Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01361/16
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - O Dec. Lei nº 55/2008, de 26 de Março, estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo natureza de regulamento complementar ou de execução.
II - Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
Nº Convencional:JSTA00070366
Nº do Documento:SA22017101101361
Data de Entrada:12/02/2016
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CONST05 ART103 N2 ART165 N1 I.
EBFISC01 ART43 N1 A B N7.
L 171/99 DE 1999/09/18 ART7 N1.
DL 55/08 DE 2008/03/26 ART2.
CPPTRIB99 ART125
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0115/15 DE 2015/09/09.; AC STA PROC01548/13 DE 2014/10/01.
Referência a Doutrina:FREITAS DO AMARAL - CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII 2ED PAG185-186.
AROSO DE ALMEIDA - TEORIA GERAL DO DIREITO ADMINISTRATIVO: TEMAS NUCLEARES 2012 PAG98-99
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………………., LDA, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial que apresentou contra o acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2012, no montante global de 7.111,99 €.

Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:

1) A sentença deve ser considerada nula, pois existe erro na pronúncia sobre questões que a Juíza deva apreciar – cf. Art. 125º do CPPT.

2) Resulta claramente da letra da lei que o benefício (Art.º 43º do EBF) visa diversos objetivos embora conexos, mas não são cumulativos, no sentido de que para obter o benefício não é necessário que a atividade na área beneficiária seja obrigatoriamente desenvolvida de modo a cumprir com todos os objetivos, sendo eles: criação de infraestruturas; o investimento em atividades produtivas; o estímulo à criação de emprego estável; e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens.

3) Nestes mesmos termos, não resulta de nenhuma das normas desde da Lei nº 171/99, de 18.09, que seja obrigatório para usufruir do referido benefício a criação de postos de trabalho e ou existência de postos de trabalho na empresa.

4) Ademais, os elementos do Art. 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 55/2008, de 26.03, não podem ser interpretados como condições obrigatórias, ou seja, não está previsto no Art.º 43º do EBF, nem tão pouco na letra da lei do Art. 2º, nº 2, que seja uma condição obrigatória para usufruir do benefício que a Recorrente tenha na área geográfica beneficiara a sua sede e direção efetiva e que disponha igualmente nessa área 75% da massa salarial ou que disponha de massa salarial.

5) O Decreto-Lei nº 55/2008, de 26.03, considera que a atividade principal na área beneficiaria é aí desenvolvida se nela possua 75% da massa salarial, trata-se desde logo de uma presunção ilidível.

6) Depois, a criação do benefício pela Lei nº 171/99, de 18.09, não estava dependente da criação ou existência de trabalhadores, ou massa salarial, e as suas normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, previstas nos Artºs 7º a 11º, a Lei nº 171/99, de 18.09, foram estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001 de 10.12., igualmente não o previam.

7) Ambos os diplomas não fazem qualquer referência como condição de acesso possuir uma massa salarial, ou a criação de posto de trabalho no seio do beneficiário para usufruir de algum dos benefícios previstos, com a exceção daqueles especificamente aplicáveis para a criação de postos de trabalho (Artºs 9º e 10º, ambos do EBF).

8) Sem prescindir, que não pode o Decreto-Lei nº 55/2008, de 26.03, e na Portaria n.º 1117/2009, de 30.09, criar ou alterar o referido benefício, porque violaria os princípios constitucionais da reserva de lei, pelo que a interpretação do mesmo tem de ser feita nesse sentido.

9) Donde, não se pode interpretar, no sentido de ser obrigatório para o usufruto do benefício, a criação ou possuir uma massa de trabalhadores na área geográfica, quando o âmbito dos requisitos no Art. 43º, nº 1, é o desenvolvimento da atividade económica de natureza agrícola, comercial e industrial e de prestação de serviços, principal na área geográfica beneficiária.

10) O que é de facto necessário, e dentro do espírito da lei, e dentro das regras gerais das normas anti abuso, que a atividade desenvolvida pela Recorrente de forma a poder usufruir com o referido benefício seja uma atividade desenvolvida dentro das áreas beneficiárias.

11) Existindo um claro cumprimento do Art. 43º, nº 1, al. b), ao desenvolver a Recorrente a sua principal atividade na área beneficiária, por meio de investimento na prestação de serviços médicos na especialidade de urologia, um dos objetivos do benefício para interioridade, porque a criação de emprego não é um requisito obrigatório.

12) Perante o exposto, não resta outra conclusão que a Recorrente afastou a presunção por se demonstrar inequivocamente que desenvolveu a sua atividade principal de acordo com o objetivo previsto no Art. 43º do EBF e da interpretação e análise do objetivo do referido benefício.

