Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0871/19.7BEPRT
Data do Acordão:06/08/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:ADMINISTRADOR DA INSOLVENCIA
TRANSPARÊNCIA FISCAL
Sumário:Não é aplicável às sociedades de Administradores de Insolvência o regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, para efeito de ser imputada no rendimento dos sócios, em sede de IRS, a matéria coletável da sociedade, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, uma vez que a atividade do Administrador Judicial não está especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
Nº Convencional:JSTA000P29523
Nº do Documento:SA2202206080871/19
Data de Entrada:07/13/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..........., contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.ºs 2018 5005592243, 2018 5005592874 e 2018 5005593431, referentes aos anos 2014, 2015 e 2016, onde foram apurados, após acerto de contas, valores a pagar de € 8.434,85, € 9.465,88 e € 33.713,16, respetivamente, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRS n.ºs 2018 5005592243, 2018 5005592874 e 2018 5005593431, referentes aos anos 2014, 2015 e 2016, onde foram apurados, após acerto de contas, valores a pagar de € 8 434,85, € 9 465,88 e € 33 713,16, respetivamente.
B. Alegou o impugnante que as sociedades de administradores de insolvência, como é o caso da sociedade “A’……… SAI, Unipessoal Lda.”, de que é sócio único, não podem ser enquadradas no regime da transparência fiscal, pelo que a matéria coletável da referida sociedade não deve ser imputada ao Impugnante, não se integrando no seu rendimento tributável para efeitos de IRS.
C. Sustentou, para tanto, que a actuação do administrador judicial passa pela execução de atividades diversificadas, não estando esta profissão elencada especificamente na tabela de actividades mencionada no art.º 151º do Código do IRS (CIRS), o que afasta a aplicabilidade do regime da transparência fiscal, por não ter enquadramento no art.º 6º do Código do IRC (CIRC) e que,
D. ocorreu uma duplicação de colecta, uma vez que nos exercícios de 2014 a 2016 a sociedade “A’………. – SAI, Unipessoal Lda.” efectuou a liquidação e pagamento de IRC, sendo que o Impugnante também efectuou o pagamento do IRS dos anos de 2014 a 2016, pelo que sobre os mesmos rendimentos, a mesma actividade profissional e os mesmos períodos temporais, incidiram dois impostos.
E. A questão decidenda prende-se em saber se tal como defende o inciso decisório não é aplicável às sociedades de administradores de insolvência o regime da transparência fiscal previsto no artigo 6º do IRC e se não pode a actividade de administrador de insolvência, ser considerada como uma actividade de “administradores de bens”.
F. Concluiu o inciso decisório as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por errada interpretação das referidas normas, o que acarreta a sua anulação e a obrigação de restituir o imposto indevidamente pago.
G. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento em matéria de direito, considerando que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, pois contrariamente ao julgado procedente, entende que o regime da transparência fiscal é também aplicável às sociedades de administradores de insolvência.
H. O entendimento da Autoridade Tributária quanto a esta matéria é em sentido oposto ao expresso no douto inciso decisório.
I. Consultado o portal das finanças, na área de informação disponível aos sujeitos passivos constam duas informações vinculativas em que foi esclarecido o enquadramento para efeitos de IRS da atividade dos administradores de insolvência e respetiva sujeição ao regime da transparência Fiscal.
J. Trata-se das informações vinculativas solicitadas respectivamente no âmbito do processo 3716/2008, com despacho concordante do substituto legal do Diretor-Geral dos Impostos, de 28-12-2009 e no âmbito do processo 1774/2017, com despacho concordante da Directora de Serviços do IRS, de 28-12-2017, as quais veiculam um sentido diverso do inscrito na sentença.
K. Em síntese, resulta desses públicos documentos o seguinte:
L. O processo de insolvência tem como finalidade, a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
M. No âmbito deste processo, cabe ao designado administrador de insolvência, nomeadamente prover à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à preparação do pagamento das suas dívidas à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram, conforme artigo 55º do CIRE.
