Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0194/09.0BEPNF
Data do Acordão:11/18/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:INCIDENTE
RECTIFICAÇÃO DE ERRO MATERIAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FUNDAMENTOS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A faculdade prevista no citado artº.614, do C.P.Civil, refere-se apenas aos erros materiais, respeitantes à expressão da vontade do julgador (quando se possa concluir que se escreveu coisa diversa do que se queria escrever), não podendo ao seu abrigo pedir-se a correcção de erros de julgamento.
II - Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artºs.666, nº.1, 667 e 679, do C.P.Civil).
III - Entre os possíveis fundamentos da nulidade de um acórdão vamos encontrar a omissão de pronúncia prevista no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil. A omissão de pronúncia (vício de "petitionem brevis") pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26742
Nº do Documento:SA2202011180194/09
Data de Entrada:05/22/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, L.da.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"A………….., L.DA.", com os demais sinais dos autos, notificada do acórdão datado de 6/05/2020 e exarado a fls.1356 a 1374 do processo físico, deduziu incidente de rectificação/nulidade de acórdão (cfr.fls.1382 e seg. do processo físico), alegando, em síntese:
1-Que a sentença proferida pelo T.A.F. de Penafiel apenas apreciou quatro dos fundamentos da impugnação deduzida pela sociedade recorrida, mais considerando prejudicado o conhecimento dos restantes;
2-O recurso interposto pela Fazenda Pública teve por objecto a decisão de três desses fundamentos da impugnação;
3-Que os fundamentos da impugnação que ficaram por conhecer pelo T.A.F. de Penafiel não são susceptíveis de ser conhecidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, por manifesta ausência de matéria de facto quanto às mesmas;
4-Que é necessário que os autos baixem à 1ª instância para conhecimento dos demais esteios da impugnação invocados na petição inicial, porquanto, salvo melhor opinião, não existem factos na sentença recorrida para que o Supremo Tribunal Administrativo os possa apreciar;
5-Que na fundamentação do acórdão nada se refere e no dispositivo dispõe-se que os segmentos nºs.1 e 3 do recurso procedem, mantendo-se a sentença quanto ao restante, mas nada se diz sobre os demais fundamentos da impugnação não conhecidos pela 1ª instância;
6-Que admite o requerente tratar-se de uma inexactidão, devida a omissão, susceptível de rectificação por simples despacho, nos termos do disposto no artº.614, nº.1, do C.P.Civil, o que ora se requer;
7-Se assim não se entender, haverá de qualificar-se o não cumprimento do disposto no artº.665, nºs.1 e 2, do C.P.Civil, como uma nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artº.615, nº.1, al.d), do mesmo diploma, o que se invoca;
8-Termos em que, atento o exposto, deve o acórdão objecto do presente incidente, no segmento apontado, ser rectificado ou, se assim não se entender, ser declarado nulo, com a consequente pronúncia na sua fundamentação e aditamento ao dispositivo de que os autos devem baixar à 1ª instância para conhecimento dos demais fundamentos da impugnação, visando as liquidações objecto do processo.
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Notificada do requerimento a suscitar o incidente sob exame, a entidade recorrente nada disse (cfr.fls.1387 e 1388 do processo físico).
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pela procedência do incidente suscitado (cfr.fls.1391 a 1395 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação (cfr.artºs.657, nº.4, 666, nº.2, e 679, todos do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.288, nº.2, do C.P.P. Tributário).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.125, do C.P.P.Tributário).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
A possibilidade de dedução do incidente de nulidade da sentença (acórdão) visa satisfazer a preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e o entendimento de que será mais útil à paz social e ao prestígio e dignidade que a administração da Justiça coenvolve, corrigir do que perpetuar um erro juridicamente insustentável, conforme se retira do preâmbulo do dec.lei 329-A/95, de 12/12 (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.400/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 19/10/2011, rec. 497/11; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, II Volume, Áreas Editora, 2011, pág.356 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª. Edição, 2017, Almedina, pág.325 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e seg.).
Tal como as sentenças de 1ª. Instância, os acórdãos proferidos pelos Tribunais Superiores podem ser objecto de arguição de nulidade. Além das nulidades previstas nas diferentes alíneas do artº.615, nº.1, do C.P.Civil, surgem-nos ainda duas situações decorrentes da colegialidade do Tribunal que profere o acórdão e que dão origem a nulidades específicas deste: o acórdão ser lavrado contra o vencido e, por outro lado, sem o necessário vencimento (cfr.artºs.666, nº.1, 667 e 679, do C.P.Civil; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.133 e 134; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.59 e seg.).
"In casu", a sociedade requerente pede, antes de mais, que este Tribunal proceda à rectificação do acórdão lavrado no processo ao abrigo do artº.614, nº.1, do C.P.Civil.
Ora, examinado o acórdão constante de fls.1356 a 1374 do processo físico, não vislumbra este Tribunal que a citada peça processual contenha qualquer erro de escrita ou de cálculo, igualmente não tendo qualquer inexactidão, devida a omissão ou lapso manifesto, no dizer da lei, que seja motivo de rectificação ao abrigo do artº.614, nº.1, do C.P.Civil.
Mais se dirá que a faculdade prevista no citado artº.614, do C.P.Civil, refere-se apenas aos erros materiais, respeitantes à expressão da vontade do julgador (quando se possa concluir que se escreveu coisa diversa do que se queria escrever), não podendo ao seu abrigo pedir-se a correcção de erros de julgamento (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/03/2011, rec.920/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/11/2014, rec.359/12; Prof.Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, vol.V, pág.129 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.49 e seg.).
Improcede, pois, o pedido de rectificação do acórdão objecto do presente incidente.
Passemos ao exame da alegada nulidade do acórdão devido a omissão de pronúncia.
Defende a sociedade requerente que haverá de qualificar-se o não cumprimento do disposto no artº.665, nºs.1 e 2, do C.P.Civil, como uma nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artº.615, nº.1, al.d), do mesmo diploma.
Antes de mais, se dirá que a norma constante do artº.665, do C.P.Civil (a qual consagra a regra da substituição ao Tribunal recorrido), não se aplica em sede de regime do recurso de revista para os Tribunais Supremos (cfr.artº.679, do C.P.Civil).
Apesar disso, defende a sociedade requerente que a violação do regime constante de tal norma consubstancia uma nulidade do acórdão objecto do presente incidente devido a omissão de pronúncia.
Entre os possíveis fundamentos da nulidade de um acórdão vamos encontrar a omissão de pronúncia prevista no artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil. A omissão de pronúncia (vício de "petitionem brevis") pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/02/2011, rec.50/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.362 e seg.; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V volume, Coimbra Editora, 1984, pág.142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira do exame do acórdão lavrado nos presentes autos e constante de fls.1356 a 1374 do processo físico, este Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões constantes das conclusões do recurso deduzido para este S.T.A.-2ª.Secção pela recorrente Fazenda Pública.
Apesar de tudo o acabado de exarar, sempre se reconhece que o Tribunal "a quo", em sede da sentença objecto do recurso, considerou prejudicado e não tomou conhecimento dos seguintes fundamentos da impugnação:
1-Violação do artº.20, do C.I.R.C.;
2-Erro na quantificação da matéria tributável;
3-Violação do direito ao recurso em sede de procedimento de revisão;
4-Ilegalidade do recurso a métodos indirectos da matéria colectável; 5-Violação de normas e princípios comuns a todas as correcções produzidas pela A. Fiscal.
Implicando o exame e decisão dos identificados esteios da presente impugnação a análise/aditamento de matéria de facto, este Tribunal Supremo está impedido do julgamento dos mesmos.
Com estes pressupostos, deve ordenar-se o envio dos presentes autos ao T.A.F. de Penafiel, para que proceda ao exame e decisão dos restantes fundamentos da impugnação, cujo conhecimento considerou prejudicados na sentença recorrida.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em ordenar o envio dos presentes autos ao T.A.F. de Penafiel, para que proceda ao exame e decisão dos restantes fundamentos da impugnação, cujo conhecimento considerou prejudicados na sentença recorrida.
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Sem custas na presente instância incidental.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Paulo José Rodrigues Antunes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.