Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0704/14
Data do Acordão:05/11/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO
IRC
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - Uma vez que a AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artº. 266.º, n.º 2, da CRP e artº. 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. artº. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artº. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso.
II - No caso dos autos para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser assacado aos serviços do fisco qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, na altura em que o fez.
Nº Convencional:JSTA000P20512
Nº do Documento:SA2201605110704
Data de Entrada:06/16/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., SA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – RELATÓRIO
A……………….., S.A. com os demais sinais dos autos, veio deduzir impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa por ela apresentada contra o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008.
Por sentença de 20 de Dezembro de 2013, o TAF de Sintra julgou procedente a impugnação Judicial e anulou a liquidação em crise.

Inconformada com o assim decidido, reagiu a representante da Fazenda Pública, interpondo o presente recurso com as seguintes conclusões das alegações:
«I) A sentença ora recorrida determinou, na sua parte decisória, a anulação da liquidação colocada em crise. Tal não só vai para além do pedido formulado pela Impugnante como determinaria a devolução por parte desta dos montantes reembolsados pela AT na sequência da autoliquidação efectuada pela Impugnante.
II) Afigura-se-nos assim que deverá nesta parte ser rectificada a sentença, de molde a determinar a correcção da autoliquidação nos termos peticionados, e não a anulação da liquidação na sua totalidade, ou seja determinando o reembolso do valor de € 5.309,14.
III) No caso concreto, contudo não se verificam, as condições de que depende o pagamento de juros indemnizatórios por parte da Administração Tributária, previstas no art. 43° da LGT
IV) Como resulta do n.º 2 do artigo 43° da LGT, se o erro praticado pelo contribuinte tiver na sua base orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, haverá lugar a juros indemnizatórios a favor daquele, por se considerar que a responsabilidade na entrega de imposto em excesso cabe à AT por ter emitido orientações sem correspondência com a legislação vigente.
V) No caso dos presentes autos, em que se está perante um erro na autoliquidação praticado pelo próprio contribuinte, erro esse derivado exclusivamente da aplicação de uma norma que se veio posteriormente a considerar inconstitucional, e em que não está em causa o cumprimento de quaisquer instruções administrativas genéricas da AT, nem esta teve qualquer intervenção no âmbito dos seus poderes de autoridade no apuramento do Imposto a entregar pelo contribuinte, não se vislumbra como se pode integrar a pretensão indemnizatória formulada pelo contribuinte no âmbito do disposto no artigo 43° da LGT.
VI) Até porque, nos termos do artigo 111º n.º 2 b) do CPPT, a administração fiscal, na qualidade de órgão da Administração Pública, não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.
VII) Com efeito, nos termos do artigo 266°, n.º 2 da CRP, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei, diferentemente do que sucede com os Tribunais que, nos termos do disposto no artigo 266°, n.º 2 da CRP, estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional.
VIII) A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, no que concerne à condenação no pagamento de juros indemnizatórios rectificada de molde a determinar a correcção da autoliquidação nos termos peticionados, e não a anulação da liquidação na sua totalidade, como é de Direito e Justiça.»