13) Quanto aos requisitos do Art. 43º, nº 2, e do Decreto-Lei nº 55/2008, de 26.03, face às posições das partes, verifica-se que os mesmos se encontram devidamente cumpridos pela Recorrente, pelo que tem direito ao benefício previsto no Art.º 43º n.º 1, al. b), do EBF, ou seja de redução de taxa de 10%.

14) Por outro lado, resulta que a correção efetuada à coleta pela AT não está devidamente fundamentado, de modo claro e suficiente, pois a AT não fundamentou os motivos válidos para que seja impedida de usufruir da redução de taxa, quando a Recorrente exerce exclusivamente a atividade principal, mesmo sem dispor de pessoal e consequentemente sem remunerações contabilizadas, pelo que a liquidação recorrida não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser anulada por vício de violação da lei – cf. Art. 268º da CRP, Artºs 124º e 125º do CPA e Art. 77º da LGT.

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que fosse concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e anulada a liquidação, porquanto, ao contrário do decidido, a aplicação das disposições contidas no Dec. Lei nº 55/08, de 26.03, contrariam ou vão além do previsto no art.º 43º do EBF, já que este não pode ser interpretado no sentido de impor, como condição para usufruir do benefício fiscal, a existência de “massa salarial”, mas, tão só, a inexistência de “salários em atraso”. Aduziu, para o efeito, a seguinte argumentação:

«[…] Com efeito, entre as condições previstas no dito nº 2 não se incluía a referida “massa salarial”, mas apenas “não terem salários em atraso” – assim, na sua alínea c).

Por outro lado, na sentença recorrida aceita-se que no dito Decreto Lei tenham sido estabelecidas normas de regulamentação necessárias à execução do dito art.º 43º do E.B.F., o que apenas se encontrava previsto no seu n.º 7 ocorrer por Portaria do Ministro das Finanças.

Assim, tendo ainda em conta que o dito art.º 43º do E.B.F., aditado ao abrigo da Lei nº 63-A/2006, de 29/12, enquanto se manteve em vigor, foi sujeito a várias alterações, nomeadamente pela Lei nº 67-A/07, de 31/12, a qual alterou as alíneas a) do nº 1, prevendo-se apenas que a atividade principal se situe nas áreas beneficiárias, resulta sem fundamento a interpretação que se defende.

Foi decidido pelo acórdão do S.T.A. de 9-9-2015 proferido no processo 115/15, acessível em www.dgsi.pt, em caso com algum paralelismo com o presente, que o Governo não pode por Portaria que se destina a proceder à regulamentação de normas necessárias à boa execução da disposição do E.B.F. estabelecer uma norma “praeter legem”, ocorrendo, assim, ilegalidade sob pena de nulidade e mesmo inconstitucionalidade por violação do n.º 5 do art.º 112.º, e dos artºs. 165º nº 1 al. i) e 103º nº 2 da C.R.P.

Sendo a ilegalidade relativa a condição de aplicação de um benefício fiscal/desagravamento é de anular a liquidação — assim, se revê neste aspeto o parecer emitido no processo 1267/16, relativa à mesma impugnante e em que se coloca questão semelhante quanto ao exercício de 2013, e em que me tinha pronunciado no sentido de ocorrer nulidade.».



1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.


2. Na sentença recorrida julgou-se como provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante tem como objeto social a prestação de serviços médicos na especialidade de urologia - cfr. fls. 16 do processo administrativo apenso.

2. A Impugnante, no exercício de 2012, tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no concelho de Viseu - facto não controvertido.

3. No ano de 2012 a Impugnante, nas declarações fiscais enviadas, não inscreveu qualquer gasto a título de gastos com o pessoal, nem declarou remunerações pagas a trabalhadores - cfr. fls. 12 do processo administrativo apenso.

4. Em resultado da Ordem de Serviço n.º OI201500513, a Impugnante foi objeto de uma ação de fiscalização realizada pela Divisão de Inspeção Tributária II da Direção de Finanças de Viseu. - cfr. fls. 9 do processo administrativo apenso.

5. Através do ofício n.º 20157562R007147, de 17.08.2015, foi a Impugnante notificada do projeto de conclusões do Relatório de Inspeção e respetivos anexos para, querendo, exercer o direito de audição - cfr. fls. 8 e verso do processo administrativo apenso.

6. A Impugnante não exerceu o direito de audição - cfr. fls. 14 do processo administrativo apenso.

7. Em 14.08.2015, foi elaborado o relatório de inspeção tributária, constante de fls. 9/14 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

8. As conclusões do relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente - cfr. fls. 9 do processo administrativo apenso.

