Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01225/12
Data do Acordão:12/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:EXECUTADO POR REVERSÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
INSOLVÊNCIA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
GARANTIA
Sumário:I - Por força do disposto no art. 48º, nº 2, da LGT, “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveita, igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”.
II - A subordinação da extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor originário, que se estabelece no nº 3 do art. 48º da LGT, apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causa de suspensão da prescrição.
III - O sentido e alcance do art. 100º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), tem de ser entendido na sua preordenação à satisfação dos interesse da insolvência, que coenvolve, além do interesse prevalecente dos credores, na satisfação célere e eficiente dos seus créditos, relevantes interesses públicos e do próprio insolvente.
IV - Trata-se de uma regra específica de suspensão do prazo de prescrição apenas dirigida aos credores colocados numa situação especial, para que tenham a possibilidade de serem pagos pelo produto da massa insolvente, em condições de igualdade e de proporcionalidade, fazendo confluir as execuções dos seus créditos numa execução universal, através da avocação dos respectivos processos ao da insolvência.
V - Reconhecendo o próprio legislador a incerteza quanto à possibilidade de satisfação dos direitos de todos os credores e, por conseguinte, a eventual inutilidade da avocação dos processos, por insuficiência da massa insolvente, não seria legítimo que o prazo de prescrição corresse contra os mesmos, em decorrência de um princípio geral acolhido no art. 321º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual a prescrição se suspende durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito.
VI - Não contendendo o art. 100º do CIRE com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos arts. 48º a 49º da LGT, não enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP.
Nº Convencional:JSTA00067990
Nº do Documento:SA22012120501225
Data de Entrada:11/09/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:TAF CASTELO BRANCO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CIRE04 ART100 ART85 ART88 ART230.
CPEREF93 ART29 N1.
LGT98 ART48 N2 N3 ART49 N3.
CONST76 ART103 N2 ART165 N1 J.
DL 53/2004 DE 2004/03/18.
L 39/2003 DE 2003/08/22.
CCIV66 ART321 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0590/05 DE 2005/11/23.; AC STA PROC0436/07 DE 2007/06/12.; AC STA PROC0115/12 DE 2012/04/12.; AC STA PROC0528/09 DE 2009/10/14.; AC TC PROC0133/10 DE 2010/07/05.; AC TC PROC0280/10 DE 2010/07/05.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG321-322.
JORGE DE SOUSA - SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA 2ED PAG118.
BENJAMIM RODRIGUES - A PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO PROBLEMAS FUNDAMENTAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO PAG261 PAG266.
FERNANDA MAÇÃS - A CADUCIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO BREVES CONSIDERAÇÕES SEPARATA DE ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO CARDOSO DA COSTA PAG123.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……., identificado nos autos, intentou reclamação judicial, no TAF de Castelo Branco, na sequência da notificação do documento de cobrança com o nº. 2012000000252564, referente à compensação de créditos que lhe foi efectuada, pedindo a subida imediata da reclamação e invocando a prescrição da dívida de IVA, correspondente ao período compreendido entre 1/1/2002 e 31/12/2002.

Naquele Tribunal julgou-se a reclamação totalmente improcedente por a prescrição ainda se não ter verificado.

