Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01077/12
Data do Acordão:01/09/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
NULIDADE DE SENTENÇA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Sumário:I - Se a AT, após ter sido deduzido pedido de intimação para restituição do imposto cuja liquidação foi anulada em sede de recurso hierárquico e para pagamento dos juros indemnizatórios devidos, vem a efectuar essa restituição e pagamento dos juros, a intimação, ainda que o requerente discorde do montante pago a título de juros indemnizatórios por considerar que o termo inicial do prazo da respectiva contagem deve iniciar-se em data anterior à que foi considerada, deve ser julgada extinta por inutilidade superveniente na restante parte, devendo a AT suportar as respectivas custas, tudo nos termos dos arts. 287.º, alínea e), e 450.º, n.º 3, do CPC
II - Se o tribunal, apesar de ter reconhecido que a pretensão do requerente quanto à restituição do montante do imposto e ao pagamento dos juros indemnizatórios foi satisfeita extrajudicialmente e já na pendência do processo e apesar de ter prosseguido com o conhecimento da intimação apenas na parte respeitante à divergência quanto ao montante dos juros indemnizatórios, omitiu a decisão de extinção parcial da instância por inutilidade superveniente e, a final, julgou a intimação totalmente improcedente, verifica-se a invocada nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT), a determinar a anulação da sentença na parte afectada.
III - Sendo inequívoco que a liquidação do imposto não é consequência de erro imputável aos serviços da AT, esta só se constituiu na obrigação de pagar juros indemnizatórios decorrido que foi um ano após a apresentação da reclamação graciosa sem que esta tivesse sido decidida, a menos que o atraso não lhe seja imputável (cfr. art. 43.º, n.º 1, alínea c), da LGT).
Nº Convencional:JSTA00068023
Nº do Documento:SA22013010901077
Data de Entrada:10/16/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - INTIMAÇÃO
Legislação Nacional:ETAF02 ART26 B ART38 A
CPPTRIB99 ART280 N1 ART125 N1 ART61 ART63 N5
LGT98 ART43 N1 N2 N3 C ART78
CPC96 ART287 ART731 N1 ART450 N3
CCIV66 ART570 N1
CIMT03 ART19 N1 ART21 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0738/09 DE 2010/04/19; AC STA PROC0189/10 DE 21/04/2010
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG361 PAG374-375 PAG557-559
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1 A…… (a seguir Recorrente ou Requerente), na sequência da decisão que, julgando procedente o recurso hierárquico por ela deduzido contra o indeferimento de reclamação graciosa, anulou a liquidação do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) por ela liquidado e pago, pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que intimasse a Administração tributária (AT) a restituir-lhe a quantia de € 24.804,41, respeitante ao imposto pago, acrescida de juros indemnizatórios, contados desde a data em que pagou até à data em que venha a ser emitida a respectiva nota de crédito.
Alegou, em síntese, que a AT ainda não lhe restituiu o imposto nem pagou os juros, apesar do tempo decorrido desde a decisão recurso hierárquico e das diversas solicitações nesse sentido efectuadas pela Requerente.
1.2 Entretanto, a AT veio ao processo informar que, em data ulterior à da entrada do pedido de intimação, restituiu à Requerente o montante do imposto por esta pago, bem como lhe pagou os juros indemnizatórios.
1.3 A Requerente discordou de que houvesse sido efectuado o pagamento da totalidade dos juros indemnizatórios devidos, sustentando que o termo inicial da respectiva contagem deveria situar-se, não após um ano sobre a entrada da reclamação graciosa, como o fez a AT, mas antes na data em que ela, Requerente, efectuou o pagamento do imposto. Por isso, requereu que o processo de intimação prosseguisse.
1.4 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente o pedido de intimação. Isto, em síntese, porque considerou que a liquidação dos juros indemnizatórios efectuada pela AT não enferma de ilegalidade alguma, sendo que o direito aos mesmos só se iniciou decorrido um ano sobre a data em que foi apresentada a reclamação graciosa, como decorre do disposto no art. 43.º, n.º 3, alínea c), da Lei Geral Tributária (LGT).
