Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01282/14.6BEPNF 0321/18
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:ACTO CONSEQUENTE
NULIDADE
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - A nulidade de um contrato celebrado na sequência de homologação de uma graduação concursal, face à nulidade desta homologação, implica a conjugação do artigo 133 nº 2 al. i) do CPA com o art.173º do CPTA.
II - Ou seja, a remoção de um ato face à anulação do ato em que se baseia só se justifica quando a sua manutenção for incompatível com a execução da sentença anulatória o que não sucede quando o ato é anulado por vício de forma, já que pode vir a ser substituído por ato de idêntico conteúdo, mantendo a base legal que serve de suporte ao ato consequente.
III - A execução de uma sentença de anulação de ato de homologação de concurso que padece de vício de falta de fundamentação não é a eliminação dos contratos celebrados ao abrigo desse ato, mas antes a prática de um ato devidamente fundamentado que poderá não interferir com os referidos contratos já celebrados.
IV - A falta de pronúncia expressa sobre qualquer dos aspetos referidos em sede de audiência prévia não significa que se tenha desconsiderado esta pronúncia.
V - Resultando dos autos que foi tomada em consideração a posição dos interessados manifestada em audiência prévia, não ocorre qualquer violação dos princípios da participação e do contraditório.
Nº Convencional:JSTA000P23861
Nº do Documento:SA12018111501282/14
Data de Entrada:05/10/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE TROFA
Recorrido 1:A........... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I. RELATÓRIO

1. A…………, devidamente identificada nos autos, instaurou no TAF de Penafiel ação administrativa especial para impugnação de ato administrativo contra o Município da Trofa, pedindo a) a anulação do despacho de 3 de setembro de 2014 do Presidente da Câmara, que declarou a nulidade dos contratos de trabalho celebrados em 4 de abril de 2011 na sequência de procedimento concursal para preenchimento de 36 postos de trabalho, na carreira técnica superior; b) a condenação à prática de atos devidos à reparação dos danos e ao pagamento de indemnização.

2. Por sentença do TAF de Penafiel de 9.12.2016 foi anulado o ato impugnado, julgada a ação parcialmente procedente e absolvido o Réu do pagamento do pedido indemnizatório.

3. Notificado deste acórdão, o Município da Trofa, inconformado, dele interpôs recurso para o TCAN.

4. O TCAN, por acórdão de 17.11.2017, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

5. O Município da Trofa interpôs recurso de revista para este STA, ao abrigo do art. 150º CPTA, do acórdão proferido em 17.11.2017, pelo TCAN, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1. O despacho impugnado foi proferido num procedimento concursal comum, na sequência e em execução de uma sentença judicial transitada em julgado e na qual a A. foi contrainteressada.

2. O ato administrativo foi praticado em execução e obediência a uma sentença judicial que anulou o ato homologatório da lista de classificação final dos candidatos do concurso que está na génese da celebração do contrato da Autora, nos termos do art. 133. n.º 2, i) que dispõe que são nulos os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente.

3. No âmbito do proc. n.º 420/11.5TBPNF foi proferido acórdão de 02/04/2014, transitado em julgado, que anulou o ato de homologação da lista unitária de ordenação final datado de 17/01/2011 proferido pela Presidente da Câmara Municipal da Trofa que esteve na génese do contrato mencionado no ponto A) do probatório.

4. Foi na sequência da prolação de tal acórdão que a entidade demandada declarou a nulidade do contrato de trabalho da Autora antes de repetir o procedimento concursal para expurgo das ilegalidades apontadas pelo Tribunal.

5. O contrato de trabalho em funções públicas outorgados pelo Município Recorrente e pela Autora é nulo, deixando de existir procedimento que permita a manutenção do vínculo contratual.

6. O fundamento procedimental que permitia e sustentava celebração dos contratos (procedimento concursal) desapareceu, por via da prolação do aludido acórdão do TCA Norte e respetivo trânsito em julgado no processo nº 420/11.5BEPNF.

7. Processo esse em que foram partes todos os intervenientes nesta ação, seria notório e óbvio que o Réu iria acatar e pôr em prática aquela decisão condenatória e o ato em crise é tão só a consequência obrigatória decorrente dessa decisão.

8. O decidido pelo Tribunal a quo, salvo o devido respeito, contraria em absoluto a decisão proferida pelo TCA Norte, no âmbito do processo nº 420/11.5BEPNF.

9. A douta sentença recorrida, ao julgar procedente o invocado vício de audição da Autora, não interpretou corretamente, os factos dados como provados, sob as alíneas E) e F) do probatório da sentença.

10. Inexiste qualquer violação ao princípio da participação, descrito no artigo 8º do CPA, e ao princípio do contraditório, exposto no artigo 100º do CPA.

11. Pelo que não ocorreu qualquer violação do direito de audição da A.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso merecer provimento e ser revogada a douta sentença recorrida.”

6. A A., ora recorrida, conclui as contra-alegações da seguinte forma:

“1ª) O recurso de revista é excecional e só deve ser admitido quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo que nenhuma destas condições de admissibilidade do recurso se verifica, pelo que não deverá ser admitido o presente recurso de revista excecional.

2ª) A exceção de caso julgado material já havia sido decidida no despacho saneador proferido neste processo e já transitado em julgado, porque notificado às partes por carta com registo de 01/06/2016, pelo que não pode ser novamente apreciada porque formado o correspondente caso julgado formal.

3ª) Para cumprimento do dever de executar o acórdão mencionado em B) dos factos provados, o Réu, em 10/09/2014, notificou a A. do despacho do Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal da Trofa, datado de 03/09/2014, nos termos do qual foi declarada a nulidade do referido contrato de trabalho e que este cessaria no dia seguinte à receção do correspondente ofício — Ato administrativo impugnado.

4ª) Ainda que se entendesse que o contrato de trabalho celebrado entre a A. e o Réu é nulo por aplicação do disposto no artigo 133° n° 2 alínea i) do CPA e que, por isso, um dos atos administrativos de execução do referido acórdão teria de ser o de declarar nulo o mesmo contrato de trabalho, o certo é que é manifesto que, para que o Réu cumprisse integralmente o dever de executar o mencionado acórdão de anulação de um ato administrativo, tal como lhe impõe o artigo 175° n° 1 do CPTA, o mesmo teria, ainda, que reabrir o aludido procedimento concursal, proferir novo ato homologatório da lista unitária de ordenação final e celebrar novos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado designadamente com a A..

5ª) O Réu, no entanto, limitou-se a declarar nulos os contratos de trabalho celebrados, omitindo os demais atos administrativos necessários ao integral cumprimento do dever de executar o mencionado acórdão.

6ª) O acórdão proferido pelo TCAN no procedimento cautelar apenso refere, ainda e bem, que “(...) perante o disposto no artigo 173º do CPTA não pode concluir-se, sem mais, que a declaração de nulidade desse contrato se impusesse imediatamente como ato de execução do acórdão do TAF de Penafiel, uma vez que sempre se teria de indagar se antes não haveria de ter-se decidido reabrir o aludido procedimento concursal, proferir novo ato homologatório da lista unitária de ordenação final e só então declarar nulo esse contrato e celebrar novos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, designadamente com a requerente caso viesse a ficar graduada em lugar compatível”.

7ª) Alega, no entanto, o Réu a exceção dilatória de caso julgado o que pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença já transitada em julgado (artigo 580º n° 1 do Código de Processo Civil), sendo que para que se repita uma causa tem de existir uma tríplice identidade entre ambas, ou seja, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigo 581° n° 1 do Código de Processo Civil).

8ª) Entre a presente ação e aquela outra não existe identidade de sujeitos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (artigo 581° n° 2 do Código de Processo Civil).

9ª) Nesta ação não se pretende a anulação do referido ato homologatório da lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados no procedimento concursal, pelo que inexiste identidade de pedidos e de causa de pedir.

10ª) Não houve qualquer violação do caso julgado resultante do trânsito em julgado do acórdão proferido no processo n° 420/11.5BEPNF, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

11ª) A exceção de inimpugnabilidade do ato já havia sido decidida no despacho saneador proferido neste processo e já transitado em julgado, porque notificado às partes por carta com registo de 01/06/2016, pelo que não pode ser novamente apreciada porque formado o correspondente caso julgado formal.

12ª) O Réu não tinha qualquer intenção de repetir o procedimento concursal para expurgo das ilegalidades apontadas pelo Tribunal, nem isso se provou.

13ª) Constitui finalidade da instância de recurso reapreciar decisões judiciais na parte em que hajam sido impugnadas e não conhecer, pela primeira vez, de questões anteriormente não suscitadas pelas partes (ver, entre muitos outros, o acórdão do TCAS de 10/01/2013, proferido no processo n° 9516/12, in CJA n° 98, pg. 70), que é o que o Réu pretende com a questão ora suscitada na conclusão 4ª, pelo que não deverá, por isso, este tribunal apreciar tal questão em virtude da respetiva alegação extemporânea.

14ª) É completamente falso e os factos provados demonstram que, em virtude do acórdão proferido pelo TAF de Penafiel, deixou de existir/desapareceu o procedimento que deu lugar à celebração do contrato de trabalho entre a A. e o Réu, uma vez que se provou que apenas foi declarada a anulação do ato homologatório da lista unitária de ordenação final dos candidatos aprovados no procedimento concursal que serviu de base à celebração do referido contrato (alínea B) dos factos provados), ou seja, não foi anulada toda a tramitação do procedimento

15ª) O ato impugnado não é um ato administrativo meramente confirmativo de um ato administrativo, uma vez que tal implicaria que o mesmo se limitasse a reconhecer que sobre determinada questão já anteriormente havia sido tomada uma decisão, não envolvendo o reexercício do poder de decisão, não sendo, por isso, impugnável (ver, neste sentido, Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, pg. 155).

16ª) O ato impugnado não pode ser qualificado como simplesmente executório de outro ato administrativo uma vez que, também neste caso (tal como no dos atos meramente confirmativos), admitir-se a impugnabilidade seria permitir a reabertura de litígios ou a instauração tardia de litígios em torno das definições introduzidas pelos atos que eles se limitam a executar (ver, neste sentido, Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, pg. 156).

17ª) O ato impugnado não sendo meramente confirmativo ou meramente executório de um ato administrativo prévio ainda que possa ser considerado parcialmente executório do acórdão, é impugnável porque dotado de externalidade e lesividade (artigo 51° n° 1 do CPTA).

18ª) O despacho mencionado em E) e F) dos factos provados não se pronunciou sobre qualquer dos aspetos referidos na pronúncia da A. mencionada em D) dos factos provados, pelo que desconsiderou totalmente esta pronúncia, violando, assim, os princípios da participação e do contraditório, o que determina a anulabilidade do ato administrativo proferido (artigo 135° do CPA).

Termos em que o presente recurso não deve ser admitido ou, se assim se não entender, deverá o mesmo ser julgado totalmente improcedente nos termos acima referidos…”

7. Por Acórdão proferido em 18 de abril de 2018, pela formação a que alude o art. 150º, nº 5 do CPTA, este Supremo Tribunal Administrativo admitiu o recurso de Revista.

8. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos do disposto do art.146.º n.º 1 CPTA, emitiu parecer, fls 307/310, pugnando pelo indeferimento do presente recurso, e, consequentemente, pela manutenção do acórdão recorrido.

9. Notificadas as partes do parecer do Ministério Público, nada vieram dizer.

10. Após os vistos nos termos legais, cumpre decidir


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

Resultam das instâncias os seguintes factos dados como provados:

“A) Em 04/04/2011, a Requerente e o Requerido celebraram um acordo designado “contrato de trabalho em funções públicas contrato por tempo indeterminado” – cf. doc. 2 junto com a petição inicial do processo cautelar, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) No âmbito do proc. n.º 420/11.5TBPNF foi proferido acórdão de 02/04/2014, transitado em julgado, que anulou o ato de homologação da lista unitária de ordenação final datado de 17/01/2011 proferido pela Exma. Sr.ª Presidente da Câmara Municipal da Trofa que esteve na génese do contrato mencionado no ponto antecedente - cf. doc. 3 junto com a petição inicial do processo cautelar cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

C) Por ofício datado 16/07/2014, foi a Requerente notificada para exercer o seu direito de audição relativamente ao seguinte projeto de decisão:

(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo – Artº 663º nº 6 CPC)

Cf. doc. 5 junto com a petição inicial do processo cautelar cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) A Autora pronunciou-se, nos seguintes termos:

(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo – Artº 663º nº 6 CPC)

cf. doc. junto com a petição inicial do processo cautelar cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) Por ofício datado de 08/09/2014, foi a Requerente notificada do seguinte:

(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo – Artº 663º nº 6 CPC)

cf. doc. 7 junto com a petição inicial do processo cautelar cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) Do despacho n.º D/74N/2014 de 03/09 extrai-se o seguinte:

(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo – Artº 663º nº 6 CPC)

Cf. doc. 7 junto com a petição inicial.

G) A Autora auferia uma remuneração base de € 1.201,48 x 14 meses/ano e subsídio de refeição de 4,47 x 22 dias x 11 meses/ano)- facto não controvertido.

H) Corre neste Tribunal o processo de execução do acórdão proferido no âmbito do proc. n.º 420/11.5TBPNF – cf. Sitaf.

I) O despacho n.º D/74N/2014 de 03/09 foi proferido antes da repetição do procedimento concursal que havia sido anulado pelo acórdão proferido no âmbito do proc. n.º 420/11.5TBPNF - facto não controvertido.”


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O DIREITO

Vem o Município da Trofa interpor recurso de revista do acórdão do TCAN que manteve a sentença de 1ª instância de 09/12/2016 que anulara o ato que pretendia dar execução a uma sentença judicial transitada em julgado que, por sua vez, anulara o ato de homologação da lista unitária de ordenação final dos candidatos do concurso para preenchimento de 36 postos de trabalho, na carreira técnica superior, datado de 17/01/2011 proferido pela Presidente da Câmara Municipal da Trofa.

Para tanto alega que a decisão recorrida padece de erro de direito já que são nulos os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente.

Pelo que se impunha, antes de repetir o procedimento concursal para expurgo das ilegalidades apontadas pelo Tribunal, declarar a nulidade do contrato de trabalho da Autora por ter deixado de existir procedimento que permitia a manutenção do vínculo contratual.

Na verdade, o fundamento procedimental que permitia e sustentava celebração dos contratos (procedimento concursal) desapareceu, face ao acórdão do TCA Norte e respetivo trânsito em julgado no processo nº 420/11.5BEPNF.

Conclui que:

1_ O ato administrativo foi praticado em execução e obediência a uma sentença judicial transitada em julgado que anulou o ato homologatório da lista de classificação final dos candidatos do concurso, pelo que se impõe, nos termos do art. 133.º, n.º 2, i) do CPA, para cumprimento da mesma, declarar a nulidade dos atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados.

2- Erra a decisão ao entender que ocorre o vício de audição da Autora, por errada interpretação dos factos dados como provados, sob as alíneas E) e F) do probatório da sentença.

1_Quanto à 1ª questão vejamos se a decisão recorrida violou o art.133º, nº2 al. i) do CPA ao considerar inválido um ato administrativo que declarou a nulidade de um contrato de trabalho em funções públicas celebrado ao abrigo de um concurso público que foi judicialmente anulado por vício de falta de fundamentação.

E se, nomeadamente, a decisão recorrida implicou o não cumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado.

Então vejamos.

Dispunha a alínea i) do n.º 2 do art 133.º do CPA de 1991, em vigor no âmbito dos factos aqui em causa, que são nulos “os atos consequentes de atos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contrainteressados com interesse legítimo na manutenção do ato consequente”.

A propósito do que é um ato consequente diz-se no Ac. do STA 040201A de 30-01-2007 que:

“..Mas o que deve entender-se por ato consequente? Este Supremo Tribunal tem entendido como “ato consequente aquele cuja prática e conteúdo depende da existência de um ato anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto” (Ac. do STA de 29/3/2006­rec. n°1149/05), aliás, na continuidade de há longo tempo, como se decidiu já no acórdão deste mesmo Supremo Tribunal de 28/11/1969 de que um ato administrativo só assume a natureza de ato consequente se a sua prática não for possível sem a prática de outro ato antecedente (in Acórdãos Doutrinais n°101, pág. 657).

Em nada diverge o conceito jurisprudencial daquele que a doutrina nos fornece, pois que o define como “o ato administrativo praticado ou dotado de certo conteúdo em virtude da prática de um ato administrativo anterior” (Freitas do Amaral, Execução de Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª ed., pág.84; ver, ainda, Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, in CPA, 2ª ed., pág. 650).

Porém, este conceito de ato consequente é demasiado abrangente e generalizante para ferir de nulidade todos os atos que de uma forma lógica, cronológica ou formalmente tenham uma ligação com o ato judicialmente anulado. Se assim fosse, desde que tivesse sido anulado todo e qualquer ato prévio, antecedente, pressuposto ou pré-relacional, tal anulação acarretaria a nulidade do ato consequente. Assim, o conceito de ato consequente utilizado no artº 133º nº2 al. i) do CPA terá que ser mais restrito, o seu conteúdo mais redutor, o seu campo de aplicação mais estreito.

E desta necessidade se apercebeu este STA, entre outras situações, quando no seu acórdão de 7/7/1994 decidiu que “nem todos os atos consequentes, porém são necessariamente nulos; a Administração deve restringir-se ao estritamente necessário na reconstituição da situação hipotética, doutro modo, excedidos aqueles limites e sempre que com isso sejam afetados direitos entretanto adquiridos, viola o princípio da proporcionalidade” (rec. nº 30 612).

Mas este mesmo tribunal, veio, mais tarde, através do seu acórdão de 26/5/1998, precisar o conceito de ato consequente, ao sentenciar que “basta que um ato seja condicionado quanto ao seu conteúdo por outro anulado por decisão transitada para que o mesmo se possa considerar como consequente daquele outro, sendo o mesmo nulo [art. 133.º, n°1, al. i) do Cód. Proc. Adm.] “rec. n° 41 772).(...)

Em suma, face a todas estas posições jurisprudenciais e doutrinais, podemos concluir que o conceito de atos consequentes, para efeitos do disposto no art.133° n°2 al. i) do CPA, nãocoincidente com o conceito normalmente tido de ato consequente, sendo mais restrito.

Assim, para além de uma relação cronológica, lógica e sequencial, terá que haver uma relação mais íntima entre os dois atos, tem que haver um nexo de dependência necessária (Aroso de Almeida, ob. cit., pág. 333), ou, nas palavras de Alberto Xavier, “haver um decisivo relevo do nexo de sucesso procedimental, para que quando um ato tenha de ser anulado, tenham de ser anulados também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente” (O Processo Administrativo Gracioso, pág. 232).”

A questão é, pois, que não obstante um ato poder ser consequente de outro, como no caso da celebração de contrato na sequência de homologação de uma graduação concursal, nem por isso, para efeitos da sua nulidade nos termos deste preceito, tal pressupõe que o conteúdo do ato ora anulado não possa mesmo permanecer na ordem jurídica.

O que significa que este artigo 133 nº2 al. i) do CPA tem de ser conjugado com o art.173º do CPTA, então em vigor, que dispunha:

“ 1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.

3 - Os beneficiários de atos consequentes praticados há mais de um ano que desconheciam sem culpa a precariedade da sua situação têm direito a ser indemnizados pelos danos que sofram em consequência da anulação, mas a sua situação jurídica não pode ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória.

4 - Quando à reintegração ou recolocação de um funcionário que tenha obtido a anulação de um ato administrativo se oponha a existência de terceiros interessados na manutenção de situações incompatíveis, constituídas em seu favor por ato administrativo praticado há mais de um ano, o funcionário que obteve a anulação tem direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que deveria ser colocado, ou, não sendo isso possível, à primeira vaga que venha a surgir na categoria correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro até à integração neste.”

Ora, como resulta do acórdão de 02.04.2014, proferido no processo n.º 420/11.5BEPNF do TAF de Penafiel, a que se alude em B) da matéria de facto, o ato de homologação da lista de ordenação final daquele procedimento concursal foi anulado por vício de forma da falta de fundamentação já que não constava da deliberação do Júri “a fundamentação da avaliação dos candidatos a homologação constitui uma aceitação ou remissão para aquela, absorvendo toda a fundamentação constante da ata. E se a deliberação do Júri padece do vício de forma, por falta de fundamentação então o ato de homologação da lista de ordenação final que para aquelas remete também não se mostra fundamentado”.

Neste âmbito se insere o dever de reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, ou seja, não é o desencadear de um novo procedimento, mas antes expurgar o ato do vício que motivou aquela decisão e que passa, no caso concreto, pelo retomar do procedimento concursal, com nova deliberação do Júri do concurso e ato de homologação da lista de ordenação final devidamente fundamentados.

O que é perfeitamente compatível com a renovação do ato com o mesmo conteúdo só que com a fundamentação em falta.

Pelo que, a execução devida de uma sentença de anulação de ato de homologação de concurso que padece de vício de falta de fundamentação não é a eliminação dos contratos celebrados ao abrigo desse ato, mas antes a prática de um ato devidamente fundamentado que poderá não interferir com os referidos contratos já celebrados.

Nestes termos não podemos dizer que se impunha a anulação dos contratos celebrados em decorrência de uma determinada deliberação de homologação de graduação de candidatos se é possível a renovação do ato com o mesmo conteúdo, ou seja, no caso, após anulação da anterior deliberação pelo acórdão de 02.04.2014, proferido no processo n.° 420/11.5BEPNF do TAF de Penafiel.

Em suma, não se impunha, nem é adequado, para cumprimento do referido acórdão a nulidade dos referidos contratos como consequência da anulação do ato de homologação supra e como reconstituição da situação hipotética decorrente da anulação do mesmo.

Só se justificava a anulação ou declaração de nulidade dos referidos se a sua manutenção fosse incompatível com a execução da sentença anulatória o que não sucede quando o ato anulado, como é o caso dos atos anulados por vício de forma, possa vir a ser substituído por ato de idêntico conteúdo.

Na verdade, a eficácia de caso julgado anulatório está circunscrita às ilegalidades que conduziram à anulação do ato, nada obstando a que a Administração emita novo ato com idêntico ou diverso conteúdo, em sede de retoma do procedimento concursal, desde que sanadas as ilegalidades que haviam determinado a sua anulação.

A remoção de ato consequente, pela declaração da sua nulidade, só se justifica quando a sua manutenção for incompatível com a execução da sentença anulatória o que não sucede quando o ato é anulado por vício de forma, já que pode vir a ser substituído por ato de idêntico conteúdo, mantendo a base legal que serve de suporte ao ato consequente.

Pelo que, face à anulação pelo TAF de Penafiel, do ato de homologação da lista de ordenação final do concurso, no âmbito do Processo n.º 420/11.5TBPNF, por vício de forma, deve o procedimento concursal ser retomado no sentido da reconstituição da situação que existiria se o ato inválido não tivesse sido praticado, apenas se colocando a declaração de nulidade dos contratos de trabalho, se a graduação que vier a resultar do novo ato a praticar assim o impuser.

2. Vejamos agora a segunda questão suscitada de que o ato em causa não violou o princípio de audição da Autora.

Decidiu-se no acórdão recorrido, a propósito da violação dos princípios da participação e do contraditório que:

“...No que respeita à invocada ausência de violação dos princípios da participação (artigo 8° do CPA) e do contraditório (artigo 100° do CPA), apontadas pelo Recorrente/Município nas suas alegações de Recurso, sempre se dirá que o despacho objeto de impugnação não cuidou de emitir pronúncia sobre os aspetos que haviam sido referidos pela Autora, quando para tal foi ouvida, o que constitui só por si violação dos princípios da participação e do contraditório, o que sempre determinaria a anulação do ato proferido (artigo 135° do CPA).

