Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0843/12.2BEAVR 0518/18
Data do Acordão:11/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
CPTA
Sumário:O artº 38º do CPTA/versão 2002, tem subjacente a propositura de uma acção de indemnização, o que desde logo, não se verifica com pretensão deduzida pelo ora recorrente, que apenas pretende lhe seja reconhecido o direito à bolsa de estudos e consequências daí decorrentes, como seja, o pagamento que entende ser devido, quer em relação ao ano lectivo de 2009/2010, quer o pagamento de montantes que ainda considera em dívida referentes a outros anos lectivos.
Nº Convencional:JSTA000P23813
Nº do Documento:SA1201811080843/12
Data de Entrada:06/21/2018
Recorrente:A....
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A………………….., devidamente identificado nos autos, intentou no TAF de Aveiro, contra o Ministério da Defesa Nacional, acção administrativa comum pedindo que este fosse condenado nos seguintes pedidos:

(a) reconhecer-lhe o direito à bolsa de estudos e ao subsídio para propinas previstos nos art.ºs 23º e 24º do DL nº 320-A/2000, de 15/12;

(b) pagar-lhe 59.471,52€, correspondente às prestações mensais referentes aos anos lectivos de 2009/2010, 2010/2011, 2011/2012 e 2012/2013 a que tem direito;

(c) pagar-lhe 29.735,76€, comprovados que sejam os requisitos estabelecidos no nº 9 do art.º 23º do citado DL, correspondente às prestações mensais referentes aos anos lectivos 2013/2014 e 2014/2015 a que tem direito;

(d) pagar-lhe o subsídio para pagamento de propinas referente aos anos lectivos 2009/2010 e 2012/2013, no montante de 1.999,42€, assim como referente ao ano de 2013/2014, este último cumprido que sejam os requisitos legais para o efeito, na quantia a determinar; e ainda,

(e) a pagar-lhe a título de regulação provisória a quantia mensal de 1.238,99€, indispensável para evitar a sua situação de grave carência.


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O TAF de Aveiro julgou a acção improcedente, absolvendo o R. da instância, por verificação da excepção inominada prevista no artº 38º, nº 2 do CPTA.

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Desta decisão, o autor/recorrente interpôs recurso para o TCA Norte, que por Acórdão proferido em 12.01.2018 lhe negou provimento e confirmou a decisão do TAF de Aveiro.

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É deste Acórdão proferido pelo TCAN que o recorrente interpôs o presente recurso de revista, alegando e formulando para o efeito as seguintes conclusões:

«i) É recorrido o Acórdão que julgou improcedente o recurso apresentado da decisão de 1ª Instância que julgou procedente a excepção inominada que obstou ao prosseguimento do processo nos termos do art. 38º, nº 2 do CPTA;

ii) A presente revista é admissível seja por força da sua relevância jurídica fundamental seja pela necessidade para uma melhor aplicação do direito;

iii) Em causa a interpretação da notificação efectuada pelo Réu ao Recorrente em 30.07.2009, entendida pelas instâncias recorridas como consubstanciadora de um acto administrativo, recorrível judicialmente por intermédio da acção administrativa especial;

iv) O despacho constante de tal notificação não configura um verdadeiro acto administrativo, lesivo e com eficácia externa no sentido de se entender como recorrível autonomamente pois não representa uma decisão expressa do pedido, estando condicionado a condição futura, que se encontrava na dependência de órgão que não o Director Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, nomeadamente, do Sr. Ministro da Defesa Nacional;

v) No procedimento administrativo foram praticados outros actos, também eles autónomos entre si mas que não contêm eles próprios uma decisão concreta, com excepção do praticado em 12.09.2012;

vi) Todo o processado fundamentaria uma decisão das instâncias recorridas no sentido de aproveitar todo o processado em ordem à tomada de uma decisão de mérito, a qual, no fundo é desiderato no sistema processual administrativo [art. 2º, nº 1 do CPTA].

vii) Sabendo que o prazo de intentar a acção administrativa especial é de 3 meses, não podia o Recorrente pedir a anulação do acto de 30.07.2009 com aquelas características;

viii) O disposto no artigo 23º do Regulamento de Incentivos, aprovado pelo DL 320-A/2000, que condiciona, entre outros, a atribuição do subsídio à prévia disponibilização de verba, quando conjugado com a necessidade de recorrer judicialmente do despacho que decide o pedido, configura matéria de complexidade jurídica superior ao comum pois impõe a existência de decisões de duas entidades [director geral de Pessoal e Recrutamento Militar e Ministro da Defesa Nacional], que não se apresentam proferidas simultaneamente, criando, assim a dúvida legítima no administrado acerca do sentido das decisões;

ix) Impõe-se a necessidade do Supremo Tribunal Administrativo se pronunciar sobre a matéria, de forma a decidir se o simples despacho que condiciona o deferimento do pedido à prévia disponibilização de verba a fixar pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, sem que se saiba em que momento tal vai ou não suceder, configura um verdadeiro acto administrativo para efeito de contagem do prazo de 3 meses da acção administrativa especial;

x) Verifica-se igualmente um erro ostensivo no tratamento da matéria pois todas estas questões foram desconsideradas pelos Tribunais recorridos;

xi) Os pressupostos do recurso de revista estão verificados;

xii) O despacho inserto na notificação de 30.07.2009 não pode ser entendido como um acto administrativo, lesivo e com eficácia externa;

xiii) Perante tal despacho, o Recorrente ficou a aguardar que fosse fixada a verba necessária e deferido o pagamento nos termos peticionados, até por ser admissível o pagamento com efeitos retroactivos desde a formulação do pedido em 2009;

xiv) Só perante o ofício de 18.06.2012 [facto j], em que expressamente se afirmou que “o incentivo a que se refere encontra-se revogado (…) sendo que logicamente a não fixação da mesma conduziria à caducidade do processo” é que pode considerar-se ter havido indeferimento expresso do pedido;

xv) Admitindo estarmos perante um caso de necessidade de recurso à acção administrativa especial, o prazo para intentar a correspondente acção começaria a partir desta data de 18.06.2012;

xvi) O Recorrente intentou a presente acção em 24.09.2012, pelo que o prazo de 3 meses para interpor a acção administrativa especial não se mostrava caducado, tendo em consideração que tal prazo suspende-se durante o período de férias judiciais;

xvii) Deveria o Tribunal ter convidado o Recorrente a aperfeiçoar a petição inicial e o pedido aí inserto na medida em que os factos nucleares estavam alegados e o processo continha todos os elementos de facto necessário para o conhecimento do mérito da questão;

xviii) Adequada a petição e o pedido, como legalmente possível, e verificando-se o erro na forma do processo, deveria ter havido lugar à sua convolação pelo Tribunal;

xix) O erro na forma do processo é sanável mediante a convolação para a forma adequada quando o direito à dedução da acção correcta não se mostre caducado, o que é o caso dos autos;

xx) Compatibilizando a possibilidade de aperfeiçoamento da petição inicial com a possibilidade de convolação para a forma adequada, poderia o Recorrente ver apreciado o mérito da questão;

xxi) As instâncias recorridas, ao não terem assim efectuado, violaram o princípio da tutela jurisdicional efectiva [art. 2º, nº 1 do CPTA], o disposto no artigo 7º do CPTA bem como o vertido no artigo 590º, nº 2, al. a) e b) do CPC».


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Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra alegações pelo recorrido Ministério da Defesa Nacional.

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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA proferido a 30 de Maio de 2018.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso e consequente baixa dos autos ao TCAN para conhecimento do mérito.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto fixada nos autos é a seguinte:

«A) Em 15 de Abril de 2009, o Autor dirigiu um ofício ao Director-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, de onde se extrai o seguinte:

“(…) Vem por este meio candidatar-se à Bolsa de Estudos Superiores, nos termos do Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de Dezembro e alterado pelos Decretos-Leis nºs 118/2004 de 21 de Maio e 320/2007 de 27 de Setembro” (cfr. documento nº 3 junto com a petição inicial);

B) Em resposta ao requerimento identificado na alínea anterior, com a data de 30.07.2009, foi remetido ao Autor um ofício, com a referência 11.4.DSRM/DIPSM, do qual se extrai o seguinte:

“Relativamente ao assunto em epígrafe, informo V. Exª que deu entrada nesta Direcção-Geral o pedido de concessão de subsídio para estudos superiores nos termos previsto no artigo 23º do Regulamento de Incentivos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 320-A/2000, de 15 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 118/2004, de 21 de Maio, sendo que o seu deferimento fica condicionado, porém, à prévia disponibilização de verba a fixar por Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional.

