Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0320/18.8BESNT
Data do Acordão:09/24/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
ERRO DE JULGAMENTO
NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO
INSTRUÇÃO
Sumário:I - O acórdão recorrido que qualificou como «erro de julgamento de facto» uma alegação que consubstanciava antes «nulidade processual», incorreu em «erro de julgamento de direito»;
II - A omissão de instrução devida consubstancia nulidade processual que impõe a anulação da sentença e a sanação da mesma.
Nº Convencional:JSTA000P26372
Nº do Documento:SA1202009240320/18
Data de Entrada:07/17/2020
Recorrente:A............, SOCIEDADE UNIPESSOAL
Recorrido 1:B............, LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A……………, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA. [A…………] - nos autos já identificada - interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 19.06.2019, que concedendo provimento aos «recursos de apelação», independentes, interpostos pelo CENTRO HOSPITALAR DO BARREIRO MONTIJO, EPE [CHBM], e pela contra-interessada B……, LDA. [B…….], revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF], de 19.06.2018, e julgou improcedente a «ampliação subsidiária» do âmbito do recurso por ela deduzida.

Conclui assim as suas alegações de revista:

A) O presente recurso de revista vem interposto do acórdão proferido pelo TCAS nos presentes autos, em 19.06.2019, nos termos do qual se decidiu julgar procedentes os recursos interpostos pelo CHB e pela B……, revogando-se, por conseguinte, a sentença proferida no tocante ao julgado nas alíneas a) e b) do segmento decisório, e mantendo-se válido e eficaz o acto de adjudicação de 20.02.2018, na medida em que se decidiu também julgar improcedente a ampliação do âmbito do recurso deduzida pela A……, ora recorrente;

B) A recorrente dividiu as suas alegações em 4 capítulos, designadamente: I. Da Tramitação Processual Relevante; II. Da Admissibilidade Legal Do Presente Recurso De Revista III. Do Recurso de Revista stricto sensu, e IV. Conclusões;

C) No âmbito do capítulo «I. Da Tramitação Processual Relevante», veio a recorrente realizar breve análise da tramitação processual mais relevante subjacente aos presentes autos, que culminou na prolação do, então agora, acórdão sob revista;

D) De seguida, e a propósito do capítulo «II. Da Admissibilidade Legal Do Presente Recurso De Revista» a ora recorrente demonstrou de forma indubitável, que não só estamos perante questões que, pela sua relevância jurídica ou social, tornam a presente revista de importância fundamental, como estamos perante um quadro em que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

E) Nesse sentido, veio a ora recorrente demonstrar que em folhas 36 a 38 do acórdão sob revista, o TCAS apresentou uma posição completamente inovadora e própria na interpretação que fez da cláusula 8ª, nº1, do «Programa do Procedimento», sendo que tal não só não encontrava suporte na lei, na doutrina, na jurisprudência, nas peças do presente procedimento e/ou no circunstancialismo fáctico ocorrido no caso concreto, como era susceptível de violar os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência;

F) Demonstrou, assim, que a apreciação da validade de/na interpretação restritiva dessa cláusula 8ª, nº1, não só assumia uma «relevância social fundamental» como se revelava necessária para «para uma melhor aplicação do direito», na medida em que, por um lado, correspondia a uma questão de controlo da função jurisdicional naquela que é a reserva discricionária da administração, e por outro, era fulcral para garantir a uniformização do direito relativamente a esta matéria importante de interpretação de cláusulas de peças de procedimento e causas de exclusão de propostas de concorrentes no âmbito da contratação pública;

G) De seguida, por referência ao julgamento dos demais segmentos decisórios que julgam improcedentes os demais vícios assacados ao acto administrativo impugnado, demonstrou a recorrente que os mesmos envolviam a ponderação e interpretação de importantes princípios e regras da contratação pública, e, por isso, assumiam a natureza de questões de «relevância social fundamental» que impunha a intervenção deste Supremo Tribunal como condição para alcançar «uma melhor aplicação do direito» que se mostra julgado de forma pouco consistente e contraditório entre as instâncias, e que é susceptível de se verificar em tantos outros concursos públicos;

H) Nestes termos, e a propósito do julgamento do vício de falta de fundamentação do Relatório Preliminar [E] - violação do artigo 122º, nº1 e nº2, do CCP - começou por se evidenciar que o Venerando Tribunal a quo não se pronunciou sobre o dever de fundamentação do «Relatório Preliminar», consagrado no artigo 122º, do CCP, pronunciando-se, apenas, sobre o dever [ou não] de fundamentar o «Relatório Final», para depois se concluir pela necessidade da presente revista melhor aplicação de direito sobre esta matéria de relevância social fundamental, por não se como não se conseguir descortinar, da remissão operada para as matérias constantes em segmentos decisórios do acórdão em que é que a mesma colocava em crise o alegado pela aqui recorrente;

I) Por conseguinte, por referência do segmento decisório referente ao [F] vício de falta de fundamentação e omissão de pronúncia do relatório final - violação do artigo 124º, nº1, do CCP -, demonstrou-se que a presente revista era necessária para melhor aplicação de direito sobre esta matéria de relevância social fundamental, pois que o mesmo apresentava trechos aleatórios de doutrina, que no seu conjunto contrariam a decisão tomada, quando a previsão do nº1, do artigo 124º do CCP, é explicita ao estabelecer que o «Relatório Final» deve ser fundamentado pelo Júri do Concurso, no qual devem ser ponderadas as observações dos concorrentes, mantendo-se ou modificando-se o teor e conclusões do «Relatório Preliminar», e propondo-se [ou não] a exclusão de propostas, se se verificar, em função das observações dos concorrentes, a ocorrência de qualquer dos motivos previstos no nº2, do artigo 146º, do CCP;

J) De seguida, e por referência do segmento decisório referente ao [G] vício de violação do artigo 50º nº7 do CCP, demonstrou-se que a presente revista era necessária para melhor aplicação de direito sobre esta matéria de relevância social fundamental, pois que o Venerando Tribunal a quo incorreu em claro erro de julgamento, na medida em que o Júri do Concurso não é o órgão competente para a decisão de contratar, não podendo, por isso, proceder à rectificação de erros das peças do procedimento, e mesmo que fosse, nunca o poderia fazer em sede de Relatório Final, dado que o prazo limite para essa rectificação está bem consagrado no nº7, do artigo 50º, do CCP, e estava ultrapassado nesse momento;

K) Nesta sequência, e por referência do segmento decisório referente ao [H] vício de violação da cláusula 13º nº1 do PP demonstrou-se que a presente revista era necessária para melhor aplicação de direito sobre esta matéria de relevância social fundamental, pois que o Venerando Tribunal a quo incorreu em claro erro de julgamento ao considerar que existindo apenas uma proposta não excluída para o Lote 3, não haveria que proceder à aplicação do critério de adjudicação, para efeitos de apuramento da sua exclusão em virtude de aplicação de tal [e tão importante] critério, quando é princípio basilar da contratação pública que em matéria de adjudicação, desde que se verifique uma causa de exclusão da proposta, tal exclusão torna-se vinculativa;

L) Por conseguinte, e por referência do segmento decisório referente ao [I] vício de violação da cláusula 6ª do PP - preço-base, demonstrou-se que a presente revista era necessária para melhor aplicação de direito sobre esta matéria de relevância social fundamental, pois que o Venerando Tribunal a quo incorreu em claro erro de julgamento ao decidir que não cabe adicionar o percentual de taxa de IVA aplicável ao preço base indicado nas propostas, quando o mesmo contraria a aplicação conjugada dos artigos 60º, nº1 e 473º, do CCP, e jurisprudência firmada na matéria;

M) Por fim, e no que refere ao segmento decisório referente ao [I] vício de ilegalidade da cláusula 13º nº2 do PP - critério de desempate, demonstrou-se que a presente revista era necessária para melhor aplicação de direito sobre essa matéria de relevância social fundamental, porquanto o Venerando Tribunal a quo procedeu em claro erro de julgamento ao não julgar ilegal a cláusula 13ª do Programa do Procedimento, quando a mesma se encontra em manifesta ilegalidade com o teor do nº5, do artigo 74º, do CCP;

