Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01698/14.8BEPRT
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
TRANSMISSÃO DE BENS
PRESCRIÇÃO
LIQUIDAÇÃO DO IMPOSTO
Sumário:I - Ainda que a declaração de utilidade pública restrinja significativamente os poderes de disposição dos bens por parte do respectivo proprietário, nada impede a sua transmissão a terceiro com essas limitações, transmissão essa que é subsumível na previsão do artigo 2º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
II - Tendo o pagamento sido efetuado na sequência de requerimento apresentado pela Recorrente e ao abrigo do disposto na Lei nº 151-A/2013, de 31/10/2013, ou seja, com o benefício da dispensa de juros compensatórios, pretendendo evitar a instauração da execução fiscal e a apresentação da garantia, cujos encargos financeiros eram superiores, tal significa que a Recorrente foi compelida a efectuar esse pagamento de forma a evitar uma maior lesão do património, atentas as circunstâncias em que foi efetuado o pagamento do tributo e a jurisprudência do S.T.A., tem de qualificar-se o acto de pagamento como não espontâneo, afastando-se, assim, o regime prescrito no artigo 304º nº 2 do Código Civil.
III - Nos termos do disposto no art. 40º n.º 3 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), na redacção da Lei nº 64-B/2011 de 30 de Dezembro, com início de vigência a 1 de janeiro de 2012, “… Verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito.”.
IV - Assente o pressuposto de que não é o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do artigo 12º nº 2 do Código Civil e no artigo 12º nº 1 da LGT, que a nova redacção do artigo 40º do CIMT é aplicável aos casos em que o prazo ainda se encontre em curso à data da sua entrada em vigor, sem que se trate de aplicação retroactiva da lei, mas de simples aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo, de que a lei vale para o futuro, o que retira qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente no que concerne à matéria em discussão nos autos.
Nº Convencional:JSTA000P27826
Nº do Documento:SA22021060901698/14
Data de Entrada:09/27/2019
Recorrente:A............ LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 1698/14.8BEPRT (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A…………, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 26-04-2019, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a liquidação de IMT nº 160013024653003, de 18/12/2013, no montante de 267.983,35.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1. - Conforme resulta do processo de expropriação, a propriedade dos prédios sub judice foi transmitida à entidade expropriante em Fevereiro de 2003.

2 - A ora recorrente não poderia ter adquirido a propriedade dos prédios, uma vez que os mesmos foram adjudicados à entidade expropriante em Fevereiro de 2003.

3 - O artigo 40º nº 3 do CIMT aplica-se aos benefícios fiscais, nos termos do artigo 14º da LGT, previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais.

4 - A isenção prevista no artigo 7º do CIMT não é um benefício fiscal.

5 - A isenção prevista no artigo 7º do CIMT constitui um deferimento temporal da liquidação e pagamento do imposto, após a ocorrência do facto tributário.

6 - Nos presentes autos não se aplica o artigo 40º nº 3 do CIMT, uma vez que essa norma foi aditada ao CPPT pela Lei nº 64º-B/2011, de 30 de Dezembro e, de acordo com o artigo 12º da LGT, a Lei Nova só se aplica aos factos posteriores à sua entrada em vigor.

7 - Não faz qualquer sentido a conclusão reiterada pelo Tribunal a quo de que a não aplicação do artigo 40º nº 3 do CIMT faz considerar o facto tributário 3 anos após a celebração da compra e venda.

8 - In casu, o facto tributário é a compra e venda.

9 - É o facto tributário que origina a incidência do imposto.

10 - Assim entende o Supremo Tribunal Administrativo, conforme Acórdãos de 24 de Julho de 2013 (proc. nº 1183/13); de 13 de Novembro de 2013 (proc. nº 728/12); de 10 de Abril de 2013 (proc. nº 1135/12); e de 02 de Julho de 2014 (proc. nº 673/14).

11 - A decisão sob recurso é contrária à Jurisprudência consolidada, do Supremo Tribunal da Administrativo.

12 - Nos presentes autos, o prazo prescricional iniciou-se em 12/03/2004, data da escritura descrita no ponto 1 do probatório, data em que ocorreu o facto tributário.

13 - O imposto prescreveu em 12 de Março de 2012, de acordo com o disposto nos artigos 48º nº 1 da LGT ex vi do artigo 40º nº 1 do CIMT.

14 - Um imposto prescrito não é uma obrigação natural.

15 - Aos impostos não se aplica o regime geral das obrigações, previsto no Código Civil.

16 - O Estado está investido de jus imperi na relação com o contribuinte.

17 - A AT liquidou um imposto prescrito violando o princípio da legalidade.

