Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0344/15
Data do Acordão:05/12/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPTIO NON ADIMPLETI CONTRATUS
Sumário:I - Numa empreitada, cuja realização é financiada por «pagamentos mensais dos trabalhos» feitos, medidos, e aceites pelo dono da obra, o sinalagma prestativo estabelece-se entre esses trabalhos e o seu preço facturado e aceite pelo dono da obra;
II - O dono da obra não pode sobrestar no pagamento de trabalhos realizados, medidos, facturados e por ele aceites sem reservas, invocando como sinalagma operante outros trabalhos, embora da mesma obra, e ainda não realizados pelo empreiteiro.
Nº Convencional:JSTA00069708
Nº do Documento:SA1201605120344
Data de Entrada:05/29/2015
Recorrente:MUNICÍPIO DE CANTANHEDE
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM GER - DIR ADM ECON.
DIR ADM CONT - CONTRATO.
Legislação Nacional:CCIV66 ART428 ART432 N1 ART434 N2 ART762 N2.
CCP ART325 ART327 ART332 N1 A C ART333 ART405 ART406.
Jurisprudência Nacional:AC STJ DE 1998/10/29 BMJ480 PAG463.; AC STJ DE 2000/11/03 CJ/STJ 2000 3 PAG150.; AC STJ PROC02B4240 DE 2003/01/09.; AC STJ DE 2003/03/18 CJ/STJ 2003 1 PAG103.; AC STJ PROC 06A2879 DE 2006/12/05.; AC STJ PROC 06B4773 DE 2007/04/17.; AC STJ PROC674/02 DE 2009/11/26.; AC STJ PROC5182/06 DE 2012/02/14.
Referência a Doutrina:JOSÉ JOÃO ABRANTES - A EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO - 1986 PAGS39 E SEGS.
ANTUNES VARELA - DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL - VOLI 7ED PAGS3728-379.
PEDRO MARTINEZ - CUMPRIMENTO DEFEITUOSO, EM ESPECIAL NA COMPRA E VENDA E NA EMPREITADA - ALMEDINA PAG327.
PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA - CÓDIGO CIVIL ANOTADO VOLI - COIMBRA EDITORA - 4ED PAG406.
CALVÃO DA SILVA - CUMPRIMENTO E SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA - PAG334.
JORGE ANDRADE DA SILVA - REGIME JURÍDICO DAS EMPREITADAS DE OBRAS PÚBLICAS - 8ED 2003 PAG52.
CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO - TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL - 2ED PAG604-606.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O MUNICÍPIO DE CANTANHEDE [MC] interpõe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], em 20.11.2014, que negou provimento ao recurso de apelação que ele interpusera da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [TAF/Coimbra] que o condenou a pagar à A………………., Lda. [A………..], a quantia de 70.093,68€, acrescida de juros vincendos sobre o valor do capital em dívida, à taxa legal a cada momento aplicável, desde a citação até integral pagamento.

Conclui assim as suas alegações de revista:

A) Nos presentes autos, foi a acção julgada procedente e negado provimento ao recurso, com o fundamento em que a condenação do ora recorrente se baseia em trabalhos efectuados e também que, por essa razão, não se pode invocar a excepção de não cumprimento do contrato e que, em todo o caso, essa excepção já não pode ser invocada porque o contrato de empreitada foi resolvido com fundamento naquelas quantias que não foram pagas;

B) No caso concreto, a questão é a de saber se existindo fundamento para a invocação da excepção de não cumprimento do contrato, por não realização da empreitada, podia a empreiteira resolver o contrato de empreitada com fundamento na falta de pagamento de facturas;

C) Nos termos do artigo 150º, nº1 do CPTA, «Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito»;

D) Temos assim dois requisitos alternativos que fundamentam a interposição deste tipo de recurso: a) Questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental; b) Necessidade clara de admissão do recurso para melhor aplicação do direito;

E) Dos fundamentos do presente recurso e constantes da decisão recorrida resulta, desde logo, que se está perante uma questão factual e jurídica controversa, de relevância fundamental e que justifica, necessariamente, uma melhor apreciação do direito;

F) A necessidade de recurso concretiza-se, assim: «O recurso será claramente necessário quando sobre um instituto de aplicação frequente exista dúvida séria e instalada na jurisprudência atinente a aspectos essenciais das condições de exercício […] ou sobre o verdadeiro conteúdo de um direito [...]»;

G) A enunciada questão juridicamente controversa levanta-se não só na presente acção, como em possíveis outras acções que venham a ser interpostas com o mesmo fundamento, estando-se, assim, perante uma questão cuja expansão e controvérsia se reveste de importância fundamental pela sua relevância jurídica sendo ainda, como já referido, claramente necessária a uma melhor aplicação do direito, face à interpretação da letra e do espírito do direito aplicável ao caso, motivo pelo qual se justifica, a nosso ver, e salvo melhor opinião, uma reapreciação excepcional por esse Venerando Tribunal, que fixe uma interpretação que assegure a melhor aplicação do direito a todos os casos semelhantes, conforme se irá explanar em seguida;

H) Ora, entende o ora recorrente que estão preenchidos os requisitos da relevância jurídica ou social fundamental previstos no artigo 150º CPTA, razão pela qual interpõe o presente recurso;