N. A par desta função essencial, estão-lhe atribuídas outras tarefas, de natureza complementar, como sejam o acompanhamento do insolvente ou mesmo a sua substituição, em actos ou procedimentos em que intervêm os credores, mas que a sua intervenção noutros procedimentos, não afasta essa sua função essencial, qual seja a de administrar os bens do insolvente e garantir o pagamento dos credores.
O. No âmbito da incidência real do IRS, o rendimento decorrente do exercício de funções de administrador de insolvência, enquadra-se na categoria B do IRS, tendo em conta a forma autónoma como a mesma é exercida, não obstante a obrigatoriedade de prestação de contas ao Tribunal e à Assembleia de Credores, cabe na lista de actividades a que se refere o artigo 151º do CIRS, na actividade de “Administrador de bens”, com o código 1310.
P. Entende-se pois que a designação de administrador de bens, deve ser entendida em sentido amplo, ou seja, referindo-se à pessoa encarregada de gerir um património, praticando todos os actos inerentes a essa gestão/administração. Aliás, desta particular característica deriva até a própria designação da função “Administrador de Insolvência/Judicial”.
Q. É certo que, na tabela de actividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS não consta um código que se refira expressamente ao Administrador Judicial, não obstante existir o código 1310 relativo aos administradores de bens.
R. É entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência da impugnação judicial, por não estarem as liquidações ora em apreço feridas de ilegalidade, sendo que estas por serem legal, se deverão manter na ordem jurídica.
S. Tendo presente que a situação em apreço se encontra correcta e fundamentadamente enquadrada no regime da administração de bens, naturalmente que será de aplicar, como foi aplicado, em sede de procedimento inspectivo, o regime de tributação da transparência fiscal.
T. Este regime aplica-se a sociedades com sede ou direcção efectiva em território português, sendo a matéria colectável imputada aos sócios, integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, ainda que não tenha havido distribuição de lucros, e que a seguir se indicam:
a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b) Sociedades de profissionais;
c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, directa ou indirectamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.
U. Aliás, quanto às sociedades de profissionais determina o artigo 6.º, n.º 4, a), 1) do CIRC que, para ser aplicável o regime de transparência fiscal àquelas sociedades, têm de ser constituídas para o exercício de uma actividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que alude o artigo 151.º do CIRS, na qual todos os sócios, pessoas singulares, sejam profissionais dessa actividade.
V. Ainda com referência aos anos em causa nos autos – 2014, 2015 e 2016 - a Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com introdução de uma nova subalínea 2) na al. a) do n.º 4, do artigo 6.º do CIRC alargou o conceito de sociedade de profissionais, passando a dispor que se considera uma sociedade de profissionais aquela sociedade cujos rendimentos provenham, em mais de 75%, do exercício conjunto ou isolado de actividades profissionais especificamente previstas na lista constante do artigo 151.º do Código do IRS, desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, o número de sócios não seja superior a cinco, nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público e, pelo menos, 75% do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas actividades, total ou parcialmente, através da sociedade.
W. No caso em apreço, o sócio único da sociedade exerce, através da sociedade, a actividade profissional especificamente prevista na lista de actividades a que alude o artigo 151.º do CIRS, designadamente sob o código n.º 1310 – Administradores de bens, que representa a totalidade dos rendimentos da sociedade.
X. De forma que a sociedade, por preencher o conceito de sociedade de profissionais, encontra-se, de acordo com o artigo 6.º do referido CIRC, sujeita ao regime de transparência fiscal, por verificação cumulativa de todos os seus requisitos legais.
Y. Assim, decidindo como decidiu, a douta sentença recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO quanto à interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço, designadamente, o disposto nos artigos 151º do CIRS e artigo 6º do CIRC.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

