação dos trabalhos de construção derivada por via do embargo da obra, a conclusão que compete é no sentido de que a sociedade Recorrida agiu com a diligência exigível, no quadro das concretas circunstâncias provadas nos autos.

Pelo exposto improcede a questão trazida a recurso nos itens 7 e 17 das conclusões.

e. honorários do mandatário judicial:

Sobre esta matéria dos honorários do mandatário judicial, por Acórdão do STA de 05.03.2020, procº nº 0284/17.5BELSB, tirado em Pleno da Secção, decidiu-se que:

· “Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil por atraso na administração da justiça não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais”.

No mesmo sentido seguiram os Acórdãos: de 02.07.2020 - proc. nº 03/13.5BCPRT 01085/17,. de 29.10.2020 – proc. nº 02582/09.2BELSB,. de 13.05.2021 – proc. nº 01045/16.4BEALM e de 24.09.2020 – proc. nº 02504/08.8BEPRT.

Neste último, fundamentou-se como segue: “(..) a compensação do dano resultante do pagamento por uma das partes dos honorários do seu advogado só está legalmente prevista a título de custas de parte e nas situações de litigância de má-fé (artº 543.º, do CPC) e de demanda quando a obrigação ainda não é exigível (art.º 610.º, n.º 3, do CPC).

No contexto da tributação processual, essa compensação obedece, como vimos, a um regime específico que não se confunde com o da responsabilidade civil, não lhe sendo, designadamente, aplicável o disposto nos artºs. 564.º, n.º 1 e 566.º, n.º 2, ambos do C. Civ. Fora deste contexto, a previsão legal cinge-se às referidas situações excepcionais de litigância de má-fé e de inexigibilidade da obrigação.

Assim, na esteira da atrás referida jurisprudência do STJ, entendemos que do sistema legal vigente – em princípio coerente e obedecendo a um pensamento unitário – resulta que é através da compensação devida a título de custas de parte que são reembolsadas as despesas realizadas pela parte vencedora com o mandato judicial e quando o legislador pretendeu que essas despesas fossem integralmente ressarcidas indicou expressamente as situações em que tal ocorria e a parte sobre que impendia a obrigação.

Nestes termos, prevendo a lei, especificamente, a sua compensação através das custas de parte, não podem os aludidos honorários ser considerados danos causados por acto ilícito e não se verificando nenhuma das referidas situações excepcionais, tal compensação só pode ser obtida ao abrigo do regime das custas de parte.

E admitir que as despesas em questão na parte em que excediam o montante atribuído a título de custas de parte podiam ser ressarcidas na sua totalidade corresponderia a permitir-se uma condenação em custas de parte em violação da lei, não só porque se desrespeitava a aludida limitação, mas também porque, no caso de procedência parcial da acção – como ocorre na situação em apreço – não se tomava em consideração a proporção do decaimento.

Refira-se, finalmente, que as razões que a corrente jurisprudencial maioritária adoptada por este STA retirou do ínfimo valor da procuradoria que era atribuída à parte vencedora para ressarcimento das despesas com o seu advogado e da isenção de custas (e, consequentemente, da procuradoria) das entidades administrativas não têm hoje validade, dado estas terem deixado de beneficiar de tal isenção e, como vimos, aquelas despesas estarem integradas nas custas de parte que não são afectadas pela eventual isenção de que beneficie a parte vencida (cf. art.º 4.º, n.º 7, do RCP).

Portanto, entendendo-se que, na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais, terá de proceder a presente revista. (..)”.

Tendo em conta o presente quadro jurisprudencial, não pode acolher-se nesta matéria o julgado pelo Tribunal a quo, devendo ser subtraído ao quantum indemnizatório o valor de € 6.500,00 atribuído em sede de recurso subordinado a título de dano por despesas com os honorários dos advogados e taxas de justiça.

Consequentemente a condenação do Estado Português no pagamento à Recorrida sociedade A………… Lda. a título indemnizatório por responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito fixa-se no valor de € 105,454,06.

Neste sentido procede a questão trazida a recurso nos itens 13 a 15 das conclusões.

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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em julgar o recurso parcialmente procedente e em consequência revogar o acórdão recorrido mantendo a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.

Custas pelo Recorrente Estado Português e pela Recorrida na proporção de 5/6 e de 1/6, respectivamente.

Lisboa, 5 de maio de 2022. - Maria Cristina Gallego dos Santos (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.