I) Considera o ora recorrente que é MATÉRIA DE RELEVÂNCIA JURÍDICA OU SOCIAL DE IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL que seja definido de forma clara e inequívoca se existindo fundamento para a invocação da excepção de não cumprimento do contrato, por não realização da empreitada, podia a empreiteira resolver o contrato de empreitada com fundamento na falta de pagamento de facturas vencidas e referentes à mesma empreitada, havendo o propósito firme de a não acabar, pelas razões por ele expressas no seu pedido de revisão dos preços, dado como provado no oficio remetido pela autora ao réu e dado como provado na alínea DD) dos factos assentes;

J) Do contrato de empreitada resultam obrigações para ambas as partes e não cumprindo o empreiteiro a sua parte da empreitada, entende a ora recorrente que pode reter os pagamentos devidos à contraparte, se a mesma não cumprir as suas obrigações contratuais;

K) Por isso, a questão colocada no recurso jurisdicional e decidida pelo Tribunal de 2ª Instância é que a ora requerente a de saber se «A ENTIDADE ADJUDICANTE NÃO PODE INVOCAR A EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO COMO EXCEPÇÃO A UMA RESOLUÇÃO COM FUNDAMENTO NA FALTA DE PAGAMENTO DE FACTURAS VENCIDAS, em especial se ESSA EXCEPÇÃO JÁ NÃO PODE SER INVOCADA PORQUE O CONTRATO DE EMPREITADA FOI RESOLVIDO COM FUNDAMENTO NAQUELAS FACTURAS NÃO PAGAS»;

L) Dado que esta questão não foi tratada ainda em qualquer decisão judicial que o ora recorrente conheça ou, pelo menos, tenha encontrado, razão pela qual interpõe este recurso, deve o presente recurso ser recebido como RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL;

M) Estamos perante um caso que seria um excesso de pronúncia, pois o que está pedido não é que seja declarada a validade da resolução, mas apenas e tão só perante um pedido de condenação do réu a pagar as facturas e perante tal pedido coloca-se a questão de quem pode exigir esse pagamento, se a empresa de factoring, se o credor originário;

N) A respeito da excepção de não cumprimento do contrato, desde logo não é necessário a dedução de reconvenção, pois que, estando em causa uma mera acção de condenação no pagamento de um crédito emergente de um contrato de empreitada, o réu para fazer valer a referida excepção de não cumprimento do contrato, não precisava de deduzir qualquer reconvenção;

O) Porque, como se refere no artigo 274º, nº1 do CPC, o réu pode, ou seja, tem a faculdade de deduzir pedido reconvencional contra o autor, pelo que a reconvenção é facultativa e porque, como foi decidido pelo AC do STJ de 15.10.1980, in BMJ 300, página 364, «A excepção do não cumprimento do contrato [artigo 428º] constitui uma excepção dilatória de direito material, que, por isso, não deve ser deduzida através de reconvenção»;

P) Refere-se que «não ficou demonstrado, nem foi sequer alegado que a autora tivesse incumprido ou cumprido defeituosamente os trabalhos objecto da facturação em dívida», pelo que a excepção de não cumprimento só pode colocar-se quando exista comportamento defeituoso da obrigação;

Q) Não é esse o entendimento da jurisprudência, pois «a doutrina, tanto a contemporânea do Código de Seabra, como a actual, sustentam que também no caso de cumprimento defeituoso ou do não cumprimento parcial o contraente pode recusar a sua prestação, enquanto a outra não for rectificada ou completada: a excepção toma, nestes casos, a designação de exceptio non rite adimpleti contractus. Nesta hipótese, porém, há que ter muito em atenção o princípio básico da boa-fé no cumprimento das obrigações, hoje expresso o nº2 do artigo 761º do CC actual, e que já anteriormente era admitido entre nós» [AC do STJ de 09.12.1982, no BMJ, 322-321] e, nos presentes autos, estamos perante a primeira situação, ou seja, de incumprimento parcial;

R) Verificada a possibilidade de aplicar ao presente caso a exceptio non adimpleti contractus, por se estar perante uma situação de incumprimento parcial, há que verificar os requisitos da aplicação do artigo 428º do CC, que são a prestação do réu é posterior à da autora e o a autora não cumpriu as obrigações principais emergentes do contrato;

S) Quanto ao primeiro requisito, é evidente que a autora teria de cumprir as obrigações emergentes do contrato, dado como assente na alínea B) dos factos assentes, no prazo de 60 dias após a consignação, que ocorreu em 12.07.2009 [resposta ao quesito 1º], prazo esse que foi prorrogado até 11.11.2009 [alínea H) dos factos assentes] e a primeira factura emitida pela autora apenas se venceu em 06.11.2009 [alínea J) dos factos assentes], ou seja, a obrigação da autora vencia-se antes da obrigação do réu;

T) Só o réu tinha legitimidade para invocar a referida excepção, porque «nos contratos bilaterais, havendo prazos diferentes nas prestações, a “exceptio” só pode ser oposta pelo que devia cumprir em segundo lugar» [AC da RC de 06.07.1982, in CJ, 1982, tomo 4, página 35] - ver, no mesmo sentido, José João Abrantes, «A excepção de não cumprimento do contrato», 1986, página 39 e seguintes - pelo que, dúvidas não há que o réu tinha legalmente o direito de invocar a excepção de não cumprimento do contrato por parte da autora;