1.2. O Recorrido contra-alegou e concluiu da seguinte forma:
A. Vêm as presentes Alegações apresentadas no âmbito do recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida no processo n.º871/19.7BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente procedente o pedido formulado pelo Impugnante, ora Alegante, que aí pugnava pela anulação das liquidações adicionais de IRS e respetivos juros compensatórios, respeitantes aos exercícios de 2014, 2015 e 2016, no valor de € 8.434,85, € 9465,88 e € 33.713,16, respetivamente.
B. Uma leitura, ainda que superficial, da decisão ora em crise indicia-nos, logo à partida, que o Tribunal a quo decidiu de forma prudente e motivada, ponderando irrepreensivelmente os diversos elementos probatórios disponíveis nos autos.
C. O Tribunal recorrido considerou – e com total acerto – que “(…) a atividade de administrador da insolvência não pode ser considerada como uma atividade de “administradores de bens”, constante da tabela anexa à Portaria n.º 1011/2001 (código 1310), nem está especificamente nela prevista, pelo que não se verifica o requisito exigido pelo art.º 6º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, alínea a), subalínea 1) do CIRC, para a aplicação do regime especial da transparência fiscal.” (cfr. pág. 7 da sentença recorrida).
D. Todavia, a Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido, porquanto considera “6.(…) existir erro de julgamento em matéria de direito, considerando que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação e subsunção da lei ao caso em apreço, pois contrariamente ao julgado procedente, entende que o regime da transparência fiscal é também aplicável às sociedades de administradores de insolvência”.
E. Em face do que conclui a Fazenda Pública, a questão que se coloca à apreciação do Tribunal ad quem é precisamente a de saber se o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar que o regime da transparência fiscal não é aplicável à atividade de administrador da insolvência exercida pela sociedade de que o Recorrido é sócio.
F. De acordo com o regime especial de tributação designado de transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do CIRC, é imputada aos sócios, - integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRC -, a matéria coletável, determinada nos termos do CIRC, das sociedades de profissionais com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros.
G. Para efeitos deste regime especial, consideram-se sociedades de profissionais, as constituídas para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, em que todos os sócios sejam profissionais dessa atividade, conforme resulta do artigo 6.º, n.º 4, alínea a), subalínea1) do CIRC.
H. A atividade do Administrador Judicial não está especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do CIRS, pelo que a SAI de que o Recorrido é único sócio não é, nos termos e para os efeitos do n.º 1 da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC uma sociedade de profissionais, sujeita ao regime de transparência fiscal aí consagrado.
I. Constatando-se que a atividade de administrador judicial/administrador de insolvência não está especificamente prevista na referida lista, tanto basta para concluir que, à luz do princípio da tipicidade tributária, tal atividade não poderá ser sujeita ao regime especial de tributação da transparência fiscal.
J. Com efeito, não se pode aceitar o argumento defendido pela Fazenda Pública, segundo o qual a atividade de administrador judicial “cabe” na atividade especificamente prevista “administradores de bens”, e, em consequência está sujeito ao regime da transparência fiscal, sendo esta interpretação ilegal por violação do artigo 103º da Constituição e do artigo11º da Lei Geral Tributária.
K. Ainda que o não fosse, as funções legalmente acometidas aos Administradores Judiciais não se confundem, em substância, com a administração de bens nem dela têm “natureza complementar”, resultando claro que, em muitos casos (processos), a competência do Administrador Judicial não inclui, sequer, a administração de quaisquer bens.
L. Assim, não merece qualquer censura a sentença recorrida ao concluir que “(…) a atividade de administrador da insolvência não pode ser considerada como uma atividade de “administradores de bens” constante da tabela anexa à Portaria n.º 1011/2011 (código 1310), nem está especificamente nela prevista, pelo que não se verifica o requisito exigido pelo art.º 6º, n.º1, alínea b) e n.º 4, alínea a), subalínea 1) do CIRC, para a aplicação do regime especial da transparência fiscal.”.
ISTO POSTO,
M. todos os argumentos que vêm de se expor são bem elucidativos da legalidade da decisão proferida, pelo que Sentença recorrida não merece qualquer censura.
N. devendo manter-se a decisão recorrida, nos termos da qual se determinou julgar procedente a impugnação e, nessa medida, manter-se a anulação das liquidações de IRS, por vício de violação de lei.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá ser rejeitado o recurso em resposta e confirmada a Sentença Recorrida, com o que V. Exas. farão a sã e costumada JUSTIÇA

