Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0500/05.6BUPRT
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS
Sumário:I - De conformidade com o disposto no nº 2 do art. 284º do CPPT a decisão sobre o mérito da pretensão deduzida é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
III – Não logrando a Recorrente identificar com precisão qual a questão de direito sobre a qual foram perfilhadas soluções opostas nos dois arestos em confronto, pois limita-se a transcrever o entendimento vertido em cada um deles e revelar o destino diverso adoptado, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no arts. 284º do CPPT - e no 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que inviabilizada está a possibilidade de tomar conhecimento do mérito do recurso.
IV- O que ocorre no caso concreto, porquanto, visualizando o Acórdão apontado como fundamento pela recorrente, constata-se que segue o entendimento de que estamos, além do mais, perante uma questão nova e não apreciada na 1ª instância ou, pelo menos, nos termos em que ela foi colocada nas alegações de recurso que lhe foi dirigido e, nessa medida, não tomou dela conhecimento, o que acarreta que, fosse qual fosse o sentido do acórdão de uniformização de jurisprudência em relação à primeira questão, sempre o mesmo careceria de efeito útil sobre o caso concreto, uma vez que não seria suficiente para a revogação do acórdão recorrido, o qual sempre se manteria na parte em que anulou o ato tributário com base na invalidade de um dos critérios utilizados na quantificação da matéria tributável (taxa de rentabilidade).
Nº Convencional:JSTA000P28585
Nº do Documento:SAP202111240500/05
Data de Entrada:05/26/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:Z............
Votação:
UNANIMDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1.– Relatório

A Fazenda Pública, vem, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 28/01/2021, em que é Impugnante o Z…………, melhor sinalizado nos autos, por ter manifestado entendimento contrário ao que foi perfilhado no acórdão da Secção de Contencioso Tributário do TCA Norte de 07 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 17/14.8BUPRT, e que se invoca como fundamento, no âmbito da opção pelo critério de quantificação da matéria tributável por métodos indiretos relativamente ao período tributável de 1999.

Inconformada, formulou a recorrente Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

a) Tendo, o acórdão recorrido (datado de 01 de fevereiro de 2021, no processo n.º 500/05.6BUPRT) e o acórdão fundamento (de 07 de fevereiro de 2020, proferido pelo TCAN no processo n.º 17/14.8BUPRT), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base na mesma situação fácticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adotada no acórdão fundamento, porquanto,
b) se verifica a identidade de situações de facto, nos seus contornos essenciais, já que, os arestos (recorrido e fundamento) decorrem da mesma ação inspetiva e, como tal, com a mesma factualidade, distinguindo-se apenas quanto às liquidações em causa.
c) Do mesmo modo, verifica-se também a identidade da questão de direito, uma vez que, em ambos os acórdãos, foi, em concreto, decidida a mesma questão de direito, ou seja, a fundamentação do critério de quantificação utilizado pela AT para as correções efetuadas.
d) No acórdão recorrido, o douto tribunal considerou que a AT não tinha fundamentado o critério de quantificação utilizado, de modo a que permitissem ao sujeito passivo ficar a conhecer o processo lógico que estava subjacente à correção tributária.
e) Não estando justificada a utilização do critério conducente à fixação da margem bruta sobre os custos de 146,8% para o ano de 1999.
f) Ou seja, considera que não foi apresentado de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que haviam permitido fixar o critério de quantificação da matéria tributável.
g) Igual conclusão é subjacente à aplicação da taxa de rentabilidade de 15% para os exercícios de 1999 e 2000.
h) Sendo que, para o acórdão fundamento, a AT atuou corretamente, tendo em consideração a inexistência de motivo para que a margem praticada pelo sujeito passivo fosse diferente, uma vez que laborou normalmente nos dois exercícios.
i) Assim, assinalados os critérios e pressupostos utilizados na avaliação da matéria tributável, recaía sobre a Impugnante o ónus probandi de que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
j) Desta forma, o acórdão fundamento, contrariamente ao entendimento vertido nos presentes autos, considerou como devidamente fundamentada a aplicação da margem de 146,8%.
k) A fixação da margem de 146,8%, fica justificada, de forma objetiva e pormenorizada, tendo em conta a equiparação da atividade comercial do ano 2000 ao ano de 1999.
l) Ou seja, não se tendo provado que o sujeito passivo havia labora de forma distinta nos dois exercícios, o critério escolhido de aplicar a margem a que se chegou no ano de 2000, para o ano de 1999, encontra-se devidamente fundamentado e justificado.
m) Face ao exposto, resulta evidente a identidade de situações de facto, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à mesma questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a necessidade de uniformização jurisprudencial aqui invocada.
n) Assim, sendo certo que o acórdão recorrido perfilha – perante igual entendimento fáctico e jurídico – entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento [sufragado no acórdão recorrido] não pode prevalecer.
o) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo TCA Norte no processo n.º 500/05.6BUPRT.
p) Desta forma, deve ser proferido acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.
Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido acórdão que decida no sentido preconizado no acórdão fundamento, assim se fazendo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objetiva, JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não se mostrarem reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, com a seguinte argumentação:

I. Objecto do Recurso de Uniformização de Jurisprudência.
1. O presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 284ºdo CPPT, com a alegação de que o acórdão recorrido se encontra em oposição com o acórdão do TCA Norte de 07/02/2020, proferido no processo nº 17/14.8BUPRT, na solução que perfilharam sobre a questão de saber se “A Administração Tributária (doravante AT) apresentou fundamentação suficiente quanto à opção pelo critério de quantificação da matéria tributável por métodos indiretos relativamente ao período tributável de 1999».
1.1 Para tanto alega a Recorrente que enquanto no acórdão recorrido entendeu que «a AT não fundamentou de forma suficiente e clara os elementos comprováveis e aptos para sustentar o critério de quantificação utilizado, que permitissem ao sujeito passivo ficar a conhecer o processo lógico que estava subjacente à correção tributária» e especificamente em relação «à taxa de rentabilidade de 15% fixada pela AT para os exercícios de 1999 e 2000»,
1.2 Já no acórdão fundamento se considerou que «a AT atuou corretamente considerando como critério a aplicação da margem a que se chegou para o ano de 2000 no ano de 1999, tendo em consideração que a inexistência de motivo para que a margem praticada pelo sujeito passivo fosse diferente, uma vez que laborou normalmente nos dois exercícios» e que «assinalados os critérios e pressupostos utilizados na avaliação da matéria tributável, recaía sobre a Impugnante o ónus probandi de que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada».
1.3 E que «o acórdão n.º 17/14.8BUPRT, contrariamente ao entendimento vertido nos presentes autos, considerou como devidamente fundamentada a aplicação da margem de 146,8%. Considera, ainda, ser evidente da leitura do relatório de inspeção os cálculos e apuramentos que conduziram à fixação da margem de 146,8%, justificando de forma objetiva e pormenorizada, a equiparação da atividade comercial do ano 2000 ao ano de 1999».
1.4 Mais alega a Recorrente que «o acórdão recorrido perfilhou, de forma expressa, solução diametralmente oposta à do acórdão fundamento», pelo que «resulta evidente tratar-se da mesma factualidade, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à questão de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a necessidade de uniformização jurisprudencial aqui invocada».
1.5 E termina pugnando pela confirmação do entendimento sufragado no acórdão fundamento e pela revogação do acórdão recorrido.
2. DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO EM CADA UM DOS ACÓRDÃOS.
2.1 No acórdão recorrido atendeu-se ao decidido em 1ª instância em que «O Meritíssimo juiz a quo considerou que a utilização do critério conducente à fixação da margem bruta sobre os custos de 146,8% inquinou o acto tributário sindicado (liquidação adicional de IVA respeitante ao exercício de 1999) de «vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, já que o critério utilizado para quantificar a matéria tributável não é adequado à conclusão alcançada, nem constitui “uma forma válida de aproximação à realidade” que indique “de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da actividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente». Nesses termos, considera-se procedente o vício invocado, que é de violação de lei, designadamente, do disposto nos artºs 77º, nº 4 e 90º da LGT,…».
2.1.2 Para assim entender no acórdão recorrido o TCA (citando o acórdão do mesmo tribunal de 25/09/2008, proc. 00105/00) considerou que «Nesta sede de avaliação indirecta, o ónus que impende sobre a Administração Tributária, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda, que, simultânea e complementarmente, fundamente, adequada e criteriosamente, as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que vier a quantificar».
2.1.3 Mais se entendeu que «De forma alguma se pode considerar adequado e justificado um critério de determinação da matéria tributável para um determinado ano, que se limite a extrapolar cegamente dados de outro ano, sem sequer aferir se no ano para o qual se extrapolam os dados ocorreram circunstâncias especiais que eventualmente pudessem ser condicionadoras da determinação da matéria tributável».
2.1.4 Considerou-se a este propósito que a fundamentação da AT revela incongruência, «pois se a margem efectivamente declarada pela Impugnante no exercício de 2000 é inferior à do ano de 1999, tal não poderá deixar de constituir um indício de que a Impugnante, ao contrário do que a Administração Tributária advoga, não terá laborado de forma idêntica nos dois exercícios».
2.1.5 Concluiu-se, assim, no acórdão recorrido que «… o critério utilizado para quantificar a matéria tributável, no que respeita à margem s/ CEVC de 146,8%, não está fundamentado em elementos de facto possíveis e comprováveis, aptos a suportar a conclusão alcançada pela Administração Tributária»
2.1.6 E acrescentou-se: «Acresce, quanto à margem de rentabilidade fixada pela Inspecção Tributária, de 15%, e sem embargo das boas intenções manifestadas em prol de se beneficiar o contribuinte, que a utilização daquela margem não se encontra minimamente sustentada».
2.1.7 Tendo o acórdão recorrido adotado o entendimento sufragado no acórdão de 20/02/2020, proferido no processo nº 522/05.7BUPRT (tendo por objecto situação similar, mas relativa ao ano de 2000), onde se deixou exarado que: «A questão que efetivamente se mostra arbitrária na sua assunção como valor para calcular os custos omitidos pelo s.p., com vista a obter rentabilidade mais próxima da realidade é exatamente o ter fixado em 15% sem justificar de forma clara e objetiva a razão de quedar-se por esse valor. Seria, pois, necessário explicitar factualmente que segundo as regras da experiência e dados obtidos pela AT este valor de 15% é o valor que se aproxima da realidade da atividade em causa. Ora, em nenhum momento do procedimento é feita qualquer justificação para o valor de 15% apenas se diz “parece ser mais razoável”, até poderá ser, mas importa explicar como se chega a esse valor, para que qualquer pessoa, objetivamente, possa compreender e sindicar a razoabilidade do valor encontrado».
2.2 Por sua vez no acórdão fundamento, no que respeita à fundamentação da margem do CEVC, considerou o TCA que «A demonstração efectuada afigura-se bastante objectiva e pormenorizada. Nessa situação competia ao Impugnante demonstrar os factos que apontam no sentido da alegada inadequação da margem apurada ao caso da empresa sob inspecção. A Impugnante não se esforçou minimamente por juntar aos autos quaisquer elementos que permitam ao Tribunal acompanhar a sua tese. Por isso, ficou sem se perceber por que razão entende que aquela margem é irreal, teórica e desfasada da actividade exercida pela Impugnante no ano 1999, sendo certo que a AT afirmou que essa era a margem que resultava dos elementos contabilizados no ano 2000 e que não tinha havido qualquer alteração das condições de exercício de actividade relativamente ao ano anterior, pelo que não se justificava fazer idêntica análise das compras do ano 1999».
2.2.1 Mais se entendeu que «….«Acresce que a Recorrente vem suscitar questões novas, não alegadas na p.i., que respeitam, por um lado, à violação do artigo 90.º da LGT, por falta de aplicação do critério de quantificação previsto na alínea a) do seu n.º 1, e, por outro lado, à violação dos artigos 58.º e 59.º da LGT (princípios do inquisitório e da colaboração).
Com efeito, sobre a rentabilidade fiscal aplicada de 15%, no articulado inicial, apenas foi alegado o vício de forma por falta de fundamentação […..], o qual foi objeto de apreciação na sentença recorrida nos moldes já supra aludidos, tendo a Recorrente abandonado tal questão no presente recurso (pois que sobre ela e o correspondente julgamento nada refere, quer nas conclusões quer nas alegações de recurso).
E, relativamente aos rácios da AT para o setor, no ano de 1999, na petição inicial apenas invoca preterição de formalidades legais, por violação do n.º 6 do artigo 60.º da LGT (…), a qual também foi apreciada na sentença recorrida, em moldes que não mereceram qualquer censura ou comentário no presente recurso.
Está, pois, bom de ver que as questões da violação do artigo 90.º da LGT e dos artigos 58.º e 59.º da mesma lei, não foram suscitadas na petição inicial, nem foram objeto de apreciação na sentença recorrida.
É sabido que, por força do princípio do dispositivo, o tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigo 608.º, n.º 2 CPC vigente)….. Limitados nestes termos os poderes de cognição do Tribunal e não podendo as enunciadas questões ser oficiosamente conhecidas, está vedada a respetiva apreciação no presente recurso.
2.2.3 Concluiu-se, assim, que «O critério utilizado pela AT está perfeitamente fundamentado, como resulta do relatório da fiscalização e da acta da deliberação da Comissão de Revisão. O cálculo efectuado pela Fiscalização assenta, como se disse, na objectividade dos números constatados e dos métodos utilizados (que estão demonstrados e estão apoiados nos próprios dados recolhidos dos documentos da recorrida e nas entidades com as quais se relacionava). Caberia, então, à recorrida, como também se disse, provar que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das regras apontadas pela Fiscalização, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada. Mas a recorrida não logrou provar a existência de erro na quantificação assim efectuada e nem sequer demonstrou factos (prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) a razoabilidade do critério utilizado (inexistindo, assim, fundamento jurídico para a aplicação do regime do art. 121° do CPT). Nem da documentação por si apresentada (essencialmente aquela que a Fiscalização já tinha recolhido), nem dos depoimentos das testemunhas se pode concluir por tal dúvida».
II. QUESTÃO PRÉVIA DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
1. Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo
2. Ora, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que não se mostram reunidos os referidos requisitos, sendo certo que a Recorrente não logra identificar com precisão qual a questão de direito sobre a qual foram perfilhadas soluções opostas nos dois arestos em confronto, pois limita-se a transcrever o entendimento vertido em cada um deles e revelar o destino diverso adotado.
3. Não oferece dúvidas que as situações de facto são similares, pois ambos os arestos pronunciam-se sobre a fundamentação vertida no mesmo relatório dos Serviços de Inspeção e que serviu de suporte ao ato tributário, num caso relativo ao IVA (acórdão recorrido) e noutro ao IRC (acórdão fundamento), ambos referentes ao exercício de 1999.
4. E também é certo que ambos se debruçam sobre a validade, formal e substancial, da fundamentação invocada pela Administração Tributária para proceder à quantificação da matéria tributável (já que sobre a validade dos pressupostos de recurso à avaliação indireta não foram anotadas divergências).
5. Todavia também é certo que nessa avaliação o TCA recorre a juízos de facto sobre os elementos carreados para os autos pela Administração Tributária, cuja sindicância está vedada a este tribunal, que, como tribunal de revista, conhece apenas de direito.
6. Por outro lado, embora ambos os arestos apreciem a validade da margem do CEVC apurada pela Administração Tributária (146,8%) com base nos dados do exercício de 2000 e a sua aplicação ao exercício de 1999, revelando entendimentos díspares, também é certo que apenas no acórdão recorrido o TCA aprecia a validade da taxa de rentabilidade fixada pela AT em 15%, decidindo-se pela sua falta de fundamentação, já que no acórdão fundamento o TCA entendeu tratar-se de questão nova e não apreciada na 1ª instância, ou pelo menos nos termos em que ela foi colocada nas alegações de recurso que lhe foi dirigido, e nessa medida não tomou dela conhecimento.
7. Assim sendo, fosse qual fosse o sentido do acórdão de uniformização de jurisprudência em relação à primeira questão, sempre o mesmo careceria de efeito útil sobre o caso concreto, uma vez que não seria suficiente para a revogação do acórdão recorrido, o qual sempre se manteria na parte em que anulou o ato tributário com base na invalidade de um dos critérios utilizados na quantificação da matéria tributável (taxa de rentabilidade).
8. Entendemos, assim, que não se mostram reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, não só por a Recorrente não ter identificado devidamente qual ou quais as questões em que os arestos perfilharam soluções distintas, como também pelo facto de nem todas as questões relativas à quantificação da matéria tributável terem sido apreciadas nos dois arestos em confronto, o que inviabiliza a produção de efeitos úteis no caso concreto de acórdão de uniformização de jurisprudência.
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Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A). A Impugnante foi objecto de acção inspectiva, relativa aos períodos de 1999 e 2000, cf. Relatório da Inspecção Tributária de fls. 1 a 17 do Processo Administrativo (PA).
B). Foi seguidamente elaborado o respectivo Relatório, que se encontra junto a fls. 1 a 183 do PA, e aqui se dá por integralmente reproduzido, bem como os seus anexos, do qual consta o seguinte:

[Imagem]

C). Em 30-04-2003, e após pedido de revisão da matéria tributável, o Director de Finanças de Aveiro manteve os valores apurados em sede de inspecção tributária, tendo aplicado um agravamento à colecta no valor de €5.000, cfr. teor do doc. de fls. 252 a 301 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
D). A Impugnante foi notificada para o pagamento das seguintes liquidações, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 31-08-2003:

[Imagem]

Cfr. teor dos docs. de fls. 12 a 24 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
E). A presente impugnação foi apresentada no SF de Feira 4 em 24-10- 2003, cf. teor de fls. 2 dos autos.
III-B-Factos não provados
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A factualidade supra referida, foi apurada com base nos documentos juntos aos autos e no Processo Administrativo apenso.
Não se valorizou os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas, já que, quanto ao exercício de 1999, que é o que se encontra aqui em análise, não existem factos relevantes para a decisão a proferir que decorram daqueles depoimentos, v.g., o depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, cujo depoimento não poderá ser tido em consideração para colmatar factos não mencionados no relatório da inspecção tributária, que é o acto administrativo aqui em apreciação e cuja fundamentação não pode ser preenchida “a posteriori”, através do depoimento do inspector tributário que o elaborou. Quanto às testemunhas arroladas pela Impugnante, o depoimento prestado pelas mesmas também não aproveita aos factos relevantes para aferir a legalidade das liquidações impugnadas, do ano de 1999.»
Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 281º do CPPT, acorda-se em aditar ao probatório o seguinte facto que resulta provado com base no teor do relatório de inspecção tributária, a fls. 1 a 183 do processo administrativo tributário apenso:
F). Em resposta ao direito de audição, consta do ponto IX do Relatório de Inspecção Tributária “Direito de Audição – Fundamentação”, o seguinte: “(…) No critério escolhido para o exercício de 2000, efectuou-se um levantamento exaustivo das compras por produtos, mas poderia não ter sido feito. Esse foi apenas um meio para se chegar à margem efectivamente praticada pelo sujeito passivo, mas poderia ter sido aplicado outro critério. No exercício de 1999, o critério escolhido foi aplicar a margem a que se chegou no ano de 2000, pois não havia motivo para que a margem praticada pelo sujeito passivo fosse diferente, uma vez que laborou normalmente nos dois exercícios. (…)
3 - Alega ainda que foi considerada uma rentabilidade fiscal de 15%, e porque não de 2%, 5%, 12%, 20%, 25%, 30%?
É simples, cerca de 30% foi a rentabilidade a que se chegou naturalmente em resultado dos critérios adoptados. No entanto, atendendo ao facto de neste tipo de actividade poderem existir alguns custos não reflectidos na contabilidade, procurou-se beneficiar o contribuinte, considerando alguns desses, donde resultou uma rentabilidade de 15%, inferior àquela e à que resultaria se o lucro tributável fosse determinado de acordo com o regime simplificado (20%). Contudo, se esta situação desagrada assim tanto ao sujeito passivo, poderá sempre utilizar-se a rentabilidade inicialmente apurada.”