U) E somos chegados ao segundo requisito, ou seja, a autora, não cumpriu obrigações emergentes do contrato principal o que está provado pelas respostas positivas aos quesitos 2º a 6º, tendo ficado provado que - A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e colocação de pavimento desportivo sintético e executar marcações dos campos»; - A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e aplicação de rede de nylon extensível»; - A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e aplicação de balizas metálicas para futebol de cinco e andebol»; - A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e aplicação de tabelas de basquetebol»; - A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e aplicação de jogos de postes de ténis»;

V) Dúvidas não há que também a autora não cumpriu as obrigações que para ela emergiam do contrato de empreitada celebrado com o réu, sendo certo que, por querer enganar o réu, atrasou a execução e pediu uma prorrogação de prazo, que foi concedida até 11.11.2009;

X) Preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 428º do CC, gozava o réu do direito de invocar a excepção de não cumprimento do contrato pela autora e o artigo 325º do CCP, que, no seu nº4, permite ao contraente público, no caso de incumprimento do co-contratante que lance mão de algumas prerrogativas do CC, pelo que nada impede que no caso concreto de atraso no cumprimento, também invoque a «excepção de não cumprimento do contrato» se o co-contratante em falta vier exigir judicialmente o pagamento de facturas, pelo que a possibilidade de invocar a excepção de não cumprimento do contrato é legalmente admitida pelo CCP;

Y) Esta possibilidade de invocar a excepção de não cumprimento do contrato é legalmente admitida pelo CCP e mais que isso, pode até só ser invocada no caso de exigência judicial de pagamentos de facturas, ou seja, a entidade contratante pode reservar-se a invocação da excepção de não cumprimento do contrato apenas e tão só em sede judicial;

Z) O facto de a autora ter resolvido o contrato - sendo certo que não pede que seja declarada judicialmente a legalidade dessa resolução - não impede o réu de vir invocar essa excepção se a razão determinante do não pagamento foi o não cumprimento do contrato de empreitada pela autora;

AA) Sendo certo que o prazo de cumprimento do contrato com as prorrogações terminava em 07.02.2010, nessa data, ainda não tinha decorrido o prazo fixado no artigo 332º do CCP, pelo que, sempre seria lícito ao contraente público, o exercício da excepção de não cumprimento do contrato, pois a referida excepção era invocável mesmo antes da existência de uma resolução de contrato, cuja legalidade a autora não submete a escrutínio judicial, apesar de, como consta do facto EE), lhe ter sido comunicado pelo réu que «a Câmara [...] deliberou: 1) não aceitar a resolução apresentada pela empresa A……………, Lda., por a mesma ser ilegal»;

BB) Também pela acção da exceptio non adimpleti contractus, deve a acção ser julgada improcedente e não provada, absolvendo-se o réu do pedido formulado pela autora;

CC) Mostram-se violados pela sentença recorrida, entre outros, os comandos do artigo 583º, nº1, e do artigo 428º, ambos do CC, e artigo 325º do CCP, por erro de interpretação e aplicação;

DD) Deve, admitido o presente recurso de revista, ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outra decisão que, em provimento do presente recurso, de harmonia com as conclusões que se deixam formuladas, julgue a presente acção improcedente e não provada, como é de lei e de Justiça!

2. A recorrida A…………. contra-alegou, concluindo assim:

Face a tudo o exposto, e liminarmente, deve ser indeferido o pedido de admissibilidade do presente recurso, atendendo a que a situação, tal como é configurada pela recorrente, não se reveste de importância fundamental ou/e nem é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, pelo que não cabe na hipótese prevista no artigo 150º, do CPTA;

Sem prescindir, por mero dever de patrocínio, é manifesto serem infundadas e insubsistentes as conclusões da recorrente;

Deve ser indeferido, na sua totalidade, o pedido de revogação do douto acórdão, na medida em que o mesmo aplicou convenientemente o direito assim como melhor o interpretou;

Do mesmo modo, é manifesto que bem se decidiu na sentença da primeira instância em condenar a recorrente nos termos em que o fez;

Pelo que, deve a mesma ser mantida nos seus precisos termos, assim se fazendo, com o mui douto suprimento dos Venerandos Conselheiros, Justiça.

3. O recurso de revista foi admitido por acórdão deste STA [Formação a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA], nos seguintes termos:

[…]

«Como decorre da transcrição do acórdão recorrido a sentença recorrida foi mantida com dois fundamentos: [i] falta de nexo sinalagmático entre as prestações pedidas pela autora e as reclamadas pelo réu com fundamento na excepção de não cumprimento do contrato; [ii] a impossibilidade de invocar tal excepção depois de resolvido o contrato.

3.3. O recorrente sustenta, por seu turno, que do contrato de empreitada resultam obrigações para ambas as partes e não cumprindo o empreiteiro a sua parte da empreitada, entende o ora recorrente que pode reter os pagamentos devidos à contraparte, se a mesma não cumprir as suas obrigações contratuais [conclusão J]. Mais sustenta que, neste caso, se verificam os requisitos da aplicação do artigo 428º do CC.