18 - Para suspender o processo de execução fiscal e a consequente cobrança coerciva do imposto prescrito, na pendência da reclamação graciosa/impugnação judicial, a ora recorrente teria que ter prestado garantia correspondente ao valor do imposto acrescido de juros de mora, custas na totalidade e mais 25% de todos esses valores, nos termos do artigo 199º nº 6 do CPPT.
19 - O valor da garantia representava um encargo financeiro desnecessário, em comparação com o depósito do valor do imposto nos cofres do Estado.
20 - Daí a recorrente ter optado por pagar o imposto, de acordo com o previsto no artigo 9º nº 3 da LGT.
21 - Foram violadas as normas constantes dos artigos 8º, 9º nº 3, 12º, 14º, 36º e 48º da Lei Geral Tributária, artigo 2º nº 1 e 40º do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
NESTE TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, ANULANDO-SE A LIQUIDAÇÃO 160013024653003, DE 18/12/2013, RESPEITANTE A IMT, ORDENANDO-SE O REEMBOLSO DO IMPOSTO PAGO PELA RECORRENTE.

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em saber se o tribunal incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez das questões da ilegalidade do acto tributário por falta de transmissão dos bens tal como da prescrição da obrigação tributária, ambas invocadas pela Recorrente.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. No dia 12/3/2004, na Secretaria Notarial de Matosinhos, a sociedade comercial “B…………, S.A.” e a Impugnante, “A…………, Lda.”, outorgaram a escritura pública que consta a fls. 18/20 de processo administrativo e se dá por reproduzida, mediante a qual a primeira declarou transmitir a propriedade de 60/100 dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Nevogilde sob os artigos ……, ……, ……, ……, …… e ……, pelo montante de € 4.122.820,60 com assunção de todas as obrigações assumidas perante a “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, venda que a Impugnante declarou aceitar, e declarou destinar os prédios a revenda.

2. No dia 12/11/2009, nos Paços do Concelho da Câmara Municipal do Porto, a Impugnante, “A…………, Lda.” e o Município do Porto outorgaram a escritura pública que consta a fls. 21/24 de processo administrativo e se dá por reproduzida, mediante a qual a primeira declarou transmitir a propriedade dos prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Nevogilde sob os artigos ……, ……, ……, ……, …… e …… pelo montante de € 7.610.919,00, venda que o Município do Porto declarou aceitar.

3. Por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, de 16/10/1996, publicado no DR II Série, nº 272, de 23/11/1996, foi declarada a utilidade pública de 25 parcelas de terreno para implementação do Parque Urbano da Cidade do Porto, entre as quais se incluem os prédios identificados em 1 e 2.

4. A Impugnante, em 13/12/2013, apresentou no Serviço de Finanças do Porto o requerimento que consta a fls. 25 de processo administrativo e se dá por reproduzido, mediante o qual solicitou a emissão de liquidação para pagamento do tributo devido por não ter revendido no prazo de 3 anos os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Nevogilde sob os artigos ……, ……, ……, ……, …… e ……, por ter cessado o benefício da isenção.

5. A Autoridade Tributária, em 19/12/2013, emitiu o DUC nº 160.013.024.653.003 – Registo nº 2013/268920, no montante de € 267.983,35, a pagar até 19/12/2013, conforme documento de fls. 25-A do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido.

6. O tributo mencionado em 5 foi pago pela Impugnante em 19/12/2013, ao abrigo do disposto na Lei nº 151-A/2013, de 31/10/2013.

7. A Impugnante, em 15/4/2014, deduziu reclamação graciosa nos termos e com os fundamentos exarados no documento de fls. 25 do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido.

8. A Autoridade Tributária notificou a Impugnante para exercer o direito de audição prévia em relação ao projecto de indeferimento da reclamação graciosa nos termos exarados no documento de fls. 27/28 do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido.

9. A Impugnante exerceu o direito de audição prévia em relação ao projecto de indeferimento mencionado em 8 nos termos exarados no documento de fls. 30 do processo administrativo apenso que se dá por reproduzido, no qual invocou a prescrição e salientou a existência do processo de expropriação.

10. A Autoridade Tributária indeferiu a reclamação graciosa mencionada em 7 nos termos exarados no despacho que consta a fls. 34 do processo administrativo apenso e se dá por reproduzido.

11. A Impugnante foi notificada do despacho de indeferimento aludido em 10 em 7/7/2014.

12. A presente impugnação foi apresentada em 22/7/2014.

FACTOS NÃO PROVADOS

Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A convicção do tribunal relativamente à factualidade provada resultou da matéria alegada e não contestada, da análise crítica da documentação junta aos autos e ao processo administrativo apenso mencionada no probatório em relação a cada facto, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respectiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil.”


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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida na apreciação que fez da matéria da ilegalidade do ato tributário bem como da prescrição da obrigação tributária invocada pela Recorrente.

Nas suas alegações, a Recorrente aponta que, conforme resulta do processo de expropriação, a propriedade dos prédios sub judice foi transmitida à entidade expropriante em Fevereiro de 2003, o que significa que a ora recorrente não poderia ter adquirido a propriedade dos prédios, uma vez que os mesmos foram adjudicados à entidade expropriante em Fevereiro de 2003.

Neste domínio, diga-se que a sentença recorrida considerou que a declaração de utilidade pública e a pendência do processo de expropriação não transmitem a propriedade, a qual só ocorreu com a outorga da escritura pública.

Que dizer?

A realidade apurada nos autos permite apreender que em 12/03/2004 a Recorrente adquiriu 60/100 avos de seis prédios urbanos, que declarou destinar a revenda, a qual veio a ocorrer em 12/11/2009, sendo que os referidos prédios faziam parte de um lote de terrenos objecto de declaração de utilidade pública para implementação do parque urbano da cidade do Porto, por despacho do secretário de estado da administração local e ordenamento do território datado de 16/10/1996 e publicado no DR IIª Série nº 272 de 23/11/1996.

Ora, a Recorrente começa por questionar a liquidação impugnada em função da natureza do negócio referido no ponto 1. do probatório, por estar em causa, afinal, uma cessão de crédito e não uma transmissão do direito de propriedade, uma vez que aquando da sua celebração já os prédios tinham sido objecto de expropriação.

Pois bem, tal como se refere na sentença recorrida, aquando da celebração do referido negócio, apenas havia sido emitida a declaração de utilidade pública de 25 parcelas de terreno para implementação do parque urbano da cidade do Porto, entre as quais se incluíam os prédios objecto do negócio, declaração essa que não produz efeitos de transmissão do direito de propriedade, na medida em que só com a formalização do acordo por escritura (art. 36º do Código das Expropriações) ou com a prolação do acto de adjudicação da propriedade e da posse (art. 51º (Artigo 51º do Código das Expropriações:

(…)
5 - Depois de devidamente instruído o processo e de efectuado o depósito nos termos dos números anteriores, o juiz, no prazo de 10 dias, adjudica à entidade expropriante a propriedade e posse, salvo, quanto a esta, se já houver posse administrativa, e ordena simultaneamente a notificação do seu despacho, da decisão arbitral e de todos os elementos apresentados pelos árbitros, à entidade expropriante e aos expropriados e demais interessados, com indicação, quanto a estes, do montante depositado e da faculdade de interposição de recurso a que se refere o artigo 52.º
6 - A adjudicação da propriedade é comunicada pelo tribunal ao conservador do registo predial competente para efeitos de registo oficioso.) do Código das Expropriações) é que se dá a transmissão da propriedade dos bens objecto de expropriação.
Não se olvida que, como dá nota o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, não é pacífica a resposta à questão de saber qual é a natureza jurídica da declaração de utilidade pública de expropriação e designadamente se extingue ipso facto os direitos subjectivos relativos aos bens que dela são objecto e provoca a aquisição originária pelo beneficiário da expropriação ou a sua transmissão coativa (Sobre esta problemática, Fernando Alves Correia, “As garantias do particular na expropriação por utilidade pública”, Petrony,1982, pág.s 107 a 115; e José Osvaldo Gomes, “Expropriações por utilidade pública”, Rev. da Ordem dos Advogados, Ano 56, 1996, pág. 988 e seguintes.) .

Como quer que seja e apesar de com a declaração de utilidade pública o bem ficar adstrito aos fins especificados pela entidade administrativa competente e de o proprietário ficar vinculado ao dever de o transferir mediante indemnização, e nessa medida os direitos dos seus titulares ficarem gravemente limitados ou onerados (José Osvaldo Gomes, ob. cit., pág. 994.) , certo é que a transferência de propriedade só ocorre posteriormente, ou com a formalização do acordo ou com a prolação do ato de adjudicação por parte do juiz (podendo até esse momento ocorrer a caducidade dos efeitos daquela declaração - artigo 13º nº 3 do Código das Expropriações (Havendo quem entenda que a aquisição da propriedade por parte do beneficiário da expropriação só surgirá no termo, no momento final do processo expropriativo e mediante o pagamento da justa indemnização - cfr. José Osvaldo Gomes, ob. cit. pág.999.) ).

Assim sendo, e assumindo o exposto pelo Autor já nomeado - José Osvaldo Gomes - “... nas expropriações normais, a declaração de utilidade pública onera em termos reais os bens imóveis em causa, constituindo ex novo poderes na esfera jurídica do expropriante e limitando concomitantemente os poderes do expropriado. Não se verifica a extinção ou transmissão dos poderes de disposição, pois isso implicaria que, havendo extinção do procedimento expropriativo, caducidade, revogação, alteração ou substituição do acto declarativo, ocorreria uma nova transmissão desses poderes a favor dos expropriados. Nestas situações não haverá retrotransmissão dos poderes de disposição, mas apenas a reaquisição da totalidade dos poderes que integravam o conteúdo do direito real do expropriado, através do fenómeno da elasticidade (Ob. cit. pág.996.) .

Por outro lado, sempre se dirá que a declaração de utilidade pública da expropriação consiste no acto legislativo ou administrativo pelo qual se reconhece serem determinados bens necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante que o destino a que estão afectados, sendo que, com esta declaração não se opera, desde logo, a transferência da propriedade do bem expropriado, sem prejuízo de a declaração de utilidade pública ser, tecnicamente, o de sujeição à expropriação, ficando os bens onerados em termos reais, sendo o titular impotente para evitar a actuação potestativa por parte dos órgãos públicos.