2. Inconformado veio recorrer para este Supremo Tribunal, formulando alegações e concluindo da seguinte forma:
“I — Da Prescrição
1. O presente processo de execução fiscal tem que ser declarado extinto porquanto prescreveu a dívida tributária que lhe serve de fundamento.
2. Na verdade, e porque se trata de cobrança de quantias relativas a IVA dos períodos compreendidos entre 2001-02-01 a 2001-02-28 (Note-se que deve ter ocorrido lapso na indicação destas datas uma vez que na petição da reclamação o ora recorrente refere-se, precisamente a dívida de IVA relativa aos “períodos compreendidos entre 2002.01.01 a 2002.12.31” (cfr fls. 5 ss. dos autos).), a sua cobrança deveria ter sido feita até 28-02-2009, ou seja até 8 anos após a verificação do facto tributário — cfr. art. 48º, n.º 1 da LGT na sua redacção anterior às alterações introduzidas pelo n.º 1 do art.º 40º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
3. Contrariamente ao que é referido na sentença recorrida, não pode in casu ser validamente invocado facto suspensivo ou interruptivo da prescrição diverso do da citação do devedor principal.
4. Refere a decisão recorrida que “... há que considerar que entre 31/01/2008 a 24/12/2011, conforme decorre do probatório, verificou-se a avocação de todos os processos de execução já instaurados no processo de falência e insolvência a correr termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, facto que determina a suspensão do prazo de prescrição.” (fls. p. 233 do Processo §4, sublinhado nosso).
5. Factualidade esta que implicaria necessariamente que “a declaração de insolvência/falência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.” (Cfr. p. 233 do Processo, §5, sublinhado nosso). Discordamos,
6. Não são aplicáveis aqui directamente as normas constantes do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, tal como não o eram as normas constantes do CREF revogadas por este diploma, pelas mesmas razões.
7. A impossibilidade de aplicação decorre directamente do facto de este diploma não constar do elenco de diplomas referidos nos arts. 2º. da LGT e do CPPT.
8. Para além disso, esta (suposta) causa interruptiva do prazo prescricional não consta do elenco taxativo do art.º 49º da LGT.
9. O argumento usualmente arrolado - o facto de se tratar de uma lei especial que derrogaria por isso a lei geral - também não pode proceder. 10. Num caso como o dos autos, entende a Doutrina de forma unânime que se trata de uma situação análoga à das denominadas “garantias dos contribuintes”.
11. Por ser assim, estaremos perante uma questão ainda compreendida no âmbito do princípio da legalidade, tal como é definido pelo art.º 103., n.º 2 da CRP.
12. Ficando então sujeito a reserva absoluta de lei - cfr. art.º 165º, n.º 1 al. j) da CRP.
13. O que implicaria que, ainda que aceitássemos o argumento da aplicabilidade por se tratar de uma norma especial, que afastaria a aplicação do regime geral, sempre teríamos que estender a este “regime especial” as especiais - perdoe-se-nos a redundância - exigências em termos de competência legislativa e forma.
14. Assim, e porque o citado art.º 100.º do CIRE consta de Decreto-lei simples não cumpre as exigências constitucionais em termos de competência legislativa, violando o princípio da legalidade formal, tal como decorre da aplicação conjugada dos arts. 103., n.º 2 e 165., n.º 1 al. j) da CRP.
15. Interpretação inversa implica a inconstitucionalidade da interpretação normativa.
16. Devendo considerar-se que não é invocável aqui a aplicação da supracitada norma.
17. Para além do já referido, importa ter consideração o expressamente referido nos arts. 180. e ss. do CPTT, que regulamenta o efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal.
18. Não existindo em momento algum a referência à suspensão do prazo prescricional, ainda que por mera remissão.
19. Consequentemente, não se verificou qualquer causa interruptiva do prazo de prescrição que possa ser oponível ao recorrente.
20. Devendo considerar-se extinta por prescrição a dívida exequenda.
Por mera cautela