Foram apresentadas contra alegações, a fls. 233/241 dos autos pela sociedade recorrida, com o seguinte quadro conclusivo:
« A. O segmento decisório da sentença do Tribunal a quo não necessita de ser retificada, uma vez que resulta — com mediana clareza — do mesmo que o ato tributário impugnado foi anulado, não na sua totalidade, mas na medida em que foi colocado em crise.
II. Com efeito, compulsado o teor do segmento fáctico-jurídico da sentença, é clarividente que o thema decidendum se encontra cingido à sujeição dos encargos dedutíveis declarados pela ora Recorrida a uma tributação autónoma superior à devida e legalmente admissível, pelo que resulta também claro que o comando decisório se cinge àquela parte.
C. Quanto aos juros indemnizatórios, nem a circunstância de estar em causa nos autos um ato de autoliquidação constitui um óbice ao pagamento daqueles juros ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da LGT, nem tão-pouco poderá sustentar-se a inexistência de erro imputável aos serviços com fundamento na adstrição da Administração Tributária ao cumprimento da lei e no facto de estar na base da ilegalidade do ato de autoliquidação impugnado a inconstitucionalidade material de uma norma.
D. A este respeito pronunciou-se já por diversas vezes este Supremo Tribunal no sentido de o dever de obediência da Administração Tributária à lei compreender todas as fontes normativas (de quanto resulta um dever de obediência, prima facie, à Constituição da República Portuguesa, enquanto Lei Fundamental do Estado) e de o direito do contribuinte a juros indemnizatórios, atenta a função reparadora dos mesmos em face de uma atuação ilegal da Administração Tributária, estar dependente apenas da existência de um comportamento ilegal por parte da Administração Tributária de quanto resultem prejuízos para o contribuinte, como sucedeu no caso sub judíce.»

O EMMP pronunciou-se emitindo parecer no sentido da total improcedência da presente impugnação e, em consequência, pela manutenção do julgado.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
A) A Impugnante preencheu o Campo 365 do Quadro da sua declaração periódica de rendimentos (Modelo 22) referente ao exercício de 2008 com o valor de € 11.880,52, o qual inclui o montante de € 11.490,59, correspondente à tributação autónoma aplicada sobre os encargos a que se referem os n°53 e 4 do artigo 81º do CIRC. (Doc. nº 1 junto à PI.)
E) No dia 16.02.2011, a Impugnante deduziu reclamação graciosa da autoliquidação a que alude a al. A) do probatório, requerendo a anulação parcial da mesma, nos seguintes termos e fundamentos: “(...) determinando em consequência, a correcção da autoliquidação referente ao exercício de 2008 e o reembolso do valor que resulta da diferença de aplicação, aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e aos encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e aos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, incorridos entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, das antigas taxas de tributação autónoma em substituição das novas taxas de tributação autónoma, o qual ascende a € 5.809,74 (cinco mil trezentos e nove euros e setenta quatro cêntimos).” (Doc. fls. 4/3 do processo de reclamação graciosa apenso).
C) No dia 14.09.2011, por despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Lisboa foi a reclamação graciosa a que alude a al. B) do probatório indeferida. (Doc. fls. 120/122 do processo de reclamação graciosa apenso).
D) Em 19.09.2011, a Impugnante foi notificada do despacho a que alude a al. C) do probatório. (Doc. fls. 125/127 do processo de reclamação graciosa apenso).
F) Em 27.09.2011, deu entrada neste tribunal a petição inicial que originou os presentes autos. (cfr. carimbo aposto a fls.3 dos autos).
3 – DO DIREITO
A decisão recorrida para conceder provimento à impugnação expressou a seguinte fundamentação de direito que se apresenta por súmula:

I. RELATÓRIO
A……………………., S.A., nif ……………, com sede na ……….. — ……….. em ………., Cascais vem deduzir impugnação judicial contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o acto tributário de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008.
Alega brevitais causa:
- que a redacção do artigo 81° do CIRC, dada pela Lei n.º 64/2008 de 5/12, não deve ser considerada aplicável relativamente aos encargos suportados entre 1 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008, e que deve ser aplicada, no seu lugar, a redacção anterior, invocando o principio constitucional de não retroactividade da lei fiscal previsto no n°3 do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.
Conclui, pedindo a anulação do acto de indeferimento impugnado, determinando, em consequência, a correcção da autoliquidação referente ao exercício de 2008 e à devolução do montante de €5.309,74 acrescido de juros indemnizatórios.
A FAZENDA PÚBLICA apresentou contestação defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência dos autos.
(…)
III. SEGMENTO FÁCTICO
(…)
IV. SEGMENTO FÁCTICO-JURÍDICO
A Impugnante não se conformando com o sentido da decisão (indeferimento expresso) que recaiu sob a reclamação graciosa deduzida contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2008, vertida na declaração de rendimentos Modelo 22, dela vem deduzir impugnação.
As partes nos articulados apresentados, identificaram, e bem que a questão que importa apreciar e consequentemente decidir é a de saber, se a norma contida no artigo 5°, n° 1 da Lei n° 64/2008, de 5 de Dezembro, que determinou a produção de efeitos desde 1 de Janeiro de 2008 do disposto no artigo 1°-A da mesma Lei, o qual alterou o artigo 81.º do CIRC, agravando de 5% para 10% a taxa de tributação autónoma incidente sobre os encargos com viaturas ligeiras de passageiros e despesas de representação, consubstancia um caso de retroactividade fiscal.
E, sobre esta questão uma vez mais, foi o Tribunal Constitucional chamado a pronunciar-se sobre o tema, e em Plenário, no Acórdão n° 617/2012 de 19.12.2012-Processo n° 150/12 decidiu pela inconstitucionalidade da norma do artigo 5°, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 a alteração do artigo 81.º, n.º 3, alínea a), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas por violação do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.
Eis um excerto do referido acórdão:
«(...) é manifesto que se está perante uma hipótese de aplicação retroativa do disposto no artigo 81.º n.º 3, do CIRC, na redação introduzida pela Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, ou seja, aplicação de lei nova a factos tributários de natureza instantânea, já completamente formados, anteriores à data da sua entrada em vigor.
Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal — a realização de despesas de representação ou com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, no período de 1 janeiro de 2008 até à entrada em vigor da Lei n.º 64/2008 de 5 de dezembro (6 de dezembro de 2008) — ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova, não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico - fiscal complexo de formação sucessiva.
A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroactividade autêntica.
O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto. É esse ato que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da proteção da confiança, que se exige como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento.
Uma vez que a alteração efetuada ao artigo 83. n.º 8, do CIRC, através da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, veio aumentar a taxa de tributação autónoma aplicável a despesas de representação e com viaturas, agravando a situação dos contribuintes abrangidos, estava-lhe vedada uma eficácia retroativa.
Contudo, como vimos, embora a referida Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, tenha entrado em vigor em 6 de dezembro de 2008, o seu artigo 5.º n.º 1, determinou que tal alteração produzia efeitos a partir de 1 de janeiro de 2008.
Ora, tendo já ocorrido o facto que deu origem à obrigação tributária posteriormente agravada por lei nova, as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroatividade neste domínio estão integralmente presentes, uma vez que importa prevenir o risco abstrato de que a lei publicada com retroação de efeitos provoque agravos financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade em que se encontravam os contribuintes afetados, vinculados a tais factos já ocorridos, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura.
Assim, não pode a lei; sob pena de violação da proibição imposta no artigo 108. n° 3, da Constituição, agravar o valor da taxa de tributação autónoma, relativamente a despesas já efetuadas aquando da sua entrada em vigor, pelo que, tendo a norma do artigo 5 n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, determinado a retroação de efeitos a 1 de janeiro de 2008 da alteração do artigo 81.°, n.ºs, do CIRC, violou a referida proibição constitucional» (disponível em texto integral em www.tribunalcontitucional.pt)
Atento o teor do acórdão que se reproduziu, nenhumas outras considerações se nos afigura acrescentar à fundamentação transcrita, as quais se enquadram cabalmente na situação ora em análise.
Assim sendo, há que concluir que a impugnação deduzida não pode deixar de ser procedente.
DO PEDIDO DE CONDENAÇÃO À DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA E AO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Formulou ainda a Impugnante o pedido relativo à devolução da quantia que pagou e juros indemnizatórios desde a data em que efectuou o pagamento.
Naturalmente que lhe assiste tais direitos, sendo a devolução da quantia paga consequência necessária e directa da anulação da liquidação.
Assim, atendendo ao que acaba de ser exposto quanto à liquidação, que se impõe anular, resulta claro que o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatório pedido deve proceder.
Com efeito, a impugnante tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído no artigo 43.º da LGT.
De facto, o erro imputável aos serviços engloba não só o erro de facto como também, o erro de direito. (Acórdão do STA, de 20 de Março de 2002, relatado pelo Conselheiro Benjamim Rodrigues, disponível em: www.dgsi.pt.)
V. SEGMENTO DECISÓRIO
Nestes termos decide-se julgar procedente a impugnação e em consequência:
a) anula-se a liquidação colocada em crise;
b) condena-se a entidade liquidadora a pagar à impugnante juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento e até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

DECIDINDO NESTE STA
Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Sintra de 20.12.2013 que, julgou procedente a impugnação deduzida por A…………………, SA, anulou a liquidação colocada em crise e condenou a entidade liquidadora a pagar à impugnante juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento e até à data da emissão da respectiva nota de crédito

São duas as questões colocadas à apreciação deste Supremo Tribunal.
- A que se prende com o conteúdo da decisão anulatória da liquidação (eventual excesso);
- A relativa à condenação no pagamento de juros indemnizatórios (que passa por saber se a administração fiscal está ou não obrigada ao pagamento dos juros indemnizatórios à recorrente, uma vez que a autoliquidação do imposto foi anulada e restituído parte do imposto, por se ter considerado que a aplicação retroactiva do disposto no artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, violava o disposto no artigo 103º, n.º 3 da CRP - princípio da proibição da retroactividade fiscal).

Pretende a Fazenda Pública a rectificação da sentença recorrida no que respeita à dimensão do acto anulado e mais pretende a sua revogação no que tange à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Desde já adiantamos que, como sustentado pelo Mº Pº neste STA, o recurso não merece provimento quanto à primeira questão embora se adiante, desde já, que é nosso entendimento que o merece, quanto à questionação do arbitramento de juros indemnizatórios.

Vejamos então a primeira questão:
Como expressa o Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA , no seu parecer é certo que a decisão recorrida anulou “a liquidação colocada em crise”. Porém, como claramente decorre da mesma sentença, apenas um segmento da liquidação em causa é atingido pela decisão anulatória — o referente à tributação autónoma incidente sobre determinados encargos, no montante de € 5.309,74. Só este segmento é colocado em crise na impugnação e, portanto, só a ele se podia referir e refere a sentença recorrida quando determina a anulação da “liquidação colocada em crise”. É esta a nossa leitura e a de qualquer outrem, leitor atento, se atentar no conjunto da fundamentação da sentença ora sindicada.
Assim sendo, não merece provimento, o pedido de qualquer rectificação da sentença não se vislumbrando qualquer excesso que o determine.

Quanto aos juros indemnizatórios arbitrados (desde já cumpre observar que seguiremos de perto a argumentação jurídica constante do ac. deste STA de 21 de Janeiro de 2015 tirado no rec.703/14 que tratou caso idêntico.).
Dispõe o artigo 43º da LGT, na parte com interesse, que, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, cfr. n.º 1, devendo considerar-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, cfr. n.º 2.
Este Supremo Tribunal tem-se pronunciado de forma uniforme sobre as circunstâncias em que a Administração fiscal está obrigada ao pagamento dos juros indemnizatórios, em caso de anulação da liquidação do imposto quando o montante desse mesmo imposto já se encontrasse pago.
Entre outros, escreveu-se no acórdão datado de 04/11/2009, recurso n.º 0665/09, em que se analisou de forma criteriosa a distinção entre a anulação da liquidação com fundamento em ilegalidades procedimentais e a anulação da liquidação com fundamento em ilegalidades substantivas inerentes à relação jurídica tributária:
“As situações em que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios são indicadas no art. 43.º da LGT.
Relativamente a anulação de actos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é indicado no n.º 1 deste artigo, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito.
Mas, a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito…
Na verdade, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» têm um âmbito mais restrito do que a expressão «vício», que é utilizada legislativamente para referenciar qualquer ilegalidade.
Por outro lado, constata-se que no CPPT se utiliza a expressão «vícios» quando se pretende aludir, genericamente, a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença).
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro», tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.
Esta é, aliás, uma restrição que se compreende.
Na verdade, a existência de vícios de forma ou incompetência significa que houve uma violação de direitos procedimentais e formais dos administrados e, por isso, justifica-se a anulação do acto por estar afectado de ilegalidade.
Mas, o reconhecimento judicial de um vício daqueles tipos não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, não implica qualquer juízo sobre o carácter devido ou indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Fiscal com base no acto inválido, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou preterição de formalidade legal ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não estando em dúvida que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada, através da fixação de juros indemnizatórios a favor do contribuinte…”.

Não havendo qualquer dúvida que a anulação da liquidação que foi impugnada nestes autos ocorreu por razões inerentes à própria relação jurídica tributária, isto é, a autoliquidação fundou-se em norma legal que veio a ser declarada inconstitucional por violar um dos princípios estruturantes do direito fiscal, o da proibição da retroactividade fiscal, artigo 103º, n.º 3 da CRP, só nos resta apurar se esse “erro sobre os pressupostos de direito”, isto é, se a errada consideração no apuramento do imposto a pagar de norma julgada inconstitucional, pode ou não ser imputável aos serviços do fisco.
As questões que se suscitam nos autos tiveram origem numa autoliquidação de imposto que seguiu as regras estabelecidas pelo disposto no artigo 5º, n.º 1, da Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, sendo que, suscitada a apreciação da conformidade constitucional de tal norma ao Tribunal Constitucional, primeiramente, por este veio a ser sufragado o entendimento de que não ocorria a violação daquele princípio da proibição da retroatividade fiscal, cfr. acórdão n.º 18/2011, datado de 12/01/2011, e posteriormente, nos acórdãos n.ºs 310/2012 e 617/2012, respectivamente de 20/06/2012 e de 19/12/2012, veio a ser sufragado o entendimento de que ocorria a violação de tal princípio quando aplicado o disposto naquela norma aos factos ocorridos anteriormente.
Como resulta da matéria de facto que se julgou assente, a recorrente apresentou em 29/05/2009- (vide doc de fls. 36) autoliquidação do IRC do exercício de 2008 e em 16.02.2011 apresentou reclamação graciosa contra aquela autoliquidação, que veio a ser indeferida por despacho datado de 14/09/2011, por se ter entendido ser de aplicar aquele artigo 5º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008.

Também se depreende daquela matéria de facto que a autoliquidação não resultou do facto de a recorrente ter seguido quaisquer orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, nos termos do disposto naquele artigo 43º, n.º 2 da LGT, antes fundou-se na aplicação da lei vigente.

Portanto, apenas nos resta, agora, saber se a Administração Tributária poderia ou não fazer aquele “julgamento” de conformidade constitucional do disposto no artigo 5º, n.º 1 da Lei n.º 64/2008, para daí podermos concluir que a mesma tenha decidido a reclamação graciosa, ancorada em erro sobre os pressupostos de direito.

Sobre esta questão, e em caso semelhante, já se pronunciou este Supremo Tribunal em sentido negativo, nos seguintes termos:
“…a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respetivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.). É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.
A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.
É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.).
No mesmo sentido, JOÃO CAUPERS afirma que «a Administração não tem, em princípio, competência para decidir a não aplicação de normas cuja constitucionalidade lhe ofereça dúvidas, contrariamente aos tribunais, a quem incumbe a fiscalização difusa e concreta da conformidade constitucional, demonstram-no as diferenças entre os artigos 207º [hoje, 204.º] e 266º, nº 2, da Constituição. Enquanto o primeiro impede os tribunais de aplicar normas inconstitucionais, o segundo estipula a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.
Afigura-se claro que a diferença essencial entre os dois preceitos decorre exactamente da circunstância de se não ter pretendido cometer à Administração a tarefa da fiscalização da constitucionalidade das leis. O desempenho de tal função, por parte daquela tem de ser visto como excepcional» (Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Almedina, 1985, pág. 157.).
Concluímos, assim, que no Direito Constitucional Português não existe a possibilidade de a Administração se recusar a obedecer a uma norma que considera inconstitucional, substituindo-se aos órgãos de fiscalização da constitucionalidade, a menos que esteja em causa a violação de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, o que não é manifestamente o caso quando está em causa a aplicação de norma eventualmente violadora do princípio da não retroactividade da lei fiscal…”, cfr. entre outros, os recentes acórdãos datados de 26/02/2014, recurso n.º 0481/13 e de 12/03/2014, recurso n.º 01916/13.

Face a esta doutrina, não podemos deixar de concluir que a Administração Tributária não poderia ter decidido de modo diferente a reclamação graciosa que a recorrente lhe dirigiu, quer porque não lhe assiste o direito a recusar a aplicação de norma que no seu entender poderia ser inconstitucional, porque não lhe é permitido formular um juízo sobre essa constitucionalidade, quer porque já anteriormente a essa decisão havia sido proferido pelo Tribunal Constitucional acórdão em que se havia concluído pela conformidade constitucional do concreto preceito legal, sobre o qual, posteriormente, veio recair o julgamento de inconstitucionalidade. Quanto às consequências não se desconhecendo o teor de outros acórdão deste STA, com alguma longevidade, no sentido de que a liquidação feita com base em lei declarada inconstitucional, sendo ilegal, não pode deixar de ser anulada também é certo que a Administração Fiscal não pode efectuar um Juízo de prognose póstuma quanto à inconstitucionalidade, devendo o tribunal evitar interpretações extensivas e atentar também nos valores da certeza e segurança jurídicas e nos termos da responsabilização legal pelo pagamento de juros indemnizatórios que afastam qualquer responsabilidade objectiva da Fazenda Pública pelo que residualmente os interesses do contribuinte ficarão salvaguardados pela possibilidade de propositura de acção indemnizatória contra o Estado Português por erro imputável ao poder legislativo. Temos, assim, que concluir que no presente caso, e para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser assacado aos serviços do fisco qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, na altura em que o fez.

Preparando a decisão formulamos as seguintes proposições:
1) Uma vez que a AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artº. 266.º, n.º 2, da CRP e artº. 55.º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. artº. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artº. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso.
2) No caso dos autos, para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser assacado aos serviços do fisco qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, uma vez que não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu, na altura em que o fez.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que arbitrou juros indemnizatórios à impugnante.
Custas pela recorrida.
D.N.
Lisboa, 11 de Maio de 2016. - Ascensão Lopes (relator) - Dulce Neto - Ana Paula Lobo, vencida conforme voto que anexo.