Mais se informa que, até 30 de Outubro deverá enviar a esta Direcção-Geral o comprovativo de matrícula em estabelecimento de ensino superior, no ano lectivo 2009/2010, sob pena da perda do direito ao benefício ora requerido.

Alerta-se ainda V. Exa, para as incompatibilidades decorrentes da lei face ao incentivo ora requerido, pelo que se anexa modelo de declaração que deverá ser remetida a esta Direcção-Geral.” (cfr. documento nº 4 junto com a petição inicial );

C) Em 18.09.2009, o Autor remeteu ao Director-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, o comprovativo de matrícula relativo ao ano lectivo de 2009/2010, através de carta com o seguinte teor:

“No seguimento do v/ofício com a Ref.ª 11.4.DSRM/DIPSM, de 30JUL09 03555, junto envio comprovativo de matrícula para o ano lectivo 2009/2010, emitido pelos Serviços Académicos da Universidade da Beira Interior, para completar o meu processo de candidatura ao subsídio para estudos superiores” (cfr. documento nº 10 junto com a petição inicial);

D) No ano de 2009/2010, não foi fixada qualquer verba para concessão dos subsídios para estudos superiores e/ou subsídio para pagamento de propinas de ensino (acordo e cfr. documento nº 7 junto com a petição inicial);

E) Em 15.09.2010 e 03.03.2011, o Autor remeteu ao Director-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, respectivamente, prova do aproveitamento no ano lectivo de 2009/2010 e comprovativo de matrícula relativo ao ano de 2010/2011 (cfr. documento nº 11 e 13 junto com a petição inicial);

F) Em 20.09.2011, o Autor remeteu ao Director-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, comprovativo de matrícula relativo ao ano de 2011/2012 (cfr. documento nº 14 junto com a petição inicial);

G) Em 04.11.2011, foi proferido pelo Secretário de Estado Ajunto e da Defesa Nacional, o despacho nº 10/SEADN/2011, do qual se extrai o seguinte:

“Nos termos do artigo 23º do Regulamento de Incentivos (RI) à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato (RC) e de Voluntariado (RV), aprovado pelo Decreto-Lei nº 320-A/2007, de 15 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei nº 118/2004, de 21 de Maio, e 320/2007, de 27 de Setembro, os cidadãos que tenham cumprido, no mínimo, cinco anos de serviço efectivo em regime de contrato, uma vez cessado o vínculo contratual, podem candidatar-se à concessão de um subsídio para estudos superiores ou a um subsídio para pagamento de propinas de ensino, sendo a verba disponível para a atribuição deste incentivo anualmente fixada por despacho do Ministro da Defesa Nacional.

Considerando que, só na presente data, estão simultaneamente reunidas as condições legais e financeiras que permitem implementar a reconfiguração do subsídio, determino o seguinte:

1. Ao abrigo do nº 5 do artigo 23º do RI, a verba disponível para atribuição do subsídio para estudos superiores para o ano lectivo 2010/2011 é de 61 511,50€ (sessenta e um mil quinhentos e setenta e um euros e cinquenta cêntimos), para garantir a continuação dos compromissos assumidos com as candidaturas aprovadas desde o ano lectivo 2008/2009 e que continuam a cumprir os requisitos exigidos;

2. Ao abrigo dos nºs 1 e 3 do artigo 39.º da Lei n.º 55 - A/2010, de 31 de Dezembro, e dos nºs 2 e 3 do artigo 16º da Lei nº 37/2003 de 22 de Agosto, alterada pela Lei nº 49/2005, de 30 de Agosto, a verba disponível para atribuição do subsídio para pagamento de propinas de ensino é de 59 212,80€ (cinquenta e nove mil, duzentos e doze euros e oitenta cêntimos), correspondentes às novas candidaturas apresentadas para o ano lectivo de 2010/2011.” (cfr. fls. 52 do processo administrativo);

H) Em Dezembro de 2011, o Réu pagou ao Autor a quantia de €986,88 (confissão);

I) Em 03.01.2012, a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, enviou uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor:

“Informamos que foi efectuado no passado mês de Dezembro de 2011, o pagamento de 986,88€ relativo ao valor de propinas devido para o ano lectivo de 2010/2011, a que foi candidato ao abrigo do artigo 23º do Regulamento de Incentivos.

Mais se informa que o nº 4 do artigo 24º do Regulamento de Incentivos determina a caducidade do benefício, uma vez atribuído se não for efectuada dentro do prazo aí previsto, a comprovação da matrícula destacado o sucesso escolar obtido com a respectiva transição de ano lectivo” (cfr. documento nº 8 junto com a petição inicial).

J) Em 18.06.2012, a Direcção-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, enviou uma mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor:

“O incentivo a que se refere encontra-se revogado e muito embora V. Exª se tenha candidatado ao mesmo no ano lectivo de 2009/2010, conforme lhe foi já informado, não foi fixada verba. Com efeito o direito previsto no artigo 23º estabelecia que a concessão do apoio financeiro, ficava condicionado à fixação anual de verba, sendo que logicamente a não fixação da mesma conduziria à caducidade do processo.

Contudo, esta Direcção-Geral recuperou as candidaturas validadas através de matrícula no ano lectivo 2010/11 mas já segundo as alterações produzidas pelo Lei artigo 39º da Lei nº 55-A/2010, de 31/05, isto é subsídio para pagamento de propinas, dado que à data da sua entrada em vigor a sua candidatura ainda não tinha sido objecto de financiamento e portanto se considerava abrangida pelas alterações aí previstas.

A sua situação seguiu aliás este procedimento e foi objecto de concessão do subsídio para pagamento de propinas, tendo sido pago o valor devido no ano lectivo 2010/2011 e aguardando-se o pagamento no ano lectivo 2011/2012, conforme já comunicado.

O facto de perante a ausência de despacho de fixação de verba se ter adoptado um procedimento que recuperava os pedidos referentes ao ano lectivo de 2009/10 e 2010/11, acabou por ser mais favorável visto ter permitido o pagamento de um subsídio. Não nos podemos esquecer que se nos cingíssemos ao pedido formulado, “subsidio para estudos superiores”, o candidato não receberia nada pois no ano lectivo de 2009/10 não tinha havido lugar à fixação de verba e o pedido consequentemente caducaria e no ano lectivo 2010/11 tal incentivo já tinha sido revogado.” (cfr. fls. 57 do processo administrativo);

K) Em 20.07.2012, o Réu pagou ao Autor a quantia de 999,71€ (confissão);

L) Em 12.09.2012, o Autor remeteu ao Director-Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, comprovativo de matrícula relativo ao ano de 2012/2013 (cfr. documento nº 15 junto com a petição inicial);

M) A presente acção deu entrada neste Tribunal em 24.09.2012, remetida por correio registado em 21.09.2012 (cfr. fls. 2 dos autos);

N) Em 26.12.2012, o Réu pagou ao Autor a quantia de 1.037,20€ (cfr. fls. 167 e ss dos autos);


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2.2. O DIREITO

Conforme resulta dos autos, o autor/recorrente, em Abril de 2009, candidatou-se à Bolsa de Estudos Superiores, prevista no DL 320-A/2000, de 15/12, tendo, em 30.07.2009, recebido resposta da instituição militar informando-o que o deferimento do seu pedido estava condicionado à disponibilidade de verba, verba esta que, no ano lectivo 2009/2010 não foi disponibilizada o que privou o recorrente do recebimento das ajudas requeridas [facto que não o impediu de ir informando aquela instituição do seu aproveitamento escolar e das sucessivas matrículas que ia efectuando].

Em 4/11/2011, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional proferiu despacho fixando as verbas para os mencionados apoios ao ano lectivo de 2010/2011, cabendo ao recorrente a quantia de 986,88€, que lhe foi paga em Dezembro de 2011.

E em Julho de 2012 o Réu pagou ao Recorrente a quantia de 999,71€ referente ao ano lectivo de 2011/2012 e, em 26/12/2012, pagou-lhe mais 1.037,20€.

Considerando insuficiente o valor dos subsídios que lhe foram prestados e entendendo que lhe eram devidos os montantes peticionados, o recorrente intentou em 24/09/2012, acção administrativa comum pedindo a condenação do Réu a, como supra já me mencionou:

(a) reconhecer o direito à bolsa de estudos e ao subsídio para propinas previstos nos artºs 23º e 24º do DL nº 320-A/2000, de 15/12;

(b) pagar-lhe 59.471,52€, correspondente às prestações mensais referentes aos anos lectivos de 2009/2010, 2010/2011, 2011/2012 e 2012/2013 a que tinha direito;

(c) a pagar-lhe 29.735,76€, comprovados que sejam os requisitos estabelecidos no nº 9 do art.º 23º do citado DL, correspondente às prestações mensais referentes aos anos lectivos 2013/2014 e 2014/2015 a que tem direito;

(d) pagar-lhe o subsídio para pagamento de propinas referente aos anos lectivos 2009/2010 e 2012/2013, no montante de 1.999,42€, assim como referente ao ano de 2013/2014, este último cumprido que sejam os requisitos legais para o efeito, na quantia a determinar; e ainda

(e) a pagar-lhe a título de regulação provisória a quantia mensal de 1.238,99€, indispensável para evitar a sua situação de grave carência».

O Tribunal de 1ª instância – TAF Aveiro - julgou a acção improcedente, sustentando para o efeito e em síntese:

«(…) o Autor não impugna qualquer acto administrativo, nem tão pouco pede a condenação à prática de qualquer acto administrativo que se lhe afigure como legalmente devido, conclui-se que, pelo que é peticionado, a forma de processo é a adequada, não se verificando, por isso, erro na forma de processo, podendo ocorrer, no entanto, inidoneidade do meio processual utilizado (o que é diferente do erro na forma de processo) …. .

… resulta da factualidade provada que o Réu praticou aquele acto (Onde se lê:

“Relativamente ao assunto em epígrafe, informo V. Exª que deu entrada nesta Direcção-Geral o pedido de concessão de subsídio para estudos superiores nos termos previsto no artigo 23° do Regulamento de lncentivos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 320-A/2000, de 15/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 118/2004, de 21/05, sendo que o seu deferimento fica condicionado, porém, à prévia disponibilização de verba a fixar por Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional.

Mais se informa que, até 30 de Outubro, deverá enviar a esta Direcção-Geral o comprovativo de matrícula em estabelecimento de ensino superior, no ano lectivo 2009/2010, sob pena da perda do direito ao benefício ora requerido.

Alerta-se, ainda, V.ª Exª para as incompatibilidades decorrentes da lei face ao incentivo requerido, pelo que se anexa modelo de declaração que deverá ser remetida a esta Direcção-Geral.”), pelo que o Autor deveria ter lançado mão da acção administrativa especial com vista a anular a decisão que recaiu sobre a candidatura que apresentou (e que fez depender o deferimento do pedido do Autor da fixação de verba para o efeito), peticionando a condenação do Réu à prática do acto que entendia ser devido, o que só por via da acção administrativa especial de condenação à prática de acto devido seria possível.

….

E é precisamente por ter sido deferida a pretensão do Autor, nos termos em que o foi, que ocorre a impropriedade do meio processual para conhecer dos pedidos formulados na petição inicial, uma vez que o efeito que o Autor pretende retirar da presente acção, é o que retiraria da anulação do acto em questão e da consequente condenação à prática do acto devido.

…..

Assim, não tendo sucedido e tendo sido comunicado ao Autor que a bolsa a que se candidatava ficaria dependente da fixação de verba para o efeito, e não tendo sido fixada qualquer verba nesse ano, sem que o Autor tivesse reagido contra esse acto e esta omissão, a presente acção redundaria precisamente no efeito que decorreria da acção que o Autor, em devido tempo, não interpôs.