1.3. A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.

3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1. A questão que se coloca no presente recurso é saber se a sentença recorrida errou ao considerar que não é aplicável às sociedades de administradores de insolvência o regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, para efeito de ser imputada no rendimento dos sócios, em sede de IRS, a matéria coletável da sociedade, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.

3.2. A AT dissente do decidido defendendo que a atividade do administrador de insolvência cabe na lista de atividades a que se refere o artigo 151º do CIRS, na atividade de “Administrador de bens”, com o código 1310 tendo em conta a forma autónoma como a mesma é exercida, não obstante a obrigatoriedade de prestação de contas ao Tribunal e à Assembleia de Credores. Defende que a designação de administrador de bens, deve ser entendida em sentido amplo, ou seja, referindo-se à pessoa encarregada de gerir um património, praticando todos os atos inerentes a essa gestão/administração e assim, se é certo que, na tabela de atividades prevista no artigo 151.º do Código do IRS não consta um código que se refira expressamente ao Administrador Judicial, não obstante existir o código 1310 relativo aos administradores de bens.

3.3. Por sua vez o Recorrido pugna pela manutenção da sentença recorrida, sustentando que não estando a atividade de administrador judicial /administrador de insolvência especificamente prevista na referida lista tanto basta para concluir que, à luz do princípio da tipicidade tributária, tal atividade não poderá ser sujeita ao regime especial de tributação da transparência fiscal. Alega que não se pode aceitar o argumento defendido pela Fazenda Pública, segundo o qual a atividade de administrador judicial “cabe” na atividade especificamente prevista “administradores de bens”, e, em consequência está sujeito ao regime da transparência fiscal, sendo esta interpretação ilegal por violação do artigo 103.º da Constituição e do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT). Acrescenta que ainda que assim não se entendesse, as funções legalmente acometidas aos Administradores Judiciais/de Insovência não se confundem, em substância, com a administração de bens nem dela têm “natureza complementar”, resultando claro que, em muitos casos (processos), a competência do Administrador Judicial não inclui, sequer, a administração de quaisquer bens.

3.4. O quadro normativo aplicável
O artigo 6.º do Código do IRC, sob a epígrafe “Transparência fiscal”, na parte que aqui interessa, estabelece o seguinte:
1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
(...)
b) Sociedades de profissionais;
(…)
4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:
a) Sociedade de profissionais:
1) A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade;
(…).

O artigo 151.º do Código do IRS, para que remete aquele outro preceito, com a epígrafe “Classificação das atividades”, consigna o seguinte:
As atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

A Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, regulamentou esse preceito e inclui na tabela de atividades, na categoria de “Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados”, na posição 1310, os “Administradores de bens”.

3.5. O regime da transparência fiscal
Como refere o Recorrido, de acordo com o regime especial de tributação designado de transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do Código do IRC, é imputada aos sócios, - integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRC -, a matéria coletável, determinada nos termos do Código do IRC, das sociedades de profissionais com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros.
Para efeitos deste regime especial, consideram-se sociedades de profissionais, as constituídas para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, em que todos os sócios sejam profissionais dessa atividade, conforme resulta do artigo 6.º, n.º 4, alínea a), subalínea 1) do Código do IRC.
A atividade do Administrador de Insolvência não está especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS, matéria em que as partes estão de acordo. Mas será que a mesma pode ser enquadrada na atividade de administrador de bens, como pretende a AT?
A resposta é claramente negativa. Vejamos.

Como refere o Recorrido, em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, mercê do especial vigor que o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade tributária (artigo 103.º n.º 2 da CRP), assume nestes domínios.

A integração analógica encontra-se, pois, vedada naquelas matérias, em face do princípio constitucional da legalidade que tem desenvolvimento do legislador ordinário no n.º 4 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.

Com efeito, e como ensina Alberto Xavier, citado pelo Recorrente (Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 324 e segs): “A previsão de novas situações tributárias para além das encerradas no catálogo legal, quer fundadas na analogia, quer com base na livre valoração dos órgãos de aplicação do direito são estritamente proibidas numa tipologia taxativa como a tributária”. Acrescentando: “A existência de um número clausus embarga, de um lado, o recurso à analogia ... mas mais ainda tolhe - agora de outro lado - a previsão de novas situações tributáveis por obra da vontade do administrador ou do juiz”. Assim concluindo: “a tipicidade do direito tributário é, pois, uma tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para a valorização dos factos e produção dos efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ela estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo legal”, repudiando-se, pois, na incidência tributária, espaço para normas “incompletas” ou “elásticas” (págs. 328 e 330).
Porém, como ficou dito no acórdão do Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/12/2020, proferido no processo 092/19.9BALSB, não está, porém, constitucionalmente vedada a possibilidade de interpretação extensiva. Assim, se se concluir que a letra da lei se quedou aquém do seu espírito, haverá que adequar a letra ao respetivo espírito por via da interpretação extensiva (sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, pressuposta pelo nosso legislador, cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 185/186). Pressuposto para assim operar é, como ficou dito naquele aresto, a demonstração de que o legislador minus dixit quam voluit, in casu, que quando o legislador se refere a “Administrador de bens”, com o Código 1310, quer abarcar não apenas os administradores de bens, mas também os administradores de insolvência.
A AT defende que a designação de administrador de bens deve ser entendida em sentido amplo, ou seja, referindo-se à pessoa encarregada de gerir um património, praticando todos os atos inerentes a essa gestão/administração, abarcando também os administradores de insolvência.
Mas, como dá nota a sentença recorrida, são diferentes as funções do administrador judicial e as do administrador de bens:

No entanto, pese embora a atividade de administrador da insolvência possa incluir a administração de bens do insolvente, seguramente que não se esgota nela, podendo nem sequer a incluir, no caso de o insolvente não dispor de bens ou no caso da insuficiência da massa insolvente, prevista no art.º 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em que o administrador da insolvência limita a sua atividade à elaboração do parecer a que se refere o art.º 188º, n.º 2, do CIRE (cfr. art.º 39º, n.º 7, alínea c), do CIRE).