A partir daqui, resulta claro que ainda que a declaração de utilidade pública restrinja significativamente os poderes de disposição dos bens por parte do respectivo proprietário, nada impede a sua transmissão a terceiro com essas limitações, transmissão essa que é subsumível na previsão do artigo 2º do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), improcedendo a alegação da Recorrente neste âmbito.

A Recorrente refere depois que o artigo 40º nº 3 do CIMT aplica-se aos benefícios fiscais, nos termos do artigo 14º da LGT, previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais, sendo que a isenção prevista no artigo 7º do CIMT não é um benefício fiscal, constituindo um deferimento temporal da liquidação e pagamento do imposto, após a ocorrência do facto tributário, verificando-se que nos presentes autos não se aplica o artigo 40º nº 3 do CIMT, uma vez que essa norma foi aditada ao CPPT pela Lei nº 64º-B/2011, de 30 de Dezembro e, de acordo com o artigo 12º da LGT, a Lei Nova só se aplica aos factos posteriores à sua entrada em vigor e não faz qualquer sentido a conclusão reiterada pelo Tribunal a quo de que a não aplicação do artigo 40º nº 3 do CIMT faz considerar o facto tributário 3 anos após a celebração da compra e venda, que é o facto tributário que origina a incidência do imposto, o que quer dizer que nos presentes autos, o prazo prescricional iniciou-se em 12/03/2004, data da escritura descrita no ponto 1 do probatório, data em que ocorreu o facto tributário e que o imposto prescreveu em 12 de Março de 2012, de acordo com o disposto nos artigos 48º nº 1 da LGT ex vi do artigo 40º nº 1 do CIMT.

Por outro lado, um imposto prescrito não é uma obrigação natural e aos impostos não se aplica o regime geral das obrigações, previsto no Código Civil, pois que o Estado está investido de jus imperi na relação com o contribuinte, sendo que a AT liquidou um imposto prescrito violando o princípio da legalidade e para suspender o processo de execução fiscal e a consequente cobrança coerciva do imposto prescrito, na pendência da reclamação graciosa/impugnação judicial, a ora recorrente teria que ter prestado garantia correspondente ao valor do imposto acrescido de juros de mora, custas na totalidade e mais 25% de todos esses valores, nos termos do artigo 199º nº 6 do CPPT, ou seja, o valor da garantia representava um encargo financeiro desnecessário, em comparação com o depósito do valor do imposto nos cofres do Estado, pelo que, a recorrente ter optado por pagar o imposto, de acordo com o previsto no artigo 9º nº 3 da LGT.

Quanto a esta última matéria, do pagamento do imposto, o artigo 304º nº 2 do Código Civil estabelece que “não pode, …ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição”.

Neste ponto, a jurisprudência deste Supremo Tribunal sublinha que este regime aplica-se aos casos de pagamento espontâneo, ou seja, de livre vontade pelo contribuinte e, tal como se aponta, no Ac. deste Tribunal de 10-07-2013, Proc. nº 0912/136, www.dgsi.pt, citando o Cons. Jorge Lopes de Sousa, “Devem distinguir-se os conceitos de «pagamento voluntário» e de «pagamento espontâneo», pois, desde logo, não coincide o significado natural destas expressões na linguagem corrente, apontando esta última expressão para situações em que o pagamento é efectuado por exclusiva iniciativa do devedor, de moto próprio, sem incitamento derivado de qualquer causa externa. O «pagamento espontâneo», será, na linguagem corrente, uma modalidade de «pagamento voluntário», mas será manifestamente inadequado falar em pagamento espontâneo quando ele, por exemplo, é efectuado na iminência da venda, para obstar à sua concretização”.

Ora, resulta da matéria de facto assente na sentença recorrida que o pagamento foi efetuado na sequência de requerimento apresentado pela Recorrente e ao abrigo do disposto na Lei nº 151-A/2013, de 31/10/2013, ou seja, com o benefício da dispensa de juros compensatórios.

Como prescreve o artigo 1º do referido diploma legal, o mesmo aprovou “… um regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal, bem como de dívidas à segurança social, cujo prazo legal de cobrança tenha terminado até 31 de agosto de 2013 e aplica-se “… a todas as dívidas referidas no número anterior, que sejam declaradas pelos contribuintes, ou pelos seus representantes, nos termos da lei, antes do ato do pagamento, ainda que desconhecidas da administração fiscal e da segurança social.

Assim, ainda que o acto se possa caracterizar por alguma espontaneidade, atentas as circunstâncias desse pagamento aceita-se como válido o argumento da Recorrente no sentido de que pretendeu evitar a instauração da execução fiscal e a apresentação da garantia, cujos encargos financeiros eram superiores, sendo certo que neste caso beneficiava da dispensa do pagamento dos juros compensatórios, ou seja, aceita-se que a Recorrente foi compelida a efectuar esse pagamento de forma a evitar uma maior lesão do património.

