Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:060/13
Data do Acordão:04/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
PODERES DE COGNIÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - Cabe à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação e ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito.
II - Qualquer discordância manifestada pelo recorrente, quanto à factualidade dada como provada pelo TCA ou relativa aos juízos probatórios elaborados a partir da sua livre convicção, formada com base nos elementos trazidos ao processo, não é pertinente, posto que a este Tribunal não é permitido alterar matéria de facto fixada ou censurar os juízos emitidos na apreciação das provas.
Nº Convencional:JSTA000P15494
Nº do Documento:SA220130403060
Data de Entrada:01/17/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……., com os sinais dos autos, impugnou a liquidação adicional de IVA, relativa ao ano de 1990, no Tribunal Tributário de Santarém, tendo sido proferida sentença no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou a acção procedente, anulando a liquidação impugnada.

1.1. A FAZENDA PÚBLICA recorreu dessa decisão, para a secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, que julgou o recurso procedente e, consequentemente, declarou “nula a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgou procedente a impugnação, decretando a anulação do acto tributário em exame…”

2. Não se conformando com tal aresto, a FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso, para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando a data da propositura da impugnação – 11 de Dezembro de 1995 – e, portanto, na vigência do artigo 32.º, n.º1, al. a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Apresentou as suas Alegações, com as seguintes Conclusões:
“A) O Acórdão, a fls..., que deliberou conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação procedente, fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 74º nº 1 e 75º nº 1 da LGT, 78º do CPT e art. 342º do CC, aos factos, pelo que não deve ser mantido.
B) Contrariamente ao que foi entendido no Acórdão ora recorrido, a Administração Tributária fez prova dos referidos pressupostos da tributação, uma vez que actuou perante a existência (fundamentada através do relatório de exame à escrita da impugnante) de indícios sérios de que as facturas referidas não consubstanciam quaisquer operações reais e, portanto, foram simuladas com fins meramente fiscais.
C) Note-se que a presente correcção teve origem num processo de averiguações no âmbito do qual até foi elaborado um auto de apreensão em 02.08.95, nos termos da legislação de acordo com o disposto no art.º 44º/3, do RESIFNA e artigo 251º do CPP.
D) E, tal evidência resulta, igualmente, do facto de o próprio contribuinte se ter disponibilizado a fazer prova da existência real das operações e não o ter conseguido.
E) Assim, não só tais indícios existem e a AT apenas os tinha que apontar, como é até o próprio sujeito passivo que vem a confirmar que não possui qualquer prova relativamente quer à compra da mercadoria quer à sua venda, alegando, neste particular, que esta mercadoria ainda se encontra no seu armazém.
F) Mais, salvo o devido respeito, não se pode aceitar que a falta de comprovação do pagamento da mercadoria, que a falta de comprovação de que a mercadoria que existe em armazém é a que foi adquirida à B……. ou de que tal mercadoria ainda não foi vendida, não seja suficiente para ilidir a presunção da veracidade das declarações do contribuinte, cfr. art. 75º nº 1 da LGT.
G) Na verdade, não só o referido art. 75º da LGT, ainda não se encontrava, à data dos factos, em vigor, como também, o anterior art. 78º do CPT, só conferia valor probatório pleno à escrita do contribuinte, desde que esta não revelasse erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
H) Tendo-se verificado que inexiste prova de uma qualquer contrapartida financeira que comprove quer a compra da mercadoria em causa nos autos quer a sua posterior venda, passados 5 anos após a sua aquisição, ou até a sua real existência nos armazéns do sujeito passivo, não se pode deixar de concluir pela existência de indícios fundados da falta de veracidade da escrita do sujeito passivo.
I) Pelo que, deveria, salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido ter concluído que a AT cumpriu o ónus de prova que sobre ela impendia, do bem fundado do seu agir, nos termos do nº 1 do ad. 342º do CC.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e ser revogado o Acórdão ora recorrido, com todas as legais consequências.”