Acresce que a atividade de administrador da insolvência inclui outras atividades que não se reconduzem à administração de bens, como é o caso da tarefa de “preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram”, prevista no art.º 55º, n.º 1, alínea a), do CIRE.

Por outro lado, atribuem-se no CIRE ao administrador da insolvência relevantes funções processuais que não constituem administração de bens, designadamente a elaboração de uma lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos; a apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, para que deles fique depositário; a publicitação da composição da massa insolvente; a elaboração de um inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente com indicação do seu valor; a elaboração de uma lista provisória dos credores que constem da contabilidade do devedor e tenham reclamado os seus créditos; a elaboração de um relatório com análise do estado da contabilidade do devedor e opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira apresentados e indicação das perspetivas de manutenção da empresa do devedor e da conveniência de aprovar um plano de insolvência; o encerramento dos estabelecimentos do devedor; a apresentação de proposta de plano de insolvência, a emissão de parecer sobre a proposta de plano de insolvência apresentada pelo devedor e a fiscalização da execução do plano de insolvência; a alegação do que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa, a emissão de parecer sobre essa qualificação quando não tenha sido o proponente e a intervenção no respetivo incidente (cfr. art.ºs 129º, n.º 1, 149º, n.º 1, 150º, n.ºs 1 e 2, 152º, 153º, 154º, 155º, 157º, 188º, n.ºs 1, 3 e 7, 193º, 207º, n.º 1, alínea d) e 220º, todos do CIRE).
Para além disso, permite-se ao administrador da insolvência a prática de atos que não se integram nos poderes, limitados, de administração de bens, como, por exemplo, a desistência, confissão e transação, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente ou a massa insolvente sejam partes; a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência; a intervenção e propositura de ações de responsabilidade em favor do próprio devedor, de ações destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente e de ações contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente; a exigência aos sócios, associados ou membros do devedor, logo que a tenha por conveniente, das entradas de capital diferidas e das prestações acessórias em dívida, independentemente dos prazos de vencimento que hajam sido estipulados, intentando para o efeito as ações que se revelem necessárias; a decisão sobre o cumprimento ou não de contratos ainda não cumpridos à data da declaração de insolvência; a venda antecipada e a venda dos bens da massa insolvente; a realização de diligências para a alienação da empresa do devedor ou dos seus estabelecimentos; a opção por satisfazer integralmente um crédito com garantia real à custa da massa insolvente antes de proceder à venda do bem objeto da garantia (cfr. art.ºs 55º, n.º 8, 81º, n.º 4, 82º, n.ºs 3 e 4, 102º, n.º 1, 158º, n.º 2, 162º, n.º 2, 164º e 166º, n.º 2, todos do CIRE).

Por outro lado, e como também é referido na sentença recorrida, o Instituto Nacional de Estatística (INE) atribui às sociedades de administradores da insolvência o código “69101” da classificação das atividades económicas (CAE), referente a “atividades jurídicas”, e não qualquer código relacionado com administração de bens, ao que não será alheio o facto de a atividade dos administradores da insolvência ir muito para além da mera administração de bens, que em muitos casos nem sequer ocorrerá, envolvendo a prática de diversos atos de natureza jurídica, que não consubstanciam administração de bens.
E noutra vertente, o código “1310”, constante da tabela anexa à Portaria n.º 1011/2001, de 21/8, atribuído aos “administradores de bens”, enquadra-se na categoria “13 - Outras pessoas exercendo profissões liberais, técnicos e assimilados”, e indicam-se 37 atividades, não se encontrando qualquer referência ao administrador judicial.
Acresce que, como defende o Recorrido, o artigo 6.º do Código do IRC é uma norma de natureza excecional, sendo que um dos critérios é a concreta especificação da atividade. Sendo essa especificação pressuposto da aplicação da norma, não se pode presumir que o legislador tenha dito menos, ou coisa diferente, daquela que plasmou na lei.

De tudo o exposto resulta que a sentença recorrida não merece a censura que lhe é apontada pela AT, e que ao recurso terá de ser negado provimento.

Em conclusão:
Não é aplicável às sociedades de Administradores de Insolvência o regime da transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC, para efeito de ser imputada no rendimento dos sócios, em sede de IRS, a matéria coletável da sociedade, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo, uma vez que a atividade do Administrador Judicial não está especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.

4. DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 8 de junho de 2022. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso.