Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0483/08
Data do Acordão:09/18/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
IVA
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
IMPOSTO NÃO RECEBIDO
Sumário:O artigo 114.º, n.º 1, do RGIT, que pune como contra-ordenação fiscal a falta de entrega da prestação tributária, não abrange na sua previsão situações em que o imposto que deve ser entregue não está em poder do sujeito passivo, por este não o ter recebido ou retido.
Nº Convencional:JSTA00065193
Nº do Documento:SA2200809180483
Data de Entrada:05/29/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART114.
CIVA84 ART19 ART25 ART95.
L 15/2001 DE 2001/06/05 ART2 C.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC279/08 DE 2008/05/28.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – O Exmo. Magistrado do MP junto do TAF de Leiria, não se conformando com a sentença da Mma. Juíza daquele Tribunal que absolveu a arguida A..., Lda., com os sinais dos autos, da prática de uma contra-ordenação ao n.º 1 do art.º 26.º e n.º 1, al. a) do art.º 40.º do CIVA, punível pelo n.º 2 do art.º 114.º e n.º 4 do art.º 26.º do RGIT, e pela qual havia sido condenada, administrativamente, na coima de € 4.173,45, por ter entregue a declaração de IVA de Agosto de 2003 desacompanhada do respectivo meio de pagamento, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1.º- Os arts. 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, al. b) do CIVA obrigam o sujeito passivo a entregar ao Estado o IVA facturado, após a respectiva dedução do imposto suportado, conjuntamente com a respectiva declaração, e independentemente do recebimento, ou não, do valor do IVA facturado.
2.º- A não entrega do IVA assim deduzido implica a prática da infracção ao art.º 114.º, n.º 1 do RGIT.
3.º- A douta sentença recorrida violou, assim, e em consequência, as normas legais referidas nos n.ºs 1 e 2 que antecedem.
4.º- Razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que mantenha a condenação da arguida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) No dia 29/02/2004, foi elaborado o Auto de Notícia de fls. 6, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«Quadro 01 IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO INFRACTOR
(…)
Enquadramento: (art.º 40.º CIVA) MENSAL
(…)
Quadro 02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO
1. Montante do imposto exigível: 17.873,46 Euro;
2. Valor da prestação tributária entregue: 0 Euro;
3. Valor da prestação em falta: 17.873,46 Euro;
4. Data de cumprimento da obrigação: 10/10/2003;
5. Período a que respeita a infracção: 2003/08;
6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 10/10/2003;
7. Normas infringidas: Art.ºs 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, a) do CIVA – Apresentação dentro do prazo D.P., s/meio de pagamento ou c/pagamento insuficiente (M);
8. Normas punitivas: Art.ºs 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 – Falta entrega prest. Tributária dentro do prazo (M);
(…)
Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03 que o sujeito passivo identificado no quadro 01 não entregou, simultaneamente com a declaração periódica que apresentou fora do respectivo prazo legal, na data e para o período referido, respectivamente, em 4 e 5 do quadro 02, a prestação necessária para satisfazer totalmente o montante do imposto exigível, fazendo-o somente pelo valor referido em 2, também do quadro 02, o que constitui infracção às normas previstas em 7, punível pelas disposições referidas em 8, do mesmo quadro (…)».
B) Em 10.10.2003, a recorrente apresentou a declaração periódica de IVA, referente ao mês de Agosto de 2003, em que apurou o montante de IVA a entregar ao Estado de 17.873,46 €, desacompanhada do respectivo meio de pagamento.
C) Por despacho de fls. 10 a 11, datado de 06.09.2006, que se dá por integralmente reproduzido, a recorrente foi condenada por infracção ao disposto nos art.ºs 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1, al. a) do CIVA, punível pelos art.ºs 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do RGIT, na coima de 4.173,45 €.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juíza do TAF de Leiria que absolveu a arguida da prática de uma contra-ordenação ao n.º 1 do artigo 26.º e n.º 1, alínea a), do artigo 40.º do CIVA, punível pelo n.º 2 do artigo 114.º e n.º 4 do artigo 26.º do RGIT, e pela qual havia sido condenada na coima de € 4.173,45, por ter entregue a declaração de IVA de Agosto de 2003, desacompanhada do respectivo meio de pagamento.