3.4. A nosso ver a revista deve ser admitida pela relevância das questões suscitadas. São questões importantes relativas à execução de contratos de empreitada com virtualidade para se colocar em muitos outros casos. São de resto, questões gerais, sobre o regime da excepção de não cumprimento do contrato cuja solução não depende das específicas características deste caso.

Aliás a recorrida considera que “a relevância da questão é enorme”. Só que a considera “dada como assente”.

Contudo, não existe neste STA jurisprudência sobre as duas questões, cuja solução fundamenta a decisão recorrida, não existindo desse modo jurisprudência consolidada, relativamente aos contratos de direito público.

Justifica-se, assim, a intervenção deste Supremo Tribunal com vista a uma melhor clarificação e futura aplicação do respectivo regime jurídico.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.»

[…]

4. Notificado nos termos legais, o Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º, nº1, do CPTA].

5. Colhidos que foram os vistos, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

Das instâncias, chega-nos a seguinte matéria de facto provada:

A- A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a construção civil e obras públicas, sendo titular do Alvará nº……………… [documentos nº1 e nº2 anexos à PI];

B- Em 01.07.2009, entre a autora e o réu foi celebrado o contrato de empreitada nº48/2009, para execução da obra designada como «Infra-estruturas Desportivas e de Lazer nas Freguesias - Polidesportivo descoberto de ……………», pelo preço global de 84.324,91€, acrescido de IVA [documento nº3 anexo à PI];

C- O contrato nº48/2009 incluía o fornecimento e colocação do pavimento desportivo sintético, composto por uma primeira camada de aglomerado de borracha ligada com resinas de poliuretano com o mínimo de 4mm, seguido de uma projecção de borracha de duas camadas de resinas puras de poliuretano com granulado EPDM [4mm], com uma espessura de 8 mm [carga mínima de mistura 2Kg/m2] na camada final, incluindo marcação dos campos de jogos;

D- A autora apresentou proposta pela qual se propôs fornecer o piso referido no ponto anterior, pelo valor de 9.280,00€;

E- Consta da comunicação remetida pela autora ao réu [folha 291 do PA]:

«[…]

6 - O preço por nós apresentado é de 9,28€ por metro quadrado, sendo que o melhor preço que conseguimos para a execução do pavimento igual ao solicitado pelo Município de Cantanhede é de 33,91€, havendo uma diferença no total da obra de 24630,00€ que corresponde a 29,20% do valor total da obra.

7 - Se optarmos pela aplicação de um pavimento idêntico ao pedido pelo município de Cantanhede em que a única diferença é a espessura da primeira camada, 4mm em vez de 8mm, podemos reduzir o preço para 29,86 por metro quadrado, havendo nesta situação uma diferença no total da obra de 20580,00 que corresponde a 24,44% do valor total da obra.

8 - Pelo exposto, vimos pedir a vossa melhor compreensão no sentido de tentarmos arranjar uma solução conjunta que permita uma normal conclusão dos trabalhos sem que a nossa empresa seja tão gravemente penalizada.

[…]»;

F- Em 07.09.2009 foi elaborado o auto de medição nº1 [documento nº5 anexo à PI];

G- Em 15.10.2009 foi elaborado o auto de medição nº2 [documento nº6 anexo à PI];

H- O prazo para execução foi prorrogado, a pedido da autora, fixando-se o final em 11.11.2009 «não devendo esta prorrogação ter incidência em um eventual cálculo de revisão de preços»; [folhas 307/308 do PA];

I- Em 20.11.2009 foi elaborado o auto de medição nº3 [documento nº7 anexo à PI];

J- Foi emitida a factura nº2009, relativa ao auto de medição nº1 no valor de 4.614,91€, com vencimento em 06.11.2009 [documento nº8 anexo à PI];

K- Foi emitida a factura nº2037, relativa ao auto de medição nº2 no valor de 36.176,05€, com vencimento em 14.12.2009 [documento nº9 anexo à PI];

L- Foi emitida a factura nº2069, relativa ao auto de medição nº3 no valor de 15.185,72€, com vencimento em 19.01.2010 [documento nº10 anexo à PI];

M- As facturas referidas nos pontos anteriores foram aceites sem reserva pelo Réu;

N- Consta do ofício nº15748, datado de 30.11.2009, remetido à autora pelo réu [folha 320 do PA]:

«Assunto: Construção de Infra-estruturas desportivas e de Lazer nas Freguesias - Polidesportivo Descoberto de ………..

Reportando-nos ao assunto mencionado em epígrafe, junto se transcreve a informação que foi prestada pela Divisão Jurídica, com a qual se concorda:

1 – A……………….., Ld.ª, veio requerer a rectificação do preço constante da sua proposta, com fundamento no facto de estar errado o preço por ela apresentado que foi de 9,28€, por m2 [...]

5 - Face ao exposto, é indeferido, em qualquer das suas variantes o requerimento apresentado, pois, além de não ter base legal, viola de forma clara e manifesta o artigo 70º nº2 alíneas b) e d) do Código dos Contratos Públicos.