N) Subsequentemente, veio a recorrente demostrar que a presente revista assumia uma «relevância social fundamental» e se impunha como condição para alcançar «uma melhor aplicação daquele direito» no que diz respeito à decisão sobre nulidades invocadas pela ora recorrente na Ampliação do Objecto de Recurso, porquanto a dispensa da produção de prova e a consequente decisão de não dar os factos como provados por falta de prova, era matéria que era recorrente na nossa jurisprudência, principalmente em processos urgentes, existindo, por isso, necessidade de prolação de decisão para servir de orientação para a resolução de futuros casos, garantindo a uniformização do direito relativamente a esta matéria importante que envolvia princípios e regras fundamentais de Processo Civil e que se mostrava julgada de forma pouco consistente e contraditório entre as duas instâncias, quando é susceptível de se verificar em tantos outros casos;

O) Por fim, e no que diz respeito à improcedência do pedido indemnizatório deduzido na ampliação do âmbito do objecto do recurso, começou a recorrente por evidenciar que tal evidente erro na qualificação do meio processual utilizado sempre deveria ter sido corrigido oficiosamente pelo Venerando Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº3 do artigo 193º do CPC - ao invés de se determinar, sem mais não, a sua improcedência -, pois que nenhum limite natural se verificava que obstasse a convolação daquele em recurso subordinado, dado existir uma certa equiparação entre o meio processual utilizado [ampliação do objecto do recurso] e o meio processual pretendido [recurso subordinado], ter aquele sido interposto no prazo legalmente estabelecido para este [artigo 633º, nº2 do CPC], terem sido respeitadas as regras do modo de interposição de recurso [artigo 637º do CPC], e ressalvado o principio do contraditório;

P) Para depois concluir que a presente questão de convolação oficiosa de formas de processo perante evidente erro na qualificação do meio processual usado, se revestia de «relevância social fundamental», na medida em que a decisão sobre a mesma é susceptível de vir a representar uma orientação para a resolução de futuros casos, e revelava-se necessária para «para uma melhor aplicação do direito», na medida em que se tornava necessário garantir a uniformização do direito relativamente a esta matéria importante que envolve princípios e regras fundamentais de Processo Civil;

Q) Por conseguinte, no âmbito do capítulo III. Do Recurso de Revista stricto sensu começou a recorrente por demonstrar que a interpretação restritiva do teor da «cláusula 8ª nº1 do Programa do Procedimento» traduzia uma posição completamente inovadora que não só não encontrava suporte na lei, na doutrina, na jurisprudência, nas peças do presente procedimento e/ou no circunstancialismo fáctico ocorrido no caso concreto, como era susceptível de violar os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência nos termos e com os fundamentos invocados em sede de petição inicial, ampliação do âmbito do objecto do recurso, e sentença recorrida;

R) Neste sentido, demonstrou a recorrente que qualquer intérprete colocado perante o disposto nessa cláusula 8ª, nº1, 2ª parte, do PP, seria forçoso e necessariamente levado a concluir, como resulta do seu teor literal, que a divisão por lotes corresponde às diversas tipologias de bens, que são quatro, como bem decidiu o tribunal de 1ª instância [folhas 24 e 25 da sentença], pois que, efectivamente, tratava-se de 2 reagentes distintos, com códigos CHBM distintos, com quantidades distintas, e com preço base distinto;

S) Pelo que, contrariamente ao entendimento, em erro, do Venerando Tribunal a quo, ao invés de se dever priorizar a regra contida na cláusula 7ª, do convite, onde não se aceita a apresentação de propostas parciais, deveria ser priorizado o teor da cláusula 8ª, nº1, do Programa do Procedimento e Anexo 1, onde se permite essa possibilidade de adjudicação [autónoma] entre posições do Lote 3, como bem decidiu o tribunal de 1ª instância, em entendimento que não merece qualquer censura ou reparo, pois entender-se o contrário seria susceptível de violar princípios da concorrência, igualdade de tratamento e transparência;

T) Nesta sequência, demonstrou a recorrente que tal entendimento seria passível de violar o princípio da concorrência, pois que, não só implicava que só pudessem ser adjudicatários os concorrentes que dispusessem dos dois reagentes, e já não os que dispusessem apenas de um, ainda que com preços mais apelativos, como implicava que só fossem adjudicatários os dois únicos operadores no mercado que dispõem de ambas as tipologias [um deles a contra-interessada B…….], conforme bem sabia a entidade demandada e conforme prova testemunhal que a recorrente se propôs produzir e que não foi admitida pelo tribunal de 1ª instância;

U) Neste sentido, sustentou a recorrente que tal entendimento seria também passível de violar o princípio da igualdade de tratamento, na medida em que exponenciava uma discriminação infundada, injustificada e sem critério dos concorrentes, consubstanciando, em termos reais e objectivos, a criação de uma situação arbitrária de desigualdade, violadora do núcleo essencial do princípio da igualdade de tratamento, e, bem assim, do princípio da concorrência, quando nenhuma razão técnico-científica existia para a agregação, no mesmo lote, de 2 reagentes distintos, já que os mesmos não são técnica ou funcionalmente incindíveis, nem a sua desagregação causa inconvenientes para a entidade demandada;

V) Por conseguinte, demonstrou a aqui recorrente que a pretensão da entidade demandada em ter um único equipamento de leitura não resultava das peças do procedimento concursal, e nem de nenhum esclarecimento adicional por parte da mesma, tendo sido, apenas, em sede de Relatório Final que o Júri do Concurso veio invocar ser essa a interpretação da cláusula 8ª, nº1, 2ª parte, do PP, motivo pelo qual tal interpretação era também susceptível de violar o princípio da transparência, consagrado no artigo 1º-A, nº1, do CCP;

W) Nestes termos, concluiu a ora recorrente que aquela interpretação e aplicação da cláusula 8ª, nº1, 2ª parte, do Programa do Procedimento, era susceptível de falsear os princípios da concorrência, a igualdade de tratamento e da transparência, uma vez que introduzia restrições inadmissíveis à livre concorrência do mercado, beneficiando apenas dois operadores [os únicos que dispõem de ambas as tipologias] - e mais precisamente a contra-interessada - com quem a entidade demandada já contrata há mais de 5 anos - e consubstancia discriminação infundada, injustificada, sem critério dos restantes operadores concorrentes, quando nada nas peças do Procedimento justifica ou demonstra a necessidade de que a adjudicação seja feita em bloco, isto é, englobando aqueles dois reagentes, devendo, por isso o acórdão ser revogada e substituído por acórdão que julgue improcedentes os recursos jurisdicionais interpostos pelos recorrentes, mantendo a sentença proferida em 1ª instância;

X) Por conseguinte, e para o caso de não conceder, começou a recorrente por se pronunciar sobre o indeferimento das nulidades invocadas por si nas suas conclusões 66 a 94, demonstrando que ao contrário do preconizado pelo TCAS, não estávamos perante um caso de incumprimento dos ónus consagrados nos artigos 639º nº1 e 640º nº1 alíneas a), b) e c) CPC, porquanto a aqui recorrente, nos artigos 255 a 365, da sua ampliação do âmbito do objecto do recurso e nas suas conclusões, não veio requerer «a reapreciação da prova mediante a impugnação da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto», tendo-se, antes, insurgido contra a falta de produção de prova testemunhal requerida para fazer prova do facto de que «No mercado, apenas os Concorrentes ……… e B……… dispõem de ambas as soluções, e que a Entidade Demandada o sabe», bem como contra a consequência - surpreendente e contraditória - derivada dessa mesma falta de produção de prova, no sentido de o tribunal de 1ª instância ter considerado que «não ficou provado, por falta e alegação de factos concretos e prova, que existem dois únicos operadores que dispõem de ambas as tipologias previstas no lote 3» [ver folha 23 da sentença];