9. No seguimento das correções efetuadas em sede de procedimento inspetivo, a Administração Tributária emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2015 8310037726, referente ao exercício de 2012, no montante global de 7.111,99€ - cfr. doc. de fls. dos autos.


3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que a sociedade A………………, LDA deduziu contra o acto de liquidação adicional de IRC relativo ao exercício de 2012, levada a cabo pela Administração Tributária em resultado da desconsideração do benefício fiscal contemplado no art.º 43º, nº 1, alínea b), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Tal desconsideração, sustentada na inexistência de custos com salários enquanto pressuposto do benefício, alicerçou-se na interpretação, efectuada pela Administração Tributária, do disposto no art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008, de 26.03, o que levou a impugnante a pedir a anulação da liquidação por vício de falta de fundamentação e por vício de violação da norma contida no art.º 43º, nº 1, al. b), do EBF, advogando que este benefício fiscal se basta com o exercício da actividade principal numa área beneficiada, independentemente de haver, ou não, massa salarial.

O tribunal recorrido deu, todavia, por inverificados tais vícios e julgou a impugnação improcedente, mantendo a questionada liquidação.

Inconformada com o julgado, a impugnante, ora recorrente, insiste que a liquidação padece dos invocados vícios e sustenta que «A sentença deve ser considerada nula, pois existe erro na pronúncia sobre questões que a Juíza deva apreciar, cf. Art.º 125º, do CPPT.».

No que concerne à arguida nulidade da sentença, cumpre desde já dizer que não lhe assiste razão.

A nulidade da sentença, cominada no art.º 125º, do CPPT, ocorre quando se verifica a falta da assinatura do juiz, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que o juiz não deva conhecer.

No caso, a recorrente não imputa qualquer um destes vícios à sentença, limitando-se a evidenciar a sua discordância com o julgamento das questões colocadas, que reputa de errado. Ora, o erro na pronúncia que a recorrente aponta não tem qualquer enquadramento no artigo 125º do CPPT, antes corporizando a invocação de um mero erro de julgamento.

Termos em que resta saber saber se a sentença incorreu nos erros de julgamento que lhe são imputados.

É incontroverso que, no exercício a que se reporta a liquidação, a recorrente tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento em área definida como beneficiária para efeitos do benefício fiscal à interioridade, previsto no art.º 43º, nº 1, do EBF, e que, nesse exercício, não incorreu em custos de natureza salarial. E foi por inexistir massa salarial que, com base na disciplina contida no art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008, de 26.03, a Administração Tributária procedeu à liquidação adicional de IRC, numa interpretação de que este preceito impõe, como condição para o aludido benefício, a existência de massa salarial.

O dissídio centra-se, pois, em torno da questão de saber se existência de massa salarial é, ou não, pressuposto necessário do direito ao benefício fiscal contemplado no art.º 43º, nº 1, alínea b), do EBF.
O tribunal recorrido respondeu afirmativamente à questão e manteve a liquidação impugnada com a seguinte argumentação:
«O Decreto-Lei nº 55/2008, de 26 de março veio estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, ao abrigo do nº 7 do artigo 43.º do E.B.F. […]
No caso em apreço apenas está em causa saber se a Impugnante preenche o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 55/2008, ou seja, se a sua atividade principal se situa nas áreas beneficiárias, sendo certo que, como a própria Impugnante reconhece não detém massa salarial, pelo que importa saber se a condição de acesso se verifica não só quando a entidade tenha massa salarial conquanto mais de 75% desta se concentre na zona beneficiária ou também quando a entidade não tenha massa salarial. Trata-se portanto de uma questão de interpretação de lei […]
Regressando à norma em análise julgamos que o artigo 2º, nº 2 estabelece dois pressupostos para que se considere que a atividade principal se situa na área beneficiária, cumprindo assim a condição de acesso a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 55/2008: que o sujeito tenha a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e que mais de 75% da massa salarial do sujeito passivo se situe nas áreas beneficiárias.
Ou seja, não encontramos na lei nenhum indicador de que o legislador disse menos do que pretendia, admitindo situações em que o sujeito passivo não tem massa salarial e, como tal, apenas lhe bastasse a sede na zona beneficiária.
Também, como bem faz referência a Fazenda Pública, já a Lei nº 171/99, de 18 de setembro, que o Decreto-Lei nº 55/2008 veio substituir estabelecia no seu artigo que com o diploma se criavam medida de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior (nº 1) e que as medidas adotadas incidem sobre a criação de infraestruturas, o investimento em atividade produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens (nº 2).
Entre essas medidas encontrava-se a previsão de uma taxa reduzida de IRC para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias [cfr. artigo 7.º, nº 1 da Lei nº 171/99), e já aí se determinava que “considera-se que a atividade principal é exercida nas zonas beneficiárias quando os sujeitos passivos tenham a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial”. Assim, exigia-se não apenas que o sujeito passivo detivesse massa salarial como também que mais de 75% desta se concentrasse na zona beneficiária
Ora, este pressuposto para que se possa considerar que o sujeito passivo beneficiário exerce a sua atividade beneficiária manteve-se no Decreto-Lei n.º 55/2008, o que se compreende tendo presente os objetivos e desígnios pretendidos alcançar pelo legislador.
Com efeito, a ratio dos benefícios fiscais à interioridade assenta na promoção do desenvolvimento e na redução das assimetrias regionais, como vista à dinamização do tecido empresarial existente, atraindo recursos humanos e investimento que possam fortalecer a base económica e social da região. Os benefícios fiscais à interioridade têm em vista atrair a fixação de empresas nas zonas menos desenvolvidas, cuja atividade fomente o combate à desertificação humana e a recuperação das zonas do interior. Estes benefícios visam a criação de capital fixo e o investimento nas diversas atividades produtivas, potenciadas pelas características de cada região, estimulando o emprego e desta forma fixando os jovens. […]
Volvendo ao caso em apreço, uma vez que a Impugnante não detém massa salarial não preenche a condição de acesso ao benefício fiscal previsto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do E.B.F, reportada a situar a sua atividade principal nas áreas beneficiárias, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008.»

A Recorrente não se conforma com o julgado, sustentando que o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 não pode ser interpretado no sentido de que a existência de massa salarial é condição para usufruir do benefício previsto no art.º 43º do EBF, seja porque o art.º 43º não impõe essa condição, seja porque uma tal interpretação não resulta da letra da lei.

No que lhe assiste a razão.

Com efeito, o benefício contemplado nas alíneas a) e b) do art.º 43º, nº 1, do EBF, consubstanciado numa redução da taxa de IRC, tem como destinatárias «As empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias». E o nº 2 da mesma norma, que define as condições necessárias para que essas empresas possam usufruir do benefício, apenas impõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada com recurso a métodos directos de avaliação [alínea a)], que a situação tributária esteja regularizada [alínea b)], que não haja salários em atraso [alínea c)] e que a empresa não resulte de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios [alínea d)].

A existência de massa salarial não constitui, por conseguinte, condição de acesso ao benefício em causa, embora no caso de efectiva existência de massa salarial esta tenha de se concentrar, em mais de 75%, na área beneficiária.

Com efeito, o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 estabelece que «Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.». Todavia, este diploma apenas estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo a natureza de regulamento complementar ou de execução.

Ora, como se deixou explicitado no acórdão do STA proferido em 1/10/2014 no processo nº 01548/13 «Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo… são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário. // Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.

Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».

Torna-se, pois, claro que a disciplina contida no Dec. Lei nº 55/2008 não pode contrariar, ou, por qualquer forma, ultrapassar ou alterar a própria lei que regulamenta, sob pena de ilegalidade.

De resto, como bem se salienta no acórdão proferido pelo STA em 9/09/2015, no processo nº 0115/15, os benefícios fiscais constituem matéria sujeita à reserva de lei, e, por conseguinte, os seus pressupostos não podem ser alterados por decreto-lei que não haja sido precedido de autorização legislativa – cfr. artºs 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP. Ora, não tendo a lei, no citado art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício que contempla, não pode tal condição ser legalmente imposta com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.

Deste modo, a liquidação impugnada, que teve por fundamento a inexistência de massa salarial para efeitos de exclusão do benefício fiscal, é ilegal. E, por consequência, a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que julgue procedente a impugnação, assim ficando prejudicada a apreciação do vício de falta de fundamentação.



4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a impugnação judicial, com a anulação do acto de liquidação de imposto e dos juros compensatórios.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, salvo quanto a taxa de justiça neste recurso uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 11 de Outubro de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Ana Paula Lobo – Ascensão Lopes (vencido conforme voto em anexo).


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Votei vencido, pois negaria provimento ao recurso na consideração de que o pressuposto da condição legal de “inexistência de salários em atraso” é, exatamente, a existência de massa salarial, aliás sujeita a condições (qualitativa e quantitativa).

No caso inexiste “massa salarial” o que, a meu ver, seria condição de acesso ao benefício fiscal que está em causa nos autos.


Ascensão Lopes