Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0167/18
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:MANDATO
PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
Sumário:Concluído o procedimento de inspeção, nos termos do artigo 62.º, n.º 1 e 2 do RCPITA, termina o mandato constituído no âmbito deste procedimento.
Nº Convencional:JSTA000P23233
Nº do Documento:SA2201805030167
Data de Entrada:02/16/2018
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………., Lda., deduziu oposição às execução fiscal n.º 2348201501127039 e apensos n.ºs 2348201501128167, 2348201501128175 e 2348201501128159, que correm termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, por dívidas de IVA, do ano de 2011 e de IRC dos exercícios de 2010 e 2011, peticionando a extinção das execuções com base na inexigibilidade da dívida exequenda.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 28/10/2017 (fls.46/48), julgou procedente a oposição, determinando a extinção do processo de execução fiscal n.º 2348201501127039 e apensos n.ºs 2348201501128167, 2348201501128175 e 2348201501128159.
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1.3. Discordando do assim decidido a Fazenda Pública interpõe o presente recurso tendo formulado, nas alegações, as seguintes conclusões:
«I – O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no processo supra referenciado que julgou procedente a oposição e, em consequência, determinou a extinção dos processos de execução fiscal em causa, por se verificar, salvo o devido e muito respeito que nos merece, que a mesma padece de erro de julgamento, em matéria de direito, no que se refere à interpretação e aplicação do artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, ao considerar condição de eficácia do ato tributário de liquidação, a notificação das liquidações ao mandatário do sujeito passivo constituído no procedimento de inspeção tributária.
II – Na situação em apreço, o sujeito passivo constituiu mandatária no procedimento de inspeção tributária, tendo a mesma sido regularmente notificada do relatório final do procedimento de inspeção tributária, pelo que, considerando-se concluído o procedimento inspetivo com a notificação do referido relatório à mandatária [cfr. artigo 62.º, n.º 2, do RCPITA], não se nos afigura existir obrigação legal de o ser quanto à liquidação do ato tributário.
III – Com o fim do concreto procedimento ao qual foi requerida a junção da procuração, deixa de haver objeto no alcance da dita procuração, a qual visava o procedimento de inspeção tributária.
IV – O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre a questão da necessidade de apresentação de uma procuração em cada procedimento, por douto acórdão proferido em 2017-09-13, no processo n.º 01356 entendendo que «contrariamente ao que se verifica no instituto da representação fiscal (artigos 19.º/6 da LGT; 130.º CIRS; 126.º CIRC e 30.º CIVA), no domínio do mandato tributário o domicílio fiscal não passa a ser o do representante, sendo certo que, [a] não se encontra norma legal vigente que imponha à AT qualquer dever de arquivar as procurações passadas pelos contribuintes a conferir mandato tributário no respetivo cadastro. Na verdade, atento o disposto nos artigos 44.º e 45.º do CPC e 67.º 1 do CPA, as procurações passadas a conferir o mandato tributário devem ser juntas a cada um dos processos ou procedimentos em que seja interveniente o mandante, como bem decidiu a sentença recorrida.».
V – Concluindo o citado aresto que «Não recai sobre a Administração Tributária a obrigação de associar uma procuração, que exclui a representação fiscal, passada a mandatário, ao cadastro dos contribuintes com a inerente obrigação de, no futuro, proceder a todas as notificações dos atos procedimentais da sua iniciativa na pessoa do mandatário constituído, permitindo a intervenção deste em todos os atos, sem necessidade de apresentação de uma procuração em cada procedimento.».
VI – No caso dos autos, o mandato tributário conferido pelo sujeito passivo a advogado, não se confunde com a representação fiscal, pelo que não ficou a respetiva mandatária, por aquele instrumento, habilitada a receber as notificações das liquidações do sujeito passivo.
VII – Em conformidade com o exposto, por incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, terá sido feito um errado julgamento.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e a oposição julgada improcedente, com todas as consequências legais.».
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1.4. O recorrido contra-alegou formulando as seguintes conclusões:
«1. Da conjugação do artº 16º, nº 1 da LGT e do artº 40º, nº 1 do CPPT resulta que as liquidações devem ser notificadas aos mandatários constituídos para representação dos contribuintes no procedimento tributário.
2. Resulta igualmente da interpretação conjunta dos art.ºs 54º, nº 1 da LGT e 44º do CPPT, bem como dos art.ºs 62º nº 1 e 54º do CPPT que a notificação dos mandatários deve ocorrer em todos os actos do procedimento tributário, englobando este a liquidação e os actos interlocutórios que a precedam.
3. Nos presentes autos o procedimento tributário compreende o acto inspectivo e a liquidação.
4. A notificação da liquidação visa o pagamento do tributo liquidado que não tem natureza pessoal.
5. A procuração apresentada pela Recorrida destinava-se a todo o procedimento – da inspecção à liquidação.
6. A recorrida não limitou os efeitos da procuração por si apresentada apenas ao acto inspectivo.
7. A tese de que deve ser apresentada uma procuração por cada procedimento é limitativa do direito de representação ao deixar de fora deste direito os actos procedimentais da iniciativa da AT que não se mostrem abrangidos pela representação fiscal prevista no artº 19º, nº 6 da LGT.
8. Uma tal limitação constitui uma violação do disposto no artº 16º, nº 1 da LGT, bem como o direito a um processo equitativo previsto no artº 20º, nº 4 da CRP e o princípio da legalidade do sistema fiscal contido no artº 103º, nº 2 da mesma Lei Fundamental porquanto só a lei poderá estabelecer limitações às garantias dos contribuintes.
9. NESTES TERMOS, deverá o recurso ser julgado improcedente, mantendo incólume a douta sentença recorrida, assim se fazendo Justiça.».
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«Recurso interposto pela Fazenda Pública, sendo recorrida A…………., LDA.:
1- Objeto do recurso.
O objeto do recurso consiste em decidir se ocorreu erro de julgamento, em matéria de direito, no que se refere à interpretação e aplicação efetuada do art. 40.º n.ºs 1 e 2 do C.P.P.T., ao se considerar condição de eficácia do ato de liquidação a notificação das liquidações ao mandatário do sujeito passivo constituído no procedimento de inspeção tributária.
2 - Posição que se defende.
Do artigo 40.º n.º 1 do C.P.P resulta que o interessado pode constituir mandatário quer no procedimento tributário, quer no processo judicial tributário, o que leva a entender que se impõe efetuar obrigatoriamente a notificação ao mesmo dos atos lesivos que venham a ser praticados.
Ora, crê-se que de tal é, assim, de considerar também quanto ao ato de liquidação que veio a ser praticado na sequência de inspeção tributária.
Com efeito, o procedimento tributário compreende toda a sucessão de atos dirigidos à declaração de direitos tributários – art. 54.º n.º 1 da L.G.T..
E se a ação de inspeção/fiscalização é preparatória do ato de liquidação, resulta não ser de proceder à autonomização que se defende no recurso interposto, nem tal foi o decidido pelo acórdão do S.T.A. citado pela recorrente proferido noutro contexto, conforme, aliás, assinala a recorrida.
Também não é posto em causa no recurso interposto que a liquidação não se insere em atos pessoais, sendo sobre tal que rege o n.º 2 do dito art. 40.º do C.P.P.T. em termos de ser de enviar então carta também ao próprio interessado.
Ao entendimento que ora se defende tal não obsta ainda que a procuração tenha sido passada sem que conste referência expressa aos poderes conferidos abrangerem também os atos de notificação.
Com efeito, tendo sido conferidos pela procuração em causa os mais amplos poderes forenses em direito permitidos para representar junto de qualquer entidade pública ou privada, judicial ou outra, nomeadamente, junto da A.T. em qualquer processo ou assunto, foi já decidido pela S.C.A do S.T.A., a propósito do previsto no art. 66.º (ora 67.º do C.P.A. que “não oferece grande discussão que a notificação do acto administrativo pode ser efectuada na pessoa do mandatário do seu destinatário nos casos em que esse destinatário se faz representar por mandatário na processo administrativo a que respeita o acto. Pois se a sua intervenção no procedimento administrativo é feita através de mandatário, com certeza que as comunicações e notificações haverão de ser feitas a esse mesmo representante, excepto aquelas para as quais se exija, especialmente, a intervenção pessoal do interessado”- nesse sentido, acórdãos do S.T.A. de 16-1-02 e de 7-10-04, proferidos nos processos n. 047590 e de 0305/04.
Concluindo:
Tendo sido constituído mandatário em procedimento inspetivo, com os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, é de notificar obrigatoriamente ao mesmo os atos de liquidação, nos termos do art. 40.º n.º 1 do C.P.P.T..
A falta de tal notificação torna ineficazes as liquidações, conforme decidido foi.
O recurso é de improceder.».
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) Foram instaurados, no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, contra a Oponente os P.E.F.s n.ºs 2348201501127039 e apensos (2348201501128167, 2348201501128175 e 2348201501128159), para cobrança de dívidas de I.R.C. dos exercícios de 2010 e 2011 e de I.V.A. Do ano de 2011. (Conforme P.E.F. junto aos autos).