Y) Tudo isso demonstrando a nulidade da sentença por violação do princípio da proibição das decisões surpresa [ver alínea c), do nº1, do artigo 615º, do CPC] já que ao não ter sido conferida a possibilidade de a aqui recorrente produzir a prova testemunhal requerida, a decisão passava a integrar o leque das denominadas decisões surpresa, com que a mesma não podia legitimamente contar;

Z) E a nulidade da sentença por violação do artigo 3º, nº3, do CPC [défice de actividade instrutória], já que o tribunal de 1ª instância não podia ter decidido pela não verificação do vício em causa, sem que aqui recorrente tivesse tido a oportunidade de produzir a prova que requereu sobre o mesmo, tendo tal omissão de produção da prova influído de forma clara e determinante, quer no exame, quer na decisão da causa, não se permitindo que ao processo fossem trazidos elementos suficientes de forma a decidir-se a causa de acordo com as várias soluções plausíveis ao direito;

AA) Só tendo requerido, a anulação da sentença, nos termos do artigo 662º, nº2, alínea c), do CPC, por insuficiência da matéria de facto, e peticionado que fosse ordenada a produção da prova requerida pela mesma, ao abrigo da alínea a), do nº3, do artigo 662º, do CPC, e nº4, do artigo 149º, do CPTA, para o caso de aquelas nulidades serem julgadas improcedentes;

BB) No mais, demonstrou a recorrente que no caso, a sentença também seria passível de padecer de vício de nulidade [alínea d), do nº1, do artigo 615º, do CPC], na medida em que o tribunal de 1ª instância havia omitido, por completo, pronúncia relativa ao alegado e devidamente demonstrado pela autora nos artigos 92º e 115º da petição inicial, quando havia identificado correctamente aqueles factos [ver artigos 343º a 352º da ampliação do âmbito do objecto do recurso], e a jurisprudência que os suportava;

CC) Nestes termos, concluiu a recorrente que se justificava a prolação de acórdão sobre esta matéria a julgar procedentes aquelas nulidades e/ou anulação da sentença por insuficiência da matéria de facto, tudo segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente invocados em sede de ampliação do âmbito do objecto do recurso;

DD) Por conseguinte, e ainda em matéria de nulidade, evidenciou a recorrente que não conseguia descortinar, em que é que a remissão operada para as matérias constantes nos segmentos decisórios elencados a propósito da nulidade por omissão de pronúncia invocada colocava em crise o alegado e demonstrado em sede de ampliação do objecto do recurso, concluindo, assim, pela falta de julgamento e/ou falta de fundamentação dessa nulidade, justificando, por isso, a prolação de acórdão sobre esta matéria a julgar procedente a presente nulidade, nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de ampliação do âmbito do objecto do recurso;

EE) Por conseguinte, e a propósito da improcedência dos vícios A. Erro de interpretação das cláusulas 7ª e 8ª nº1 do PP; B. Violação do princípio da concorrência; G. Violação do princípio da igualdade de tratamento, e D. Violação do princípio da transparência, a recorrente remeteu para a fundamentação apresentada anteriormente por relação a tais matérias, requerendo, por conseguinte e nos termos e com os fundamentos aí elencados que o presente recurso fosse julgado procedente, e, em consequência, fosse o acórdão, revogado e substituído por outro que julgasse procedentes aqueles vícios, também nos termos e com os fundamentos invocados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso;

FF) De seguida e a propósito do vício E. Relatório Preliminar - falta de fundamentação, veio a recorrente evidenciar que o TCAS só se pronunciou sobre o dever [ou não] de fundamentar o «Relatório Final», justificando, nessa medida, a prolação de acórdão sobre esta matéria, que julgasse procedente o presente vício, nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso, dada a falta de julgamento deste vício levado à apreciação deste Venerando Tribunal Superior em sede de ampliação do âmbito do objecto do recurso;

GG) Nesta sequência, e a propósito do vício F. Relatório Final - falta de fundamentação e omissão de pronúncia, começou a recorrente por evidenciar que da leitura meramente perfunctória desse segmento decisório, facilmente se constatava pela falta de fundamentação apresentada para a matéria em apreço, resultante quer de uma vaga remissão para os fundamentos invocados em outros pontos do acórdão [cujo itinerário cognoscitivo a ora recorrente não conseguia perceber], quer da apresentação de trechos aleatórios de doutrina, que no seu conjunto contrariavam a decisão tomada, a final, pelo Venerando Tribunal a quo, pois que, se primeiramente afirmam que no relatório final não se refutam as questões suscitadas pelos concorrentes, depois concluíam que o dever mínimo de fundamentação que lhe está implícito devia compreender o motivo pelo qual se rejeitou a arguição do concorrente e se procedeu à alteração do Relatório Preliminar;

HH) Nestes termos, evidenciou a recorrente que o Júri do Concurso incorreu em omissão de pronúncia geradora de anulabilidade, por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 124º, nº1, do CCP, por não se ter pronunciado sobre o vício de violação de lei, por violação dos artigos 36º, 38º e 109º, do CCP - invocado pela autora nos pontos 33 a 42 da audiência prévia; sobre o vício de violação de lei, por introdução de uma fase de «prévia análise» dos concorrentes não prevista nas peças do Procedimento - invocado pela autora nos pontos 51 a 58 da audiência prévia; e sobre o vício de violação de lei, por violação dos princípios da imparcialidade, da concorrência e da igualdade [artigo 1º-A, do CCP] - invocado pela autora nos pontos 73 a 76 da audiência prévia - omissão e violação essas ignoradas no acórdão recorrido, quando as mesmas traduzem uma ilegalidade que se comunica ao acto de adjudicação impugnado;

II) Mais demonstrou a este propósito, que conforme evidenciado na petição inicial e na ampliação do âmbito do objecto do recurso, em sede de Relatório Final, o Júri do Concurso apresentou uma causa de exclusão da proposta da aqui recorrente, sem que a mesma tivesse tido qualquer oportunidade de se pronunciar em momento e sede própria, daí também resultando uma ilegalidade do Relatório Preliminar, por vício de falta de fundamentação, sem prejuízo da falta de fundamentação e omissão de pronúncia que impende sobre o Relatório Final;

JJ) Tudo justificando a prolação de acórdão sobre esta matéria a julgar procedente o presente vício, nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso;

KK) Por conseguinte, e a propósito do vicio G. Violação do artigo 50º nº7 do CCP, demonstrou-se que a primeira vez que foi invocada/declarada a existência de um [conveniente] erro de escrita na previsão da cláusula 8ª, nº1, do Programa do Procedimento, e proposta a sua rectificação, foi pelo Júri do Concurso, em sede de Relatório Final, isto é, em momento para o qual já não dispunha competência, não podendo, por isso, a mesma ser admitida porque intempestiva e em clara violação do disposto no artigo 50º, nº7, do CCP, justificando-se, por isso, a prolação de acórdão sobre esta matéria, a julgar procedente o presente vício, nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso;

LL) De seguida, e a propósito do vicio H. Violação da cláusula 13ª nº1 do PP demonstrou a recorrente que o entendimento de que existindo apenas uma proposta não excluída para o Lote 3, não haveria que proceder à aplicação do critério de adjudicação, não encontrava alicerce em nenhuma norma do CCP, sendo, antes, desprovida de suporte legal, legitimante constituindo, nessa medida, uma omissão/decisão ilegal, porque consubstancia vício de violação de Lei;

MM) Neste sentido, demonstrou a recorrente que aplicado o critério de adjudicação à contra-Interessada B…….., a sua proposta não poderia ser objecto de valoração, porquanto nem sequer se enquadrava na margem valorativa consagrada pela entidade demandada/recorrente - e susceptível de ponderação percentual -, na medida em que esta era, no limite, de 24.100,00€, e a contra-interessada/recorrente B……… apresentou uma proposta com o valor total de 26.700,00€, sem IVA, ou seja, uma proposta insusceptível de valoração em face do critério de adjudicação;