E tendo entretanto sido proferido o despacho a que se reporta a alínea g), onde se decidiu o seguinte:

“1. Ao abrigo do nº 5 do artigo 23° do RI, a verba disponível para atribuição do subsídio para estudos superiores para o ano lectivo 2010/2011 é de 61.511,50€ … para garantir a continuação dos compromissos assumidos com as candidaturas aprovadas desde o ano lectivo 2008/2009 e que continuam a cumprir os requisitos exigidos;

2. Ao abrigo dos nºs 1 e 3 do artigo 39° da Lei nº 55 - A/2010, de 31 de Dezembro, e dos nºs 2 e 3 do artigo 16° da Lei nº 37/2003, de 22 de Agosto, alterada pela lei nº 49/2005, de 30 de Agosto, a verba disponível para atribuição do subsídio para pagamento de propinas de ensino é de 59.212,80€, correspondentes às novas candidaturas apresentadas para o ano lectivo de 20/10/2011.” ), da factualidade provada, e pago ao Autor determinados montantes apenas nos anos de 2011 e 2012 … pelas razões expostas, não é também por via da presente acção que o Autor pode obter os efeitos decorrentes da anulação destes actos, pois que sempre lhe cabia instar a Administração a praticar os actos que consideraria devidos, em consequência desse despacho de fixação de verba e, consequentemente, não sendo aqueles praticados, ou sendo-o em violação das normas legais aplicáveis, interpor a competente acção de condenação à prática de acto devido (cfr. artigo 67º do CPTA).

Assim, e pelos motivos aduzidos, verifica-se, no caso em apreço, a excepção dilatória inominada decorrente da inadmissibilidade legal do uso da acção administrativa comum, determinante da absolvição da instância, nos termos dos artigos 38º, nº 2 do CPTA».

Do assim decidido, o autor/recorrente interpôs recurso para o TCAN que veio a confirmar o decidido, tendo por seu turno, aduzido os seguintes argumentos:

“… afirma o Recorrente que o ofício de 30-07-2009 contém mera informação e que não se traduz na emissão de um acto administrativo de indeferimento, ou sequer de uma omissão passível de impugnação, à qual o Autor pudesse reagir.

Tem razão apenas na medida em que não se consolidou aí um indeferimento, pelo menos absoluto, pois os pagamentos constantes de H), K) e N) da matéria de facto, que o Recorrente reputa de “pagamento parcial”, comprovam que se verificou o deferimento parcial da pretensão do Autor.

….

Ora, de um deferimento parcial (“pagamento parcial” na expressão do Recorrente) resulta apodicticamente a existência um indeferimento parcial.

E a certeza de que o Autor já não obteria a satisfação total da sua pretensão consolidou-se decisivamente com a comunicação constante em J), onde o Réu informa o Autor que “O facto de perante a ausência de despacho de fixação de verba se ter adoptado um procedimento que recuperava os pedidos referentes ao ano lectivo de 2009/10 e 2010/11, acabou por ser mais favorável visto ter permitido o pagamento de um subsídio. Não nos podemos esquecer que se nos cingíssemos ao pedido formulado, “subsídio para estudos superiores” o candidato não receberia nada pois no ano lectivo de 2009/10 não tinha havido lugar à fixação de verba e o pedido consequentemente caducaria e no ano lectivo 2010/11 tal incentivo já tinha sido revogado.”) da matéria de facto.

…..

O argumento principal que ressuma nestas conclusões é que o direito aos incentivos peticionados resultava directamente da lei, não dependendo da prática de actos administrativos destinados à sua concessão.

Manifestamente não é assim, nem poderia ser, uma vez que a concessão dos subsídios (bolsa de estudos e subsídio para propinas) dependia de requerimento do interessado para o efeito (art.º 24º/1 do DL 320-A/2000, de 15/12) e exigia uma “decisão relativa à concessão do subsídio” (artº 24º/3 do mesmo diploma), assim como a posse e comprovação de determinados requisitos (art.º 23º/9 do mesmo diploma …..

…. Torna-se, assim, claro que o sentido normativo do artº 45º do DL 320-A/2000 é apenas marcar o momento a partir do qual o militar pode diligenciar no sentido de concretizar a aquisição desse direito na sua esfera jurídica. Aquilo que a lei designa exercício do direito aos incentivos, “o direito aos incentivos só é exercido depois da incorporação”, remete afinal para o procedimento tendente à aquisição do direito cuja virtualidade genética - e apenas essa - remontava ao momento da assinatura do contrato.

….