B) As liquidações relativas a l.R.C. dos exercícios de 2010 e 2011 foram dirigidas à Oponente e remetidas pela “Via CTT” para a Caixa postal electrónica da Oponente, com “Acesso do contribuinte à caixa postal electrónica do Via CTT” em 18/03/2015. (Fls 36 a 41 do P.E.F. junto aos autos).
C) A liquidação relativa a IVA, de 2011 foi dirigida à Oponente e remetida pela “Via CTT” para a Caixa postal electrónica da Oponente, com “Entrega de documento na caixa postal electrónica” em 13/03/2015 e a Demonstração de acerto contas foi remetida pelo “Via CTT” para a Caixa postal electrónica da Oponente, com “Acesso do contribuinte à caixa postal electrónica do Via CTT” em 18/03/2015. (Fls. 42 a 47 do P.E.F. junto aos autos).
D) As liquidações referidas nas alíneas anteriores resultaram de procedimento de Inspecção - ordem de serviço n.°s OI1201300114. (Fls. 13).
E) A Oponente apresentou “Procuração” datada de 26/09/2014, no âmbito do procedimento dirigido ao “Director de Finanças de Viana do Tributária, DIT, OI1201300114”, constando da “Procuração” o seguinte:
“A………….…declara constituir sua bastante procuradora, a Dra. ……….., Advogada, ...a quem, ...concede ao mais amplos poderes forenses em direito permitidos para o representar junto de qualquer entidade pública ou privada, judicial ou outra, nomeadamente junto da AT, em qualquer processo ou assunto em que seja parte e ainda para solicitar certidões ou cópias de elementos processuais e receber custas de parte, em sua representação.” (Fls. 16 e 17).
F) O “Relatório da Inspecção Tributária” realizada à Oponente foi remetido a “…………., Advogada” e por ela recebido. (Fls. 13).
G) As liquidações não foram dirigidas nem remetidas à mandatária da Oponente. (Acordo das partes (13.º da P.I. e artigo 9.º da contestação)).».
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3.1. A sentença recorrida depois de identificar como questão a decidir a da peticionada extinção das execuções fundada na alegação da oponente de que as dívidas não lhe são exigíveis, uma vez que as notificações das liquidações não são válidas, por não terem sido efectuadas na pessoa da sua mandatária afirmou o seguinte:
“Estabelece o n.º 1 do artigo 40.º do C.P.P.T. que “As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório.”, acrescentando o n.º 2 que “Quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, além da notificação ao mandatário, será enviada carta ao próprio interessado, indicando a data, o local e o motivo da comparência.”, sendo as notificações efectuadas por carta ou aviso registados (n.º 3).
Ora, a “prática pelo interessado de acto pessoal” a que alude o n.º 2 do artigo 40.º do C.P.P.T. corresponde à necessidade de participação/assistência pessoal do sujeito passivo em determinadas diligências, para tanto devendo comparecer o próprio.
Assim, levando em consideração esta noção, facilmente se conclui que o acto de notificação de uma liquidação tributária não pode considerar-se como um acto pessoal para efeitos do n.º 2 do artigo 40.º do C.P.P.T., uma vez que não se trata de qualquer notificação do interessado para comparecer ou praticar qualquer acto.
Nestes termos se conclui que a notificação de actos de liquidação aos interessados que tenham constituído mandatário serão obrigatoriamente feitas na pessoa deste e no seu escritório (n.º 1 do mesmo normativo), não sendo esta notificação substituível pela notificação do contribuinte (neste sentido, vide Acórdão do T.C.A. Sul, de 10/04/2014, proferido no processo n.º 07443/14).
Contudo, sempre se diga que, mesmo que se entendesse que o acto de liquidação consubstanciava um acto pessoal enquadrável nos termos do n.º 2 do artigo 40.º do CP.P.I., sempre seria necessário efectuar não só a notificação do próprio interessado mas também, cumulativamente, a notificação ao mandatário.
Face ao exposto, tendo, no caso sub judice, sido constituída mandatária no decurso do procedimento tributário (cfr. alínea E) do probatório), era obrigatório que as notificações das liquidações à sociedade fossem efectuadas na pessoa da mandatária, por cartas registadas dirigidas ao seu escritório/domicílio profissional, tal como, aliás, fez a A.T. com a notificação do relatório final da inspecção (alínea E) dos factos provados), não se compreendendo porque é que não teve a mesma actuação no que concerne às liquidações até porque, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do C.P.P.T., as liquidações de tributos ainda fazem parte do procedimento tributário.
Conclui-se assim que, não tendo as notificações dos actos de liquidação sido efectuadas na pessoa da mandatária mas apenas Via CTT para a caixa electrónica da Oponente (alíneas B), C) e G) do probatório), as mesmas são inválidas, tornando os actos de liquidação ineficazes e conduzindo à extinção das execuções fiscais, devido à inexigibilidade das dívidas exequendas.».
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3.2. Concorda-se com a sentença recorrida quando afirma que o acto de notificação de uma liquidação tributária não pode considerar-se como um acto pessoal para efeitos do n.º 2 do artigo 40.º do C.P.P.T., uma vez que não se trata de qualquer notificação do interessado para comparecer ou praticar qualquer acto.
E concorda-se também que a notificação de actos de liquidação aos interessados que tenham constituído mandatário no procedimento de liquidação serão obrigatoriamente feitas na pessoa deste e no seu escritório nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.
Contudo torna-se necessário que o mandatário tenha sido constituído neste procedimento de liquidação.
Como refere a recorrente, no caso dos autos, o sujeito passivo constituiu mandatária no procedimento de inspeção tributária, tendo a mesma sido regularmente notificada do relatório final do procedimento de inspeção tributária, pelo que, se considera concluído o procedimento inspetivo com a notificação do referido relatório à mandatária.
Com efeito estabelece o artigo 62.º, n.º 1, do RCPITA, sob o título conclusão do procedimento de inspeção, que para a conclusão do procedimento de comprovação e verificação é elaborado um relatório final, acrescentando o nº 2 que o relatório referido no nº 1 deve ser notificado ao contribuinte “considerando-se concluído o procedimento na data da notificação”.
Parece claro que o procedimento de inspeção se encontra concluído nesta data e com o fim deste procedimento terminou o mandato conferido no âmbito de tal procedimento de inspeção.
Concorda-se, por isso, com a recorrente quando afirma que inexiste obrigação legal de notificar o mandatário da liquidação do ato tributário.
Acompanha-se, por isso, o acórdão deste STA, em 2017-09-13, no processo n.º 01356, quando afirmou que «contrariamente ao que se verifica no instituto da representação fiscal (artigos 19.º/6 da LGT; 130.º CIRS; 126.º CIRC e 30.º CIVA), no domínio do mandato tributário o domicílio fiscal não passa a ser o do representante, sendo certo que, não se encontra norma legal vigente que imponha à AT qualquer dever de arquivar as procurações passadas pelos contribuintes a conferir mandato tributário no respetivo cadastro. Na verdade, atento o disposto nos artigos 44.º e 45.º do CPC e 67.º 1 do CPA, as procurações passadas a conferir o mandato tributário devem ser juntas a cada um dos processos ou procedimentos em que seja interveniente o mandante …”.
Acompanha-se, ainda, o mesmo acórdão quando afirma que “não recai sobre a Administração Tributária a obrigação de associar uma procuração, que exclui a representação fiscal, passada a mandatário, ao cadastro dos contribuintes com a inerente obrigação de, no futuro, proceder a todas as notificações dos atos procedimentais da sua iniciativa na pessoa do mandatário constituído, permitindo a intervenção deste em todos os atos, sem necessidade de apresentação de uma procuração em cada procedimento.”.
Concorda-se, ainda, com a recorrente quando afirma que, no caso dos autos, o mandato tributário conferido pelo sujeito passivo a advogado, não se confunde com a representação fiscal, pelo que não ficou a respetiva mandatária, por aquele instrumento, habilitada a receber as notificações das liquidações do sujeito passivo.
Ocorre, por isso, incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 40.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT, geradora de errado julgamento o que conduz à revogação da sentença recorrida.
Merece pois provimento o recurso devendo sentença recorrida ser revogada e a oposição julgada improcedente.
Não se descortina a invocada, pela recorrida, violação do disposto no artº 16º, nº 1 da LGT, bem como o direito a um processo equitativo previsto no artº 20º, nº 4 da CRP e o princípio da legalidade do sistema fiscal contido no artº 103º, nº 2 da mesma Lei Fundamental pois que foi a recorrida notificada pessoalmente da liquidação a qual podia, se assim o entendesse, constituir mandatário no âmbito do procedimento de liquidação.
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Concluído o procedimento de inspeção, nos termos do artigo 62.º, n.º 1 e 2 do RCPITA, termina o mandato constituído no âmbito deste procedimento.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso revogar a sentença recorrida e julgar a oposição improcedente.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 03 de maio de 2018. – António Pimpão (relator por vencimento) – Francisco Rothes – Ana Paula Lobo (vencida pelas razões constantes do voto que anexo).
Processo n.º 167/18