NN) Nesta sequência demonstrou também a recorrente que não se sabia - porque a entidade demandada não aplicou o critério de adjudicação - se a proposta da B……… consagrava, ou não, a Ejecção de tira utilizada - que é um dos Subfactores do Factor Equipamentos - ao qual é atribuída a percentagem de 10%, caso disponha, e 0% caso não disponha, para um total do factor de 35%, isto é, que com a não aplicação do critério de adjudicação, a entidade demandada nem sequer sabe o que está ou não a contratar;

OO) Impondo-se, por isso, a prolação de acórdão sobre esta matéria, a julgar procedente o presente vício de omissão de um momento essencial no CCP, que é o de aplicação do critério de adjudicação, gerador de nulidade, conforme previsto no artigo 161º, nº2, alínea I), do CPA, tudo nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso;

PP) Por conseguinte, a propósito do vício I. Violação da cláusula 6ª do PP - preço-base, veio a recorrente demonstrar que por relação àquele segmento decisório muito havia a dizer [ou divergir], tendo em atenção a [errada] interpretação impugnada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do nº1, do artigo 640º, do CPC, do conteúdo e alcance da proposta da contra-interessada, da cláusula 6ª, do Programa do Procedimento, e do artigo 47º, nº1, do CCP - parágrafos B), E), e F) dos factos dados como provados;

QQ) Demonstrando, para o efeito, a devida interpretação daqueles factos dados como assentes, porque documentalmente provados [documentos nºs 3 e 4, 58 juntos à petição inicial], impunha decisão distinta no sentido de que «o preço base do procedimento era 36.265,20€, tratando-se do montante máximo que a entidade adjudicante se dispunha a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato [incluindo eventuais renovações do contrato], não podendo tal valor ser ultrapassado em face do acrescer do valor do IVA aplicável ao caso» [ver artigo 640º, alíneas b) e c), do CPC];

RR) Pois que, atendendo ao disposto nº1 do artigo 47º, do artigo 60º, e 473º, todos do CCP, o douto tribunal de 1ª instância bem como o TCAS incorreram em manifesto erro de julgamento ao limitarem-se a decidir - sem mais, e sem atender ao necessário acrescento do valor do IVA - que «a proposta apresentada não excedeu o preço base», justificando, por isso, a prolação de acórdão a julgar procedente o presente vício, nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso;

SS) Por conseguinte, e a propósito do vicio J. Ilegalidade da cláusula 13ª nº2 do PP - critério de desempate, veio a recorrente demonstrar que por relação àquele segmento decisório muito havia a dizer [ou divergir], tendo em atenção a [errada] interpretação impugnada nos termos e para efeitos do disposto na alínea a), do nº1, do artigo 640º, do CPC, do conteúdo e alcance da cláusula 13ª do Programa do Procedimento - paragrafo E), dos factos dados como provados;

TT) Demonstrando, para o efeito, que a devida interpretação daquele facto, dado como provado, porque documentalmente provado [documento nº3 junto à petição inicial], impunha - conforme demonstrado em sede de ampliação do âmbito do objecto do recurso - decisão distinta, no sentido de que «nos termos do nº2 da cláusula 13ª do Programa do Procedimento, vem consagrado como critério de desempate o do mais curto prazo de entrega da proposta» [ver artigo 640º, alíneas b) e c), do CPC];

UU) A propósito deste segmento decisório, evidenciou a recorrente que aquando da ampliação do âmbito do objecto do recurso havia assacado dois vícios de nulidade de sentença, nos termos do disposto no artigo 615º, nº1, alíneas b) e c), do CPC, sobre os quais o Venerando Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia no acórdão, comungando, por isso, dos mesmos e justificando a prolação de acórdão a julgá-los procedentes, nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados na ampliação do âmbito do objecto do recurso;

VV) Mais demonstrou a recorrente que tal delimitação do «critério de desempate» não só não foi assim entendida pelos concorrentes destinatários do concurso público em apreço, e, ou, objecto de qualquer densificação por parte da entidade demandada, como também não encontrava qualquer eco nas peças do procedimento, motivo pelo qual tal não poderia ter sido assim entendido pelo tribunal de 1ª instância e corroborado agora pelo TCAS;

WW) A não ser assim, mais demonstrou a recorrente que existiria erro de julgamento nesta matéria, pois que do disposto na cláusula 13ª, nº2, do Programa do Procedimento, apenas resultava que o «critério de desempate será o do mais curto prazo de entrega», não se podendo senão entender como o «prazo de entrega das propostas» em consonância com o nº1, daquela cláusula, e, por isso, como manifestamente ilegal face ao teor do nº5 do artigo 74º, do CCP;

XX) Nestes termos, concluiu a recorrente que comunicando-se aquela ilegalidade ao acto de adjudicação, sempre deveria o tribunal de 1ª instância, e, por conseguinte, o TCAS, tê-lo declarado, condenando a entidade demandada a regressar ao início do procedimento de concurso, substituindo a norma ilegal por outra que cumprisse com o disposto no artigo 74º, nº5 e nº6 do CCP, tramitando ab initio o procedimento de concurso, desprovido da norma ilegal, motivo pelo qual, se justificava a prolação de acórdão sobre esta matéria a julgar procedente este vício, nos termos e pelos fundamentos legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso;

YY) No mais, demonstrou a recorrente ser de improceder o entendimento de que, ainda, que o teor da cláusula 13ª nº2 do Programa do Procedimento, fosse ilegal em face do teor do nº5 do artigo 74º do CCP, a mesma não se comunicaria ao acto de adjudicação, na medida em que tal situação de desempate não se verificou, pois que, a actuação da administração está condicionada pela legalidade e pelos princípios da concorrência, transparência, imparcialidade e igualdade, não podendo, por isso, prevalecer no âmbito de concurso público uma cláusula que padeça de ilegalidade devidamente impugnada por um concorrente;

ZZ) Sendo que, conceder-se o contrário seria entender - na esteira do Venerando Tribunal a quo - que a ilegalidade das normas/condutas da Administração não seriam sindicadas jurisdicionalmente, na medida em que não se verificassem no plano de factos circunscritos do caso concreto, o que não se concede, e justifica a prolação de acórdão sobre esta matéria, a julgar procedente o presente vicio, nos termos e segundo os fundamentos, legal e jurisprudencialmente suportados, que foram apresentados em sede de petição inicial e ampliação do âmbito do objecto do recurso;

AAA) Por último, veio a recorrente insurgir-se contra o segmento decisório constante de página 45 do acórdão sob revista, demonstrando que, no caso, e perante evidente erro na qualificação do meio processual utilizado, sempre o mesmo deveria ter sido corrigido oficiosamente pelo Venerando Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº3 do artigo 193ª do CPC, ao invés de o mesmo ter determinando, sem mais, a improcedência das alegações formuladas a este propósito nos artigos 514º a 528º da ampliação do âmbito do objecto do recurso [AC do TRL de 07.02.2019, Rº19391/15.2T8LSB.L1-2];

BBB) Justificando-se, por isso, a revogação do acórdão sob revista e a substituição por outro que admita e julgue procedente o recurso subordinado, por iniciativa da A……….., e, em consequência, condene a entidade demandada na reparação integral dos danos causados à mesma em virtude da prática do acto administrativo impugnado, ao abrigo do disposto no artigo 4º, nº2, alíneas a) e f), e 100º, nº1, do CPTA, e no pagamento integral das despesas de honorários com os seus mandatários, conforme requerido.

Termina pedindo a admissão da revista e seu provimento, e «revogação» do acórdão recorrido mantendo-se a sentença da 1ª instância. Caso assim não se entenda, então que seja revogado o acórdão recorrido e julgada procedente a ampliação subsidiária do objecto do recurso de apelação, devendo a sentença ser anulada nos termos pedidos. Caso ainda assim não se entenda, que seja admitido, e concedido provimento, ao seu «recurso subordinado» interposto para a 2ª instância.

2. A entidade demandada - CHB - contra-alegou e formulou estas conclusões:

a) A inadmissibilidade do Recurso de Revista:

1- O presente recurso não preenche os pressupostos previstos no artigo 150º, nº1, do CPTA, porquanto as questões em causa não são questões cuja relevância jurídica ou social revista importância fundamental ou para a qual seja necessário um recurso de revista para melhor aplicação do direito;

2- É especialmente sintomático da ausência de fundamento que justifique o recurso de revista o facto de a recorrente tentar identificar uma miríade de «matérias de relevância social fundamental nos artigos 53º a 71º das alegações de recurso», todas retiradas de questão que, como se vê, não tem qualquer aplicação fora do caso concreto: o Lote 3 do procedimento pré-contratual em causa estava ou não dividido em duas posições adjudicáveis individualmente?

3- Todas e cada uma das supostas «matérias de relevância social» fundamental são invocadas de forma meramente conclusiva, não sendo explicado por que razão todas essas «matérias» têm relevância social, ainda para mais «fundamental», que justificasse pedir a este STA que volte a analisar a questão de direito discutida nos presentes autos [ainda que através dos inexistentes vícios invocados pela autora nos presentes autos, como bem os declarou o tribunal a quo no acórdão recorrido];

b) Subsidiariamente, a improcedência do recurso:

4- O nº1 da cláusula 8ª do Programa de Procedimento não padece de ambiguidade, mas apenas carece de interpretação nos termos das regras aplicáveis à interpretação de normas, e em linha com o princípio do aproveitamento do procedimento;

5- Identifica-se claramente o problema na interpretação que a sentença de 1ª instância fez e que a recorrente também faz: partem de um pressuposto de facto errado e não provado [nem a própria sentença de 1ª instância o deu como provado] de que o lote 3 se dividia em duas «tipologias» diferentes, isso sem fundamentar por que razão assim entendia quando o próprio CHB demonstrou expressamente na sua contestação [artigos 99º a 101º] que as designações de bens constantes do lote 3 não eram «tipologias» e que a divisão por lotes é que foi realizada por «tipologia», isto porque, como aí foi demonstrado;

6- Por razões técnicas que presidiram à construção dos lotes previstos no Anexo 1, os dois bens identificados no lote 3 pertencem à mesma «tipologia» [ou seja, há 3 «tipologias» e os 3 lotes correspondentes - ainda que sejam no total quatro bens, pois o lote 3 integra dois bens];

7- Dúvidas não há de que a parte do nº1 da cláusula 8ª do PP aplicável ao procedimento era a segunda - ou seja, de que havia lotes previstos e de que a adjudicação seria feita por lote -, uma vez que o Anexo 1, para onde remete, está precisamente dividido por lotes, e cada lote corresponde a uma «tipologia» [incluindo como sobejamente demonstrado, por razões técnicas, o lote 3 que contém dois bens];

8- O CCP só admite e assume é que a adjudicação seja feita por uma de duas formas [artigos 46º-A e 73º do CCP]: (i) unitariamente, é dizer, sem lotes, ou (ii) separadamente, é dizer, por lotes; o que o CCP não admite, naturalmente, é o fraccionamento de um lote para efeitos de adjudicação, ou seja, não admite a adjudicação de parte de um lote, pelo que se o procedimento está dividido por lotes, é impossível legalmente adjudicar parcialmente um deles;

9- O termo «tipologia» constante dessa segunda parte do nº1 da cláusula 8ª do PP não pode ser utilizado nos termos em que o foi pela sentença de 1ª instância, nem pela recorrente: a expressão «tipologia» é obviamente empregue naquela norma procedimental com o único e preciso sentido de categorizar ou agregar os bens que integram um determinado lote, de forma a explicitar que o lote 3, não obstante ser composto por bens que não são exactamente iguais, é composto pelos dois bens especificamente nele identificados [Anexo I ao Caderno de Encargos];

10- Para além disso, a redacção constante da aludida segunda parte do nº1 da cláusula 8ª do PP tem de ser interpretada em conformidade (i) com o teor do nº1 da cláusula 13ª do Programa de Concurso, onde se prevê, naturalmente, a avaliação, para efeitos de adjudicação, da totalidade de cada um dos lotes do procedimento, incluindo do lote 3 [«A adjudicação será feita, nos termos e para os efeitos do artigo 74º do CCP, segundo a modalidade do melhor preço - custo para o Lote 1 e para o Lote 2 e 3 melhor relação qualidade – preço»], e (ii) com o teor do Anexo I ao Caderno de Encargos indicado na própria norma [maxime a designação dos lotes do procedimento na coluna da esquerda do referido Anexo I - «LOTE», destaque no original], de onde fica claro que o lote 3 é composto pelos 2 bens aí indicados, não podendo ser adjudicado o lote em termos fraccionados ou seja, bem a bem;

11- Acresce que só a interpretação aqui sustentada pelo CHBM se apresenta conforme com o interesse público: por um lado, porque a interpretação sustentada pela autora conduziria a um resultado ilegal [por não ser admissível adjudicar de forma fraccionada, parcial, um lote, como referido]; por outro lado, porque existe efectivamente uma razão técnica determinante para a constituição do lote 3 com os dois bens nele identificados e que consiste na pretensão do CHBM de ter um único equipamento para a leitura da glicémia e dos corpos cetónicos, o que constitui uma evidente vantagem funcional nos serviços clínicos, evitando que a duplicação de equipamentos para esta função, de forma a optimizar o espaço disponível no laboratório, com ganhos de eficiência na actividade;

12- Ao contrário do que a recorrente lhe imputa, a interpretação que o acórdão recorrido fez é, precisamente, aquela que estava legalmente obrigada a fazer, utilizando as regras aplicáveis à interpretação de normas, não havendo doutrina ou jurisprudência em que se devesse suportar para ter entendimento contrário ao que teve, nem a própria recorrente as invoca;

13- Enquanto a interpretação feita pelo acórdão recorrido atenta ao próprio contexto em que se inserem as normas em causa - as demais normas previstas nas mesmas peças - e ao que legalmente seria admissível, a interpretação que a recorrente pretende fazer, essa sim inovadora e sem qualquer sustento, não só não atenta ao referido contexto, como se limita a atentar apenas a parte da própria cláusula 8ª;

14- O acórdão ora recorrido decidiu, e bem, que o pretenso vício de violação do princípio da concorrência invocado pela recorrente é improcedente, porquanto a constituição do lote 3 com os dois bens aí previstos está perfeitamente justificada do ponto de vista técnico, devendo ainda ter-se presente que se deve reconhecer à entidade adjudicante uma significativa latitude na definição das especificações técnicas e no modo como divide o objecto contratual por lotes, mesmo que tal signifique uma significativa compressão do princípio da concorrência, desde que materialmente justificada, o que é o caso;

15- Mesmo que se chegasse à conclusão de que uma determinada especificação técnica ou escolha administrativa por determinada opção sobre o modo de divisão do objecto contratual [por lotes] é restritiva da concorrência, certo é que a concorrência, como é sabido, não tem um valor absoluto, devendo, como todos os princípios, aliás, ser compatibilizada com os demais princípios potencialmente aplicáveis, sendo que, no caso concreto, prevalece o «princípio da prossecução do interesse público», que justifica a necessária compatibilidade dos equipamentos;

16- Como também bem decidiu o acórdão recorrido, também não procede a alegada violação do princípio da igualdade de tratamento, sendo que, recorda-se, a recorrente apenas alegou de forma genérica a pretensa violação de tal princípio na petição inicial, não tendo alegado factos concretos, de natureza técnica ou científica, que pusessem em causa a forma como o lote 3 foi desenhado nas peças procedimentais, ou seja, não invocou factos concretos na petição inicial que levassem a concluir por uma desigualdade de tratamento na forma como o lote foi concebido, por um erro grosseiro por parte do CHBM em tal concepção, pelo que o Tribunal de 1ª instância nada tinha para que pudesse concluir pela existência de uma qualquer descriminação injustificada da posição da autora, ora recorrente, ou de outros, e, consequentemente, também não podia o acórdão ora recorrido decidir de forma diferente da que decidiu;

17- Como também bem decidiu o acórdão recorrido, também não procede a pretensa violação do princípio da transparência alegada pela recorrente porquanto as normas concursais em causa não padecem de ambiguidade, mas apenas de interpretação nos termos das regras aplicáveis à interpretação de normas e à luz do princípio do aproveitamento do procedimento, o que foi feito, e bem, pelo acórdão recorrido:

18- Ao contrário do que a recorrente alega, o acórdão recorrido pronuncia-se sobre a alegada falta de fundamentação não só do «Relatório Final», mas também do «Preliminar»;

19- Nem o «Relatório Preliminar» nem o «Relatório Final» são passíveis de impugnação judicial, por não consubstanciarem decisões administrativas, contendo apenas propostas de decisões administrativas, as quais são posteriormente tomadas pelo órgão competente para a decisão de contratar [ver , em termos impressivos, o nº4 do artigo 124º do CCP, ao referir que «cabe ao órgão competente para a decisão de contratar decidir sobre a aprovação de todas as propostas contidas no relatório final, nomeadamente para efeitos de adjudicação»];

20- Ao contrário do alegado pela recorrente, o «Relatório Preliminar» está fundamentado, indicando as razões para as decisões quanto a cada proposta, indicando, quanto à proposta da recorrente, a razão da sua exclusão [NÃO CONCORRE A TODAS AS POSIÇÕES DO LOTE], sendo ostensivamente perceptível para qualquer destinatário, incluindo para o destinatário menos diligente que se possa equacionar, a percepção do motivo de cada uma das decisões propostas no «Relatório Preliminar»;

21- O «Relatório Final» apreciou globalmente todas as questões suscitadas pela recorrente em sede de audiência prévia, o teor e conclusões do Relatório Preliminar, estando ambos os actos - o de exclusão da sua proposta e o de adjudicação da proposta da contra-interessada - devidamente fundamentados, antes não concordando a recorrente com esses fundamentos;

22- Ao contrário do que a recorrente alega, o acto impugnado não padece do pretenso vício de violação do disposto no nº7 do artigo 50º do CCP, porquanto, como bem decidiu o acórdão recorrido, o júri do procedimento não procedeu a quaisquer rectificações das peças do procedimento, mais especificamente do nº1 da cláusula 8ª do Programa do Procedimento, tendo apenas expressado um determinado sentido interpretativo do texto, dele extraindo um sentido útil [interpretação restritiva, nos termos do disposto no artigo 9º, nº1, do Código Civil];

23- Como bem decidiu o acórdão recorrido, o acto impugnado nos presentes autos não violou a cláusula 13ª, nº1, do Programa do Procedimento e os artigos 70º, nº1, e 122º, nº1, do CCP, apenas a proposta apresentada pela contra-interessada B……….. não incidia em quaisquer causas de exclusão, pelo que «perdeu base real de concretização o acto de avaliação do mérito através da subsunção dos seus atributos nos factores que densificam o critério de adjudicação e levados ao modelo de avaliação previsto no procedimento para escolha de uma das propostas apresentadas», ou seja, era a única proposta adjudicável, por ser a única proposta que não incidia em causas de exclusão, pelo que avaliá-la seria um acto absolutamente inútil;

24- Ao contrário do alegado pela recorrente, o preço contratual não é contabilizado com o IVA incluído, sendo manifestamente violadora a interpretação da recorrente do disposto no nº1 do artigo 60º e no artigo 473º do CCP, nem o acórdão citado pela recorrente no seu recurso [artigo 205º] suporta o entendimento desta [nem tinha como], porquanto o mesmo se refere a uma realidade distinta;

25- Ao contrário do alegado pela recorrente, não existe qualquer ilegalidade no critério de desempate previsto na cláusula 13ª, nº2, do Programa do Procedimento [O critério de desempate será o do mais curto prazo de entrega] porquanto o mesmo nada tem que ver com o momento da entrega da proposta, mas sim como o prazo de entrega dos bens a concurso [aspectos de execução do contrato em causa], tendo tal sido manifestamente óbvio tanto para a sentença de 1ª instância como para o acórdão ora recorrido;

26- A sentença de 1ª instância decidiu, e bem, que o pedido indemnizatório apresentado pela recorrente não podia proceder porquanto «não foram alegados quaisquer factos sustentadores da verificação dos pressupostos respectivos, que são de verificação cumulativa» e o acórdão ora recorrido decidiu, também bem, que uma vez que a sentença de 1ª instância tinha absolvido a entidade demandada do pedido indemnizatório em causa a matéria a esse respeito constante dos itens 136 a 141 das conclusões apresentadas pela recorrente no seu pedido de ampliação dos recursos que tinham sido interpostos pelo CHBM e pela contra-interessada B……. extravasa o âmbito legal desse mesmo requerimento, pelo que, não tendo a recorrente interposto antes um recurso subordinado dessa matéria, a decisão quanto a esta transitou em julgado, não impendendo sobre o tribunal a quo qualquer dever de convidar a autora a recorrer daquilo que, podendo ter feito, não recorreu em tempo.

Termina propondo a não admissão da revista, e, de todo o modo, que lhe seja negado provimento.

3. A contra-interessada B……. também contra-alegou, mas não formulou conclusões, sendo que advoga a não admissão do recurso de revista e, de todo o modo, o seu não provimento.

4. Mas a revista foi admitida por este Supremo Tribunal - «Formação» a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA.

5. O Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento da revista e manutenção do decidido no acórdão recorrido - artigo 146º, nº1, do CPTA.

6. Sem «vistos», por se tratar de processo urgente - artigo 36º nº1 alínea c) do CPTA -, cumpre apreciar e decidir a revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêem das instâncias:

A) A autora apresentou, no âmbito do «Procedimento por Consulta Prévia nºF60006/2018 - Fornecimento de Meios de Diagnóstico Não Radiológico ao Centro Hospitalar Barreiro Montijo EPE» a proposta junta com o processo administrativo [PA] - cujo teor se dá por reproduzido - para a posição 2 do lote 3, pelo valor de 22.000,00€;

B) A contra-interessada B………. apresentou, no âmbito desse mesmo procedimento - Procedimento por Consulta Prévia nºF60006/2018 - Fornecimento de Meios de Diagnóstico Não Radiológico ao Centro Hospitalar Barreiro Montijo EPE -, a proposta junta com o PA - cujo teor se dá por reproduzido - para as duas posições do lote 3, pelo valor total de 26.700,00€, sendo o valor de 2.450,00€ para a posição 1, e o de 24.250,00€ para a posição 2;

C) Dá-se por reproduzido o teor do Programa do Procedimento [PP] junto com o PA, de cujas cláusulas 7ª e 8ª, ponto 1, consta o seguinte:

Cláusula 7ª - Propostas variantes e parciais

Não se aceita a apresentação de propostas variantes nem parciais.

Cláusula 8ª - Adjudicação e fornecimentos

1. No presente procedimento não se efectuam adjudicações de propostas por lotes, nos termos do previsto nos artigos 22º e 73º nº2 do CCP. A divisão em lotes, quando aplicável, corresponderá às tipologias de bens constantes do anexo 1-mapa de quantidades.

D) E da cláusula 13ª, pontos 1 e 2 consta o seguinte:

Cláusula 13ª - Critério de Adjudicação

1. A adjudicação será feita, nos termos e para os efeitos do artigo 74º do CCP, segundo a modalidade do melhor preço-custo para o Lote 1 e para o Lote 2 e 3 melhor relação qualidade-preço;

2. O critério de desempate será o do mais curto prazo de entrega.

E) Dá-se por reproduzido o teor do Caderno de Encargos junto com o PA, constando dos «Anexos» 1 e 2 o seguinte:

Anexo 1 - Lista de quantidades, disponível e preenchida integralmente na plataforma.

F) E da cláusula 6ª consta o seguinte:

Preço base do procedimento

1. Nos termos do previsto no artigoº 47º do CCP, indica-se como preço base do procedimento o valor de 36.265.20€ [Trinta e seis mil duzentos e sessenta e cinco euros e vinte cêntimos].

G) A Entidade Demandada, no «Relatório Preliminar» - de folhas 48-49 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido - propôs a exclusão da proposta apresentada pela autora por não ter concorrido a todas as posições do lote;

H) A autora apresentou, em sede de audiência prévia, a pronúncia de folhas 50-55 - cujo teor se dá por reproduzido - e na qual requereu a admissão da sua proposta à posição 2 do lote 3, com prolação de novo «Relatório Preliminar»;

I) No «Relatório Final» - de folhas 57 verso a 58 verso dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido - referiu-se, designadamente, que «A empresa que apresentou Observações na plataforma electrónica, relativamente ao Lote 3 foi:

- A………., Sociedade Unipessoal, Lda.

Após análise da observação, o júri deliberou por unanimidade não dar provimento à mesma, porquanto: O que a empresa A…….. classifica de erros nas peças do procedimento não revestem quaisquer alterações ou contributos, nem comprometem qualquer decisão havida sobre a classificação das propostas, sendo que as peças dos procedimentos contém cláusulas gerais, que como se diz e bem podem ou não ser aplicáveis aos bens a adquirir.

Efectivamente, diz a cláusula 8ª do Programa, que não prevê a adjudicação de lotes: porém, na mesma cláusula se diz que a divisão em lotes, quando aplicável, corresponderá à tipologia dos bens constantes do Anexo I, o que está bem definido no respectivo Anexo, sendo naturalmente intenção do CHBM a sua pretensão, quando no mapa de quantidades identifica lotes, e quando inclusivamente identifica critério de adjudicação para diferentes lotes, concluindo-se portanto de um erro de escrita em face do teor do programa.

O Júri não procedeu à ponderação do critério identificado para o lote 3, nem teria que o fazer, pelo simples facto de em face do seu entendimento de exclusão das restantes propostas, havendo apenas 1 proposta classificada, o que não carece assim, de se proceder à densificação, valorização das propostas excluídas.

Entende-se porém, e analisados todos os fundamentos do concorrente A……, que ao mesmo não assiste razão, pois a A……. apresenta o que configura uma proposta parcial, estando vedada nas peças do procedimento a apresentação de propostas parciais nos termos da cláusula 7ª do programa, sendo clara intenção do CHBM adjudicar a um único concorrente ambos os produtos farmacêuticos, Reagentes de Determinação de Corpos Cetónicos no sangue-Caixa, e Reagente para determinação de Glucose no Sangue-Caixa.

Em face do exposto e porque não se altera o posicionamento das empresas em termos da sua classificação, não haverá lugar a nova audiência prévia, mantendo-se a proposta de:

- Exclusão da Empresa A………, pelo facto da sua proposta configurar uma proposta parcial e violar o previsto na cláusula 7ª do Programa, conforme prevê o nº2 do artigo 70º do CCP.

J) No mesmo «Relatório» foi proposta a adjudicação às empresas B………. LDA e ………….. SA […………];

K) Por despacho datado de 20.02.2018 foi autorizada a decisão de contratar com as empresas:

- B…………………., LDA - 28.302,00€, com IVA incluído;

- …………….. SA - 246,00€ com IVA incluído - ver PA.

Não ficou provado, por falta de alegação de factos concretos e prova, que existam dois únicos operadores que dispõem de ambas as tipologias previstas no Lote 3.

III. De Direito

1. A A……… intentou no TAF de Sintra esta acção de contencioso pré-contratual pedindo a anulação da adjudicação proferida no procedimento por consulta prévia nºF60006/2018 - Fornecimento de Meios de Diagnóstico não radiológico ao CHBM, e a condenação do CHBM à prática do acto devido e à reparação dos danos para ela derivados das ilegalidades que aponta ao acto impugnado.

Para o efeito invocou erro na interpretação e aplicação das cláusulas 7ª e 8ª - 2ª parte - do Programa do Procedimento [PP], que levou à «exclusão» da sua proposta, porque o entendimento adoptado não tem correspondência na letra das mesmas e é violador dos princípios da concorrência e da igualdade de tratamento. Entende, para além disto, que os relatórios - «Preliminar» e «Final» - carecem da devida fundamentação, e o «Final», ainda, de omissão de pronúncia, e que são violados os artigos 50º nº7, 47º nº1, 70º nº1, e 122º nº1, do CCP, e as cláusulas 6ª e 13ª nº1 do PP, sendo o nº2 desta última ilegal.

É por tudo isto que defende que a adjudicação deverá ser anulada, pois tais ilegalidades se lhe comunicam, e a exclusão da sua proposta, à posição 2 do lote 3, substituída pela respectiva admissão, com subsequente reformulação do Relatório Preliminar e aplicação do critério de adjudicação.

O TAF julgou a acção parcialmente procedente, ou seja, anulou o acto de adjudicação e condenou o CHMB a restabelecer a situação que existiria se a proposta da A…… não tivesse sido excluída, mas absolveu-o do pedido indemnizatório.

Em abono destas decisões, entendeu que a exclusão da proposta da A……. «à posição 2 do lote 3», por ser uma proposta «parcial», se baseou numa interpretação das ditas cláusulas - 7ª e 8ª do PP - que não é permitida pelo respectivo texto, o qual padece de uma ambiguidade que não foi esclarecida antes da apresentação das propostas. Assim, considerou resultar violado o princípio da transparência e que esta violação tem efeitos invalidantes quer na exclusão da proposta da A…… que na adjudicação do contrato à B……..

Quanto ao mais, entendeu o TAF que não resultava violado o princípio da concorrência, nem o princípio da igualdade de tratamento - nomeadamente porque não se provou a existência de apenas 2 operadores em condições de fornecer as duas tipologias do lote 3, nem que não existam razões de natureza técnica ou científica que impedissem a separação das mesmas -, nem a alegada violação do critério de desempate da cláusula 13ª do PP. O conhecimento dos restantes vícios invocados pela A…….. foi considerado prejudicado. E julgou improcedente o «pedido indemnizatório» porque não foram alegados quaisquer factos sustentadores da verificação dos pressupostos respectivos…».

O TCAS, conhecendo das apelações interpostas pelo CHBM e pela contra-interessada B……., concedeu-lhes provimento, revogou a sentença do TAF no tocante aos pedidos de anulação e de condenação à prática do acto devido, e julgou improcedente a ampliação do âmbito do recurso deduzida pela A……..

Vem esta última, em revista admitida, discordar do acórdão do tribunal de apelação, e apontar-lhe nulidades e erros de julgamento de direito.

No capítulo das nulidades, alega que o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre duas questões: - sobre a invocada falta de fundamentação do «Relatório Preliminar» e sobre a falta de fundamentação do «Relatório Final». No capítulo dos erros de julgamento de direito a sociedade A……… aponta ao acórdão sob revista os seguintes: - errada interpretação e aplicação da cláusula 8ª nº1 do PP, a qual é susceptível de violar os princípios da concorrência, da igualdade e da transparência; - errada interpretação e aplicação do artigo 50º nº7 do CCP, das cláusulas 6ª, 13ª nº1 e nº2 do PP; - e errada interpretação e aplicação da lei relativamente ao «julgamento de improcedência» da sua ampliação do objecto do recurso [de apelação]. Pede, ainda, a este STA, a condenação do CHBM na «reparação integral dos danos causados em virtude da prática do acto administrativo impugnado», pelo que entendemos achar errado, também, o julgamento a tal respeito efectuado pelo tribunal de apelação.

2. Manda a boa metodologia jurídica que o tribunal ad quem comece por conhecer das nulidades que no recurso são apontadas ao acórdão recorrido, dado que o respectivo julgamento de procedência acarreta a sanção drástica da nulidade do mesmo, e não só a sua revogação.

Como deixamos dito no relatório, na prolixidade das conclusões da revista divisamos a imputação de duas nulidades ao acórdão recorrido, melhor uma nulidade, a da omissão de pronúncia, mas relativa a duas diferentes questões: - omissão de pronúncia sobre a questão - invocada na «ampliação do âmbito do recurso» - de alegada falta de fundamentação do Relatório Preliminar; - e omissão de pronúncia sobre a questão - também invocada na «ampliação do âmbito do recurso» - de alegada falta de fundamentação do «Relatório Final».