3. Não foram apresentadas Contra-alegações.

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu douto Parecer no sentido do provimento do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1- O Acórdão, sob recurso, deu como provada a seguinte matéria:
“1) Em 17.08.1995, a Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária, II, da Direcção de Finanças do Distrito de Santarém elaborou informação, sob assunto: “A……. // Cruzamento de Informação //Indícios de Negócios Simulados entre … e a B……., Lda.”, da qual consta, designadamente: «De harmonia com as averiguações a que procedemos e, de depois de compulsados os elementos de escrita disponíveis do sujeito passivo, cumpre-me informar as seguintes situações de facto: //1. — Ano de 1990 //1.1. Em face da informação enviada pela Direcção Distrital de Finanças de Coimbra — Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária — 1 — Controlo do combate à fraude e evasão fiscais de contribuintes de risco (Proc. de averiguações 2/95.9 — IDCBR) foi elaborado um auto de apreensão em 02.08.95, nos termos da legislação de acordo com o disposto no art.º 44.º/3, do RESIFNA e artigo 251.º do CPP, tendo sido apreendidos os originais das facturas n.º 312 de 30.10.90 e original do recibo n.º 182, da mesma data, respeitante à referida factura no montante total de 3.444.480$00 e a factura n.º 322, de 05.11.90, pela importância total de 834.035$00, emitidos pela empresa B……., Lda. (...)».
2) Consta da informação em apreço o seguinte: «1.2. Na sequência da informação da DFF de Coimbra de 15.03.95, vai ser considerado como indevidamente deduzido o imposto sobre o valor acrescentado deduzido nos termos do n.º 3 do artigo 19.0 do CIVA, na declaração periódica do 4.º trimestre de 1990, no montante de Esc. 621.665$00».
3) Resulta do instrumento em referência que: «(...) mostrou o sujeito passivo interesse em esclarecer a situação de imediato, pelo que foi ouvido em auto de declarações, que anexo à presente informação, para dela fazer parte integrante (anexo 1). // Diz o sujeito passivo no seu auto de declarações “que tem a mercadoria em armazém”, justificando a existência da mesma pela baixa cotação do alumínio no mercado, no entanto, não comprovou documentalmente o pagamento da mesma, que diz “ter sido a dinheiro”, nem fez prova de que aquela mercadoria é a efectivamente adquirida à B…….».
4) Em 21.08.95, a coordenadora da divisão de inspecção apôs o parecer seguinte: «Visto em 21.08.95.// Na sequência da informação da D.D.F. de Coimbra, as facturas de aquisições efectuadas à empresa “B…….., Lda.”, n.ºs 312, de 30.10.90 e 322, de 05.11.90, não são representativas de transmissões reais, pelo que não foram consideradas custo de exercício de 1991 nem permitida a dedução do IVA respectivo. Daqui resultaram as seguintes correcções: (...) //IVA — 90.12T — 621.665$. // Foram preenchidos os respectivos modelos de correcção. // À consideração superior» - doc. de fls.36/39.
5) Na informação referida foi aposto o despacho seguinte: «Confirmo as correcções nos termos propostos e expressos no mod. 382 IVA» - Idem.
6) Em 28.08.95, o Chefe de Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária II após na informação referida o despacho seguinte: «Concordo » - Idem.
7) Em sede de nota de apuramento Mod. 382 consignou-se que: «dedução indevida de IVA (art.º 21.º): 621.665$- doc. de fls. 20/21.
8) Do mapa de inventários do impugnante, a 31.12.90, consta o seguinte: «sucata de ferro forjado — 26.900 Kg — 712.850$00 // Sucata Latão — 189 Kg — 39.600$00; Sucata Ferro Fundido — 30.500 Kg — 701.500$00; Sucata Alumínio velho — 19.500 Kg — 2.242.500$00 — fls. 47.
9) No que respeita aos exercícios de 1991 e segs. não foram detectados quaisquer outros fornecimentos da “B……” - fls, 38.
10) A factura n.º 312, emitida pela “B…….”, em 30 de Outubro de 1990, titula as operações seguintes: «30.500 Kg — Sucata de Ferro Fundido — 701.500$00 //19.500 Kg — Sucata de Alumínio Velho — 2.242.500$00 — Total — 2.944.000$00 // IVA 17% - 500.480$00 // 3.444.480$00— doc. de fls. 59.
11) A “B…….” emitiu o recibo n.º 182, em 30 de Outubro de 1990, referente à factura supra referida, pelo valor de 3.444.480$00— doc. de fls. 60.
12) A factura n.º 322, emitida pela “B…….”, em 5 de Novembro de 1990, titula a transmissão de 26.900 kgs. de sucata de ferro, pelo valor total de 834.035$ e foi emitida em 5 de Novembro de 1999— doe, de fls. 61.
13) Através da nota de liquidação n.º 95207287, referente ao período de 01.01.90 a 31.12.90, foi apurado IVS em falta no montante de 621.665$00— fls. 14.
14) Através da nota de liquidação n.º 95207284, referente ao período de 01.10.90 a 31.12.90, foi apurado o montante de 396.145$00, de Juros Compensatórios — fls. 16.
15) Através da nota de liquidação n.º 95207285, referente ao período de 01.01.91 a 31.03.91, foi apurado o montante de 16.113$00, de Juros Compensatórios — fls. 17.
16) Através da nota de liquidação n.º 95207286, referente ao período de 01.10.91 a 31.12.91, foi apurado o montante de 196.424$00, de Juros Compensatórios — fls. 15.”

2. DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

O recorrido impugnou a liquidação adicional de IVA relativa ao ano de 1990 efectuada na sequência de relatório de exame à sua escrita, do qual resultou a não aceitação como custos as importâncias de duas facturas que a Administração considerou não corresponderem a operações efectivamente realizadas.
A sentença que apreciou a impugnação, em primeiro grau de jurisdição, entendeu, entre o mais, “que a fundamentação da liquidação era insuficiente para habilitar o contribuinte a conhecer as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticar o acto”, tendo, consequentemente, anulado a liquidação.
Inconformada, a Fazenda Pública recorreu jurisdicionalmente para o TCA, Sul, que confirmou a sentença recorrida, considerando que “não tendo a Fazenda Pública feito prova do bem fundado do seu agir, a questão relativa à legalidade do mesmo há-de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução do imposto que efectuou.”
Sempre inconformada, a Fazenda Pública volta a recorrer agora para este STA, com os fundamentos que resultam das Conclusões das Alegações supra transcritas.
Conforme se extrai da leitura das mesmas a recorrente diverge do aresto recorrido porque, além do mais, e em síntese, o Acórdão recorrido devia ter concluído que a AT cumpriu o ónus de prova que sobre ela impendia, do bem fundado do seu agir, nos termos do nº 1 do ad. 342º do CC, porquanto:
· “(…) não se pode aceitar que a falta de comprovação do pagamento da mercadoria, que a falta de comprovação de que a mercadoria que existe em armazém é a que foi adquirida à B……ou de que tal mercadoria ainda não foi vendida, não seja suficiente para ilidir a presunção da veracidade das declarações do contribuinte, cfr. art. 75º nº 1 da LGT.
· “(…) Na verdade, não só o referido art. 75º da LGT, ainda não se encontrava, à data dos factos, em vigor, como também, o anterior art. 78º do CPT, só conferia valor probatório pleno à escrita do contribuinte, desde que esta não revelasse erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
· “(…) Tendo-se verificado que inexiste prova de uma qualquer contrapartida financeira que comprove quer a compra da mercadoria em causa nos autos quer a sua posterior venda, passados 5 anos após a sua aquisição, ou até a sua real existência nos armazéns do sujeito passivo, não se pode deixar de concluir pela existência de indícios fundados da falta de veracidade da escrita do sujeito passivo”.
Em face do exposto, a questão central a decidir gira em torno de saber se a Administração Tributária cumpriu o ónus de demonstrar que as facturas em causa, que estiveram na base da liquidação adicional, não correspondem a operações reais.
A resolução do problema que vem posto impõe a análise das seguintes questões:

a) Limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo;
b) Se o acórdão recorrido fez correcta aplicação das regras do ónus da prova.

3. Limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal Administrativo

Para o Acórdão recorrido «É à A. Fiscal que cabe demonstrar não só a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo quanto à existência de deduções de IVA superiores às devidas (fundamentação formal), como a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico-juridícos aptos a convencerem sobre a adequação e correcção desse juízo, isto é, pela enunciação de indícios objectivos, sólidos e consistentes, de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas (fundamentação material ou substancial).”
E foi seguindo esta orientação que o Tribunal recorrido afirma e conclui que Administração Tributária não tinha logrado evidenciar indícios fundados de que as facturas em causa titulam operações reais, ponderando, portanto, entre o mais que:
“(…) A enunciação de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido são simuladas há-de constar da informação de suporte à liquidação correctiva da AF, no sentido de que deve ser concomitante com a referida liquidação e não aduzida em momento posterior”.
(…) Os indícios do carácter de favor das facturas em causa aduzidos pela AF são os seguintes: i) o contribuinte não comprova documentalmente o pagamento; ii) o contribuinte não fez prova de que a mercadoria existente em armazém foi adquirida à B…….. As asserções em apreço não correspondem a indícios sólidos, fortes e consistentes, capazes de configurar uma probabilidade elevada de que as operações referidas nas facturas cujo IVA foi deduzido tenham sido simuladas. Com efeito, a AF não cruzou a informação constante dos registos do impugnante com a informação (ou a falta dela) constante da contabilidade e escrita da empresa emitente da factura; a AF não cruzou a informação constante das facturas com a informação constante das facturas emitidas pelo impugnante ou outros elementos que permitem aferir os produtos vendidos pelo impugnante, as datas das operações, desde a data da aquisição da mercadoria (1990) até à data da inspecção (1995); a AF não confrontou o impugnante com a eventual falta de elementos de pesagem da mercadoria ou de guias de remessa ou de outros elementos documentais que acompanham a incorporação da mercadoria na actividade económica do impugnante, desde a aquisição da mercadoria até à sua venda. A invocação da falta de comprovação do pagamento da mercadoria, da falta de comprovação de que a mercadoria que existe em armazém é a que foi adquirida à B…… ou de que tal mercadoria, passados cinco anos (entre a transacção e a realização da inspecção) ainda se encontra em armazém, não é suficiente para ilidir a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, assente nas facturas, no recibo, nos registos contabilísticos do mesmo e no próprio auto de declarações (artigo 75.º/1, da LGT)”.
Por conseguinte, enquanto o Tribunal recorrido afirma expressamente que a Administração Tributária não convenceu o Tribunal quanto à verificação dos pressupostos legais que lhe permitem agir, a Fazenda Pública centra a sua argumentação no sentido de que fez essa demonstração.
Assim sendo, a recorrente acaba por pôr em causa um juízo probatório elaborado pelo Tribunal a partir da livre convicção formada com base nos elementos probatórios trazidos ao processo, elementos esses cuja ponderação crítica não deixou o Tribunal convencido da verificação dos pressupostos que permitiram à Fazenda Pública desconsiderar as operações tituladas pelas facturas em causa.
Acontece que, como ficou consignado, entre outros, no Acórdão de 27/10/2004, proc nº 810/2004, “este Supremo Tribunal Administrativo não pode contrariar este juízo emitido pelo TCA, pois, tratando-se de um processo inicialmente julgado por um tribunal tributário de 1ª instância, os seus poderes de cognição não abrangem a matéria de facto - artigo 21º, nº4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais…”.
Também como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12/2/2007, proc nº 1086/05, qualquer discordância manifestada pelo recorrente “quanto à factualidade dada como provada pelo TCA ou relativa aos juízos probatórios elaborados a partir da sua livre convicção formada com base nos elementos trazidos ao processo não é pertinente posto que a este Tribunal não é permitido alterar matéria de facto fixada ou censurar os juízos emitidos na apreciação das provas”. No mesmo Acórdão ficou consignado que, actuando o STA como tribunal de revista, não conhece de matéria de facto (art. 21º, nº 4 do ETAF), salvo sempre o disposto no art. 722º do CPC, pelo que “No recurso interposto de acórdão do TCA, prolatado já sobre decisão de TT de 1ª instância, o recorrente não pode questionar, assim, a matéria de facto nem os juízos probatórios que o tribunal recorrido formulou.” No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do STA de 17/11/2004, proc nº 553/04.
Improcedem, desta forma, as alegações do recorrente.