21. Ainda que assim não fosse, mas é, também não podemos concordar com a argumentação referida na sentença recorrida, porquanto constitui Jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça a ideia de que “A declaração de falência não suspende o prazo de prescrição, só determinando a sustação das execuções a fim de serem apensadas ao processo de falência para aí correrem os seus termos como reclamação de créditos exequendos” - cfr. neste sentido, Acórdão do supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0115/12, de 12.04.2012, disponível em www.dgsi.pt.
22. Do que se trata, e como muito bem refere o Acórdão citado, é da avocação dos Processos de Execução Fiscal para que estes passem a tramitar conjuntamente com os demais processos de reclamação de créditos, dando cumprimento à exigência legal referida nos arts. 180º. e ss. do CPPT.
23. É uma medida claramente justificada pela necessidade de estes processos se encontrarem a partir desse momento sujeitos às vicissitudes do processo falimentar.
24. Ou seja, “a sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo” - art.º 100.º CIRE, sublinhado nosso - o que equivaleria a dizer, no caso vertente, que o prazo prescricional se suspendeu durante o período que medeia entre a sentença de declaração de insolvência e o fim do processo.
25. Contudo, e porque o recorrente não era parte nesse(s) processo(s) - o de execução e o de insolvência - esta causa suspensiva apenas seria aplicável ao devedor originário, no caso, B…… e já não ao revertido.
26. Para que tal pudesse suceder, sempre o revertido (ora recorrente) teria que ter sido citado no prazo máximo de 5 anos após a liquidação, o que, manifestamente não sucedeu.
27. A liquidação do imposto data ocorreu a 28.02.2001, o que implica que, para que pudessem ser invocadas perante o devedor originário as causas suspensivas e interruptivas da prescrição, este fosse citado até 5 anos após essa data, ou seja até 28.02.2006, o que não sucedeu.
28. O recorrente apenas foi citado em 2012.01.23, o que implica que, quanto a este, não possam ser invocadas as causas suspensivas e interruptivas da prescrição que porventura possam ter existido anteriormente, tudo se passando como se o prazo nunca tivesse estado suspenso.
29. Pode aceitar-se a suspensão da contagem do prazo para prescrição do art.º 100º do CIRE relativamente ao devedor principal (ou originário) porquanto este pode intervir no processo e nele invocar em seu favor a argumentação que entender ser de invocar.
30. O mesmo já não sucede quanto ao revertido fiscal, porquanto este nem sequer é verdadeiramente um devedor ou responsável subsidiário.
31. A citação extemporânea tem como consequência a prescrição do tributo, facto que agora expressamente se invoca - neste sentido, e por todos, veja-se o Acórdão do STA de 07.03.2012, Processo n.º 040/12, disponíveI em www.dgsi.pt.
32. Consequentemente, extinguiu-se por prescrição o crédito do imposto, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 48º. da LGT. Neste mesmo sentido, veja-se o, por todos, o Acórdão do STA de 07.03.2012, Processo nº. 040/12, disponível em www.dgsi.pt.
33. Sendo assim nulos todos os actos praticados em data posterior aquela, porquanto a dívida já estava extinta por prescrição.
34. O acto de compensação de créditos padece de ilegalidade porquanto prescreveu a dívida tributária.
II - Da subida imediata do recurso
35. O presente recurso fundamenta-se na extinção por prescrição da dívida exequenda.
36. Fundamento este que serve de base à necessidade de subida imediata para apreciação, não só porque a não ser assim causaria graves e irreparáveis danos ao recorrente, mas sobretudo porque se reconduz à estatuição do art.º 278.º, als. a) e c) do CPPT.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que:
a) Declare como extinta por prescrição a dívida principal, e, consequentemente,
b) Declare extinto por causa não imputável ao devedor revertido o procedimento de execução fiscal e medidas aplicadas no âmbito deste, nomeadamente a compensação de créditos invocada, e todo o processado posterior.
Tudo como é de inteira e merecida JUSTIÇA!

3. Não houve contra-alegações.

4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de “não ser de reconhecer a causa de suspensão da prescrição das dívidas fiscais…”.

5. Com dispensa de vistos, por o processo ser urgente, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO

A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto
“1. No âmbito do processo de execução fiscal n° 0590200201002910 e apensos, instaurado em nome da devedora originária “B……, Lda”, e da qual o ora reclamante é sócio-gerente, encontram-se em cobrança coerciva seguintes quantias de Imposto Sobre o Valor Acrescentado:


2. A execução foi instaurada contra a devedora originária em 2002, tendo a mesma sido citada em 09/09/2002 — cfr. fls. 8 do processo n°339/12.2BECTR. no SITAF;
3. Por sentença proferida pelo Tribunal do Comércio de Lisboa, 2° Juízo, de 31/01/2008, foi decretada a insolvência da B……., Lda. Sentença — cfr. fls. 41 a 43 dos presentes autos;
4. De 11/02/2008 a 24/02/2011, os processos de execução fiscal, estiveram avocados no Tribunal do Comércio de Lisboa — cfr. fls. 41 a 43 dos presentes auras e fls. 16 a 19 do processo n° 339/12.2BECTB, no SITAF;
5. Em 24/02/2011, foi proferida decisão judicial de encerramento do processo de insolvência. cuja causa foi a insuficiência da massa insolvente — cfr. fls. 41 a 43 dos presentes autos;
6. Em 02/08/2011, foi emitida, por carta registada, ao reclamante, notificação para audição prévia com vista à preparação do processo para efeitos de reversão da execução contra o mesmo, na qualidade de responsável subsidiário no âmbito do processo de execução fiscal com nº 0590200201002910 e apensos - cfr. fls. 51 dos presentes autos;
7. Em 12/01/2012. A…… foi citado, por carta regista com aviso de recepção, da reversão da execução fiscal no 0590200201002910 e apensos, na qualidade de gerente da originária devedora, para pagar a quantia de € 36.754,53 — cfr. fls. 74 a 75 dos presentes autos.


2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A……., na sequência da notificação de documento de cobrança com o nº 2012 000000252564, na qualidade de gerente da originária devedora, referente à compensação de créditos que lhe foi efectuada, deduziu reclamação de actos do órgão de execução fiscal, que foi julgada totalmente improcedente, por sentença proferida pela Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.
Para tanto, ponderou a Mmª Juíza “a quo”:
· “(…) constitui objecto da presente pretensão a análise da prescrição no âmbito do processo executivo n° 0590200201002910 e apensos, e referente ao período de imposto peticionado, ou seja, IVA do período correspondente a 2002/01/01 a 2002/12/31 - ano de 2002.
· À data dos factos, encontrava-se em vigor a LGT, que determina o prazo prescricional de oito anos (Art.° 48°, n° 1 LGT), em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 1999 “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o/acto tributário, e nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.”
· A impugnação e a citação em processo de execução fiscal interrompem a prescrição (Art° 49°, n°1 LGT, na redacção que lhe foi dada pelo artigo único da Lei n.° 100/99, de 26/7).
· O prazo de prescrição para o IVA de 2002, começou a correr em 01/01/2003 - art. 48°, n° 1 LGT.
· A citação da devedora originária, ocorreu em 09/09/2002, pelo que o prazo de prescrição do IVA de 2002 só começou a decorrer em 01/01/2003, em observância ao disposto no art.º 48°, n°1 da LGT, e, não antes.
· Em 2/08/2011, o reclamante foi notificado para a audição prévia à reversão, facto que determinou a interrupção do prazo prescricional.
· Ora, de 1/01/2003 a 02/08/2011, transcorreram mais de oito anos.
· No entanto, há a considerar que de entre 31/01/2008 a 24/02/2011, conforme decorre do probatório, verificou-se a avocação de todos os processos de execução já instaurados ao processo de falência e insolvência a correr termos no Tribunal do Comércio de Lisboa, facto que determina a suspensão do prazo de prescrição.
· A relevância dessa materialidade fáctica reside no facto do art. 100° do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas estipular que a declaração de insolvência/falência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.
· “(…);
· Assim, considerando o lapso temporal de três anos em que os autos estiveram avocados e os prazos de prescrição suspensos, e o disposto no art. 48°, n°2 da LGT “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”, afigura-se-me que a prescrição ainda não se verificou.
· Improcede a pretensão do reclamante”.“(…)”.

