Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0105/15
Data do Acordão:06/17/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IRS
PROPRIEDADE INTELECTUAL
CONTABILIDADE ORGANIZADA
REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO
ENGLOBAMENTO
Sumário:I - A determinação do valor exacto do imposto a pagar segue uma tramitação própria, sujeita a regras substantivas e procedimentais, que visam permitir à Administração Tributária fazer o controle dos rendimentos efectivamente auferidos pelo contribuinte, aos quais aplicará as regras substantivas próprias de cada uma das categorias de rendimentos de modo a obter aquele valor final;
II - As regras respeitantes àquela determinação segundo o regime de contabilidade organizada ou segundo o regime de tributação simplificada, são regras que antecedem e definem previamente o modo como, a final, se irá encontrar aquele valor do imposto a pagar.
Nº Convencional:JSTA00069244
Nº do Documento:SA2201506170105
Data de Entrada:01/29/2015
Recorrente:A.... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:CIRS01 ART3 N1 C ART22 N1 ART28 ART65.
EBFISC01 ART6 ART56.
DL 42/91 DE 1991/01/22 ART10 N1 B.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………. e B………… (que aqui ocupam a posição processual do impugnante, falecido, C………..), não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2005, dela vieram interpor o presente recurso jurisdicional.

Para tanto, formulam as seguintes conclusões:

1ª A Administração Tributária considerou, erradamente, que na determinação do rendimento tributável da categoria B de IRS, eram aplicáveis as regras da contabilidade e não as regras do regime simplificado;

2ª A Administração Tributária respaldou esse entendimento, na circunstância de o recorrente ter obtido rendimentos dessa categoria superiores a €99.759,58, pelo que nos termos do artº 28º do CIRS, o regime de determinação aplicável era o regime da contabilidade;

3ª A ultrapassagem do referido valor de €99.759,58, só teve lugar porque a Administração Tributária considerou, para esse cálculo, a totalidade do rendimento de propriedade intelectual auferido pelo recorrente;

4ª Porém, nos termos do, então em vigor, art. 56º do EBF, apenas 50% dos rendimentos com essa origem (propriedade intelectual) eram objecto de englobamento e de tributação;

5ª O rendimento bruto ou ilíquido é, assim, constituído por 50%, sendo que os custos ou despesas incorridas para a obtenção de tais rendimentos, são dedutíveis, não à totalidade do auferido, mas apenas a 50%;

6ª O que quer dizer, portanto, que 50% do rendimento obtido é o rendimento ilíquido, pelo que, para o cálculo do limite estabelecido no art. 28º do CIRS, são esses 50% que devem ser tomados em consideração;

7ª Porque esses 50% são o rendimento ilíquido, é que o artº 10º, nº 1, b), do Decreto Lei nº 42/91, de 22/1, estabelecia que a retenção na fonte - que incide sobre rendimentos ilíquidos - se fazia sobre 50% dos rendimentos da propriedade intelectual;

8ª Por isso, aliás, é que a isenção de 50%, como resulta da conjugação dos artºs 22º, nº 4 do CIRS e do art. 56º do EBF, não contava para a determinação da taxa de IRS a aplicar;

9ª A Administração Tributária ao determinar o rendimento do recorrente com base no regime da contabilidade, por ter considerado que tinha sido ultrapassado o limite estabelecido no art. 28º do CIRS, cometeu uma ilegalidade;

10ª A douta sentença recorrida interpretou, assim, erradamente o disposto nos art.s 28º do CIRS e 56º do EBF.

Não foram produzidas contra-alegações.

O EMMP junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, aderindo ao parecer já constante dos autos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida selecionou-se com interesse a seguinte matéria de facto:

1 - O impugnante está colectado pela actividade de "Jurisconsultos" - Código CIRS 6011, estando enquadrado em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral;

2 - Em 27/04/2005, procedeu à entrega da declaração Mod.3 de IRS para o ano de 2004, integrando vários anexos, nomeadamente um anexo B, em que declarou no campo 403 (rendimentos brutos de Outras Prestações de Serviços) o valor de 110.317,98€, e, no campo 404 (rendimentos brutos da Propriedade Intelectual - parte não isenta), o montante de 7.272,25€, mencionado no Anexo H- campo 501 (rendimentos da Propriedade Intelectual isentos), igual valor de 7.272,25€, tendo declarado um volume total de Prestações de Serviços de 124.862,48€ no campo 1102 do Anexo B – cf. prints informáticos de fls. 39 a 46 do apenso administrativo;

3 - Em 02/05/2006, submeteu a Mod.3 de IRS para o precedente ano de 2005, registada no sistema como "declaração com anomalias" (cf. print a fls. 11 do apenso de reclamação graciosa), por detecção do seguinte erro após validação: "titular deveria do rendimento ter entregue Anexo C" (cf. notificação a fls. 12 do mesmo apenso);

4 - O impugnante dirigiu à administração tributária um pedido de esclarecimento, tendo esta informado, em síntese e como resulta do expediente que constitui fls.14 a 20 do apenso de reclamação, que o contribuinte ultrapassou em mais de 25% o valor limite previsto no art. 28º, nº. 2 alínea b), do CIRS, no exercício de 2004, pelo que no ano de 2005 está enquadrado no regime de contabilidade organizada, o que implica a entrega do Anexo C em vez do Anexo B como foi feito, e que para o cálculo daquele limite se soma o valor dos campos 403 e 404 do Anexo B com o valor do campo 501 do Anexo H, ou seja, somam-se todos os rendimentos (excepto vendas), independentemente de gozarem, ou não, de benefícios fiscais (cf. art. 10º da informação da Direcção de Finanças assumida como contestação, a fls.38);