[…]»;

O- Em 10.12.2009, entre a autora e o réu, foi celebrado o contrato de trabalhos a mais nº93/2009, para execução da obra designada como «lnfra-estruturas Desportivas e de Lazer nas Freguesias - Polidesportivo descoberto de ………………», pelo preço global de 3.224,69€, acrescido de IVA [documento nº11 anexo à PI];

P- Em 15.12.2010 foi elaborado o auto de medição nº1 [documento nº12 anexo à PI];

Q- Sob o «assunto - prorrogação do prazo», o réu remeteu à autora o ofício nº516, datado de 15.01.2010, do seguinte teor [folha 341 do PA]:

«Para os devidos efeitos, informo V. Ex.ª que, por despacho proferido pela Exm.ª Sr.ª Vice-presidente em 14.01.2010, foi decidido deferir o pedido apresentado e autorizar a prorrogação do prazo de execução, até 07.02.2010, para conclusão da obra “Construção Infra-estruturas Desportivas e de Lazer nas freguesias - Polidesportivo descoberto de ……………”, não devendo aquela prorrogação ter qualquer incidência no cálculo de uma eventual revisão de preços»;

R- Foi emitida a factura nº2094, relativa ao auto de medição nº1 no valor de 3.385,92€, com vencimento em 21.01.2010 [documento nº13 anexo à PI];

S- O auto de medição e a factura referidos nos pontos anteriores foram aceites sem reserva pelo réu;

T- Em 30.04.2010, entre a autora e o réu foi celebrado o segundo contrato de trabalhos a mais com o nº21/2010, para execução da obra designada como «Infra-estruturas Desportivas e de Lazer nas Freguesias - Polidesportivo descoberto de ……………», pelo preço global de 5.681,73€, acrescido de IVA [documento nº14 anexo à PI];

U- Em 12.05.2010 foi elaborado o auto de medição nº1, proposta 2 [documento nº15 anexo à PI];

V- Em 12.05.2010 foi elaborado o auto de medição nº1, proposta 3 [documento nº16 anexo à PI];

W- Em 12.05.2010 foi elaborado o auto de medição nº1, proposta 4 [documento nº17 anexo à PI];

X- Foi emitida a factura nº2271, relativa ao auto de medição nº1, proposta nº2, no valor de 3003,29€ [IVA incluído], com vencimento em 16.07.2010 [documento nº18 anexo à PI];

Y - Foi emitida a factura nº2272, relativa ao auto de medição nº1, proposta nº3, no valor de 119,54€ [IVA incluído], com vencimento em 16.07.2010 [documento nº19 anexo à PI];

Z- Foi emitida a factura nº2273 relativa ao auto de medição nº1, proposta nº4, no valor de 2.842,98€ [IVA incluído], com vencimento em 16.07.2010 [documento nº20 anexo à PI];

AA- As facturas referidas nos pontos anteriores foram enviadas e aceites sem reserva pelo réu;

BB- O réu não efectuou o pagamento das facturas referidas nos pontos anteriores;

CC- Com data de 15.05.2010, a autora remeteu ao réu uma carta da qual consta [folha 388 do PA]:

«[…]

Deste modo [...] não resta outra alternativa à ora signatária senão resolver o contrato de empreitada supra melhor identificado, com efeitos a partir da presente data, resolução essa que ora se declara e expressamente se alega»;

DD- Com data de 26.05.2010, o réu remeteu à autora o ofício nº5858, do qual consta:

«[…] fica V. Ex.ª NOTIFICADO para no prazo de 10 dias contados da presente notificação, apresentar um plano de trabalhos para a conclusão da obra supracitada, devendo o mesmo incluir os trabalhos de correcção da camada betuminosa anteriormente aplicada, a fim de eliminar as depressões existentes na base do piso do campo de jogos»;

EE- Consta do ofício nº7561, datado de 07.07.2010, remetido pelo réu à autora [folha 421 do PA]:

«[...] informo V. Ex. que esta Câmara [...] deliberou:

1) Não aceitar a resolução apresentada pela empresa A………….., Lda., por a mesma ser ilegal;

2) Proceder à resolução do contrato de empreitada nº48/2009 com essa empresa empreiteira, com fundamento em incumprimento definitivo».

FF- A obra foi consignada em 12.07.2009;

GG- A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e colocação de pavimento desportivo sintético e executar marcações dos campos»;

HH- A autora não realizou o trabalho «fornecimento e aplicação de rede de nylon extensível»;

II- A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e aplicação de balizas metálicas para futebol de cinco e andebol»;

JJ- A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e aplicação de tabelas de basquetebol»;

KK- A autora não realizou o trabalho de «fornecimento e aplicação de jogos de postes de ténis»;

LL- A conclusão da obra prevista no primeiro contrato de trabalhos a mais, outorgado em 10.12.2009, foi prorrogada até 07.02.2010;

MM- Depois da recepção do ofício referido no ponto «N» da matéria assente, indeferindo o pedido de rectificação do preço, a autora, nos dias 3 a 6 de Maio de 2010 manteve na obra trabalhadores que para além de outros trabalhos discriminados no «Mapa de Serviço de Obras Semanal», se ocuparam da reposição de «lajetas» e da colocação de grelhas nas sarjetas, respeitantes ao contrato inicial.

E é tudo quanto a matéria de facto.