1.5 A Requerente recorreu dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
1.6 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A)- Existe oposição entre os fundamentos e a decisão, provocando a NULIDADE da sentença;
B)- O pedido de intimação teve por objecto o pagamento, pela Administração Tributária, dos valores de € 24.562,80 (Vinte e quatro mil quinhentos e sessenta e dois euros e oitenta cêntimos), a título de devolução do capital relativo ao IMT pago e contestado, e de € 4.241,61 (Quatro mil duzentos e quarenta e um euros e sessenta e um cêntimos), a título de juros indemnizatórios;
C)- Na pendência da instância a Administração Tributária procedeu ao pagamento da totalidade da quantia pedida a título do capital relativo ao IMT pago e contestado e ainda da quantia de € 2.672,97 (Dois mil seiscentos e setenta e dois euros e noventa e sete cêntimos), a título de juros indemnizatórios (Vide factos provados: alíneas g) e h));
D)- A Recorrente apenas não obteve vencimento relativamente a parte dos juros indemnizatórios peticionados, pelo que, decidindo-se em conformidade com os fundamentos, o pedido deveria ter sido considerado parcialmente procedente;
E)- Apesar dos fundamentos indicados, a decisão foi no sentido de considerar o pedido totalmente improcedente, o que consubstancia uma NULIDADE da Sentença.
F)- Mesmo a decisão de não dar acolhimento à pretensão da Recorrente quanto à totalidade dos juros indemnizatórios peticionados é errada;
G)- Baseou-se tal decisão no facto de se entender que é aplicável ao presente caso o disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da L.G.T., em virtude de não existir erro imputável aos serviços;
H)- Houve, no entanto, erro imputável aos serviços na liquidação do IMT em causa.
I)- Atentando no documento n.º 160404007445003 junto com a petição de Reclamação Graciosa e ainda na fundamentação da decisão sobre o Recurso Hierárquico, descortina-se o erro imputável aos serviços;
J)- No documento em causa constata-se que surge como Sujeito Passivo a ora Recorrente, mas no facto tributário dá-se indicação de “cessão de posição contratual no exercício do direito conferido em contrato promessa”, e em observações, na identificação do bem, identifica-se o beneficiário da cessão contratual;
K)- Na fundamentação em causa, relativa à decisão sobre o Recurso Hierárquico, pode ler-se: “Não obstante, mesmo que se tenha efectivamente verificado a cedência da posição contratual, o sujeito passivo seria a “B……” e não a recorrente...”;
L)- Nos termos do disposto no artigo 4.º, alínea e) do C.I.M.T., assim deveria ser, pelo que a Administração Tributária, na posse de todos os elementos para o efeito, não devia, nem podia, ter aceite o pagamento do imposto pela ora Recorrente nos termos em que se encontrava apresentado o primeiro documento referido, mas, ao aceitá-lo, ocorreu erro dos serviços;
M)- Ocorrendo erro dos serviços a contagem dos juros indemnizatórios procede-se em referência ao estatuído no artigo 61.º, n.º 3 do C.P.P.T, pelo que deve ser dado acolhimento à pretensão da recorrente quanto à contagem dos juros e pagamento da quantia em falta;
N)- É entendimento da Recorrente que, mesmo que não existisse erro imputável aos serviços, a contagem do prazo relativo a juros indemnizatórios deve ser efectuada nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 61.º do CPPT.
O)- O artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da L.G.T., tal como as restantes alíneas, apenas se refere às situações que dão origem à constituição do direito a juros indemnizatórios, não dizendo respeito ao momento a partir do qual se devem começar a contar tais juros;
P)- Relativamente ao momento de início de contagem do prazo dos juros indemnizatórios, preconiza o n.º 3 do artigo 61.º do C.P.P.T., sem qualquer distinção entre qualquer das situações previstas no artigo 43.º, n.º 3 da L.G.T., que os juros são contados desde a data de pagamento do imposto indevido;
Q)- Uma das regras básicas de direito no que respeita à interpretação de normas jurídicas é a que onde o legislador não distingue, não deve o intérprete distinguir;
R)- O prazo de contagem dos juros indemnizatórios aplicado pelo Tribunal na sua decisão violou frontalmente aquele estabelecido pelo n.º 3 do artigo 61.º do C.P.P.T., que preconiza que a contagem deve operar-se “... desde a data do pagamento do imposto indevido…”
S)- Aplicando-se esta regra ao presente caso significa que a contagem do prazo dos juros indemnizatório deve contar-se desde 11 de Maio de 2004;
T)- Pelo que se encontra, assim, em falta o pagamento de juros indemnizatórios correspondentes ao período desde 11 de Maio de 2004 a 17 de Dezembro de 2005, totalizando o montante de € 1.571,80 (Mil quinhentos e setenta e um euros e oitenta cêntimos), devendo-se intimar a Administração Tributária a proceder ao seu pagamento à Recorrente;
U)- Como consequência de ter julgado totalmente improcedente o pedido de intimação apresentado pela Recorrente, a Douta decisão recorrida condenou esta na totalidade das custas;
V)- Como se viu supra, na exposição sobre a nulidade da Sentença, a condenação deveria ter sido parcial.
