Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:079/15
Data do Acordão:09/23/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO
COMISSÃO DE AVALIAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
FIXAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL
Sumário:I - As questões da legitimidade da Câmara Municipal para requerer a segunda avaliação de prédio urbano e a da composição da comissão de avaliação, tratadas, respectivamente, nos números 1 e 2 do artigo 76.º do Código do IMI (na redacção que lhes foi conferida pelo artigo 93.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro), não apresentam entre si uma necessária relação de dependência, pois que o legislador a não estabeleceu.
II - Estando em causa a validade do acto de deliberação da comissão de avaliação, esta tem de ser aferida em função da lei em vigor à data dessa deliberação (tempus regit actum), a não ser que exista norma que preveja um regime transitório em contrário, o que não ocorre neste caso – art. 12.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária.
III - Assim, ao não ter sido solicitado à câmara a nomeação de um vogal que a representasse, foi preterida formalidade legal na constituição daquele órgão, que afecta a validade do acto de fixação do valor patrimonial por ele praticado.
Nº Convencional:JSTA00069339
Nº do Documento:SA220150923079
Data de Entrada:01/23/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IMI.
Legislação Nacional:LGT ART12 N3.
CIMI03 ART76 N1 N2 ART139.
L 64-A/2008 DE 2008/12/31 ART93.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0765/09 DE 2009/11/18.; AC STA PROC01131/11 DE 2012/05/02.; AC STA PROC0301/12 DE 2012/05/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A FAZENDA PÚBLICA recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela de 21 de Maio de 2014, que, por vício de violação de lei decorrente da ilegal composição da Comissão que procedeu à segunda avaliação, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………….., LDA contra o acto de fixação do valor patrimonial tributário do prédio inscrito sob o artigo 3160, fracção E, freguesia de …………, Chaves.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. Na douta sentença sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, decidiu anular o acto de fixação do valor patrimonial tributário por considerar que foi preterida formalidade legal essencial relativa à composição da Comissão que procedeu à segunda avaliação de determinado prédio urbano, em suposta violação da norma constante do n.º 2 do artigo 76.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), na redacção conferida pelo Artigo 93.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.
2. O princípio da aplicação, com efeitos ex nunc das normas de cariz procedimental ou processual (cf. n.º 3 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária) não reveste carácter absoluto nem dispensa a contribuição dos demais vectores da empresa exegética.
3. A alteração do artigo 76.º do CIMI, no que à composição da Comissão diz respeito, só produz efeitos relativamente a pedidos de 2.ª avaliação que respeitem a avaliações directas realizadas após 1 de Janeiro de 2009, data da entrada em vigor da Lei n.º 64.º-A/2008, de 31 de dezembro.
4. A composição da Comissão que procede à segunda avaliação de prédios urbanos tem necessariamente de ser compaginada com a questão da legitimidade que a própria autarquia passou a deter, ou seja, a inclusão de um vogal designado pela Câmara Municipal, é decorrência da opção legislativa de conferir legitimidade ao Município para, relativamente aos prédios localizados na respectiva área geográfica, ela própria requerer a segunda avaliação dos mesmos;
5. Apenas a partir de 1 de janeiro de 2009 é que a Câmara Municipal, na pessoa de um vogal por si designado, detém legitimidade para, caso não concorde com o valor patrimonial tributário, resultante da primeira avaliação, requerer a instauração do procedimento de segunda avaliação;
6. No caso em apreço, quer a primeira quer a segunda avaliação foram despoletadas em datas em que a Câmara Municipal ainda não dispunha de legitimidade activa no procedimento, nem nele tinha de participar;
7. Sendo certo que o procedimento de avaliação se reporta à data do respectivo pedido (cf. n.º 4 do artigo 37.º do CIMI)
8. Ao contrário do julgado sob recurso, a comissão que procedeu à segunda avaliação não violou a norma do n.º 2 do artigo 76.º do CIMI, nem qualquer outra disposição legal, uma vez que foi constituída de harmonia com a lei aplicável à data do respectivo pedido;
9. Razão pela qual o douto aresto que anulou o acto de fixação do valor patrimonial tributário, com fundamento em preterição de formalidade legal que não se tem por verificada, se não deve manter na ordem jurídica.
10. Nestes termos, e nos demais, que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, ao presente recurso deve ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida, assim se fazendo a já costumada Justiça.

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos termos seguintes:
A. O n.º 2, do artigo 76.º, do CIMI é uma norma de natureza procedimental.
B. E, portanto, as alterações nela introduzidas pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, são de aplicação imediata, mesmo aos procedimentos pendentes, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º da LGT.
C. Decidiu bem o M. Juiz a quo, pelo que a sua decisão deve ser integralmente confirmada.
D. Assim não se entendendo (sendo revogado o decidido), deverá o processo baixar à primeira instância para apreciação dos vícios substantivos que a Recorrida assacou à liquidação impugnada, vícios cujo conhecimento a sentença recorrida considerou prejudicado em virtude do vício procedimental.


3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 131 a 133 dos autos, concluindo no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.

