Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0173/19.9BEFUN
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACIDENTE DE SERVIÇO
INCAPACIDADE PERMANENTE
SUBSÍDIO
INDEMNIZAÇÃO
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estarem em discussão questões cuja elucidação assume relevo jurídico e que claramente são replicáveis, já que suscetíveis de se poderem projetar ou de serem transponíveis para outras situações, reclamando deste Supremo Tribunal a definição de diretrizes clarificadoras tanto mais que diametralmente divergentes foram os juízos das instâncias.
Nº Convencional:JSTA000P28716
Nº do Documento:SA1202112160173/19
Data de Entrada:12/07/2021
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP [CGA] [doravante R.] invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 07.10.2021 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 1035/1049 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que, por um lado, negou provimento ao recurso que o mesmo havia deduzido por inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal [doravante TAF/FUN] [que havia decidido anular «o ato da Direção da Caixa Geral de Aposentações de 27 de março de 2019» determinando que deve «o mesmo ser substituído por outro que aplique o fator de bonificação previsto na al. a), n.º 5 das instruções gerais da tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais constante do Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de outubro», que se «considere no cálculo da pensão a remuneração auferida pelo Autor antes da redução prevista no artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e mantida no artigo 20.º, n.º 1 da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro» e se «atribua ao Autor o subsídio por situações de elevada incapacidade previsto no artigo 37.º do Decreto-lei n.º 503/99, de 20 de novembro» - fls. 983/994] e que, por outro lado, concedeu provimento ao recurso de A………… [doravante A.] «revogando a sentença recorrida na parte em que decidiu manter o ato impugnado na parte em que foi determinado proceder ao desconto do montante indemnizatório de 28.000,00€ na pensão a pagar pela CGA».

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 1058/1069] na relevância jurídica das questões objeto de litígio [respeitantes: i) à aplicação do fator de bonificação - previsto na alínea a) do n.º 5 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) por acidentes de trabalho e doenças profissionais constante do DL n.º 352/2007; ii) às condições de atribuição do subsídio de elevada incapacidade permanente previsto no art. 37.º do DL n.º 503/99, de 20.11; iii) à reconversão profissional e relevância para efeitos da dedução prevista no n.º 4 do art. 46.º do DL n.º 503/99 do montante indemnizatório de responsabilidade de terceiro liquidado por seguradora ao A. pela perda futura de «remunerados» (dos «serviços remunerados» auferidos pelo A. enquanto agente da PSP] que assumem na sua visão «uma importância fundamental», e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito» [fundada esta in casu na violação, nomeadamente, do disposto na al. a) do n.º 5 das instruções gerais da TNI e nos arts. 37.º, 39.º, n.º 1, e 46.º, n.º 4, do DL n.º 503/99].

3. O A. não produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 1073 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/FUN julgou parcialmente procedente a ação administrativa sub specie, emitindo decisão nos termos supra descritos, juízo esse que o TCA/S manteve em parte, tendo procedido, ainda, a pretensão anulatória no segmento em que o ato impugnado havia determinado proceder ao desconto do montante indemnizatório de 28.000,00 € na pensão a pagar pela CGA ao A..

7. O R., aqui ora recorrente, sustenta a relevância jurídica das questões objeto de dissídio e, bem assim, a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se contra o juízo anulatório/condenatório que sobre si impendeu já que proferido com errada interpretação e aplicação do quadro normativo atrás elencado.

8. Tal como repetidamente tem sido afirmado constitui questão jurídica de importância fundamental aquela - que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjetivo - que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

9. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

10. Entrando na análise dos pressupostos temos que para além dos juízos diametralmente dissonantes das instâncias na resposta dada à questão iii), fator indiciador da complexidade jurídica que a questão envolve, constata-se, igualmente, a existência dessa complexidade nas questões i) e ii), pese embora a convergência decisória havida nas instâncias, já que envolvem operações lógico-jurídicas de algum melindre e dificuldade, convocando quadro normativo diverso, para além de repetíveis ou suscetíveis de serem recolocadas em casos futuros, reclamando, por isso, a necessidade de emissão de pronúncia por este Supremo Tribunal, tanto mais que se trata de questões relativamente às quais inexiste linha jurisprudencial deste Supremo sobre as mesmas, pelo que deve considerar-se a problemática como de importância fundamental, a justificar a admissão da revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 16 de dezembro de 2021. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.