III. De Direito

1. A autora desta acção administrativa comum [AAC], A…………., deduziu perante o TAF de Coimbra pedido de condenação do réu MC a pagar-lhe a quantia global de 70.093,68€, relativa a facturas em dívida [65.328,40€], e juros de mora vencidos sobre os respectivos montantes facturados [4.765,28€], e ainda nos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alegou que essas facturas correspondiam a trabalhos efectivamente executados no âmbito do contrato de empreitada que celebrou com o réu MC, em Julho de 2009, tendo por objecto a construção do «Polidesportivo Descoberto de ……………», e que ainda não lhe foram pagas, sendo certo que o considerável montante em dívida e o insuportável prolongamento da mora já levaram a que ela resolvesse o contrato de empreitada.

Na contestação, o MC invocou a «excepção de não cumprimento do contrato», para justificar o atraso no pagamento das facturas, assumidamente não pagas, e, alegando incumprimento parcial da obra, por parte da A……………, disse já ter resolvido o contrato de empreitada.

O TAF de Coimbra julgou improcedente a «excepção de não cumprimento do contrato de empreitada» e totalmente procedente o pedido deduzido na acção, condenando o MC a pagar à A………… tudo o que esta havia peticionado.

Conhecendo de recurso de apelação para ele interposto pelo dono da obra, MC, o TCAN manteve a sentença recorrida. E neste acórdão se disse, para o efeito, e em suma, o seguinte:

[…]

«Tendo em conta a matéria de facto apurada, não há qualquer dúvida em como o recorrente procedeu à medição desses trabalhos, que constavam dos respectivos autos, e que os aceitou sem qualquer reserva ou reparo, trabalhos esses que se não confundem com os trabalhos em relação aos quais o recorrente afirma existir uma situação de incumprimento por parte da recorrida.

Esses outros trabalhos, a que se referem as alíneas GG, HH, II, JJ e KK da matéria de facto assente nada têm a ver com os concretos trabalhos que originaram a emissão das facturas reclamadas e em causa nestes autos.

Por conseguinte, neste quadro de compreensão, só pode concluir-se, tal como foi entendido pelo Tribunal a quo, e no que concerne a esta particular questão [da existência ou não de sinalagma funcional entre ambas as obrigações], que entre os trabalhos nomeados pelo recorrente como fundamento de incumprimento contratual por parte da recorrida e as facturas reclamadas pela autora, ora recorrida, não existe o mencionada sinalagma funcional, não respeitando as mesmas ao preço devido pela recorrente em relação a esses trabalhos que afirma não terem sido realizados pela recorrida, mas antes ao preço devido por um conjunto de trabalhos que foram objecto de autos de medição aceites pelo recorrente e em relação aos quais se impunha que procedesse ao respectivo pagamento, após a emissão das competentes facturas que lhe foram enviadas e que não foram por si devolvidas, e dentro do prazo contratual de que dispunha para o efeito.»

E para além desta justificação, que não permitiria a invocação da «excepção de não cumprimento do contrato», o acórdão recorrido invocou outra razão:

[…]

«Mas a impossibilidade da recorrente poder invocar a seu benefício a excepção do não cumprimento do contrato, decorria desde logo do facto do contrato de empreitada ter sido resolvido pela recorrida, conforme resulta da matéria de facto assente - ver alínea CC - e da decisão recorrida.

[…]

Neste caso, tendo o recorrente invocado a excepção depois do contrato estar resolvido pela recorrida e de ter, ele próprio, accionado esse mecanismo, no pressuposto de que partiu, de ser inválida a resolução operada pela recorrida, está bom de ver, em sintonia com as considerações efectuadas, que o direito de invocar a excepção já não lhe assistia.»

[…]

É deste acórdão, que negou, nesta base, provimento à sua apelação, que o MC volta a discordar através do presente recurso de revista. Entende ser errado o respectivo julgamento de direito no tocante à falta de nexo sinalagmático entre as prestações pedidas pela A…………… e as reclamadas pelo MC com fundamento na exceptio non adimpleti contratus e, também, no tocante à impossibilidade de invocar essa exceptio depois de resolvido o contrato.

2. Conforme resulta da matéria de facto provada, existem 8 facturas, relativas a trabalhos vertidos em outros tantos autos de medição, e que foram aceites sem reservas pelo réu, dono da obra, que ainda estão por pagar, apesar de terem já muitos meses de mora e se traduzirem na maior parte do preço da empreitada.

Tanto assim que a empreiteira, baseada na cláusula 44ª do respectivo Caderno de Encargos [CE], até já resolveu o contrato, por «incumprimento de obrigações pecuniárias» por parte do dono da obra «por período superior a 6 meses» e por «o montante em dívida exceder 25% do preço contratual excluindo juros» [nº1, alínea c), da cláusula 44ª do CE, correspondente ao nº1, alínea c), do artigo 332º do CCP].

O dono da obra, sem impugnar a dívida relativa às referidas 8 facturas, baseou-se na não realização dos trabalhos levados aos pontos GG) a KK) da matéria de facto provada para, já em sede processual, legitimar a mora no seu pagamento uma vez que apenas o fará, diz, quando todos os trabalhos forem executados.