Contra esta orientação se insurge o recorrente argumentando, em síntese, que não são aplicáveis as normas constantes do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, porquanto, o citado art.º 100.º do CIRE, constando de decreto-lei simples não cumpre as exigências constitucionais em termos de competência legislativa, violando o princípio da legalidade formal, tal como decorre da aplicação conjugada dos arts. 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, al. j), da CRP.
Por outro lado, tal causa suspensiva apenas seria aplicável ao devedor originário e já não ao revertido, pois para que tal se verificasse, sempre o revertido (ora recorrente) teria que ter sido citado no prazo máximo de 5 anos após a liquidação, o que, manifestamente não sucedeu.
Em face das conclusões, que delimitam o objecto e âmbito do presente recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, as questões a apreciar e decidir traduzem-se em saber se:
a) A Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento ao concluir pela não prescrição da dívida exequenda, com fundamento na verificação da causa de suspensão inserta no art. 100º do CIRE;
b) O art. 100º do CIRE viola o disposto nos arts.103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, al. j), da CRP.


2.2. Quanto a alegado erro de julgamento

2.2.1. Da aplicação aos autos da suspensão da prescrição prevista no art. 100º do CIRE

Constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros, nos Acórdãos de: 23 de Novembro de 2005, proc nº 590/05; 12 de Junho de 2007, proc nº 436/07; e 12 de Abril de 2012, proc nº 115/12, que a declaração de falência não suspendia o prazo prescricional, por o mesmo ser uma forma de prosseguir o processo executivo, tal só acontecendo no caso de recuperação de empresas, por força do art. 29º, nº 1, do CPEREF.
Uma das orientações centrais que preside ao Novo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, traduz-se em dar “primazia à liquidação do património do insolvente (…) que é a vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral. Cessa, assim, porque desnecessária, a duplicação de formas de processo especiais (de recuperação e de falência) existentes no CPEREF, bem como a fase preambular que lhes era comum”.
É nesta sequência que o art. 85º do CIR dispõe:
“1-Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimoniais intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.”
2-O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos de insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
3-(…).”
Por sua vez, segundo o estatuído no art. 88º do CIRE a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (…)” ( No mesmo sentido, cfr. o art. 180º do CPPT.).
Finalmente, o art. 100º do CIRE estabelece que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”.
Foi por aplicação do mencionado regime que a sentença recorrida considerou aplicável ao caso a suspensão ocorrida entre 31/01/2008 a 24/02/2011, desde a data da sentença de declaração de insolvência da devedora originária até à data em que foi proferida a decisão judicial de encerramento do processo de insolvência (pontos 4 e 5 do probatório).
Durante o mencionado período, refere a Mª Juíza “a quo” que se verificou a “avocação de todos os processos de execução já instaurados ao processo de falência e insolvência a correr termos no Tribunal do Comércio de Lisboa”.
No sentido da aplicação do art. 100º do CIRE à suspensão da prescrição escreve JORGE LOPES DE SOUSA que “No CEPEREF, estabelece-se que, proferido o despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão, nos processos de recuperação da empresa, abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor (art. 29º nº. 1) e a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido (art. 154.º, n.º 3). Não se estabelece, no caso de declaração de falência, mas apenas nos de recuperação da empresa, suspensão dos prazos de prescrição (o art. 29.°, n.° 1 do CPEREF está incluído no Titulo II, relativo ao processo de recuperação da empresa), o que se justificará por o processo de falência ser uma forma de prosseguir o processo executivo.
No CIRE estabelece-se regime idêntico quanto à suspensão de acções executivas, estabelecendo-se que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência (art. 88.º, n. °1]. Porém, ao contrário do que sucede com a falência, a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo (art. 100.º)” (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, volume III, anotação 4 ao art. 180.°, pp. 321/322.).
O recorrente insurge-se contra este entendimento argumentando desde logo que esta forma de suspensão do prazo de prescrição apenas será de aplicar ao devedor originário e não ao devedor subsidiário, mas sem razão.
Por força do disposto no art. 48º, nº 2, da LGT, “As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveita, igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários”.
E também não aproveita ao recorrente a excepção a esta regra consagrada no art. 48º, nº 3, da LGT, que dispõe que “a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação”.
Como refere JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2ª ed., Áreas editora, p. 118.), a subordinação da extensão ao responsável subsidiário dos efeitos dos actos praticados em relação ao devedor originário, que se estabelece no nº 3 do art. 48º da LGT, apenas está prevista quanto aos actos interruptivos da prescrição e não também quanto às causa de suspensão da prescrição, como tal denominadas, designadamente as previstas no nº 3 do art. 49º na redacção inicial”.
Como no caso em apreço estamos a falar de uma causa de suspensão, resulta claramente que o preceito não tem aplicação, ainda que a citação do recorrente tenha sido efectuada para além do 5º ano posterior à liquidação.


2.2.2. Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica do art. 100º do CIRE

Alega, por fim, o recorrente que o citado art. 100º do CIRE, porque consta de decreto-lei simples, não cumpre as exigências constitucionais em termos de competência legislativa, considerando-se violado o princípio da legalidade formal, tal como decorre da aplicação conjunta dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, al. j), da CRP.
Em primeiro lugar, cumpre salientar que, ao contrário do alegado, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 39/2003, de 22 de Agosto. O que significa que não se trata de um decreto-lei simples mas sim de um decreto-lei credenciado por uma lei de autorização da Assembleia da República, o que significa que está legitimado a intervir em matéria reservada àquela.
A eventual procedência da inconstitucionalidade suscitada poderia derivar do facto de a referida lei de autorização, no que respeita ao objecto, sentido e extensão, ser omissa quanto a autorizar o governo a interferir com o regime de prescrição das dívidas tributárias.
Constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal fixada, entre outros, no Acórdão de 14 de Outubro de 2009, proc nº 528/09, que “As normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas «garantias dos contribuintes», pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria”. No mesmo sentido vai a jurisprudência do Tribunal Constitucional consignada, entre outros, no Acórdão de 5 de Julho de 2010, proc nº 133/10.
Também a doutrina maioritária vai no sentido de que “(…) quer a prescrição como a caducidade, contendem com as garantias dos contribuintes, quando referidas às relações jurídico-tributárias, estão como tal, subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal, consagrado no nº 2 do art. 103º da Constituição da República, e aos seus postulados “, que há-de englobar, “(…) todo o critério de decisão ou de qualificação de quaisquer efeitos concernentes à prescrição tem de constar da norma de tributação emitida nos sobreditos termos”, incluindo, por conseguinte, “a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão (…)” (Cfr. BENJAMIM RODRIGUES, “A Prescrição no Direito Tributário”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pp. 261 e 266.).
A questão dos autos está em saber se, tal como vem recortada a situação, o art. 100º do CIRE interfere com as garantias dos contribuintes, e, por conseguinte, matéria reservada da Assembleia da República.
A função garantistica da reserva de lei fiscal, quando incidente em aspectos essenciais da relação jurídica tributária, tais como a prescrição, reporta-se ao regime de prescrição das dívidas tributárias, tal como se encontra regulado, em termos gerais, nos arts. 489º e 49º da Lei Geral Tributária.
Nesta sequência, o que importa averiguar é se o legislador ao consagrar o art. 100º do CIRE visa interferir com aquele regime, em especial, com as causas de suspensão do prazo de prescrição das dívidas tributárias.
A Lei de Autorização nº 39/2003, ao definir o seu objecto, dispõe no seu art.1º, nº 2, que “[o] Código da Insolvência e Recuperação de Empresas regulará um processo de execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.
Ao fazer confluir todos os processos executivos e credores numa execução universal, onde a própria Administração Fiscal, despojada dos privilégios conferidos pelo processo de execução fiscal, concorre como qualquer credor, o objectivo do legislador é o da satisfação dos interesses dos credores, na garantia do seus créditos. Interesses estes que se centram em acautelar “o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.
Para alcançar este objectivo e evitar perturbações no processo, o legislador estabelece que, entre a data da sentença da insolvência e o decurso do processo, ocorre a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor (art. 100º do CIRE).
Trata-se, por conseguinte, de uma regra que não é especialmente dirigida às dívidas tributárias, tendo, pelo contrário, um conteúdo genérico, porque aplicável a todos os credores, com vista a possibilitar que todos possam ser pagos pelo produto da massa insolvente, em condições de igualdade e proporcionalidade, através da avocação dos respectivos processos ao da insolvência.
Ora, reconhecendo o próprio legislador a incerteza quanto à possibilidade de satisfação dos direitos de todos os credores e, por conseguinte, a eventual inutilidade da avocação dos processos, por eventual insuficiência da massa insolvente, não seria legítimo que corresse contra os mesmos o prazo de prescrição, como aconteceu, aliás, no caso dos autos.
Deriva de um princípio geral, acolhido no art. 321º, nº 1, do Código Civil, que “A prescrição suspende-se durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito”. E este princípio, que é um corolário do princípio geral da boa-fé, princípio basilar da ordem jurídica, igualmente válido no direito tributário, encontra a sua razão de ser na natureza do instituto da prescrição.
Na verdade, a prescrição assenta na necessidade de pôr termo à incerteza dos direitos e na presunção de abandono do titular. O seu objectivo é dar for extinto um direito que, ao não ser exercido no prazo fixado, se presume ter sido abandonado pelo titular, relevando a negligência real ou presumida do mesmo (MARIA FERNANDA MAÇÃS, “A Caducidade no Direito Administrativo: Breves considerações”, Separata de Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2005, p. 123.).
Assim sendo, se em situações como as dos autos, em que um credor, em homenagem aos interesses da insolvência, é colocado numa situação em que é obrigado a abrir mão dos processos de execução fiscal, ainda assim corresse contra ele o prazo de prescrição, teríamos uma solução contrária aos mais elementares princípios da justiça e da boa-fé.
No contexto apontado, o mencionado art. 100º do CIRE tem de ser encarado como estabelecendo uma regra específica de suspensão do prazo de prescrição, apenas aplicável aos credores (ainda que a todos) colocados numa situação especial, isto é, que vejam os seus processos executivos avocados a um processo de insolvência, valendo a suspensão durante o período que vai da data da declaração de insolvência até ao termo do processo, nos termos do fixado no art. 230º do CIRE (Refere o mencionado preceito que o juiz encerra o processo, designadamente, “Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente” [nº 1 alínea d)]. ).
Em face do exposto, o sentido e o alcance do art. 100º do CIRE têm de ser entendidos na sua preordenação à satisfação estrita dos interesses da insolvência, que coenvolve, além do interesse prevalecente dos credores, na satisfação célere e eficiente dos seus créditos, relevantes interesses públicos e do próprio insolvente, na medida em que “[s]endo a garantia comum dos credores o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado”.
Na verdade, como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, “[q]uando na massa insolvente esteja compreendida uma empresa que não gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa como pela sua manutenção em actividade(…)”, competindo ao direito da insolvência, “a tarefa de regular juridicamente a eliminação ou reorganização financeira de uma empresa segundo uma lógica de mercado, devolvendo o papel central aos credores, convertidos, por força da insolvência, em proprietários económicos da empresa”.
Por outro lado, a solução recebida no art. 100º do CIRE encontra justificação num princípio geral, sem pretender introduzir uma nova causa de suspensão da prescrição das dívidas tributárias e, dessa forma, contender com o regime da prescrição consagrado nos arts. 48º e 49º da LGT.
Assim como ficou consignado no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/10, “Se a função garantística da reserva de lei fiscal, (…) visa assegurar a previsibilidade dos elementos essenciais do imposto (e da situação fiscal) e a tutela de confiança do contribuinte”, torna-se claro que nenhum motivo existe também aqui para uma intervenção parlamentar, quando o que está em causa é igualmente a definição de uma solução jurídica exigida pela própria lógica do regime de insolvência e que se encontra justificada à luz de um princípio geral de direito (art. 321º, nº 1, do Código Civil).
Por tudo o que vai exposto, não contendendo o art. 100º do CIRE com o regime de suspensão da prescrição das dívidas tributárias, consagrado nos arts. 48º a 49º da LGT, não enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP, pelo que improcede a argumentação do recorrente.
Nesta sequência, deve ser negado provimento ao recurso.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.