No acórdão fundamento proferido no processo n.º 017/14.8BUPRT, do TCAN, foram dados como provados os seguintes factos:

1. A Impugnante, "A., Lda", tem como objecto social a exploração do restaurante "A." localizado na esplanada à beira mar, na cidade de (...)" — fls. 2 do Relatório de fls. 3 da PA apenso no TCAN;
2. Em 11/12/2002 a AT elaborou "Relatório de Inspecção Tributária" onde apurou correcções à matéria tributável de IRC e correcções ao IVA dos anos de 1999 e 2000 fazendo aplicação de métodos indirectos de avaliação - fls. 1 do Relatório de fls. 3 da PA apenso no TCAN;
3. Do referido Relatório consta que a AT decidiu recorrer a métodos indirectos de avaliação com base nos seguintes motivos reportados ao ano de 1999:
a) - "as existências finais do exercício de 2000 mais do que duplicaram em relação ao ano anterior, não havendo qualquer justificação plausível para o facto, uma vez que a empresa iniciou a actividade em 1994, encontrando-se já numa situação de exploração estabilizada";
b) - "as margens sobre o preço de custo relativas à restauração (77,6%) estão aquém do considerado normal neste tipo de actividade";
c) - "as rentabilidades fiscais (3,6%) apresentam valores muito baixos"
d) - "em relação aos inventários (anexo 1 e 2) é notória a falta de rigor com que os mesmos foram elaborados (...) por um lado foram mencionadas quantidades exageradamente elevadas para os produtos inventariados e, por outro, não foram elencados produtos básicos como o café, águas ou refrigerantes";
e) - "os apuros registados até Maio de 1999, inclusive, não têm qualquer fita de máquina como suporte documental" e "não incluem as prestações de serviços sem factura";
f) - a partir de junho de 1999 existem fitas de computador com os totais diários registados (...) lançados na contabilidade. No entanto, existem dias em que somando as facturas, os valores destas ultrapassam por si só o montante da fita registado na contabilidade". Exemplificativamente isso verificou-se nos dias 4, 17, 18, 19, 20 e 24 de Dezembro de 1999;
g) - "em Dezembro de 1999, embora o apuro mensal s/IVA fosse de 9.987.527$00 (anexo3), foi registado nas prestações de serviços um montante de 14.972.263$00 (anexo 5) ...não havendo qualquer documento de suporte que justifique essa diferença";
h) - "no exercício de 1999 verificou-se que os depósitos nas várias contas bancárias juntamente com os cartões (excluindo transferências entre contas) ultrapassam o volume de negócios com IVA (...) Assim, o total dos movimentos financeiros ascendeu a 154.040.661$00 quando o total dos proveitos com IVA (incluindo a venda de imobilizado) totaliza apenas 145.513.751$00"
i) - "numa grande parte dos dias de Dezembro de 1999 (2, 4, 5, 6, 9, 13, 15, 18, 19, 20, 22, 29 e 30) o pagamento com cartões foi superior ao registado na contabilidade";
j) - "existem facturas que continuam (deveriam continuar) na página seguinte. No entanto essa página não existe (...) não se sabendo o montante das parcelas que faltam" (anexo 8);
k) - "há facturas que não foram somadas, como por exemplo a factura 103521 do dia 19/3/99 (anexo 9) ";
l) - "existem facturas com a menção «2a via» (mas que não se referem a factura a que se reportam) as quais não foram somadas (exemplo em anexo 10) ";
m) - "existem facturas que não foram somadas pelo facto de estarem riscadas (documento exemplificado em anexo 11). No entanto, o risco foi efectuado na cópia pois o original não existe";
n) - "os empréstimos de sócios não têm qualquer documento de suporte aos seus movimentos. No entanto, quando são efectuados os lançamentos para pagamento desses suprimentos, existem documentos bancários de transferências para as contas dos sócios (extracto e documento exemplificativo em anexo 12) ";
"A conjugação desses factos, indicam haver indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido, pelo que não sendo possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação do lucro tributável propõe-se que para os exercícios de 1999 (...) o mesmo seja determinado por métodos indirectos, nos termos do disposto nos artigos 52º do Código do IRC e 90º da Lei Geral tributária, por força do disposto no artigo 51º do Código do IRC e dos artigos 87º e 88º da Lei Geral Tributária" — fls. 3 a 7 do Relatório apenso no TCAN;
4. Quanto aos critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, consta do ponto V do Relatório que: "Tendo em conta que a margem declarada no exercício de 2000 é inferior à do ano anterior, foi seleccionado aquele, para se proceder à recolha dos elementos necessários.
Neste sentido, foram repartidas por produtos ou grupos de produtos as compras de mercadorias efectuadas nesse ano, conforme mapas de trabalho em anexo 14. Seguindo a mesma metodologia, foram efectuados os mesmos grupos relativamente aos inventários iniciais (anexo 1) e final (anexo 2).
A partir desses dados foi elaborado o mapa seguinte:

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Aguas/Refrigerantes/Cerveja/Café/Chá: Como se pode verificar, em todos eles as compras identificam-se com o consumo, uma vez que não há existências! As respectivas vendas foram determinadas directamente neste mapa;
Bebidas Alcoólicas: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 15;
Vinhos: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 16;
Entradas: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 17;
Pratos de Marisco: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 18;
Pratos de Peixe: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 19;
Pratos de Carne: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 20;
Sandes: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 21;
Pão: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 22;
Sopa: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 23;
Sobremesas: Valor das vendas calculado no mapa em anexo 24;
Preços de venda:
Os preços utilizados foram fornecidos pelo sujeito passivo, conforme tabelas em anexo 25.
Nos produtos não incluídos nessas tabelas, os respectivos preços foram retirados directamente das facturas de venda nos meses de Março e Dezembro de 2000.
Autoconsumo:
a) IVA Regularizações:
(...)
b) Dedução ao volume de negócios
Para efeitos de IRC, as refeições dos empregados serão calculados ao preço de venda das mesmas, ou seja, 1.300$ correspondente ao valor do prato (considerou-se o valor dos pratos mais económicos uma vez que na determinação dos consumos, houve produtos que se considerou serem quase exclusivamente para consumo dos empregados (80%) não tendo entrado na determinação do número de refeições, vidé frango com miúdos e barriga), 420$/sopa, 220$/ bebida, 140$/ café e 120$/2 pães, 300$ / sandes (lanche), totalizando 2.500$ por dia por empregado. Multiplicando esse valor pelo número de refeições diárias de 19 (trabalhadores) e pelos dias de trabalho de 287 por ano),obtemos o seguinte montante: 2.500$ x 19x 287 dias = 13.632.500$.
Assim, ao montante das prestações de serviços calculado para o exercício de 2000 de 269.391.622$, vai ser retirado o valor do autoconsumo de 13.632.500$, resultando um valor de 255.759.122$, imposto incluído à taxa de 12% (taxa aplicável às prestações de serviços de alimentação e bebidas). As prestações de serviços correspondentes sem IVA ascendem assim a 228.356.359$, que comparadas com as declaradas, apresentam a seguinte diferença:

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a) Excluindo as vendas de tabaco
Assim, a margem bruta obtida para este segmento da actividade no exercício de 2000, será:

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a) Excluindo as compras de tabaco
b) Existências finais declaradas de 30.961.524$ - Correcção ao inventário de 12.228.2651 (Conforme mapa em anexo 26, de acordo com as existências finais consideradas para os "vinhos" e "bebidas alcoólicas').
Tabaco: Relativamente ao tabaco, não será efectuada qualquer correcção, em virtude de se ter verificado que a margem anual evidenciada na contabilidade era a normalmente praticada relativamente a este tipo de produto.
Exercício de 1999
Tendo em conta que as anomalias detectadas são iguais às verificadas em 2000, não se justificando por isso que fosse efectuado um levantamento exaustivo das compras tal como foi feito para o ano seguinte, ao Custo das Existências Vendidas e Consumidas deste exercício, vai ser aplicada a margem bruta calculada para o ano de 2000, ou seja:

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TABACO
Neste exercido não foi declarada qualquer venda de tabaco.
Deste modo o lucro tributável corrigido nos dois exercidos é o seguinte:

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a) As existências finais de 2000 foram reduzidas em 1.. C.E.e consequentemente o V. aumentou, pelo que os custos são superiores.
A estes resultados correspondem as seguintes taxas de rentabilidade fiscal:

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Face às taxas de rentabilidade fiscal apuradas em ambos os exercícios, parece razoável presumir também custos omitidos pelo sujeito passivo, de modo a obter rentabilidades mais próximas da realidade. Mesmo sabendo que o "Regime Simplificado de Tributação" tem por base um coeficiente de 0,2, aplicável também ao sector de "alojamento e restauração" (art. 53° n°6 do Código do IRC), será utilizado um coeficiente de 15% (5 pontos abaixo daquele e cerca de metade dos calculados), de modo a não penalizar o sujeito passivo.
Assim, considerando a fórmula da rentabilidade fiscal, ou seja, RF = Lucro Tributável / Volume Negócios para que a mesma seja de 15%, o lucro tributável será:

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Consequentemente, os custos presumidos, serão os seguintes:

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Em sede de IVA ( ...)" - fls. 7 a 13 do Relatório;
5. Em resposta ao direito de audição, consta do ponto IX do Relatório: "DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
Nos termos previstos no artigo 60° da Lei Geral Tributária e artigo 60° do Regime Complementar de Procedimentos da Inspecção Tributária, o projecto de conclusões do relatório de inspecção foi enviado ao sujeito passivo através de carta registada em 22/11/2002 (Oficio n°8313808, de 21/11/2002), tendo o mesmo exercido o seu direito de audição por escrito (Entrada n° 19900 de 09/12/2002, em anexo 29).
Relativamente ao mesmo, cumpre informar o seguinte:
1- Ao longo dos primeiros 17 pontos do direito de audição, o sujeito passivo demonstra um conhecimento profundo das normas tributárias, uma ver que enuncia os diversos dispositivos legais, que devem nortear a actuação da Administração Tributária. Contudo, logo depois afirma que "não foi efectuado exame à escrita com referência ao ano de 1999" e que "se nada se viu como é possível afirmar-se que as anomalias são iguais às do ano de 2000?", o que é um contra senso no contexto referido. Como se pode interpretar tão correctamente as leis e fazer uma leitura tão absurda do projecto de relatório?
Vejamos: O projecto tem um Capitulo IV com os "Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos" e um Capitulo V com os "Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos". No Capitulo IV, foram elencadas todas as situações anómalas detectadas, que permitiram a aplicação de métodos indirectos em ambos os exercícios. Como é lógico, essas situações só seriam possíveis de detectar pós um exame à escrita. Se atentarmos nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e 11 do Capitulo IV, veremos que são situações especificamente detectadas no ano de 1999, que resultaram de uma análise minuciosa à escrita desse ano, caso contrário não seria possível a sua detecção e descrição. Não se compreendem pois, que quem domina tão profundamente as leis tributárias, tenha confundido factos detectados em exame à escrita" e "critérios de cálculo de valores". É que o Capitulo V (quantificação da matéria colectável) é já uma consequência do Capitulo anterior (fundamentos para a utilização de métodos indirectos), onde ficou demonstrado sem margem para dúvidas que a contabilidade de ambos os exercícios continha diversas anomalias, não permitindo a comprovação directa e exacta da matéria tributável desses exercícios.
No critério escolhido para o exercício de 2000, efectuou-se um levantamento exaustivo das compras por produtos, mas poderia não ter sido feito. Esse foi apenas um meio para se chegar à margem efectivamente praticada pelo sujeito passivo, mas poderia ter sido aplicado outro critério. No exercício de 1999, o critério escolhido foi aplicar a margem a que se chegou no ano de 2000, pois não havia motivo para que a margem praticada pelo sujeito passivo fosse diferente, uma vez que laborou normalmente nos dois exercícios.
2- A propósito do inventário de 2000, vem o contribuinte afirmar que "... a Administração Tributária não demonstrou e não provou a falta de consistência da situação patrimonial real com os valores declarados pelo contribuinte... ". Mais uma vez o contribuinte demonstra não ter interpretado correctamente o que foi dito no projecto de relatório. Se for lida com atenção o ponto 16 do Capitulo IV, constatar-se-á que ficou mais do que provada a falta de consistência do inventário de 31/12/2000. De facto, como se pode verificar pelos mapas que se juntaram em anexo 13, nos casos de diversos "Vinhos" e "Bebidas alcoólicas" que são praticamente os únicos produtos inventariados, as existências finais de diversos destes produtos, eram só por si, superiores à soma das existências iniciais com as compras. Por outras palavras, o que existia no início do ano somado com as compras era inferior ao que ficou no fim do ano em stock, o que matematicamente é impossível (teria havido um milagre de multiplicação?). E isto considerando que nada se tinha vendido. Se isto não é falta de consistência, o que é?
3- Alega ainda que foi considerada uma rentabilidade fiscal de 15%, e porque não de 2%, 5%, 12%, 20%, 25%, 30%?"
É simples, cerca de 30% foi a rentabilidade a que se chegou naturalmente em resultado dos critérios adoptados. No entanto, atendendo ao facto de neste tipo de actividade poderem existir alguns custos não reflectidos na contabilidade, procurou-se beneficiar o contribuinte, considerando alguns desses, donde resultou uma rentabilidade de 15%, inferior àquela e à que resultaria se o lucro tributável fosse determinado de acordo com o regime simplificado (20%). Contudo, se esta situação desagrada assim tanto ao sujeito passivo, poderá sempre utilizar-se a rentabilidade inicialmente apurada.
4- Pergunta-se ainda "...porque não foi aplicada uma percentagem para, quebra e se toda a comida confeccionada foi vendida? "
Se o contribuinte tivesse analisado correctamente os mapas onde foram calculados os valores dos pratos, teria verificado que essas quebras foram consideradas, uma vez que foi atribuída uma percentagem de desperdício para cada tipo de bem.
5- Pôr último solicita que lhe sejam dados a conhecer os rácios de IRC para o sector, dos anos de 1999 e 2000, contidos no sistema informático dos Serviços de Inspecção Tributária, valores Distritais e Nacionais.
Em primeiro lugar, estranha-se o pedido, uma vez que os contribuintes normalmente não têm conhecimento das aplicações específicas que os Serviços de Inspecção possuem no seu sistema informático, como é o caso dos rácios Distritais e Nacionais. Em segundo, informa-se que esses rácios são o resultado do tratamento informático das declarações entregues pelos sujeitos passivos, sendo pois rácios declarados e não os efectivamente praticados. Se a Inspecção Tributária se limitasse a aplicar esses rácios, não faria qualquer sentido a análise específica a efectuar junto de cada sujeito passivo à sua contabilidade.
Conclusão: O sujeito passivo vem apenas contestar genericamente e de forma confusa a utilização de métodos indirectos (confundindo fundamentos para aplicação de métodos indirectos com critérios de quantificação), sem contudo contestar específica e coerentemente cada um dos fundamentos descritos nos dezasseis pontos do Capitulo IV, nem qualquer das premissas adoptadas no cálculo dos valores apurados, pelo que, se mantêm as conclusões e valores apresentados no projecto de relatório. Juntam-se em anexo 30, mapas resumo relativos ao "Imposto sobre o rendimento" contendo os valores declarados, correcções e valores corrigidos referentes aos exercícios de 1999 e 2000." - fls. 15 a 17 do Relatório.
6. Em 13/1/2003 a agora Impugnante apresentou articulado requerendo ao Director de Finanças de (…) "a revisão da matéria tributável que lhe foi fixada com referência aos anos de 1999 e 2000 — IRC e IVA" — fls. 242 a 251 do PA apenso no TCAN;
7. Não tendo havido acordo entre os peritos, foi proferido, em 30/4/2003, "termo de resolução" no qual o Director de Finanças de … decidiu "manter os valores constantes do Relatório da DPIT, a saber: Em sede de IVA (...)
Em sede de IRC:

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-fls. 252 a 267 do PA apenso no TCAN;
8. Em 18/6/2003 a AT efectuou a liquidação 8310011044, relativa ao IRC de 1999 e à agora Impugnante, na qual, com base na matéria colectável de € 133.693,29, foi apurado imposto a pagar no montante de € 48.743,14 até à data limite de 4/8/2003 — fls. 12 dos autos;
9. A presente impugnação foi apresentada em 30/9/2003- fls. 2 dos autos;
Além disso, dá-se como provado que:
10. A AT não forneceu à Impugnante os rácios para o sector de actividade, ano 1999, contidos no sistema informático da DGCI (artigo 43°, b) da p.i e 5ª testemunha);
11. O sujeito passivo não foi notificado nos termos da alínea a) do artigo 88° da LGT, para suprir as deficiências apuradas pelo serviço de inspecção (artigo 43°, b) da p.i.);
12. A acção inspectiva decorreu, inicialmente no gabinete do técnico de contas responsável pela contabilidade da Impugnante, onde verificou a contabilidade de 1999, e, partir de certa altura, num sótão de um prédio próximo onde tinha as pastas do ano 2000 — 5ª testemunha;
13. Pouco depois de iniciar a acção inspectiva, depois de recolher indícios de que haveria omissão de proveitos e de fazer uma estimativa provisória, a inspectora e o seu chefe de equipa propôs ao Sr. A., na presença da filha do Técnico Oficial de Contas, que regularizasse voluntariamente a situação apresentando declarações de rendimentos modelo 22 de "substituição" — 5ª testemunha;
14. De acordo com essa estimativa haveria a pagar impostos cujo valor global rondava 14.000 contos — 1ª testemunha;
15. A inspectora só foi ao restaurante no final da acção inspectiva para dar a assinar a nota de diligência — 5ª testemunha;
16. A inspectora não fez inventariação física das existências físicas de 1999 por considerar que em 2004 essa tarefa era impossível e não fez testes físicos, como pesagens dos bens usados nos menus, nem a análise pormenorizada da contabilidade de 1999 por considerar que isso era inútil — 5a testemunha;
17. Para análise das anomalias nas vendas do ano de 1999 escolheu, por amostragem, o mês de Dezembro para evitar concentrar-se nos meses de maior movimento, que coincide com o Verão — 5a testemunha;
18. O critério de quantificação assentou na análise da totalidade das compras facturadas e registadas no ano 2000 e foi estendido também ao ano de 1999 por não se ter verificado qualquer alteração da actividade nesses anos — 5ª testemunha;
19. A inspectora escolheu a margem de rentabilidade fiscal de 15%, e não outra, para evitar prejudicar o contribuinte, compensando custos não contabilizados, nomeadamente com subfacturação com pessoal, que considera ocorrerem normalmente neste sector de actividade — 5ª testemunha;
20. Tal margem de rentabilidade foi utilizada por parecer à inspectora, em função da sua experiência — de cerca de 4 anos - no exame do sector de restauração do distrito de Aveiro, que é a taxa normal e adequada ao caso concreto — 5ª testemunha;
21. A inspectora admite que em vez da margem de 15% poderia ter usado a taxa de 18% ou de 13% - 5a testemunha;
22. Antes da inspecção em causa nos autos, a AT já tinha produzido um Relatório datado de 26/11/1999, que "visava o controlo das obrigações tributárias do contribuinte e o cruzamento de elementos recolhidos no decurso de visita efectuada ao sujeito passivo S. Ldª' , tendo sido analisadas as declarações de rendimentos modelo 22 da agora Impugnante relativas aos anos de 1996 e 1997, "dando especial atenção ao quadro 17 e algumas contas de custos", de onde resultaram correcções técnicas à matéria tributável de IRC no valor de 2.163.625$00, em 1996, e 2.082.178$00, em 1997, e foram efectuadas correcções de IRS considerado em falta, no ano 1996, no montante de 612.910$00 — fls. 10 e seguintes do segundo PA apenso no TCAN;
3.2 — Matéria de facto não provada
Com interesse para a boa decisão das questões suscitadas nos autos dão-se como não provados os seguintes factos:
1. A AT não efectuou o exame à escrita com referência ao ano de 1999 (invocado no artigo 24°, 35° e 41° da p.i.);
2. A AT aceitou como correctos os valores contabilizados os serviços prestados em 1997 e 1998, no sentido de que essa aceitação incluiu as margens de lucro e de rentabilidade fiscal e resultou da inspecção feita à actividade desses anos (invocado no artigos 36° e 37° da p.i.);
Motivação:
A convicção do tribunal quanto aos factos assentes teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados, a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que se dão como integralmente reproduzidos e os depoimentos das testemunhas inquiridas, em particular da 1ª (TOC) e 5ª (inspectora) testemunhas, dada a sua especial razão de ciência, não obstante o primeiro resultar em grande parte do conhecimento que lhe ia sendo transmitido diariamente pela filha. Com relevância para os autos, a 2ª testemunha (cozinheiro da Impugnante) e 3ª testemunha (empregado da Impugnante) apenas confirmaram que a inspectora não frequentou o restaurante durante a acção inspectiva.
A 4ª testemunha (irmão do dono da Impugnante, Sr. A., e também cozinheiro noutro restaurante) não prestou depoimento relativo a factos com relevância para os autos. Quanto aos factos referidos em 3.2, foram dados como não provados pelos seguintes motivos: o primeiro, porque dos autos resulta provado justamente o contrário. Ou seja, a inspectora verificou que no ano de 1999 se verificaram indícios, que aponta no Relatório, susceptíveis de, em sua opinião justificarem a aplicação de métodos indirectos (cfr. facto 3 de 3.1 supra). Isso não se altera pelo facto de a inspectora não ter, assumidamente, efectuado a análise aprofundada a todos os documentos do ano de 1999. A questão de saber se a análise efectuada foi ou não suficiente para fundamentar a verificação dos pressupostos que justificam a aplicação de métodos indirectos constitui o objecto do "conhecimento do mérito" dos autos, que se difere para momento oportuno. Quanto ao segundo facto não provado (2 de 3.2), que na verdade constitui uma autêntica "afirmação conclusiva" e não confirmada pelos documentos juntos aos autos, discorda-se completamente da inferência que a funda: - a Impugnante tentou, nomeadamente em audiência de testemunhas, sustentar a tese de que se a AT teve oportunidade, em acção inspectiva a anos anteriores, de corrigir as margens reveladas na contabilidade dos anos de 1996 e 1997, alegadamente idênticas às do ano 1999, e não o fez, tal significará que as aceitou.
Isso não é assim, por várias razões.
Primeiro, porque a inspecção efectuada em 1999 aos anos de 1996 e 1997 teve carácter muito limitado e visava apenas o controlo parcial das obrigações declarativas resultantes do cruzamento de informação obtida na empresa S. Lda (cfr. facto 22 de 3.1). Além disso, mesmo que a AT tivesse verificado as margens em causa utilizadas nos anos de 1996 e 1997 e não tivesse feito as respectivas correcções nesses exercícios, isso não equivaleria a uma espécie de "seguro" concedido ao contribuinte, que lhe permitiria invocar esse "precedente" para continuar a praticar as mesmas margens indefinidamente, independentemente do concreto exercício da actividade, sem perigo de lhe serem aplicados métodos indirectos de avaliação e sem que a AT pudesse, de futuro, fazer quaisquer correcções.
Tais considerações têm de se submeter ao interesse público em que assenta a actividade da AT, de fiscalização da actividade económica na perspectiva tributária, para angariação de receitas indispensáveis à sobrevivência do Estado de direito democrático e social a que se refere a Constituição da República Portuguesa (CRP).
Questão essencial é que nessa actividade inspectiva sejam respeitados os princípios constitucionais e as regras legais que regem a actuação da administração.».
*