4 – Notificadas as partes do Parecer do Ministério Público (fls. 134 a 136 dos autos) nada vieram dizer.
- Fundamentação -

5 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular o acto de segunda avaliação em razão de não ter sido observada na composição da Comissão que a ela procedeu o disposto no n.º 2 do artigo 76.º do CIMI, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.

6 – Matéria de facto
Na sentença objecto do recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1) A impugnante apresentou, a 12.08.2005, declaração para inscrição/atualização relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o número 3160, fração autónoma E da freguesia de ……….., Chaves, com o motivo «mudança de afetação» P.A. – fls. 5
2) A impugnante foi notificada, a 22.07.2008, da avaliação efetuada ao prédio referido, ao qual foi atribuído o valor patrimonial tributário de €783 670,00; P.A. – fls. 2
3) a impugnante solicitou, a 12.12.2008, segunda avaliação; P.A. – fls. 1
4) A comissão que procedeu à segunda avaliação foi constituída por dois peritos regionais nomeados pela Administração Tributária e pelo representante do sujeito passivo; Doc. 2 junto com a P.I. // P.A. – fls. 33 e 44
5) A Administração Tributária procedeu à indicação dos peritos regionais a 09.01.2009, os quais foram notificados por ofícios datados de 23.01.2009; P.A. – fls. 33 e ss.
6) A impugnante foi notificada da 2.ª avaliação, da qual consta o seguinte: Doc. 1 junto com a p.i.

Elementos DeclaradosAvaliação
      Final
EDIFÍCIO Área total do terreno700,0000700,0000
      700,0000
ÁREAS Área de implantação do prédio (m2)700,0000700,0000
      700,0000
Fracção 3160 EAndar
AfectaçãoServiços Serviços
      Serviços
N.º Pisos da fracção Tipologia /Divisões11
      1
Área do terreno integrante0,0000 0,0000
      0,0000
Área bruta privativa 1565,29001365,2900
      1365,2900
Área bruta dependente0,0000 200,0000
      200,0000
Permilagem470,4380470,4380
      470,4380
Idade 4141
      41
      Elemento
      (s) de qualidade e conforto
      19 Inexistência de elevador em edifício com mais de 3 pisos
-0,020
      -0,020
      25 Estado deficiente de conservação
- 0,050
      -0,050



Valor Patrimonial Tributário


Vt= VC x A xCa xCl xCq x
          Cv
783.679,00= 612,50 x 1425,2900 x1,10 x1,35 x0,930 x
          0,65



7) Da ata da respetiva comissão consta o seguinte: Doc. 2 junto com a p.i.
Aos dezasseis dias do mês de Fevereiro do ano de dois mil e nove, neste Serviço de Finanças de Chaves, estando presente o Sr. B………., chefe do mesmo Serviço, comigo C………., compareceram os:
Perito Regional (presidente)
- D……………, com o NIF ………..
Perito regional (vogal)
- E………….., com o NIF ………….
O Sujeito Passivo
- F……………, com o NIF ……………
E declararam que (tendo visto e examinado, por inspecção directa o prédio descrito na relação que lhes foi entregue: Sim (X), Não ( ), o avaliaram, com a inteira observância de todas as formalidades legais, conforme está descrito na ficha de avaliação n.º 2574389, do prédio com o artigo de matriz n.º 3160, fracção E, da freguesia de …………...
(…)
Análise da avaliação feita pelo perito presidente e declaração de voto do sujeito passivo.
Por maioria com discordância do representante do sujeito passivo, Sr. F…………, considerou-se manter o valor patrimonial tributário da 1.ª avaliação por se considerar validos os elementos apresentados pelo contribuinte e considerada na 1.ª avaliação, nomeadamente o coeficiente de localização, coeficiente de afectação, o coeficiente de conforto, a idade do prédio e o coeficiente de vetustez.
(Omissis)
8) O prédio referido em 1) esteve afeto ao funcionamento de um estabelecimento hoteleiro designado “……….”, que encerrou a sua atividade a 21.01.1998; Doc. 3 junto com a p.i. Depoimento de G………. e F……………..
9) O referido prédio não possui em 2005 de licença de utilização para estabelecimento hoteleiro; Doc. 4 junto com a p.i.
10) À data da apresentação da declaração referida em 1) o prédio em causa estava abandonado há vários anos; Depoimento de G………… e F……………..
11) Encontrava-se em avançado estado de deterioração, interior e exterior. Doc. 5 junto com a p.i. Depoimento de G……… e F………..