Aliás, como se entendeu nos acórdãos deste S.T.A. de 10/07/2013, Proc. nº 0912/13 e de 13/09/2017, Proc. nº 0954/17, www.dgsi.pt, citando a doutrina do Cons. Jorge Lopes de Sousa, “… mesmo que se entenda que aquele conceito de espontaneidade utilizado no art. 403º nº 2 do CC apenas se reporta a coacção ilícita, não poderá deixar de entender-se que integra este conceito a prática de actos de execução fiscal depois de decorrido o prazo de prescrição, pois a prescrição, no processo de execução fiscal é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 175.º do CPPT e, por isso, decorrem desta norma deveres legais para a administração tributária de declarar a prescrição e de se abster da prática de actos executivos, deveres estes cuja omissão constitui facto ilícito, à face do conceito de ilicitude aplicável em matéria de actos de gestão pública, que é dado no art. 6.º do DL n.º 48051, de 21-11-1967 e no art. 9.º do RRCEE, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro”.

Em face do exposto, atentas as circunstâncias em que foi efetuado o pagamento do tributo, temos de sufragar a jurisprudência do S.T.A. supra assinalada e qualificar o acto de pagamento como não espontâneo, afastando-se, assim, o regime prescrito no artigo 304º nº 2 do Código Civil e, nessa medida, avançar para a apreciação da questão da prescrição da obrigação tributária invocada pela Recorrente.

A Recorrente entende não ser aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 40º nº 3 do CIMT, pelo facto de a sua redacção ter sido introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e só se aplicar para o futuro, motivo pelo qual conclui que a obrigação tributária nasceu com a ocorrência do facto tributário em 12/03/2004 e prescreveu em 12/03/2012, sendo que a sentença recorrida considerou que o prazo de prescrição só se iniciou a partir do momento em que se esgotou o prazo de três anos para revenda, ou seja, em 12/03/2007, pelo que a prescrição só iria ocorrer em 12/03/2015.

Antes de entrar na análise concreta da questão, importa notar que, em sede de impugnação judicial, a prescrição da obrigação tributária nunca poderá constituir causa de pedir do pedido de anulação da liquidação, mas apenas poderá ser conhecida, incidentalmente, como motivo de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide: no caso de a obrigação tributária não estar ainda solvida e de ser inquestionável o decurso do prazo da respectiva prescrição, a AT, ainda que a impugnação seja julgada improcedente, não poderá instaurar execução com vista à cobrança da dívida correspondente, bem como deverá oficiosamente declarar extinta a execução (cfr. art. 175.º do CPPT), caso esta tenha já sido instaurada. Assim, apesar de a prescrição não poder constituir fundamento de impugnação judicial da liquidação, a jurisprudência tem vindo a admitir que pode ser apreciada nessa sede, mesmo oficiosamente, como motivo da inutilidade superveniente da lide: verificada a prescrição da obrigação tributária, que determina a inexigibilidade da correspondente dívida, com a consequente impossibilidade de cobrança coerciva, a impugnação judicial em que se visa apenas a apreciação da legalidade da liquidação que lhe deu origem deixa de ter utilidade; nesse circunstancialismo, deve extinguir-se a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, alínea e), do C. Proc. Civil (Neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 23 a 25.).

Cumpre também ter presente que a prescrição da obrigação tributária em sede de impugnação judicial apenas deve ser conhecida, como causa da eventual inutilidade superveniente da lide, nos casos em que do processo constem (não havendo de diligenciar nesse sentido, pois não se trata de questão a apreciar em impugnação judicial) todos os elementos que permitam uma decisão segura quanto àquela questão, designadamente, quando do processo constem os elementos que permitam atender a possíveis causas de interrupção e suspensão da prescrição, que poderão ter ocorrido noutros processos administrativos ou contenciosos.

Nesta sequência, tenha-se presente que o artigo 40º nº 1 do Código do IMT, na redacção originária, dispunha que “[o] IMT prescreve nos termos dos artigos 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária”, apontando o artigo 48º nº 1 da LGT, que “[a]s dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, (…).”

A partir daqui, não é novidade que o IMT é qualificado como um imposto de obrigação única, o que significa que o prazo de prescrição do IMT, face à redacção do artigo 48º nº 1 da LGT, aplicável por força da redacção originária do artigo 40º nº 1 do CIMT, inicia-se a partir da data em que ocorreu o facto tributário, o qual pode definir-se como o facto material que preenche os pressupostos legais da norma de incidência do imposto e que determina o nascimento da obrigação tributária, constituindo, portanto, o pressuposto de facto cuja realização origina um determinado efeito jurídico: no caso, o nascimento da obrigação tributária (cfr. artigo 36.º da LGT). Ou, nas palavras de Alberto Xavier, [Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, p. 316], o facto tributável é o facto típico revelador de capacidade contributiva objecto dessa tipificação legal.

Diga-se ainda que o facto tributário gerador da obrigação do IMT consiste, especificamente, na transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional (cfr. artigo 2.º do CIMT) estando a sujeição passiva imputada, em regra, àqueles para quem se transmitirem os bens (cfr. artigo 4.º do CIMT).