Naturalmente que a obrigação de “audição”, sempre pressupõe que em resultado da mesma, sejam devidamente ponderados os argumentos aduzidos pelo interessado, sob pena da audiência prévia ficar despida de objeto e de objetivo.

Tendo o ato aqui controvertido sido proferido no âmbito de um poder não vinculado, a ausência de ponderação da “audiência” realizada, não poderá ser sanada em decorrência do princípio do aproveitamento dos atos administrativos - utile per inutile non vitiatur -, pois que a ponderação que se fizesse, sempre poderia alterar o sentido e oportunidade da decisão proferida...”.

A questão é, pois, a de saber se, no caso sub judice, foi cumprido o disposto no referido art. 100º do CPA., atual 121º do novo CPA:

1 - Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta. (…)”.

O direito de audiência assim previsto pelo art. 100º do CPA, no âmbito do procedimento administrativo, é uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, assegurado pelo art. 267º, nº 5, da CRP, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses.

Após a anulação da deliberação que homologara graduação foi retomado o procedimento, impondo-se a audição dos interessados na manutenção de contratos que se pretendiam anular.

Aliás, o próprio recorrente assim o qualifica ao referir logo na 1ª conclusão das alegações:

“1. O despacho impugnado foi proferido num procedimento concursal comum, na sequência e em execução de uma sentença judicial transitada em julgado e na qual a A. foi contrainteressada.”

Estamos, pois, perante um ato praticado no âmbito de um procedimento, pelo que se impunha a audição dos interessados com ele visados.

O que aconteceu.

Só que o despacho mencionado em E) e F) dos factos provados não se pronunciou expressamente sobre qualquer dos aspetos referidos na pronúncia da A. mencionada em D) dos factos provados.

Mas, tal não significa que tenha desconsiderado esta pronúncia, violando, assim, os princípios da participação e do contraditório.

Como resulta do artigo 267.º n.º 5 da CRP em articulação com o referido artigo 100º e sgs do CPA durante o procedimento administrativo e antes de tomada a decisão final, os cidadãos têm o direito de participar e de serem ouvidos na formação das decisões em que sejam interessados.

Esta audiência prévia caracteriza-se pela chamada dos interessados ao procedimento administrativo visando evitar uma decisão-surpresa por parte da Administração, dar a oportunidade aos particulares de argumentarem e fazerem valer as suas posições face à decisão que a Administração pretende tomar, auxiliando-a nessa decisão.

E, no caso sub judice, o despacho mencionado em E) e F) dos factos provados, que é a decisão aqui impugnada, apesar de não se pronunciar sobre cada um dos aspetos referidos na pronúncia da A. mencionada em D) dos factos provados, expressamente refere que as alegações apresentadas em sede de audiência prévia não são de molde a alterar a decisão de nulidade dos contratos, face aos pareceres solicitados após a audiência prévia aqui em causa.

Como se extrai do mesmo:

“ (...) Foram solicitados pareceres ao mandatário judicial...sobre as alegações apresentadas...em sede de audiência prévia, tendo os mesmos sido enviados no sentido de, em conclusão, serem nulos..._Fazendo fé nos sobreditos pareceres emitidos, as alegações apresentadas pelos trabalhadores em sede de audiência prévia não são suscetíveis de alterar, quer nos fundamentos de facto, quer nos de direito, a intenção desta C...M... em reconhecer a nulidade dos respetivos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado. (...) ”.

Pelo que, não há qualquer dúvida de que foi tomada em consideração a posição dos interessados manifestada em audiência prévia.

Não tendo havido qualquer desconsideração pela pronúncia das aqui recorridas em sede de audiência prévia, não foram violados os princípios da participação e do contraditório.

Procede, pois, o recurso nesta parte.


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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido no segmento que havia anulado o ato com fundamento na preterição do direito à audiência prévia, mantendo, no mais, o decidido pelas instâncias.

Custas pelo recorrente em 3/4 e 1/4 pelas recorridas.

Lisboa, 15 de Novembro de 2018. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos - Carlos Luís Medeiros de Carvalho.