7 – Apreciando
7.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida: aplicabilidade do n.º 2 do artigo 76.º do Código do IMI, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro
A sentença recorrida, a fls. 50 a 61 dos autos, julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra o acto de segunda avaliação, anulando-o, por não ter sido observado, quanto à composição da Comissão de Avaliação, o disposto no n.º 2 do artigo 76.º do Código do IMI, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.
Entendeu-se na sentença recorrida que contendo o artigo 76.º normas procedimentais a sua alteração importa a aplicação imediata, como resulta expressamente do artigo 12.º, n.º 3 da LGT, como já decidido pelo STA (Acórdãos de 23.05.2012, proc. n.º 0301/12, de 02.05, proc. n.º 01131/11 e de 18.11.2009, proc. n.º 0765/09), pelo que quando a 09.01.2009 a Administração Tributária procedeu à nomeação dos peritos que integrariam a comissão para proceder à segunda avaliação deveria respeitar a composição da comissão tal como resulta do artigo 76.º, n.º 2 do CIMI na redação dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, o que, não tendo sucedido – pois que a referida comissão foi constituída por dois peritos regionais indicados pela Administração Tributária e pelo sujeito passivo (cfr. os n.ºs 5 e 7 do probatório fixado) – fere de invalidade o acto de avaliação impugnado (cfr. sentença recorrida, a fls. 59/60 dos autos).
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando, em síntese, que nenhuma ilegalidade foi cometida pois que a dita comissão foi constituída, de harmonia com o que determinava a lei vigente à data do pedido de segunda avaliação e, salvo melhor entendimento, o vogal designado pela Câmara Municipal apenas detém legitimidade para intervir em procedimentos cuja primeira avaliação tenha ocorrido após a entrada em vigor da lei nova, pela simples (mas, julga-se, decisiva, razão), que a lei antiga não reconhecia à sua representada – o Município – legitimidade para intervir no procedimento de avaliação.
A recorrida pugna pela manutenção do julgado recorrido.
Também o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu douto parecer junto aos autos e supra transcrito, se pronuncia no sentido de que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela recorrente.
Vejamos.
Não resulta nem directamente da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (que nenhuma norma sobre a aplicação no tempo da nova redacção do artigo 76.º do Código do IMI estabeleceu), nem das melhores regras de hermenêutica jurídica, que o vogal designado pela Câmara Municipal apenas detém legitimidade para intervir em procedimentos cuja primeira avaliação tenha ocorrido após a entrada em vigor da lei nova, pela simples (mas, julga-se, decisiva), razão, que a lei antiga não reconhecia à sua representada – o Município – legitimidade para intervir no procedimento de avaliação.
Não é sequer inequívoco - atenta a natureza procedimental da norma atributiva de competência à Câmara Municipal de legitimidade para requerer a segunda avaliação (artigo 76.º, n.º 1 do Código do IMI, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 93.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro) e ao princípio da aplicação imediata das normas desta natureza (artigo 12.º, n.º 3 da LGT) -, que a legitimidade da Câmara para requerer a segunda avaliação de prédio urbano situado no seu município se limite temporalmente aos que foram objecto de avaliação directa realizada após 1 de Janeiro de 2009 (data da entrada em vigor da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), embora pareça ser essa a interpretação do n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI, e provavelmente do artigo 139.º do mesmo Código, sufragada pela Administração tributária.
São questões diversas, tratadas em normas autónomas e que não estabeleceram entre si nenhuma relação de dependência, a da composição da comissão de avaliação (n.º 2 do artigo 76.º do Código do IMI) e a da legitimidade para requerer a segunda avaliação de prédio urbano (n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI), embora, no que às Câmaras Municipais diga respeito, quer a sua legitimidade para requerer a segunda avaliação, quer a integração de um vogal em sua representação na comissão que a ela irá proceder, tenham sido legalmente reconhecidas pelo mesmo diploma (embora já antes os municípios fossem destinatários da receita do imposto).
O que parece decisivo para o caso dos autos é que, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e oportunamente notificado às partes, estando em causa a validade do acto de deliberação da comissão de avaliação, esta tem de ser aferida em função da lei em vigor à data dessa deliberação (tempus regit actum), a não ser que exista norma que preveja um regime transitório em contrário, o que não ocorre neste caso – art. 12.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária. E no caso dos autos, como sustenta o mesmo Ilustre Magistrado no seu parecer, tendo a comissão reunido em 16/02/2009 (data constante da acta da comissão), mostra-se evidente que a sua deliberação tem de estar em conformidade com a disciplina normativa em vigor naquela data, ou seja, a comissão tem de ser integrada por um vogal da câmara, a não ser que este órgão não tenha feito qualquer indicação no decurso do prazo de 20 dias, a tal não obstando o facto de à data da apresentação do requerimento de 2.ª avaliação a câmara municipal ainda não ter legitimidade para requerer essa 2.º avaliação. Tal ocorreria se a sua intervenção na comissão decorresse da apresentação desse requerimento. //Mas a sua intervenção é independente da apresentação desse requerimento, ou seja, na constituição da comissão de avaliação passou a fazer parte um vogal da Câmara, a não ser que não seja indicado no prazo de 20 dias (artigo 76.º, n.º 1, alínea b) do Código do IMI). Ora, no caso dos autos, ao não ter sido solicitado à Câmara a nomeação de tal vogal, foi preterida formalidade legal na constituição daquele órgão, que afecta a validade do acto de fixação do valor patrimonial por ele praticado.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento, nenhuma censura merecendo o decidido.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 23 de Setembro de 2015. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Dulce Neto.

Existe acórdão retificativo de reforma quanto a custas em 11/11/2015.