2.2.- Motivação de Direito

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento estão reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dado que perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, o TCAN já concluiu em sentido diametralmente oposto ao dos presentes autos, não existindo qualquer fundamento para a inversão deste entendimento, tendo em conta que no acórdão recorrido se concluiu que, no que respeita à opção pelo critério de quantificação da matéria tributável por métodos indiretos relativamente ao período tributável de 1999, a AT não tinha fundamentado o critério de quantificação utilizado, de modo a permitir ao sujeito passivo ficar a conhecer o processo lógico que estava subjacente à correção tributária, não estando justificada a utilização do critério conducente à fixação da margem bruta sobre os custos de 146,8% para aquele ano de 1999, enquanto no Acórdão fundamento se considerou como devidamente fundamentada a aplicação daquela margem de 146,8%.
Vejamos.
*

2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito- cfr. artº 284º do CPPT.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência é a existência de contradição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo e entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (vide artº 284º, nº1 als. a) e b) do CPPT).
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF e desenvolvidos no âmbito dos recursos de uniformização interpostos e julgados ao agasalho do artº 152º do CPTA, quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cfr., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.º 3 do artigo 284º do CPPT, em consonância com o mesmo nº do artº 152º do CPTA, que “O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA ou entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e a decisão recorrida; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) - ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
*

2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso sub judicibus, seguindo a resenha empreendida pelo EPGA no seu douto Parecer e concordando inteiramente com a solução ali propugnada, é por demais manifesto, como também demonstra a recorrida nas suas contra-alegações, que a situação factual é dissemelhante em ambas as decisões.
Assim, no acórdão recorrido sufragou-se o fundamentado e decidido em 1ª instância no sentido de que o Meritíssimo juiz a quo considerou que «… a utilização do critério conducente à fixação da margem bruta sobre os custos de 146,8% inquinou o acto tributário sindicado (liquidação adicional de IVA respeitante ao exercício de 1999) de «vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, já que o critério utilizado para quantificar a matéria tributável não é adequado à conclusão alcançada, nem constitui “uma forma válida de aproximação à realidade” que indique “de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da actividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente». Nesses termos, considera-se procedente o vício invocado, que é de violação de lei, designadamente, do disposto nos artºs 77º, nº 4 e 90º da LGT,…».
Em abono dessa tese, no acórdão recorrido o TCA (aludindo ao acórdão do mesmo tribunal de 25/09/2008, proc. 00105/00) expendeu-se que «Nesta sede de avaliação indirecta, o ónus que impende sobre a Administração Tributária, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda, que, simultânea e complementarmente, fundamente, adequada e criteriosamente, as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que vier a quantificar»., aduzindo ainda que «De forma alguma se pode considerar adequado e justificado um critério de determinação da matéria tributável para um determinado ano, que se limite a extrapolar cegamente dados de outro ano, sem sequer aferir se no ano para o qual se extrapolam os dados ocorreram circunstâncias especiais que eventualmente pudessem ser condicionadoras da determinação da matéria tributável».
Ainda se explicitou no acórdão recorrido que a fundamentação da AT revela incongruência, «pois se a margem efectivamente declarada pela Impugnante no exercício de 2000 é inferior à do ano de 1999, tal não poderá deixar de constituir um indício de que a Impugnante, ao contrário do que a Administração Tributária advoga, não terá laborado de forma idêntica nos dois exercícios», pelo que «… o critério utilizado para quantificar a matéria tributável, no que respeita à margem s/ CEVC de 146,8%, não está fundamentado em elementos de facto possíveis e comprováveis, aptos a suportar a conclusão alcançada pela Administração Tributária», acrescendo que «…, quanto à margem de rentabilidade fixada pela Inspecção Tributária, de 15%, e sem embargo das boas intenções manifestadas em prol de se beneficiar o contribuinte, que a utilização daquela margem não se encontra minimamente sustentada».
Enfim, o acórdão recorrido perfilhou o entendimento aprovado no acórdão de 20/02/2020, proferido no processo nº 522/05.7BUPRT (tendo por objecto situação similar, mas relativa ao ano de 2000), em cujo discurso jurídico se deixou escrito que: «A questão que efetivamente se mostra arbitrária na sua assunção como valor para calcular os custos omitidos pelo s.p., com vista a obter rentabilidade mais próxima da realidade é exatamente o ter fixado em 15% sem justificar de forma clara e objetiva a razão de quedar-se por esse valor. Seria, pois, necessário explicitar factualmente que segundo as regras da experiência e dados obtidos pela AT este valor de 15% é o valor que se aproxima da realidade da atividade em causa. Ora, em nenhum momento do procedimento é feita qualquer justificação para o valor de 15% apenas se diz “parece ser mais razoável”, até poderá ser, mas importa explicar como se chega a esse valor, para que qualquer pessoa, objetivamente, possa compreender e sindicar a razoabilidade do valor encontrado».
no acórdão fundamento, no tangente à fundamentação da margem do CEVC, julgou o TCA que «A demonstração efectuada afigura-se bastante objectiva e pormenorizada. Nessa situação competia ao Impugnante demonstrar os factos que apontam no sentido da alegada inadequação da margem apurada ao caso da empresa sob inspecção. A Impugnante não se esforçou minimamente por juntar aos autos quaisquer elementos que permitam ao Tribunal acompanhar a sua tese. Por isso, ficou sem se perceber por que razão entende que aquela margem é irreal, teórica e desfasada da actividade exercida pela Impugnante no ano 1999, sendo certo que a AT afirmou que essa era a margem que resultava dos elementos contabilizados no ano 2000 e que não tinha havido qualquer alteração das condições de exercício de actividade relativamente ao ano anterior, pelo que não se justificava fazer idêntica análise das compras do ano 1999».
Mas, não menos importante, no acórdão fundamento deixou-se dito que «….«Acresce que a Recorrente vem suscitar questões novas, não alegadas na p.i., que respeitam, por um lado, à violação do artigo 90.º da LGT, por falta de aplicação do critério de quantificação previsto na alínea a) do seu n.º 1, e, por outro lado, à violação dos artigos 58.º e 59.º da LGT (princípios do inquisitório e da colaboração).
Com efeito, sobre a rentabilidade fiscal aplicada de 15%, no articulado inicial, apenas foi alegado o vício de forma por falta de fundamentação […..], o qual foi objeto de apreciação na sentença recorrida nos moldes já supra aludidos, tendo a Recorrente abandonado tal questão no presente recurso (pois que sobre ela e o correspondente julgamento nada refere, quer nas conclusões quer nas alegações de recurso).
E, relativamente aos rácios da AT para o setor, no ano de 1999, na petição inicial apenas invoca preterição de formalidades legais, por violação do n.º 6 do artigo 60.º da LGT (…), a qual também foi apreciada na sentença recorrida, em moldes que não mereceram qualquer censura ou comentário no presente recurso.
Está, pois, bom de ver que as questões da violação do artigo 90.º da LGT e dos artigos 58.º e 59.º da mesma lei, não foram suscitadas na petição inicial, nem foram objeto de apreciação na sentença recorrida.
É sabido que, por força do princípio do dispositivo, o tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigo 608.º, n.º 2 CPC vigente) ….. Limitados nestes termos os poderes de cognição do Tribunal e não podendo as enunciadas questões ser oficiosamente conhecidas, está vedada a respetiva apreciação no presente recurso.
2.2.3 Concluiu-se, assim, que «O critério utilizado pela AT está perfeitamente fundamentado, como resulta do relatório da fiscalização e da acta da deliberação da Comissão de Revisão. O cálculo efectuado pela Fiscalização assenta, como se disse, na objectividade dos números constatados e dos métodos utilizados (que estão demonstrados e estão apoiados nos próprios dados recolhidos dos documentos da recorrida e nas entidades com as quais se relacionava). Caberia, então, à recorrida, como também se disse, provar que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das regras apontadas pela Fiscalização, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada. Mas a recorrida não logrou provar a existência de erro na quantificação assim efectuada e nem sequer demonstrou factos (prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) a razoabilidade do critério utilizado (inexistindo, assim, fundamento jurídico para a aplicação do regime do art. 121° do CPT). Nem da documentação por si apresentada (essencialmente aquela que a Fiscalização já tinha recolhido), nem dos depoimentos das testemunhas se pode concluir por tal dúvida».
Do cotejo dos respectivos discursos fundamentadores dos acórdãos recorrido e fundamento, é forçoso concluir que não se acham reunidos os requisitos de admissibilidade do presente recurso que supra ficaram elencados, sendo igualmente evidente que a Recorrente não consegue identificar com precisão qual a questão de direito sobre a qual foram perfilhadas soluções opostas nos dois arestos em confronto, pois limita-se a transcrever o entendimento vertido em cada um deles e revelar o destino diverso adoptado.
É, outrossim, indubitável que as situações de facto são similares, pois ambos os arestos versam sobre a fundamentação vazada no mesmo relatório dos Serviços de Inspecção e que serviu de suporte ao ato tributário, num caso relativo ao IVA (acórdão recorrido) e noutro ao IRC (acórdão fundamento), ambos referentes ao exercício de 1999 e que os dois se prendem com a validade, formal e substancial, da fundamentação invocada pela Administração Tributária para proceder à quantificação da matéria tributável visto que sobre a validade dos pressupostos de recurso à avaliação indirecta não foram registadas divergências.
Não obstante e como denota o EPGA no seu brilhante Parecer, também é certo que nessa avaliação o TCA recorre a juízos de facto sobre os elementos carreados para os autos pela Administração Tributária, cuja sindicância está vedada a este tribunal, que, como tribunal de revista, conhece apenas de direito. Concretizando, conquanto ambos os arestos apreciem a validade da margem do CEVC apurada pela Administração Tributária (146,8%) com base nos dados do exercício de 2000 e a sua aplicação ao exercício de 1999, revelando entendimentos díspares, apenas no acórdão recorrido o TCA aprecia a validade da taxa de rentabilidade fixada pela AT em 15%, decidindo-se pela sua falta de fundamentação, enveredando-se no acórdão fundamento pelo entendimento de que estamos perante uma questão nova e não apreciada na 1ª instância, ou pelo menos nos termos em que ela foi colocada nas alegações de recurso que lhe foi dirigido, e nessa medida não tomou dela conhecimento.
Equivale isso a dizer, ainda na esteira da posição assumida pelo Ministério Público no dito douto Parecer, que, fosse qual fosse o sentido do acórdão de uniformização de jurisprudência em relação à primeira questão, sempre o mesmo careceria de efeito útil sobre o caso concreto, uma vez que não seria suficiente para a revogação do acórdão recorrido, o qual sempre se manteria na parte em que anulou o ato tributário com base na invalidade de um dos critérios utilizados na quantificação da matéria tributável (taxa de rentabilidade).
Sobre a recorrente impendida o ónus de “invocar o conflito jurisprudencial que pretende ver resolvido” (artigo 284.º, n.º 2 e artigos 637.º, n.º 2 e 690.º, n.º 1 do CPC aplicáveis ex vi do artigo 2.º, al. e) do artº 281º CPPT).
É, pois, patente que não só por a Recorrente não ter identificado devidamente qual ou quais as questões em que os arestos perfilharam soluções distintas, como também pelo facto de nem todas as questões relativas à quantificação da matéria tributável terem sido apreciadas nos dois arestos em confronto, o que inviabiliza a produção de efeitos úteis no caso concreto de acórdão de uniformização de jurisprudência, inexiste relevante contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.
Não se verificam, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 284º do CPPT, pelo que não deve tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso, tudo, nos termos dos n.°s 1 e 3, do art. 284.º, do CPPT.
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3.- Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente.
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Lisboa, 24 de Novembro de 2021. - José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.