Assim, o prazo de prescrição de IMT, à luz do artigo 48º nº 1 da LGT, aplicável na íntegra por força da redacção originária do n.º 1 do artigo 40.º do CIMT, inicia-se a partir da data em que ocorreu a transmissão onerosa (aquisição por parte do sujeito passivo respectivo), por ser esse o facto tributário gerador da obrigação e não a partir da data da caducidade de uma isenção de que uma transmissão beneficiou nos termos da lei, na medida em que, por imposição do princípio da legalidade, a caducidade da isenção dos impostos como o “dies a quo” a que se deve atender para início da contagem do prazo de prescrição só será admissível se existir norma que o autorize - neste sentido, embora por relação ao Imposto Municipal de Sisa, mas como é consabido o IMT que veio substituir aquele imposto municipal manteve na sua substância os mesmos princípios estruturantes, o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 10-04-2013, proferido no processo n.º 1135/12, www.dgsi.pt.

Tal equivale a dizer que, na situação em apreço, o facto tributário, in casu, ocorreu em 12-03-2004, data da celebração da escritura pública de aquisição dos prédios em causa (cfr. ponto 1) do probatório), iniciando-se nesta data o prazo de prescrição de oito anos, o que levaria a concluir que o términus do prazo ocorresse em 12-03-2012.

No entanto, a partir de 1 de Janeiro de 2012, com a entrada em vigor da redacção dada ao artigo 40º do CIMT, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, nos casos de caducidade de benefícios, esse início de prazo, passou a contar-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito.

Com efeito, tal Lei, veio dar a seguinte redacção ao preceito:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o IMT prescreve nos termos dos artigos 48.º e 49.º da lei geral tributária.

(…) 3 - Verificando-se caducidade de benefícios, o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que os mesmos ficaram sem efeito.”

Neste âmbito, é consabido que as isenções, configuram-se como benefícios fiscais, caracterizados estes, como medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (cfr. artigo 2º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) e a isenção de IMT prevista no artigo 7º do CIMT, de que goza a aquisição de prédios para revenda está sujeita a condição resolutiva (artigo 270º do Código Civil), caducando se os mesmos não forem vendidos no prazo de três anos (cfr. artigos 7º nº 4 e 11º nº 5, do CIMT), o que significa que só com a não verificação dessa condição se produzem todos os efeitos fiscais concretizados na transmissão, ou seja, a isenção está sujeita a uma condição resolutiva cuja verificação, implicando que deixasse de existir obstáculo à produção dos efeitos constitutivos do facto tributário, determina a imediata constituição da obrigação do imposto.

Nesta situação, até porque se trata de algo que não se discute nos autos, estamos perante a caducidade da isenção de que beneficiou a aquisição dos prédios pela aqui Recorrente, logo, perante a caducidade de benefícios, e atendendo a que, como o prazo de prescrição, face à redacção inicial do artigo 40º nº 1 do CIMT que remetia sem mais para o artigo 48º da LGT, ainda não se tinha esgotado (porque iniciado em 12-03-2004, como vimos), por entrar em vigor a nova redacção dada àquele preceito legal pela lei referenciada, verifica-se, a ponderar, uma questão relativa à sucessão de leis no tempo.

Acolhendo os ensinamentos de J. Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, págs. 242-243), quando uma lei nova altera o momento a partir do qual um prazo se começa a contar (o seu momento inicial), se o momento é postecipado, como sucede no caso vertente, “tendo o decurso global do prazo o valor de um facto constitutivo (ou extintivo) de um direito ou situação jurídica, se tal prazo ainda se encontrava em curso no momento do início de vigência da lei nova, é porque tal situação jurídica ainda não se encontrava constituída (ou extinta) neste momento. Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova”.

Sobre esta matéria, e com o mesmo desenlace, importa ainda ter presente o recente Acórdão deste Tribunal de 12-05-2021, Proc. nº 0287/19.5BELLE, www.dgsi.pt, onde se ponderou que:

“…

Fundamentalmente, o que se tem de discutir é a questão de saber se, in casu, esta nova (e privativa) forma de contagem do prazo prescricional (de 8 anos) das dívidas de IMT é aplicável, dada a circunstância de, em 1 de janeiro de 2012, pelas regras, até então, vigentes, fixadas nos arts. 48.º e 49.º da LGT (ex vi do art. 40.º n.º 1 do CIMT), o pertinente período de prescrição se encontrar, já, em curso, desde, concretamente, 15 de abril de 2010 (data de aquisição do imóvel) (Para o IMT, enquanto imposto de obrigação única, regra geral, a prescrição (de 8 anos), das respetivas dívidas, conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu - art. 48.º n.º 1 da LGT.) .
Em primeiro lugar, cumpre registar que, aquando do começo da vigência da nova redação do versado art. 40.º n.º 3 do CIMT, objetiva e manifestamente, o prazo prescricional, iniciado em 15 de abril de 2010, não se mostrava esgotado (nem próximo disso); sem suspensões e/ou interrupções completar-se-ia a 15 de abril de 2018.
Por virtude de uma alteração legislativa semelhante a esta, que ocorreu, no âmbito, exclusivo, do IMT (Reportamo-nos à alteração da redação do art. 48.º n.º 1 da LGT, operada pela Lei n.º 55-B/2004 de 30 de dezembro.) , a jurisprudência do STA, desde logo, entendeu que a nova forma de contagem (em particular, quando iniciar o cômputo, casuístico, dos prazos de prescrição), respeitante ao IVA [e aos impostos sobre o rendimento (em determinadas situações)], era aplicável aos casos de prazos prescricionais, já, em curso, aquando da entrada em vigor, a 1 de janeiro de 2005, do diploma operante da aludida alteração. Alicerçou tal posição, em síntese, nesta base argumentativa (Ver, acórdão, do STA, de 14 de janeiro de 2015 (01684/13); entendimento repetido, no recente acórdão de 17 de fevereiro de 2021 (2057/13.5BELRS).)
: «
« (…)
Ora, este novo modo de contagem do prazo de prescrição é já aplicável, no caso, a estas dívidas relativas ao IVA dos anos de 1999 e 2000, dado que se trata de prazos que estavam em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aí qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal, uma vez que o facto extintivo do direito à cobrança coerciva da dívida tributária é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) - cfr. o segmento final do nº 2 do art. 12° do CCivil (entendimento idêntico tem, aliás, vindo a ser afirmado pela jurisprudência desta secção do STA - cfr., entre outros, os acs. de 26/11/08, no rec. n° 598/08; de 20/5/09, no rec. n° 293/09; de 25/6/09, no rec. n° 1109/08; de 3/3/10, no rec. n° 1076/09; de 30/6/10, nos recs. nºs. 0158/10 e 0201/10; de 17/3/2011, proc nº 177/11; e de 28/9/2011, proc nº 764/2011). (E também no acórdão de 8/2/2012, rec. nº 033/12, se chega à mesma conclusão, embora apelando à aplicação da regra contida no nº 2 do art. 297º e não à aplicação da regra do nº 2 do art. 12º, ambos do CCivil.)

(…).
Logo, cabe à lei nova a competência para determinar os requisitos da constituição da mesma situação jurídica. Achando-se uma situação jurídica em curso de constituição, passa o respectivo processo constitutivo a ficar imediatamente subordinado à lei nova».
Assim, não sendo o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, é de concluir que, por aplicação da regra contida no segmento final daquele nº 2 do art. 12° do CCivil e no nº 1 do art. 12º da LGT, a nova redacção do preceito é, no caso vertente, aplicável às dívidas exequendas…» (…). » …”.

Nesta sequência, aceite o pressuposto de que não é o início do prazo de prescrição, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à cobrança da dívida por parte da AT, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do artigo 12º nº 2 do Código Civil e no artigo 12º nº 1 da LGT, que a nova redacção do artigo 40º do CIMT é aplicável aos casos em que o prazo ainda se encontre em curso à data da sua entrada em vigor, sem que se trate de aplicação retroactiva da lei, mas de simples aplicação do princípio geral em matéria da aplicação da lei no tempo, de que a lei vale para o futuro - neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-01-2015, Proc. nº 01684/13, www.dgsi.pt, por referência ao inicio da contagem do prazo de prescrição do IVA aquando da alteração quanto a este imposto, do artigo 48º nº 1 da LGT.

Sendo assim, como é, aplicando o preceituado ao caso em concreto, verifica-se que, por aplicação da lei nova, tendo presente que a isenção pela aquisição dos prédios em causa para revenda caducou em 12-03-2007, decorridos oito anos sem qualquer facto interruptivo ou suspensivo a atender, iniciado o prazo de prescrição nesta data, a dívida tributária em causa prescreveria a 12-03-2015.

No entanto, cabe ainda considerar, a eventual ocorrência de factos interruptivos e/ou suspensivos da prescrição, se forem susceptíveis de influir no decurso do prazo.

Quanto às causas de interrupção ou suspensão do prazo de prescrição, estatui o artigo 49º nº 1 da LGT, por remissão do artigo 40º nº 1 do CIMT, que “[a] citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição”, estabelecendo o n.º 3 do mesmo preceito, que, “(…) a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.”

Por não se encontrarem regulados os efeitos dos factos interruptivos e suspensivos da prescrição da obrigação tributária na LGT, são de aplicação subsidiária as disposições do Código Civil (CC) - artigos 318º a 320º e 326º e 327º, com as necessárias adaptações.

Assim, tal como decorre do preceituado nos artigos 318º a 320º do CC, a suspensão do prazo de prescrição tem como efeito que este não comece a correr enquanto se verificar o facto, de natureza duradoura, a que é atribuído efeito suspensivo, isto é, os actos suspensivos são sempre de natureza duradoura, obstando ao começo e ao decurso do prazo de prescrição enquanto perdurarem. Já a interrupção inutiliza tem sempre como efeito a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo próprio da interrupção, iniciando-se novo prazo (cfr. artigo 326.º, n.º 1 do C. Civil).
Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, “o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo” (cfr. artigo 327º nº 1 do C. Civil), ou seja, não só inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo, como obsta ao início de contagem de novo prazo de prescrição enquanto o processo não findar.

Com interesse nesta matéria, cabe ainda ter presente o exposto no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10-05-2017, Proc. nº 0452/17, www.dgsi.pt, onde se ponderou, além do mais, que:
“…
Porém, a manutenção desta referência ao efeito suspensivo da reclamação, impugnação e recurso, nos casos de determinarem a suspensão da cobrança da dívida (que é manifesto que resulta de uma intenção legislativa deliberada, pois a norma até foi reformulada, relativamente à equivalente anterior, que constava do n.º 3 do art. 49.º), explica-se pela inovação que consta da actual redacção do n.º 3 do mesmo artigo, de a interrupção ter lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar:
- o primeiro facto com efeito interruptivo produz os efeitos que produzia no domínio da redacção anterior, de eliminação do prazo decorrido anteriormente e de obstar ao decurso da prescrição, agora (com a eliminação do n.º 2) sempre, incondicionalmente, até se tornar definitiva a decisão que puser termo ao processo; [sublinhado nosso]
- os factos previstos como interruptivos que ocorram depois do primeiro, à face da nova redacção do n.º 3, não terão o referido efeito interruptivo, mas terão relevância como factos suspensivos da prescrição, desde que se verifique a condição da sua relevância a este nível, que é o processo respectivo determinar a suspensão da cobrança da dívida.
Esta interpretação é corroborada pelo próprio texto do novo n.º 3 do art. 49.º, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar», o que inculca que o regime do n.º 4, na parte que se refere aos factos qualificados pelo n.º 1 como interruptivos, tem o seu campo de aplicação nas situações em que esse efeito interruptivo é afastado pelo n.º 3» (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, págs. 69 a 72.). …”.

Com este pano de fundo, e retornando ao caso vertente, decorre provado que em 15-04-2014 foi deduzida reclamação graciosa (cfr. ponto 7) do probatório), pelo que, com tal facto, ocorreu a interrupção do prazo de prescrição que ainda estava em curso, sendo que tal facto interruptivo não só teve como efeito instantâneo a inutilização para a prescrição do tempo decorrido até à data em que o mesmo se verificou, como tem a par, o efeito duradouro de obstar ao início de contagem de novo prazo de prescrição de oito anos enquanto o processo se mantiver pendente, ou seja, até ao trânsito em julgado da decisão em apreço, o que significa que, no caso presente, tendo entretanto sido deduzida impugnação judicial (cfr. ponto 12) do probatório), tem de entender-se que o processo se mantém pendente até existir decisão que ponha termo à presente impugnação judicial, sem olvidar que, in casu, sempre poderia ainda fazer-se apelo ao art. 49º nº 4 da LGT, considerando que a impugnação judicial e a liquidação do tributo pela Impugnante determinam a suspensão do prazo de prescrição, de modo que, e de forma inequívoca, ao contrario do invocado pela Impugnante, temos que não se verificou a prescrição da prestação tributária a que se reporta a liquidação de IMT nestes autos impugnada, improcedendo como tal o invocado, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 9 de Junho de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso (com Declaração de Voto que segue)

DECLARAÇÃO DE VOTO

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Permito-me discordar, parcialmente, da fundamentação do presente acórdão pelas razões que exponho infra.

Como se constata dos autos, encontramo-nos perante processo de impugnação que tem por objecto liquidação de I.M.T. efectuada pela A. Fiscal, a pedido do sujeito passivo, em virtude de ter operado a condição resolutiva prevista no artº.11, nº.5, do C.I.M.T., "ex vi" do artº.7, nº.1, do mesmo diploma, verificando-se a inércia da sociedade impugnante/recorrente durante o prazo de três anos computados desde 12/03/2004, data da escritura em que o sujeito passivo declara que adquiriu para revenda parte dos imóveis em causa, assim beneficiando da isenção de pagamento do imposto (cfr.nºs.1, 4 e 5 do probatório estruturado pelo Tribunal "a quo").

Ora, nós defendemos que o termo inicial do cômputo do prazo da prescrição extintiva somente ocorre a partir do momento em que se pode exercer o direito, portanto, a partir da data em que se verifica o termo final do dito prazo de três anos, 13/03/2007 (cfr.artº.279, als. b) e c), do C. Civil; artº.306, nº.1, do C. Civil), mais sendo a partir deste último dia que começa a correr o prazo de prescrição de oito anos previsto no artº.48, da L.G.T., sem prejuízo da nova redacção do artº.40, nº.3, do C.I.M.T., operada pela Lei 64-B/2011, de 30/12 (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.558; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/09/2010, rec.383/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/06/2011, rec.174/11)

Com estes pressupostos, o excerto de fundamentação do presente acórdão que admite o termo inicial do prazo de prescrição com a celebração da escritura pública de aquisição dos imóveis em causa, para nós, era dispensável.


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Lisboa, 9 de Junho de 2021

O Juiz Conselheiro (2º. Adjunto)

(Joaquim Manuel Charneca Condesso)