Entendeu a Mma. Juíza “a quo” que a conduta da arguida se não enquadra no referido n.º 2 do artigo 114.º por, no caso vertente, se não estar perante uma «prestação tributária deduzida nos termos da lei», mas antes uma prestação tributária de que existe obrigação legal de liquidar, e quando assim é apenas se deve considerar prestação tributária aquela que haja sido recebida, pelo que se o IVA não entregue não foi por si recebido não se verificam os pressupostos legais de que depende a punição da ora recorrida.
Vejamos. Estabelece o citado preceito, nos seus n.ºs 1 a 3, que:
“1- A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2- Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3- Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.”.
Ora, como se referiu no acórdão deste STA de 28/5/2008, proferido no recurso n.º 279/08, com a utilização da expressão «prestação tributária deduzida» pretendeu-se aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária pelo sujeito passivo através de uma subtracção de uma quantia global e essa quantia deduzida tem de ser entregue à administração tributária (é o que sucede, por exemplo, nas situações de retenção na fonte previstas nos artigos 71.º e 98.º do CIRS).
No caso do IVA, no respectivo Código não se refere qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido, apenas se falando de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos artigos 19.º a 25.º do CIVA.
O que há, na verdade, é a obrigação de os sujeitos passivos procederem à sua liquidação e adicionarem o valor do imposto liquidado ao valor das mercadorias ou prestações de serviços, incluindo-o na factura ou documento equivalente, para efeitos da sua exigência aos adquirentes das mercadorias ou utilizadores dos serviços (artigos 35.º e 36.º, n.º 1 do CIVA).
O imposto que deve ser entregue não é, contudo, o imposto que foi liquidado, mas sim o eventual saldo positivo a favor da administração tributária que se registe após confrontação do volume global do imposto liquidado com o que foi pago pelo sujeito passivo aos seus fornecedores ou prestadores de serviços (artigos 19.º a 25.º do CIVA).
É certo que pode haver situações em que o sujeito passivo recebeu de terceiros IVA que liquidou e não procedeu à sua entrega à administração tributária, havendo obrigação dessa entrega por se comprovar que há um saldo positivo a favor desta no confronto da globalidade do imposto liquidado com o imposto pago pelo sujeito passivo em determinado período.
Só que tais situações não se enquadram nos números 1 e 2 do preceito em análise mas sim na parte final do seu n.º 3 que refere prestação tributária «que tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja».
E, como aí resulta claramente do texto da lei, apenas é sancionado como contra-ordenação o comportamento de quem tem obrigação de liquidar na sequência de recebimento da quantia do imposto.
Aliás, como se salienta no aresto citado, “A conduta de quem não entrega IVA liquidado nas facturas mas não recebido dos adquirentes das mercadorias ou utilizadores de serviços estava expressamente punida no art. 95.º do CIVA, em que se previa como transgressão «a falta de entrega ou a entrega fora dos prazos estabelecidos de todo ou parte do imposto devido».
Porém, este art. 95.º, inserido no Capítulo VIII do CIVA, está expressamente revogado pela alínea c) do art. 2.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
Por outro lado, as referências à «prestação tributária que nos termos da lei deduziu» e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114.º do RGIT, têm um evidente alcance restritivo em relação à expressão «imposto devido», que era utilizada no referido art. 95.º do CIVA, pois as primeiras apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.”.
No caso dos autos, contudo, inexiste qualquer prova do recebimento do imposto, sendo que a arguida alega que o IVA não entregue não foi por si recebido.
E, assim sendo, não tendo havido recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica referida no ponto B) do probatório, está afastada a possibilidade de punição da arguida por não verificação dos pressupostos legais previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT.
A decisão recorrida que assim entendeu deve, por isso, ser mantida.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a sentença recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o MP.
Lisboa, 18 de Setembro de 2008. – António Calhau (relator) – Lúcio Barbosa – Jorge Lino.