VOTO DE VENCIDA

Não acompanho a decisão proferida na parte em que considera não são devidos juros indemnizatórios pelas razões que passo a indicar:
A decisão recorrida recusou a aplicação da norma do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, na parte em que faz retroagir a 1 de janeiro de 2008 os efeitos de um agravamento da taxa de tributação resultante da nova redação dada pela referida lei ao artigo 81.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), com fundamento na violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal desfavorável, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, seguindo decisões proferidas no mesmo sentido pelo Tribunal Constitucional.
A referida norma não foi objecto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral, pelo que não procedeu o Tribunal Constitucional a qualquer restrição quanto aos efeitos que decorrem de tal declaração nos termos do disposto no art.º 282.º da Constituição da República Portuguesa.
Tal como indicado no acórdão que antecede cremos não oferecer dúvida que: «As situações em que há lugar a pagamento de juros indemnizatórios são indicadas no art. 43.º da LGT.
Relativamente a anulação de actos tributários em processo judicial, o regime dos juros indemnizatórios é indicado no n.º 1 deste artigo, nos termos do qual «são devidos juros indemnizatórios quando se determine em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Assim, à face deste n.º 1, o que é relevante para efeitos da atribuição de juros é que haja um erro que seja imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Aquela expressão «erro», sem qualquer qualificativo, abrange tanto o erro de facto como o erro de direito.
Mas, a utilização da expressão «erro», e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se tiveram em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito…».
A circunstância da Administração Tributária estar vinculada a observar a norma inconstitucional não exclui a sua «obrigação de reparar os danos causados» pelo atraso na reposição integral do imposto que com base nela ilegalmente arrecadou.
Como é aceite pela doutrina, o desvalor típico da norma inconstitucional é a nulidade, por a norma inconstitucional se encontrar “ferida de raiz” (entre outros, Jorge Miranda, |Manual…, VI, 2.ª ed., pg. 95; Carlos Blanco de Morais, in Justiça Constitucional, I, 2.ª ed., pgs. 236 ss.). Como escreve Marcelo Rebelo de Sousa a este respeito, “A paralisia da relevância jurídica prototípica do acto nulo opera-se no próprio momento da sua existência e essa paralisia não é sanável nem pelo decurso do tempo, nem pela verificação de outro qualquer facto jurídico ‘stricto sensu’ (ou acto jurídico como tal tratado para este efeito), nem pela prática de um acto pelo poder político do Estado destinado a convalidar o acto nulo (fosse esse acto de um órgão jurisdicional, do órgão que praticara o acto nulo, do órgão competente para o praticar ou de outro órgão perante o qual o que praticara o acto fosse politicamente responsável) ”, in, O valor jurídico do acto inconstitucional, I, Lisboa, 1988, p. 245).
O mesmo entendimento se colhe em numerosos acórdãos do Tribunal Constitucional, como por exemplo no Acórdão nº 80/86 onde se entendeu que "sendo a norma nula desde a origem, por força de inconstitucionalidade, tornam-se igualmente inválidos não somente os efeitos directamente produzidos por ela (e daí a reposição em vigor de normas que haja revogado), mas também os actos jurídicos praticados ao seu abrigo (actos administrativos, negócios jurídicos, etc.)".
Perfilha-se neste acórdão o entendimento de que tendo o contribuinte, no cumprimento duma norma legal, procedido a uma liquidação que a lei lhe impõe e essa norma vem posteriormente vem a ser declarada inconstitucional, e em consequência anulada aquela liquidação, não se verifica erro imputável aos serviços, como pressuposto necessário à condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios a favor do contribuinte ao abrigo do disposto no art.º 43.º da Lei Geral Tributária.
Ora este erro não pode ser atribuído ao contribuinte que tem que cumprir a lei vigente, mesmo que inconstitucional até que a inconstitucionalidade da norma seja judicialmente reconhecida. Porém, este erro é um erro sobre os pressupostos de direito que fundamentaram o acto de liquidação, ainda que a Administração Tributária não pudesse deixar de aplicar a norma, à semelhança do contribuinte até que a sua inconstitucionalidade fosse judicialmente reconhecida.
Quer a Lei Geral Tributária quer o Código de Processo e Procedimento Tributário fazem diversas referências a erro imputável aos serviços, tendo a doutrina e o Supremo Tribunal Administrativo, ao longo do tempo, vindo a densificar este conceito, apontando no sentido que qualquer erro sobre os pressupostos de direito do acto de liquidação é sempre imputável aos serviços, a menos que decorra de acto imputável ao próprio contribuinte.
Assim na interpretação do art.º 78.º da Lei Geral Tributária, onde se prevê a revisão oficiosa «com fundamento em erro imputável aos serviços» poderemos mencionar, por muito expressivo o texto do Acórdão proferido no proc. n.º 01009/10, em 22-03-2011, disponível em www.dgsi.pt, que colhe a interpretação que vem sendo dada ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária a propósito de erro imputável aos serviços, estatui que: «(…)O «erro imputável aos serviços» concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, com ressalva do erro na autoliquidação que, para o efeito, é equiparado aos daquela primeira espécie - art. 78°, n.° 2 in fine.
É o que este STA tem uniforme e reiteradamente afirmado, a propósito do art. 43° da LGT.
Como se refere no Ac. de 12/12/2001, rec. 26.233: «havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro» já que «a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços».
Cfr., no mesmo sentido e por todos, os Acds. de 06/02/2002 rec. 26.690, 05/06/2002 rec. 392/02, 12/12/2001 rec. 26.233, 16/01/2002 rec. 26.391, 30/01/2002 rec. 26.231, 20/03/2002 rec. 26.580, 10/07/2002 rec. 26.668.»
Mas também esta mesma interpretação de que face ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária se deve considerar que é erro imputável aos serviços o acto de liquidação que teve por base uma norma que veio a ser declarada inconstitucional, se encontra em outros acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente no proferido no processo 0457/02 em 22-05-2002, cuja parte decisória passamos a transcrever:
«(…) 3. Está em causa a questão dos juros indemnizatórios.
Dispõe o art. 43º, 1, da Lei Geral Tributária:
“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Comentando este artigo dizem Diogo Leite de Campos e Outros, na sua Lei Geral Tributária, comentada e anotada, ano de 1999, pág. 141:
“O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação”.
Ou seja: Para estes autores, a simples procedência da impugnação leva, em linha recta, à ocorrência de erro imputável aos serviços que procederam à liquidação.
Na verdade, não há que fazer qualquer tipo de distinção entre as razões que levaram a tal erro.
Não há assim que curar de saber se estamos perante um erro em sentido estrito, resultante de uma deficiência técnica dos próprios serviços de liquidação, ou, pelo contrário, se estamos perante um erro em sentido lato, resultante de vício da lei, sendo que então a liquidação está correcta de acordo com a lei, mas esta sofre, por exemplo, do vício de inconstitucionalidade, ou do vício de violação de lei comunitária.
No caso dos autos, o Mm. Juiz concluiu – sem reacção dos interessados – que a lei, com base na qual foi efectuada a liquidação, é inconstitucional. Daí decorre, na sequência do que vai dito, que a liquidação feita com base em lei inconstitucional, sendo ilegal, não pode deixar de ser anulada, sendo o impugnante ressarcido com juros indemnizatórios pela importância por si indevidamente paga, em resultado desse erro resultante, em primeira instância, da lei (inconstitucional) que os serviços aplicaram.
São pois devidos juros indemnizatórios.
Juros que serão contados nos termos da lei – art. 61º, 3, do CPPT.
4. Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida (mas tão somente na parte em que em que julgou a impugnação improcedente quanto aos juros deduzidos), julgando-se, em consequência, a impugnação totalmente procedente.
Sem custas.
Lisboa, 22 de Maio de 2002
Lúcio Barbosa – relator - Alfredo Madureira - Brandão de Pinho».
A inconstitucionalidade de uma norma é o mais profundo erro sobre os pressupostos de direito que pode afectar um acto de liquidação, por ser uma afronta à norma primária de legislação que encima o nosso ordenamento jurídico. O legislador constitucional determinou no art.º 22.º que «O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.» apresentando-se os artigos 43º da Lei Geral Tributária e o art. 61º do Código de Processo e Procedimento Tributário como um mecanismo de concretização de tal comando constitucional, permitindo para além da devolução do que for ilegalmente cobrado pela Administração, também o ressarcimento dos danos resultantes da não utilização pelo contribuinte de uma determinada quantia, durante o tempo em que o Estado a manteve indevidamente em seu poder.
Confirmaria, pois, a decisão recorrida.

Ana Paula Lobo.