VOTO DE VENCIDA

Não acompanho a decisão que obteve vencimento e consideraria que a sentença recorrida fez uma adequada interpretação da lei aplicável no caso concreto, não enfermando dos vícios que lhe eram apontados, o que deveria ter determinado a sua confirmação, pelos fundamentos que passo a indicar:

A oponente, no decurso de uma acção inspectiva fez juntar a esse procedimento uma procuração outorgada a advogado a quem conferia os mais amplos poderes forenses em direito permitidos para o representar junto de qualquer entidade pública ou privada, judicial ou outra, nomeadamente junto da AT, em qualquer processo ou assunto em que seja parte e ainda para solicitar certidões ou cópias de elementos processuais e receber custas de parte, em sua representação.

Nos termos do art.º 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário nos procedimentos tributários, as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário são feitas na pessoa deste, por carta registada, dirigida para o seu escritório. Para que uma notificação de um acto em matéria tributária que afecte os direitos e interesses legítimos dos contribuintes produza efeitos em relação a estes é necessário que lhes sejam validamente notificados, art.º 36.º do Código de Processo e Procedimento Tributário. Os referidos artigos estão integrados, do ponto de vista da sistemática daquele código, no seu Título I – Disposições gerais, Capítulo II - Dos sujeitos procedimentais e processuais, Secção IV – Dos actos procedimentais processuais, subsecção III – Das notificações e citações. Integrados como estão nas disposições gerais hão-de aplicar-se transversalmente a todas as relações procedimentais e processuais de natureza tributária que se venham a estabelecer entre a Administração Tributária e os contribuintes, a menos que, alguma norma expressamente afaste a sua aplicação.

Assim, estabeleceu-se um princípio simples, claro, de fácil execução mediante o qual quando os contribuintes constituírem mandatário passarão a ser notificados na pessoa deste e só serão, também, alvo de notificação, a par da notificação ao mandatário constituído que passa a ser imprescindível em todas as situações até à revogação do mandato, ou renúncia ao mandato, quando a notificação se destine a chamar o interessado para a prática de ato pessoal.