5 - O impugnante submeteu a sua declaração, acompanhada do Anexo C, em 12/04/2008;

6 - Em seguimento e para o ano de 2005, foi emitida a liquidação de IRS nº. 02008 5000044564, de 15/04/2008, com imposto a pagar de 39.595,13€ e de juros compensatórios nº. 2008 41393, no valor de 3.002,72€, com prazo de pagamento até 26/05/2008 (cf. prints de demonstração de compensação e de liquidação, fls. 54 a 58 do apenso administrativo);

7 - A nota de cobrança foi paga pelo montante de 18.011,00€, tendo sido instaurado o processo de execução fiscal nº 3107200801122037 para cobrança do valor remanescente da dívida de imposto e juros, respectivamente, 21.584,13€ e 3.002,72€, na situação de suspenso por associação de garantia (cf. prints de fls. 53 e 59 a 61 do apenso administrativo);

8 - Em 16/07/2008, deduziu reclamação graciosa da liquidação (cf. fls.2 do atinente apenso);

9 - A reclamação foi indeferida por despacho de 28/01/2009, do Sr. Chefe de Divisão de Justiça Administrativa exarado sobre informação /parecer dos serviços junta a fls.56 do respectivo apenso, que se dá por integralmente reproduzida;

10 - Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, foi o impugnante notificado em 04/02/ 2009 (cf. talão de A/R, a fls. s/n do apenso);

11 - A petição de impugnação foi enviada ao Tribunal Tributário de Lisboa, sob registo postal de 17/02/2009, conforme carimbo dos CTT aposto no sobrescrito de remessa, a fls.27.

Factos não provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante

Nada mais se levou ao probatório.


Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão que as recorrentes colocam no presente recurso passa por saber se os rendimentos auferidos a título de propriedade intelectual, devem ser declarados na sua totalidade, ou apenas na parte correspondente a 50%, para efeitos do cálculo do limite estabelecido no art. 28º do CIRS.
Dispunha à data (exercício fiscal de 2004 e na parte com interesse) o artigo 28º do CIRS, sob a epígrafe “Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais”:

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;
b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, não tenham ultrapassado na sua actividade, no período de tributação imediatamente anterior, qualquer dos seguintes limites:

a) Volume de vendas: € 149 739,37;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: € 99 759,58.
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 - Cessa a aplicação do regime simplificado quando algum dos limites a que se refere o n.º 2 for ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos…

Também com interesse, dispunha, à data e na parte com interesse, o artigo 56º do EBF, sob a epígrafe “Propriedade intelectual”:

1 — Os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, considerando-se também como tal os rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os rendimentos provenientes das obras de divulgação pedagógica e científica, quando auferidos por autores residentes em território português, desde que sejam o titular originário, são considerados no englobamento para efeitos de IRS apenas por 50 % do seu valor, líquido de outros benefícios…

Sendo certo que estes rendimentos são considerados rendimentos empresariais e profissionais, nos termos do disposto no artigo 3º, n.º 1, al. c) do CIRS e pertencem à categoria B.

Também o artigo 22º, n.º 1, do mesmo Código, dispunha que, o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

A determinação do valor exacto do imposto a pagar segue uma tramitação própria, sujeita a regras substantivas e procedimentais, que visam permitir à Administração Tributária fazer o controle dos rendimentos efectivamente auferidos pelo contribuinte, aos quais aplicará as regras substantivas próprias de cada uma das categorias de rendimentos de modo a obter aquele valor final, cfr. artigos 65º do CIRS e 6º (hoje 7º) do EBF.

Portanto, as regras respeitantes à determinação dos rendimentos segundo o regime de contabilidade organizada ou segundo o regime de tributação simplificada, são regras que antecedem e definem previamente o modo como, a final, se irá encontrar aquele valor do imposto a pagar.

No caso dos autos, todos os rendimentos determinados segundo um daqueles regimes, em determinado ano fiscal, que devam ser enquadrados na categoria B (propriedade intelectual), mesmo que o seu englobamento só ocorra por metade, devem ser considerados pela AT, precisamente para que a mesma possa exercer o controle desses mesmos rendimentos nos termos do disposto nos artigos 65º do CIRS e 6º do EBF.

E a esta conclusão não obsta que a retenção na fonte do imposto se fizesse apenas pela metade do rendimento auferido nos termos do disposto no artº 10º, nº 1, b), do Decreto-Lei nº 42/91, de 22/1, uma vez que se tratam de realidades distintas, enquanto que esta disposição legal se encontrava em consonância com o disposto no artigo 56º, n.º 1 do EBF (se o rendimento auferido só deveria ser sujeito a tributação em 50%, não faria qualquer sentido e até seria incongruente fazer a retenção na fonte -enquanto meio de adiantamento do imposto devido a final- pela totalidade do rendimento auferido), também o artigo 56º, n.º 1 do EBF se encontrava em consonância com o disposto no artigo 22º, no tocante ao englobamento do rendimento na parte não isenta de imposto.

O facto de existir preceito legal próprio e específico, que isenta de imposto 50% da totalidade dos rendimentos auferidos a título de propriedade intelectual, não colide com a obrigatoriedade de o contribuinte dever declarar a totalidade dos rendimentos, e de os mesmos serem determinados segundo um daqueles regimes, e de proceder ao englobamento, nos termos do disposto no artigo 22º do CIRS, da parte que não se encontra isenta.

E, assim sendo, não se vê como não considerar a totalidade dos rendimentos auferidos a título de propriedade intelectual nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 28º, n.ºs. 2 e 6 do CIRS, nos precisos termos preconizados pela AT e pela sentença recorrida.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelas Recorrentes.
D.n.
Lisboa, 17 de Junho de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.