W)- A condenação em custas deriva do não vencimento, e na proporção do mesmo (artigo 446.º, n.º 1 e n.º 2 do C.P.C);
X)- Devendo o pedido de intimação ter sido julgado apenas parcialmente procedente, a condenação em custas deve igualmente ser parcial, na proporção do decaimento da Recorrente, que remonta a pouco menos de 5,5% face ao valor do peticionado e ao do que não foi considerado;
Y)- Contudo, caso seja dada procedência ao presente recurso, no que à contagem dos juros indemnizatórios diz respeito, a Recorrente não deve ser condenada em custas.
Deve, assim, ser proferido Acórdão que revogue a Douta Decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere procedente a presente acção, ou pelo menos parcialmente procedente, devendo a condenação em custas ser consonante tal decisão».
1.7 A Fazenda Pública não contra alegou.
1.8 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu a arguição da nulidade da sentença e ordenou a subida dos autos ao tribunal ad quem.
1.9 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que este Supremo Tribunal Administrativo se declare incompetente em razão da hierarquia e declare que a competência para conhecer do presente recurso é do Tribunal Central Administrativo Norte. Isto, porque considerou que a Recorrente invoca factos não levados ao probatório em ordem a demonstrar a existência de erro imputável aos serviços da AT.
1.10 Ouvidas as partes, apenas a Requerente se veio pronunciar, no sentido de que no recurso não se suscita questão alguma relativamente à matéria de facto.
1.11 Dispensaram-se os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.
1.12 As questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber
(i) se este Supremo Tribunal Administrativo é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso (questão do conhecimento oficioso, mas que foi suscitada pelo Procurador-Geral Adjunto); na negativa,
(ii) se a sentença enferma de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que julgou a intimação totalmente improcedente [cfr. conclusões A) a E)]; e, em qualquer dos casos,
(iii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto ao termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios [cfr. conclusões F) a T)] e
(iv) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando condenou a Requerente na totalidade das custas [cfr. conclusões U) a Y)].
*
2. FUNDAMENTOS
2.1 DE FACTO
A sentença recorrida procedeu ao julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
«3.1. Factos provados
Dos elementos juntos aos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto relevante para a decisão:
A) Em 17/11/2000, C……, promitente adquirente da fracção autónoma, designada pelas letras “AM”, do artigo matricial urbano n.º 2957 da freguesia de Aldoar, concelho do Porto, cedeu a sua posição contratual à Requerente.
Cfr fls 7 dos autos.
B) Em 11/05/2004, a Requerente, por sua iniciativa, procedeu ao pagamento de I.M.T. no valor de € 24.562,80, em virtude de pretender ceder a sua posição contratual.
Cfr fls 7 dos autos.
C) Em 17/12/2004, a Requerente apresentou reclamação graciosa, solicitando o reembolso do I.M.T. pago, alegando que a cedência da posição contratual não foi concretizada.
Cfr fls 7 dos autos.
D) Em 21/08/2006, a reclamação graciosa foi indeferida, tendo a Requerente, em 06/10/2006, apresentado recurso hierárquico.
Cfr fls 8 dos autos.
E) Por despacho de 17/04/2008, foi deferido o recurso hierárquico, tendo a A.T. determinado a “anulação oficiosa e restituição do IMT pago e contestado”.
Cfr fls 6 a 11 dos autos.
F) Em 05/09/2008, foi apresentada a presente intimação.
Cfr. fls 2 dos autos.
G) Em 17/09/2008, foi paga à Requerente a quantia de € 24.562,80, relativa ao I.M.T. pago.
Cfr informação a fls 27 dos autos e fls 34 dos autos.