Mas a A………, enquanto requerente da ampliação do âmbito da apelação, e arguente desta nulidade do acórdão recorrido, carece de razão.

Efectivamente, as questões da alegada «falta de fundamentação» dos dois relatórios do procedimento de concurso, que foram suscitadas em sede de petição inicial - artigos 149 a 172 -, e cujo conhecimento a sentença do TAF considerou prejudicado, foram levadas às «conclusões 95 a 109 das alegações referentes à ampliação do âmbito da apelação», e mostram-se tratadas, muito embora de forma minimalista, no acórdão ora recorrido, e nomeadamente na sua folha 42. Aí se diz, em suma, que essas questões são julgadas improcedentes «pelas razões de direito expostas supra», referindo-se aos pontos 3, 4 e 5, do julgamento de direito do acórdão.

Como vem reiterando a jurisprudência, apenas a «total» não pronúncia sobre questão que o tribunal devesse conhecer - porque arguida pelas partes, ou de conhecimento oficioso do tribunal - é que é susceptível de gerar a nulidade da sentença [ou acórdão] por omissão de pronúncia. Uma pronúncia minimalista, como no caso, remete-nos logo para o âmbito do «erro de julgamento» e não da «nulidade substantiva».

Tanto basta para que deva ser julgada improcedente a nulidade, suscitada pela A……, sobre a omissão de pronúncia do acórdão recorrido relativamente às duas identificadas questões jurídicas.

3. No âmbito dos «erros de julgamento de direito» invocados nas conclusões da revista, um deles, pelas consequências que poderá acarretar, impõe primazia de conhecimento sobre os restantes. Trata-se do alegado erro de julgamento de direito sobre a violação dos princípios da concorrência e da igualdade, violação esta que a recorrente A……… - em sede de ampliação do âmbito da apelação - invoca acoplada à errada interpretação e aplicação da cláusula 8º, nº1, do PP.

Constata-se que a A……, enquanto autora desta acção, defendeu que a correcção da cláusula 8ª do PP, feita em sede de Relatório Final, e com fundamento em tratar-se de um erro de escrita, era ilegal, e para além do mais, a interpretação da cláusula que daí resultava, e que justificava a exclusão da sua proposta, por ser uma proposta parcial - e enquanto tal proibida pela cláusula 7ª do PP - falseava também os princípios da concorrência e da igualdade, violando-os.

Na mira de densificar esta última violação, a A…… invocou, na petição inicial, que no mercado apenas as concorrentes …….. e B……. dispunham de ambas as soluções previstas no lote 3 - ver ponto E) do provado -, que a entidade demandada sabia isso mesmo, e que foi por essa razão que adoptou a referida interpretação da cláusula 8ª, pois que, sem justificação técnico-científica plausível que exigisse a agregação das duas soluções, pretendia manter como parceira contratual a B……. - à qual acabou «adjudicado» o lote 3 - que a fornecia há mais de 5 anos [artigos 86 a 91 da petição inicial]. E disse que se propunha provar isto mesmo através de testemunha que arrolou […………].

Esta alegação factual foi impugnada pelas demandadas, apenas o CHBM admitiu que a B…….., efectivamente, o fornecia há mais de 5 anos [artigos 37 da contestação da B……. e 36 e 49 da contestação do CHBM]. Ambas indicaram testemunhas […….. e ………, pela B…….., e ……… pelo CHBM].

No saneador-sentença, a 1ª instância deu razão à autora quanto à alegada violação do princípio da transparência, pois considerou que a dita cláusula 8ª era ambígua e que esta ambiguidade não era passível «de ser eliminada com recurso às regras que disciplinam a interpretação das normas jurídicas». Mas julgou improcedentes as alegadas violações dos princípios da concorrência e da igualdade, nomeadamente por não se ter provado «a existência de apenas 2 operadores em condições de fornecer as duas tipologias do lote 3», nem se ter provado «que não existam razões de natureza técnica ou científica que impedissem a separação» das mesmas [folha 28 da sentença].

Em sede de «apelação», melhor, de «ampliação do âmbito da apelação», a A……. veio discordar, longamente, deste julgamento feito na sentença a respeito dos princípios da concorrência e da igualdade. Defende que o saneador-sentença padece de «insuficiência de matéria de facto» e de «défice de actividade instrutória» para assim poder decidir - ver conclusões 66 a 94].

Como já sabemos a 2ª instância discordou da violação do princípio da «transparência», mas manteve o julgamento do TAF relativamente aos princípios da «concorrência» e da «igualdade». Quanto à alegada insuficiência de matéria de facto, e défice de actividade instrutória, entendeu que ela se reconduz à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, e que no caso não se mostram observadas as prescrições adjectivas em sede de reapreciação da prova nos termos dos artigos 639º nº1, e 640º, nº1 alíneas a) b) e c), do CPC.

Nesta sede de revista, vem a A……., de novo, insistir na errada interpretação da dita cláusula 8ª, nº1, do PP, feita pela entidade demandada, e corroborada pelo tribunal de apelação, porque ela, de acordo com os factos que articulou na petição inicial e que se comprometia provar, viola os princípios da concorrência e da igualdade.

Queixa-se de que foi surpreendida pela decisão da 1ª instância, proferida sem que lhe tivesse sido dada oportunidade de provar - como se propôs - factos que, conforme resulta da própria sentença, são relevantes para a apreciação e decisão da alegada violação de princípios, e de que se mostra preterido o estipulado no artigo 90º, nº3, do CPTA, uma vez que nem foram realizadas as diligências de prova nem foi proferido despacho que, de modo fundamentado, as considerasse desnecessárias. E queixa-se de que o tribunal de apelação errou na forma como encarou, apreciou e decidiu a sua discordância sobre toda essa situação jurídica anómala.

4. Como dispõe a lei, a este tribunal de revista compete aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido [artigo 150º, nº3, do CPTA]. É um tribunal que só conhece de direito [artigo 12º, nº4, do ETAF], podendo abordar alegado erro na apreciação das provas, ou na fixação dos factos materiais da causa, nos estritos termos previstos na lei [artigo 150º, nº4, do CPTA].

No presente caso, a aplicação, sem mais, do regime jurídico considerado adequado aos factos que nos vêem das instâncias, era pura e simplesmente esquecer um dos pontos mais relevantes deste litígio, que tem a ver precisamente com a falta de instrução sobre factos articulados, impugnados, e que o próprio tribunal - ao dá-los como «não provados» -, considerou relevantes para apreciar a «questão» da alegada violação dos princípios da concorrência e da igualdade.

Embora a A……., na sua ampliação do âmbito da apelação, não a trate expressamente sob esta espécie, do que se tratou foi, precisamente, da arguição de nulidade processual perante o tribunal superior ao considerar que fora «omitida» instrução que se impunha sobre factos que têm influência no exame ou na decisão da causa, arguição que se mostra oportunamente apresentada [artigos 195º nº1, e 199º nº1, do CPC, ex vi 1º do CPTA]. E nada impede este tribunal de qualificar juridicamente a arguição feita pela apelante - «jura novit curia» - assim como nada o impede de apreciar tal nulidade enquanto mera questão de direito.

Deste jeito, o tribunal de apelação, ao encarar a reclamação levada às conclusões 66 a 94 da A……… como invocação de erro sobre o julgamento de facto, foi ele que errou no seu julgamento de direito, provocando, com isso, a manutenção de uma anomalia que pode vir a ser relevante em sede de decisão final do litígio.

Este «erro de julgamento de direito» do acórdão recorrido impõe a sua revogação, e a clara «nulidade processual», por omissão de instrução, ocorrida na sentença, impõe a sua anulação, bem como dos actos a ela subsequentes, devendo os autos «baixar» ao TAF de Sintra para aí se proceder à instrução omitida, nos termos que ficaram referidos.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos revogar o acórdão recorrido, anular a sentença, e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para proceder à instrução omitida.

Custas pelas demandadas, em partes iguais.

Lisboa, 24 de Setembro de 2020

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros ANA PAULA PORTELA e ADRIANO CUNHA - têm voto de conformidade.