A razão de ser de tal estatuição facilmente se percebe tendo em conta a complexidade técnica das relações jurídico tributárias e o direito dos cidadãos de se fazerem acompanhar na sua relação com a administração em geral de um advogado que os aconselhe sobre a melhor forma de cumprir e fazer cumprir a lei, art.º 67.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.

Sendo, frequente que a notificação pessoal das pessoas singulares e colectivas possa apresentar dificuldades por um variado leque de razões, a notificação aos mandatários é, por regra, ausente de contratempos por ser efectuada para o domicílio profissional destes, pelo que, a constituição de mandatário num procedimento tributário só pode ser vista pela Administração Tributária como um meio facilitador de contacto com o contribuinte.

Além disso, e de particular relevância jurídica, o Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece, no seu art.º 66.º que: «O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.» e, nos termos do disposto no art.º 20, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa" Todos têm direito, nos termos da lei, (…) a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade". Tal preceito constitucional por respeitar a direito fundamental dos cidadãos, é diretamente aplicável e vinculativo para as entidades públicas e privadas, só sendo passível de restrição nos casos expressamente previstos na Constituição, e limitado ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, por força do disposto no art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa.

Este direito de fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade não se cumpre quando numa qualquer circunstância se não admite que um contribuinte se possa fazer representar por um advogado perante a administração tributária como ocorre quando esta lhe notifica um concreto acto de liquidação, mesmo que, depois, seja livre de consultar um advogado. A situação sub judice é uma mostra clara da diferença das duas situações. Se a constituição de mandatário efectuada no procedimento de inspecção tiver que ser respeitada na notificação do acto de liquidação que nela se fundamenta, a notificação constante dos autos é inválida. Para a exigibilidade do tributo haverá que repetir-se a notificação do acto de liquidação que só surtirá efeito se for feita dentro do prazo de caducidade. Uma e outra solução não são indiferentes, ainda que a notificação ao mandatário, nestas situações, não implique qualquer sacrifício insuportável para o erário público e, se ritualizado, possa mesmo converter-se em ganho de eficiência.

Na situação sub judice, no decurso de uma acção inspectiva o contribuinte constituiu mandatário a quem conferiu amplos poderes forenses e comunicou tal circunstância à Administração Tributária que, ao que se sabe dos autos, nenhuma dúvida suscitou quanto a essa procuração e à sua validade. Sabe-se que, pelo menos o relatório final da acção inspectiva foi notificado a esse mandatário e, sem que haja notícia de revogação ou renúncia ao mandato a Administração Tributária entendeu que os actos de liquidação que foram produzidos com base nos dados recolhidos nessa acção inspectiva deveriam ser apenas notificados ao contribuinte.

Vê-se, pela argumentação da Representante da Fazenda Pública neste recurso e na decisão que logrou vencimento que se encontra uma cisão no procedimento de liquidação de que aquela acção inspectiva não faria parte, antes sendo um procedimento autónomo. O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes, art.º 59.º, n.º 1, 1ª parte do Código de Processo e Procedimento Tributário e culmina com o acto de liquidação que pode ser um só ou vir a ser acompanhado de um ou mais actos de liquidação adicional ou correctiva, podendo encerrar subprocedimentos vários de que as acções inspectivas são apenas um exemplo. As acções inspectivas não existem por si mesmas, são acções preparatórias da liquidação dos tributos, tendo como objectivo verificar a regularidade da situação tributária pelo que, se apurarem que as declarações de imposto apresentadas pelo contribuinte não enfermam de qualquer erro, não darão lugar a um acto de liquidação adicional de imposto, mas, na situação inversa, em que haja sido constatado que as declarações de imposto apresentadas pelo contribuinte enfermam de erros que conduziram a um apuramento de imposto inferior ao devido conduzem inelutavelmente a um acto de liquidação adicional. Assim, sempre a acção inspectiva é uma fase do procedimento de liquidação de imposto, mais amplo que aquela, mas que dela recebe todos os elementos, e, com eles a procuração que lhe foi junta pelo contribuinte e que converteu este, nesse procedimento de liquidação de imposto, num interessado que constituiu mandatário para efeitos do disposto no art.º 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.

O acto de liquidação põe termo ao procedimento de liquidação globalmente considerado que se iniciou com as declarações do contribuinte ou, na falta ou vício destas com base nos elementos de que disponha ou venha a dispor a entidade competente, art.º 59.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, e compreende acções preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos, ou de confirmação dos factos tributários declarados e todos os demais actos dirigidos à declaração dos direitos tributários, art.º 44.º do Código de Processo e Procedimento Tributário que indica ainda, no seu n.º 2 que: «As acções de observação das realidades tributárias, da verificação do cumprimento das obrigações tributárias e de prevenção das infracções tributárias são reguladas pelo Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.». Creio ser este, também, o sentido da jurisprudência do STA: «O procedimento administrativo de liquidação tributária é constituído por uma série de actos, combinados entre si, destinados a obter um resultado jurídico final, ou seja, o montante do imposto que o contribuinte tem de entregar nos cofres do Estado». «A liquidação é a fase que se traduz na aplicação da taxa do imposto a matéria colectável já determinada, culminando com a determinação da quantia que se tem de entregar ao Estado». (acórdão do STA de 24-9-2008, processo n.º 0342/08) citando o de 13-4-1988, processo n.º 5332, publicado em Ciência e Técnica Fiscal, n.º 351, página 510).

Da regulamentação autónoma – Regime Complementar do Procedimento de lnspecção Tributária – da inspecção tributária não resulta que ela seja mais que uma acção preparatória ou complementar da liquidação dos tributos e faça parte do procedimento tributário. Nem a circunstância de ter previsto um rito próprio, com regras próprias, início e termo lhe atribuem uma natureza independente do procedimento tributário.

Não se trata aqui de exigir que a Administração Tributária tendo recebido neste procedimento de liquidação de imposto uma procuração outorgada pelo contribuinte a mandatário centralize esse dado, e, em todos os demais contactos com o contribuinte, a propósito deste imposto ou de qualquer outro, hoje e até à eternidade, tenha de o notificar na pessoa deste mandatário. Tal seria excessivo e inconciliável com o disposto no art.º 5.º do Código de Processo e Procedimento Tributário e art.º 44.º e 45.º do Código de Processo Civil, aqui subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no art.º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.

Porém, nesta situação, e, no âmbito dos impostos que eram objecto da acção inspectiva não é possível considerar, suportados num argumento razoavelmente lógico que a procuração foi emitida apenas para a representação do contribuinte na acção inspectiva e não, também para o procedimento de liquidação de imposto em que ela se integra quando entre o termo da inspecção e a liquidação não há qualquer outro acto administrativo, pelo que, se se entender que os actos que precedem o acto de liquidação não fazem parte do procedimento de liquidação, terá de se concluir que não há nenhum procedimento (sequência de actos).

Além disso, nem parece ser razoável que a constituição durante um procedimento de inspecção não releve para o acto de liquidação que é o único acto impugnável e, na tese que logrou vencimento, o único para o qual parece ser impossível constituir mandatário. A Constituição da República Portuguesa garante que todos os cidadãos, em qualquer circunstância, se podem fazer representar por advogado, o que não pode deixar de abarcar a presente situação.

Mesmo que se admita que a lei processual não é clara a este propósito e se não queira invocar os preceitos constitucionais supra mencionados bastaria o princípio pro actione, corolário do direito à tutela judicial efectiva enunciado no artigo 7.º do CPTA «Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas», para optar pela interpretação adoptada na sentença recorrida que é a que, em conformidade também com os preceitos constitucionais, melhor garante os direitos dos contribuintes nesta matéria.

Em minha opinião a interpretação restritiva dada ao art.º 40.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário, no sentido de que a constituição de mandatário durante o procedimento de inspecção não impõe que lhe seja notificado o acto de liquidação que se fundamenta na decisão final de tal procedimento enferma, pois, de vício de inconstitucionalidade.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º n.º 5 do Código de Processo Civil, ex vi art.º 2º do Código de Procedimento e Processo Tributário).

Ana Paula Lobo