Esta defesa processual, indirecta, deduzida pelo réu, surge após ele próprio ter resolvido o contrato de empreitada com base no seu incumprimento definitivo e ao abrigo da cláusula 43º, nº1 alínea a), do CE [correspondente ao artigo 333º, nº1 alínea a), do CCP].

Assim, e na linha dos fundamentos do erro de julgamento de direito invocados, importa saber se a exceptio non adimpleti contractus poderá ser suscitada nos termos em que o foi, ou seja, invocando trabalhos não realizados para justificar o não pagamento de trabalhos realizados e aceites, bem como importa saber se faz algum sentido suscitar tal exceptio no caso de, como aqui acontece, ter sido já resolvido o contrato de empreitada.

3. Há, portanto, antes de mais, que apreciar da bondade, ou não, da invocação da exceptio non adimpleti contractus neste caso, sendo certo que ela consiste em, nos «contratos bilaterais», como é o de empreitada, «cada uma das partes poder recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar, ou não oferecer a realização simultânea, da sua contraprestação» [artigo 428º do CC; ver José João Abrantes, «A Excepção de Não Cumprimento do Contrato», 1986, páginas 39 e seguintes; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 7ª edição, páginas 378 e 379].

Trata-se, na verdade, de uma defesa indirecta, em que o devedor-credor invoca um facto impeditivo do direito do credor-devedor, a qual, a proceder, «paralisa temporariamente a pretensão da contraparte na acção». Isto é, enquanto essa situação se mantiver a exigibilidade da prestação do devedor é suspensa, sendo que daí resulta a improcedência do pedido do credor.

Na verdade, o contrato de empreitada é bivinculante e sinalagmático, dado que dele nascem «obrigações recíprocas» para ambas as partes, o dono da obra e o empreiteiro. Estes ficam simultaneamente na situação de devedores e credores, coexistindo prestações e contraprestações interdependentes. Trata-se, pois, de sinalagma funcional que liga entre si as duas prestações essenciais do contrato: a realização da obra - pelo empreiteiro - e o pagamento do preço - pelo dono da obra.

E, como tem sido entendido, este sinalagma funciona, e com ele a possibilidade de invocação da exceptio, no caso de «prestação imperfeita ou defeituosa», por banda do empreiteiro. É que o «cumprimento defeituoso» vem sendo entendido como um tipo de «não cumprimento das obrigações», sendo-lhe assim aplicável as regras gerais da responsabilidade contratual [entre outros, AC STJ de 29.10.1998, BMJ, 480-463; AC STJ de 03.11.2000, CJ/STJ, 2000, 3º-150; AC STJ de 09.01.2003, Rº02B4240; AC STJ de 18.03.2003, CJ/STJ, 2003, 1º-103; AC STJ 05.12.2006, Rº06A2879; AC STJ de 17.04.2007, Rº06B4773; AC STJ de 26.11.2009, Rº674/02; AC STJ de 14.02.2012, Rº5182/06.5; ver Pedro Martinez, in Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, Almedina, página 327]. Neste caso, de cumprimento defeituoso, e desde que isso não contrarie o princípio geral da boa-fé, a exceptio será invocável, e toma a designação de exceptio non rite adimpleti contractus [Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 428º].

O actual CCP [Código dos Contratos Públicos - aprovado pelo DL nº18/2008, de 29 de Janeiro] não coloca quaisquer «restrições» à aplicação da exceptio por parte do contraente público, mas já as coloca, resultantes da salvaguarda da realização do interesse público subjacente à relação jurídica contratual, se invocada pelo co-contratante, isto é, pelo empreiteiro [artigos 325º, nº4, e 327º do CCP].

Da natureza e teleologia jurídicas da exceptio resulta, cremos, que ela configura uma «excepção dilatória de direito material», cuja invocação não rompe, antes supõe, a existência e a manutenção do respectivo vínculo contratual. E resulta, ainda, que não lhe assiste vocação sancionatória, não podendo ser usada como «sanção», nomeadamente como retenção de natureza compulsória. A exceptio - escrevem Pires de Lima e Antunes Varela - «não funciona como sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral» [Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4ª edição, Volume I, página 406; Calvão e Silva, «Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória», página 334].

4. O problema do sinalagma no âmbito do contrato de empreitada, e, por causa dele, o problema do funcionamento da exceptio, põe-se, sobretudo, atendendo à forma de pagamento do respectivo preço, pois estamos perante «contrato de execução continuada».

Na verdade, embora o CCP não consagre a tradicional tricotomia de empreitada por «preço global», por «série de preços» e por «percentagem», não há dúvida de que a entidade adjudicante continua a poder desenhar as empreitadas «com qualquer destes figurinos» [Jorge Andrade da Silva, «Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 8ª edição, 2003, página 52].

E se o sinalagma funciona, sem problemas, na hipótese de pagamento do preço total aquando da «aceitação da obra», situação em que o «incumprimento ou o cumprimento defeituoso» por parte do empreiteiro poderá, ressalvada sempre a exigência da boa-fé [artigo 762º, nº2, do CC], justificar que o dono da obra sobreste no pagamento do preço, já não é seguro que isso mesmo suceda na «hipótese de pagamentos sucessivos».

