Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01215/17
Data do Acordão:11/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
FUMUS BONI JURIS
Sumário:Deve admitir-se revista de acórdão do TCA que afastou o “fumus boni juris” com o exclusivo fundamento de que as questões a apreciar eram juridicamente complexas.
Nº Convencional:JSTA000P22551
Nº do Documento:SA12017111601215
Data de Entrada:11/06/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………….. recorreu nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 10-8-2017, que confirmou, com diversa fundamentação, a sentença proferida pelo TAF de Almada, que por seu turno julgou improcedente a providência cautelar por si requerida contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, por falta do requisito “fumus boni juris”.

1.2. Justifica a admissão da revista por estar em causa uma questão de importância fundamental (ao requerente foi aplicada uma pena de demissão da PSP), invocando a propósito o acórdão deste STA de 9-12-2010, proferido no processo 0934/10 e pela necessidade clara de intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

1.3. A entidade requerida pugna pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O Tribunal de 1ª instância entendeu que se não verificava o “fumus boni juris”, nos seguintes termos (sintetizados no acórdão recorrido):

“(…)

a) é complexa a questão de determinar qual o prazo da prescrição do procedimento disciplinar (iniciado em 2006), já que o RD/PSP (art. 55º) nada estabelece sobre esta matéria; ora esta lacuna terá de ser preenchida por recurso ao C. Penal (art. 121º) ou ao EDTFP/2008 (artigo 6º/6)? Seria, pois, uma (aparente) ilegalidade que não pode ser sumariamente analisada;

b) é complexa a questão de determinar se a acusação disciplinar (doc. 4) contém a imputação de factos ao ora requerente; seria, pois, uma (aparente) ilegalidade que não pode ser sumariamente analisada;

c) é complexa a questão de determinar se a pena aplicada é excessiva ou desproporcionada; seria, pois, uma (aparente) ilegalidade que não pode ser sumariamente analisada.

(…)”.

3.3. O TCA Sul entendeu que a questão referida na al. b) não era complexa – bastava ler a acusação. Contudo entendeu que “lendo a acusação, percebe-se perfeitamente quais as ilegalidades – e seus factos – que a acusação imputa ao arguido aqui recorrente.” Daí que tenha concluído, quando a este aspecto, que o aquilo que o TAC fez “… em bom rigor, foi entender que não há fumus boni juris, isto é, não se demonstrou a aparência do bem direito, na medida em que a questão ou questões respectivas exigem uma actividade jurídica não simples ou não sumária e, por isso, uma actividade jurisdicional inadmissível num processo cautelar”.

Quanto ao referido nas outras alíneas (a e c)) diz o TCA Sul que as mesmas “… sim, têm falta de simplicidade suficiente que impede a formulação do juízo positivo de verosimilhança do fumus boni juris (ser provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente) ”.

3.4. O critério acolhido para aferir a probabilidade da procedência da acção de que depende a providência cautelar (questão complexa equivale a falta de “fumus boni juris”) justifica a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito. Na verdade, a interpretação do TAC e do TCA Sul, implica que, qualquer posição jurídica emergente de um complexo quadro jurídico fique desprovida de tutela cautelar.

Ora, este STA em acórdão, proferido na vigência do CPTA anterior entendeu que a complexidade da questão jurídica era só por si idónea a comprovar que não era manifesta a improcedência da acção principal (acórdão de 3-11-2016, proferido no recurso 0681/16), revogando um acórdão do TCA que tinha invocado um critério como o que foi usado no acórdão sob recurso, ou seja, afastando o fumus boni juris por causa da complexidade do quadro jurídico aplicável: “Reportando-nos agora à decisão recorrida, se nela está afirmado que a questão é de grande complexidade, o que não se contesta, bem pelo contrário, apenas podemos concluir que não é manifestamente improvável que a requerente venha a obter ganho de causa na acção principal. Corrobora-se, deste modo, a asserção contida na declaração de voto junta ao acórdão recorrido, segundo a qual, “só através de uma laboriosa indagação em termos de direito se pode apurar se a acção principal procede ou não, o que é suficiente para se concluir que a sua improcedência não é manifesta, antes exigindo uma análise exaustiva”.

Justifica-se, assim, que este STA aprecie a validade, ou não, do critério usado pelo TCA Sul, tendo em vista os actuais contornos do referido requisito: “(…) seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” – art. 120º, 1 do CPTA). Embora no âmbito das providências cautelares estamos perante uma questão específica desse tipo de processos (avaliação do fumus boni juris) que se colocará em todos os casos em que a pretensão cautelar assente num quadro jurídico complexo.

Daí que deva admitir-se a revista.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 16 de Novembro de 2017. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.