4. Quanto à aplicação das regras do ónus da prova

Nos termos do artigo 74.º/1, da LGT, “[o] ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.
Constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal, de 14/1/2004, proc nº 1480/03 ( reproduzindo jurisprudência do acórdão do Pleno desta Secção de 7/5/2003, proc nº 1026/02), que “(…) quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundada na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, é ela que deve provar tal existência, pressuposto da sua actuação. Estamos perante um corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu agir, cuja prova lhe compete”.
Aplicando o exposto ao caso em análise, afigura-se que também aqui não assiste razão à recorrente, tal como resulta do douto Parecer do Ministério Público, onde se pode ler, entre o mais, que:
“Nos termos do estatuído no artigo 75.º/1 da LGT presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, salvo se existirem indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
O citado normativo acolhe os princípios dos artigos 76.º, n.º 2 e 78.º do CPT, vigentes à data do facto tributário e da realização da acção inspectiva, que esteve na génese da sindicada liquidação.
“A presunção de verdade está inteiramente associada à presunção de boa fé, pelo, pelo que não se pode afirmar que o presente artigo, ao presumir verdadeira e de boa fé as declarações dos contribuintes, tenha introduzido uma inovação substancial no procedimento tributário. Limita-se, na verdade, a consagrar e desenvolver princípios já existentes. É por se presumirem de boa fé que as declarações dos contribuintes se presumem verdadeiras. É de todo incorrecta a ideia que a presunção de boa fé constitui uma das substanciais inovações da Lei Geral Tributária perante um sistema anterior de inexistência dessa presunção, que suporia não disporem anteriormente da presunção de verdade as declarações do cidadão-contribuinte. A presunção da boa fé é, na verdade a razão de ser da presunção da verdade declarativa, de outro modo, desvalorizar-se-ia uma das principais inovações da reforma da tributação do rendimento de 1989. O seu a seu dono...”1
No caso de existirem indícios findados de que a declaração do contribuinte não reflecte ou impede o conhecimento da matéria tributável, incumbe-lhe a prova do declarado.
Havendo indícios sérios e objectivos que traduzam a probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais, passa a incumbir ao impugnante recorrente o ónus de provar a sua veracidade”.
Não é necessário provar todos os pressupostos da simulação referidos no artigo 240.º do CC.
À AF basta-lhe evidenciar indícios fundados de que traduzam a probabilidade elevada de que as facturas não titulam operações reais.
A AF não precisa de fazer a “prova provada” da simulação”.
No mesmo sentido vai o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 27/4/2004, proc nº 810/04, onde ficou consignado que “Em regra, os contribuintes não precisam de demonstrar que os documentos da sua contabilidade –designadamente, as facturas relativas a aquisições de bens ou serviços - correspondem a operações efectivamente realizadas. Essas facturas presumem-se verdadeiras, pelo que, de acordo com a regra do nº 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária ( LGT) (…) é à Administração que cabe elidir a presunção, demonstrando que assim não é.”
Em suma, por tudo o que vai exposto, considerando a limitação dos poderes deste Supremo Tribunal e que a Administração Tributária não provou a convergência dos pressupostos legitimadores da sua actuação, uma vez que, segundo o Tribunal recorrido, não demonstrou a existência de indícios sérios de que as facturas não eram conformes à realidade, a impugnação judicial não podia deixar de proceder.
Assim sendo, improcede a argumentação da recorrente, devendo ser confirmado o Acórdão recorrido.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, confirmando o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 3 de Abril de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.