Efectivamente, no presente caso, apesar de ter sido contratado um preço global indicativo [ver cláusula 3ª do contrato], foi também acordado que «os pagamentos a efectuar pelo dono da obra têm uma periodicidade mensal, sendo o seu montante determinado por medições mensais» que devem estar «concluídas até ao oitavo dia do mês imediatamente seguinte àquele a que respeitam» [ver cláusula 9ª do Contrato, e 18ª e 25ª do CE]. Ou seja, em cada mês era lavrado «auto de medição» do trabalho durante esse período realizado, o preço desse trabalho era devidamente facturado, e, se «aceite sem reservas» a respectiva factura pelo dono da obra, esta deveria ser paga no «prazo máximo de 60 dias» após a sua apresentação [cláusula 25ª nº3 do CE].

Da «matéria de facto provada» resulta que a facturação, subjacente aos autos, era elaborada com base em autos de medição, na presença dos representantes de ambas as partes, e que a mesma não foi posta em crise pelo ora recorrente, já que não invocou qualquer incumprimento, cumprimento parcial ou defeituoso dos trabalhos facturados, nem que eles se mostrassem inadequados ao todo da obra a realizar, antes «aceitando sem reservas as respectivas facturas» [pontos F a M, P, R, S, V, X, Y, W, Z, e AA, da factualidade provada].

O que significa, desde logo, que a exceptio invocada pelo ora recorrente, nestes autos, serviu-se da «não realização» de certos trabalhos - pontos GG a JJ do provado - para sobrestar no pagamento doutros trabalhos que foram realizados e aceites, sem discussão.

Ora, o sinalagma, neste tipo de casos de pagamentos sucessivos no contrato de empreitada, correspondentes a autos de medição dos trabalhos realizados, pelo empreiteiro, e aceites sem reservas pelo dono da obra, não poderá deixar de se estabelecer entre as respectivas prestações parciais, sob pena de a exceptio non adimpleti contractus, ou, e sendo o caso, a exceptio non rite adimpleti contractus, se transformar, ilegalmente, numa retenção indevida de pagamentos devidos, com o propósito de compelir o empreiteiro ao cumprimento integral da obra. Isto é, transformar-se-ia, e ao arrepio da lei, em medida compulsória do cumprimento em vez de medida que legitima, no caso, sobrestar no pagamento.

Os trabalhos realizados, medidos e facturados, «aceites sem reservas pelo dono da obra», devem ser pagos por este ao empreiteiro, sendo que o seu respectivo pagamento não pode ser retido como «sinalagma prestativo» doutros trabalhos ainda não realizados.

5. Sendo certo que esta conclusão bastaria para devermos negar provimento ao recurso de revista e manter o acórdão recorrido, certo é que não deixaremos de sublinhar, ainda, o acerto da outra razão jurídica alinhada nesse aresto.

A resolução é uma forma de «pôr fim» ao contrato, e pode ter por fundamento a lei ou a convenção das partes [artigo 432º, nº1, do CC]. Ela não resulta de «um vício da formação do contrato, mas de um facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir a legítima expectativa de uma parte contratante, como o inadimplemento de uma obrigação» [Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, páginas 604 a 606].

Pode fazer-se «mediante declaração à outra parte» [artigo 436º nº1 do CC], e os «seus efeitos» são equiparados - na falta de norma especial - à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. Mas a resolução tem, por regra, «efeito retroactivo» entre as partes, sendo certo que «nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre elas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas» [artigo 434º, nº2, do CC].

No presente caso, a «resolução do contrato pelo empreiteiro» era, e no sentido dos artigos 332º e 406º do CCP, expressamente prevista na cláusula 44ª do CE. Por sua vez, e no sentido dos artigos 333º e 405º do CCP, a cláusula 43ª do CE previa as razões justificativas da «resolução do contrato pelo dono da obra».

A ora recorrida, A………………, invocou-a ao abrigo do artigo 332º, nº1 alínea c), do CCP [ver cláusula 44ª nº1 alínea c), do CE], ou seja, por «incumprimento de obrigações pecuniárias pelo dono da obra por período superior a seis meses ou quando o montante em dívida exceda 25% do preço contratual, excluindo juros» [ponto CC do provado].

E o actual recorrente, MC, invocou-a ao abrigo do artigo 333º, nº1 alínea a), do CCP [cláusula 43ª, nº1, alínea a), do CE], ou seja, por «incumprimento definitivo do contrato por facto imputável ao empreiteiro» [ponto CC do provado].

Tratando-se de declarações de vontade cujos efeitos apenas dependem da sua comunicação ao co-contratante, não restam dúvidas de que, para efeito destes autos, o contrato deve ser considerado extinto por resolução. Na verdade, não só o direito de resolução foi exercido por ambas as partes - empreiteiro e dono da obra - como a sua concreta legalidade, ou bondade, não se mostra aqui litigada.

Ora, tendo a resolução rompido, extinguido, o vínculo contratual, perde sentido a invocação, pelo dono da obra, enquanto réu nesta acção comum, de medida, a exceptio, que supõe a existência e manutenção desse vínculo contratual.

6. Ressuma do que fica exposto que deverá ser negado provimento à revista, e mantido o acórdão recorrido, que não incorreu no erro de julgamento de direito que lhe foi apontado pelo recorrente.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento ao presente recurso de revista, e, em conformidade, manter o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Maio de 2016. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.