H) Em 01/11/2008, foi pago à Requerente o montante de € 2.672,97, relativo a juros indemnizatórios “...calculados sobre o montante base de € 24.562,80, à taxa de 4%, e a contagem dos mesmos teve início em 18/12/2005 e fim em 06/09/2008...”
Cfr fls 41, 48 e 59 a 62 dos autos.
3.2. Factos não provados
Não foi detectada a alegação de factos a dar como não provados e a considerar com interesse para a decisão da causa».
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2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 DAS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A ora Recorrente, pretendendo efectuar a cedência da sua posição contratual enquanto promitente compradora de uma fracção autónoma de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal, pediu à AT a liquidação do IMT que considerou devido e procedeu ao respectivo pagamento.
Ulteriormente, alegando que a cedência da posição contratual não se concretizou, pediu à AT, mediante reclamação graciosa, a anulação da liquidação e a restituição do montante pago.
Porque a reclamação graciosa foi indeferida, a Requerente interpôs recurso hierárquico, o qual veio a ser deferido, tendo a AT determinado a anulação oficiosa da liquidação e a restituição do imposto pago.
Com o fundamento de que a AT, pese embora essa decisão e o tempo entretanto decorrido, não restituiu o montante do imposto nem pagou os respectivos juros indemnizatórios, a Requerente pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que intimasse a AT a efectuar-lhe essa restituição e pagamento.
No âmbito deste processo de intimação, a AT informou o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de que procedera à restituição do montante de IMT pago e ao pagamento dos juros indemnizatórios, tudo em data ulterior à entrada em juízo desse pedido de intimação.
Notificada para dizer o que houvesse por conveniente em face da tomada de posição do Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide –, a Requerente veio afirmar que não lhe havia sido paga a totalidade dos juros indemnizatórios devidos, pelo que requereu que a intimação prosseguisse em ordem a obter o pagamento da parte que considerou em falta.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente o pedido de intimação e condenou a Requerente nas custas. Isto, em síntese, porque considerou que a liquidação dos juros indemnizatórios efectuada pela AT não enferma de ilegalidade alguma, sendo que a contagem dos mesmos só se iniciou decorrido um ano sobre a data em que entrou a reclamação graciosa, como decorre do disposto no art. 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.
A Requerente insurge-se contra a sentença por várias razões. Uma de forma, qual seja a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que, enquanto dos fundamentos resulta que a Requerente só não teria razão quanto a parte dos juros indemnizatórios, a decisão proferida foi no sentido de julgar a intimação totalmente improcedente. Duas de mérito: a primeira, relativa à data a partir da qual devem contar-se os juros indemnizatórios, que entende dever ser aquela em que pagou o imposto; a segunda, quanto à condenação em custas, sustentando que estas não podem ficar a seu cargo senão na parte em que decaiu. Por outro lado, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo suscitou a incompetência deste tribunal em razão da hierarquia.
Daí que tenhamos enunciado as questões a apreciar e decidir nos termos em que o fizemos no ponto 1.12.
2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
Considerou o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo que no presente recurso estaria em causa matéria de facto, uma vez que, a seu ver, a Recorrente pretende descortinar o erro imputável aos serviços (que, dizemos nós, conferiria o direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido) com base em factos não levados ao probatório, quais sejam os constantes da fundamentação do recurso hierárquico.
Cumpre, pois, apreciar a questão da competência, questão que é de ordem pública e prioritária em relação a qualquer outra (cfr. art. 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro). Cumpre, designadamente, aferir da incompetência em razão da hierarquia, que determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final, designadamente, como no caso sub judice, pelo Ministério Público (cfr. art. 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)).
Como é sabido, nos termos do disposto nos arts. 26.º, alínea b), e 38.º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, e no art. 280.º, n.º 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma excepção à competência generalizada dos tribunais centrais administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» [art. 38.º, alínea a), do ETAF].
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face das mesmas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (Vide, entre outros, os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
– de 16 de Dezembro de 2009, proferido no processo com o n.º 738/09, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Abril de 2010
(http://www.dre.pt/pdfgratisac/2009/32240.pdf), págs. 2052/2057, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/faa144134d6efbf5802576a30041135b?OpenDocument;
– de 21 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 189/10, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2011 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2010/32220.pdf), págs. 670/674, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8445188eb602055b80257711005292ba?OpenDocument.).
Salvo o devido respeito, contrariamente ao que sustenta o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a Recorrente não invoca quaisquer factos novos que não tenham sido considerados pela sentença, antes se limita a pretender extrair dos documentos juntos aos autos, maxime da fundamentação expendida pela AT para decidir o recurso hierárquico, consequências jurídicas diversas das extraídas pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Concretizando, a Recorrente considera que a fundamentação do recurso hierárquico revela que na liquidação do IMT houve erro imputável aos serviços da AT, enquanto a Juíza do Tribunal a quo considerou que os elementos constantes dos autos não permitem concluir que a liquidação tenha resultado de erro imputável aos serviços que possa justificar a concessão à ora Recorrente de juros indemnizatórios ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 43.º da LGT.
Assim, entendemos que não está em causa divergência alguma quanto à matéria de facto, mas unicamente uma questão de direito, qual seja a de saber se a liquidação cuja anulação está na origem do presente pedido de intimação tem ou não na sua origem um erro imputável aos serviços da AT.
O que significa que, desatendendo a arguição do Ministério Público, concluímos pela competência deste Supremo Tribunal Administrativo em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso.
2.2.3 DA NULIDADE DA SENTENÇA POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
A Recorrente arguiu a nulidade da sentença por considerar que existe contradição entre os fundamentos e a decisão. Isto, em síntese, porque na sentença reconheceu-se que, na pendência da instância, a AT, como era devido, restituiu à ora Recorrente o montante por ela pago a título de IMT e os juros indemnizatórios contados desde a data em que se perfez um ano sobre a entrada da reclamação graciosa até à data em que foi emitida a nota de crédito, ou seja, apenas se conheceu do mérito da pretensão da Requerente na parte respeitante aos juros indemnizatórios do período compreendido entre a data do pagamento do IMT e a data em que se completou um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa.
É certo que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto enunciou como única questão a dirimir a de saber se a AT devia ser intimada a proceder ao pagamento de juros indemnizatórios relativos ao período compreendido entre 11 de Maio de 2004 e 17 de Dezembro de 2005 (ou seja, ao período compreendido entre a data do pagamento do IMT e a data em que se completou um ano sobre a apresentação da reclamação graciosa) e, talvez por isso e por ter considerado que a pretensão da Requerente a esse propósito improcedia na totalidade, julgou o pedido de intimação totalmente improcedente. Mas, a verdade é que o pedido da Requerente era bem mais abrangente, incluindo também a restituição do imposto e o pagamento dos juros indemnizatórios referentes ao período compreendido entre a data em que se perfez um ano sobre a entrada da reclamação graciosa até à data em que foi emitida a nota de crédito. E, nesta parte, a pretensão da Requerente logrou satisfação fora do processo, como, aliás, bem reconheceu a sentença recorrida, ainda que daí não retirando a pertinente conclusão em termos de decisão.
Assim, a nosso ver, a Recorrente tem razão, se bem que os fundamentos que sustenta deveriam suportar a procedência parcial do pedido conduzirão, ao invés, à decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Vejamos:
Já na pendência no pedido de intimação, a AT restituiu à Requerente o montante por esta pago a título de IMT, bem como pagou-lhe os juros indemnizatórios que entendeu serem devidos e relativamente aos quais, como resulta do que deixámos já dito, existe divergência entre a AT e a Requerente quanto ao termo inicial do prazo por que devem ser contados.
Dessa restituição e pagamento resulta que o pedido da Requerente, na parte em que foi satisfeito extra processualmente, perdeu utilidade, como, aliás, reconheceu a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto; e essa perda de utilidade determina a extinção da instância nessa parte, de acordo com o disposto na alínea e) do art. 287.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Deveria ter sido essa, pois, a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto: extinção da instância por inutilidade superveniente da lide na referida parte e improcedência do pedido na parte restante. Ao invés, a decisão foi no sentido da improcedência total do pedido.
Verifica-se, pois, com estes contornos, a arguida nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, nulidade expressamente prevista no art. 125.º, n.º 1, do CPPT e que ocorre «quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 ao art. 125.º, pág. 361.). Na verdade, a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue direcção diferente.
O recurso será, pois, provido, nesta parte.
Cumpre, em consequência, anular a sentença na parte afectada por este vício formal e, suprindo a nulidade, como o impõe o disposto no art. 731.º, n.º 1, do CPC, modificar a sentença (Com interesse sobre a possibilidade desta anulação parcial e o suprimento da nulidade, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume II, anotação 19 ao art. 125.º, págs. 374/375.) de modo a que na parte decisória e relativamente ao pedido de restituição do imposto e do pagamento de juros indemnizatórios no período compreendido entre a data em que se perfez um ano sobre a entrada da reclamação graciosa até à data em que foi emitida a nota de crédito, seja julgada extinta a instância por inutilidade da lide.
Esta modificação da sentença recorrida repercutir-se-á também na condenação em custas, que na sentença se decidiu ficassem a cargo da Requerente.
Na verdade, a perda parcial de utilidade do pedido de intimação é imputável à AT, pois foi ela quem deu causa à intimação – por não ter oportunamente reintegrado a ordem jurídica, na sequência da decisão do recurso hierárquico –, bem como foi ela quem, ao efectuar a restituição do imposto e o pagamento dos juros indemnizatórios na pendência da instância de intimação, deu origem à perda de utilidade desta.
Assim, é sobre ela que recairão as custas respectivas, de acordo com o disposto no art. 450.º, n.º 3, do CPC (Diz o n.º 3 do art. 450.º do CPC: «Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em é este o responsável pela totalidade das custas».), regra que concretiza, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, o princípio geral em sede de custas, de que as paga quem lhes deu causa.
2.2.4 DO MOTIVO POR QUE SÃO DEVIDOS OS JUROS INDEMNIZATÓRIOS E SUA CONTAGEM
Eis-nos, agora, chegados ao cerne do recurso, qual seja o de saber desde que data se devem contar os juros indemnizatórios: se desde a data em que foi pago o imposto, como sustenta a Recorrente, em primeira linha, com o argumento de que a liquidação resulta de erro imputável aos serviços, se decorrido que foi um ano sobre a data da apresentação da reclamação graciosa, como foi o entendimento da AT, que foi sufragado pela sentença recorrida.
Diga-se, desde já, que a questão, mais do que a de determinar a data do início da contagem dos juros indemnizatórios, é a de saber qual a situação que está na origem do direito da ora Recorrente aos juros indemnizatórios.
Se bem interpretamos as alegações da Recorrente, esta pretende que lhe são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto, pois estes devem ser contados nos termos do art. 61.º, n.º 3, do CPPT, uma vez que a liquidação de IMT teve origem num erro imputável aos serviços [cfr. conclusões H) a M)].
Mais alega a Recorrente que, mesmo que assim não fosse, sempre os juros indemnizatórios deveriam ser contados desde a data do pagamento, uma vez que o art. 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, apenas refere uma situação que origina o direito a juros indemnizatórios, mas não fixa o momento a partir do qual os mesmos devem ser contados, que será sempre o do pagamento, não podendo o intérprete e aplicador da lei estabelecer qualquer distinção onde a lei (art. 61.º, n.º 3, do CPPT) não a estabelece [cfr. conclusões N) a T)].
Por seu turno, a AT e a Juíza do Tribunal a quo sustentam que os juros indemnizatórios devidos são-no apenas pelo atraso na decisão da reclamação graciosa, nos termos do disposto no 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, motivo por que a sua contagem não pode fazer-se senão decorrido que seja um ano após a apresentação da reclamação graciosa.
Salvo o devido respeito, a sentença fez correcta interpretação e aplicação da lei à situação sub judice, não merecendo crítica. Vejamos:
A liquidação de IMT foi efectuada por iniciativa da Requerente, com base na declaração por ela apresentada para o efeito (cfr. arts. 19.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1, do Código do IMT) e a Requerente só pagou o montante liquidado porque quis. Se, ulteriormente, seja porque não se verificou o facto tributário, seja porque o imposto, afinal, não fosse devido, a liquidação foi anulada, o certo é que não poderá afirmar-se que tenha havido erro imputável aos serviços da AT. O erro terá sido, isso sim, da própria Requerente, que apresentou a declaração com base na qual a AT procedeu à liquidação do imposto.
Contrariamente ao que parece supor a Recorrente, quando alguém se apresenta nos serviços da AT a solicitar a liquidação de IMT em ordem à celebração de um negócio, a Administração não fica obrigada a uma exaustiva análise das circunstâncias factuais e das regras jurídicas a fim de averiguar se o imposto é ou não devido, bastando-se com um juízo de primeira aparência (Aliás, a própria Recorrente só agora defende a tese do erro imputável à AT, sendo que anteriormente, quer na reclamação graciosa quer no recurso hierárquico, esgrimiu apenas com a não celebração do contrato que daria origem ao facto tributário. ).
Assim sendo, como é, bem andou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao considerar que o direito a juros indemnizatórios não se constituiu na esfera jurídica da Requerente ao abrigo de qualquer das situações previstas nos n.ºs 1 e 2 do art. 43.º da LGT, ou seja, em que a obrigação de pagamento de juros resulte de um pagamento indevido de tributo, por erro imputável aos serviços.
Ou seja, sendo certo que o pagamento efectuado pela ora Recorrente foi indevido (daí resultando a imposição da restituição do respectivo montante), a ilegalidade do acto de liquidação não resultou de erro imputável aos serviços tributários, mas de erro imputável à ora Recorrente.
Assim, como também bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, na situação sub judice o direito a juros indemnizatórios resulta do previsto na alínea c) do n.º 3 do mesmo art. 43.º da LGT.
Como afirma JORGE LOPES DE SOUSA, «nos casos em que houve pagamento indevido do tributo, mas o erro foi imputável ao contribuinte (por exemplo, por ter feito uma indicação errada de rendimentos na declaração que apresentou), o interessado pode pedir revisão do acto tributário ao abrigo do disposto no art. 78.º da LGT, só havendo direito a juros indemnizatórios a partir de um ano após o pedido e se o atraso for imputável à administração tributária [art . 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT] ; esta norma deve aplicar-se também aos casos em que há erro imputável ao contribuinte e foi apresentada reclamação graciosa, em vez de pedido de revisão do acto tributário, e a decisão favorável da reclamação graciosa não é proferida dentro de um ano a contar da data da formulação do pedido» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 14 a) ao art. 61.º, pág. 558. ).
Ou seja, os juros indemnizatórios devidos à ora Recorrente não encontram a sua justificação no erro imputável aos serviços da AT de que resultou a privação do montante do imposto indevidamente pago. No nosso caso, a privação do montante do imposto indevido, porque imputável ao contribuinte, não justificaria o seu direito a indemnização.
No entanto, a lei entendeu que a demora da AT para decidir a reclamação graciosa deduzida pelo contribuinte, se superior a um ano e a menos que lhe não seja imputável, é passível de censura, revelando culpa da AT, a justificar o direito de indemnização ao contribuinte, mediante a atribuição de juros.
Parafraseando JORGE LOPES DE SOUSA, a ponderação de culpas do contribuinte (que deu origem à liquidação que se revelou indevida) e da AT (na demora injustificada da decisão da reclamação graciosa), num juízo em tudo paralelo ao prescrito pelo art. 570.º, n.º 1, do Código Civil, levou o legislador a considerar que, decorrido o prazo de um ano sem que a reclamação graciosa esteja decidida, a culpa da AT excede a do contribuinte e justifica, a partir desse momento, que se lhe imponha a obrigação de pagar juros indemnizatórios.
Tendo presentes os motivos que justificam a concessão de juros indemnizatórios no caso sub judice, bem se compreende por que a respectiva obrigação apenas se constituiu decorrido que foi um ano sob a apresentação da reclamação graciosa.
A Recorrente insiste que não há que distinguir entre as diversas situações previstas no art. 43.º para efeitos de início da contagem do prazo dos juros indemnizatórios, que sempre deverá ser feita nos termos do n.º 3 do art. 61.º do CPPT.
Mas, como resulta do que deixámos dito, não é assim, sendo que, como adverte JORGE LOPES DE SOUSA, no art. 61.º do CPPT «fixam-se os prazos em que devem ser pagos os juros indemnizatórios e os termos inicial e final da respectiva contagem, mas estes prazos têm de ser entendidos em consonância com o direito a juros indemnizatórios previsto no art. 43.º da LGT» ( JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 14 ao art. 61.º, pág. 557.).
O mesmo Autor, de forma expressa e inequívoca, afasta o entendimento defendido pela Recorrente, dizendo: «Poderia aventar-se, numa interpretação conjugada do n.º 5 do art. 63.º do CPPT (n.º 3 na redacção inicial) com a alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT que, também quando houver lugar a juros indemnizatórios nos termos da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, «os juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito».
No entanto, essa hipotética solução seria incongruente, pois o que resulta desta alínea c) é que não há lugar a juros indemnizatórios (isto é, considera-se legislativamente não se estar perante uma privação indevida da quantia paga, que é o suporte da atribuição do respectivo direito) se a revisão do acto tributário não demorar mais de um ano a contar do respectivo pedido. Por isso, quando passa a haver direito a juros indemnizatórios, este tem como causa directa uma demora da administração tributária que se considera censurável, que provoca prolongamento da falta de disponibilidade da quantia paga pelo contribuinte que passa a considerar-se ilegítima. Assim, estando o direito a juros indemnizatórios conexionado com a privação indevida da quantia paga, só se pode justificar a atribuição do direito relativamente ao período de tempo em que legalmente se considera que essa indisponibilidade passou a ser indevida» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 14 b) ao art. 61.º, nota de rodapé com o n.º 963, pág. 559. ).
Por tudo o que vimos de dizer, concluímos que bem andou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao julgar improcedente a intimação no que respeita ao pedido de pagamento dos juros respeitantes ao período compreendido entre 11 de Maio de 2004 e 18 de Dezembro de 2005.
A sentença recorrida, nessa parte, fez correcta interpretação e aplicação da lei – mediante discurso que, pela sua clarividência, é merecedor de elogio – pelo que merece integral confirmação.
2.2.5 DA CONDENAÇÃO EM CUSTAS
A Recorrente sustentou ainda que a condenação em custas enferma de erro, pois não podia ser condenada na totalidade das custas, mas apenas nas correspondentes à parte em que decaiu.
A resposta a esta questão ficou já dada quando, apreciando a nulidade da sentença invocada pela Recorrente, concluímos que as custas pela extinção parcial da instância por inutilidade superveniente ficarão a cargo da AT, motivo por que a Recorrente só as suportará na parte restante, ou seja, na parte em que o seu pedido improcedeu.
2.2.6 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I -Se a AT, após ter sido deduzido pedido de intimação para restituição do imposto cuja liquidação foi anulada em sede de recurso hierárquico e para pagamento dos juros indemnizatórios devidos, vem a efectuar essa restituição e pagamento dos juros, a intimação, ainda que o requerente discorde do montante pago a título de juros indemnizatórios por considerar que o termo inicial do prazo da respectiva contagem deve iniciar-se em data anterior à que foi considerada, deve ser julgada extinta por inutilidade superveniente na restante parte, devendo a AT suportar as respectivas custas, tudo nos termos dos arts. 287.º, alínea e), e 450.º, n.º 3, do CPC.
II -Se o tribunal, apesar de ter reconhecido que a pretensão do requerente quanto à restituição do montante do imposto e ao pagamento dos juros indemnizatórios foi satisfeita extrajudicialmente e já na pendência do processo e apesar de ter prosseguido com o conhecimento da intimação apenas na parte respeitante à divergência quanto ao montante dos juros indemnizatórios, omitiu a decisão de extinção parcial da instância por inutilidade superveniente e, a final, julgou a intimação totalmente improcedente, verifica-se a invocada nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT), a determinar a anulação da sentença na parte afectada.
III -Sendo inequívoco que a liquidação do imposto não é consequência de erro imputável aos serviços da AT, esta só se constituiu na obrigação de pagar juros indemnizatórios decorrido que foi um ano após a apresentação da reclamação graciosa sem que esta tivesse sido decidida, a menos que o atraso não lhe seja imputável (cfr. art. 43.º, n.º 1, alínea c), da LGT).
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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência,
a) declarar a nulidade da sentença na parte afectada (referida em 2.2.3) e, em substituição, julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide na parte respeitante ao pedido de intimação para restituição do montante de imposto pago e para pagamento dos juros respeitantes ao período compreendidos entre 18 de Dezembro de 2005 e 6 de Setembro de 2008 (nos montantes, respectivamente, de € 24.562,80 de imposto e € 2.672,97 de juros indemnizatórios), com custas pela Fazenda Pública;
b) manter a sentença na parte em que julgou improcedente o pedido de intimação na parte para pagamento dos juros respeitantes ao período compreendido entre 11 de Maio de 2004 e 18 de Dezembro de 2005 (no montante de € 1.571,80), com custas pela Requerente, fixadas na proporção do decaimento.
Custas neste Supremo Tribunal Administrativo pela Recorrente, na proporção do decaimento.
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Lisboa, 9 de Janeiro de 2013. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.