Finalmente o Recorrente esgrime o argumento da possibilidade de apreciação incidental da ilegalidade do acto no âmbito da acção administrativa comum, ao abrigo do artigo 38º/2 do CPTA (na versão então vigente).

Mas sem razão, porque essa possibilidade de apreciação incidental se refere apenas a actos administrativos que já não possam ser impugnados e “só pode, portanto, dirigir-se a obter efeitos jurídicos não coincidentes com os que resultariam da propositura de uma acção de impugnação” (na expressão de M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2010, p. 225).

Posto isto, improcedem na totalidade as conclusões do Recorrente e o recurso não obtém provimento».


*

Invoca o recorrente nesta sede de recurso de revista que (i) está em causa a interpretação da notificação efectuada pelo Réu ao Recorrente em 30.07.2009, entendida pelas instâncias recorridas como consubstanciadora de um acto administrativo, recorrível judicialmente por intermédio da acção administrativa especial, que (ii) o despacho constante de tal notificação não configura um verdadeiro acto administrativo, lesivo e com eficácia externa no sentido de se entender como recorrível autonomamente pois não representa uma decisão expressa do pedido, estando condicionado a condição futura, que se encontrava na dependência de órgão que não o Director Geral de Pessoal e Recrutamento Militar, nomeadamente do Sr. Ministro da Defesa Nacional, que (iii) perante tal despacho, o Recorrente ficou a aguardar que fosse fixada a verba necessária e deferido o pagamento nos termos peticionados, até por ser admissível o pagamento com efeitos retroactivos desde a formulação do pedido em 2009, que (iv) só perante o ofício de 18.06.2012 [facto j], em que expressamente se afirmou que “o incentivo a que se refere encontra-se revogado (...) sendo que logicamente a não fixação da mesma conduziria à caducidade do processo” é que pode considerar-se ter havido indeferimento expresso do pedido;

Vejamos, pois, se lhe assiste razão na alegação dos argumentos com que visa destronar a decisão recorrida.

Resulta do exposto [como aliás consta do Acórdão que admitiu a Revista] que a vertente determinante da absolvição do Réu da instância foi o entendimento das instâncias que o despacho comunicado ao Recorrente pelo ofício de 30/07/2009 se traduzia num verdadeiro acto administrativo e que, sendo assim, aquele errou ao propor esta acção administrativa comum como forma de obter satisfação para as suas pretensões, dado que essa satisfação só poderia ser obtida mediante a propositura de uma acção administrativa especial onde se pedisse a anulação daquele acto e a condenação do Réu à prática do acto devido.

Ou seja, a acção administrativa comum intentada pelo ora recorrente era, assim, um meio processual inidóneo para o deferimento dos pedidos formulados, o que constituía uma excepção inominada e determinava a absolvição do Réu da instância. E a não impugnação daquele acto determinava a sua consolidação na ordem jurídica que não poderia ser revertida através da propositura desta acção. Reversão que nem sequer podia ser alcançada através da sua apreciação incidental nesta acção uma vez que esta só pode dirigir-se a obter efeitos jurídicos não coincidentes com os que resultariam da propositura de uma acção de impugnação.

Temos pois que, o nó górdio do presente recurso consiste, antes de mais, em apurar se o despacho que foi comunicado ao recorrente em 30/07/2009, consubstancia um verdadeiro acto administrativo imediatamente impugnável, sendo que numa primeira análise, tudo indicia que se trata de um acto que nada decide e se limita a fornecer uma informação ao requerente do pedido, informando-o concretamente, ainda não tinha sido decidida a concessão de apoios para frequentar o ensino superior e que o deferimento da sua pretensão, em relação ao ano lectivo de 2008/2009, fica condicionado à prévia disponibilização de verba a fixar superiormente pelo Ministro da Defesa Nacional.

Atentemos, pois, nos pedidos formulados na presente acção que supra se transcreveram e no facto B) da matéria de facto fixada nos autos, sendo que desta conjugação resulta inequívoco que o ofício datado de 30.07.2009 e notificado ao recorrente, nada decide em definitivo quanto à sua pretensão formulada em 15.04.2009 [concessão de subsídio para estudos superiores, como previsto no artº 23º do Regulamento de Incentivos – cfr. al. A) dos factos provados], antes se limitando a informá-lo do estatuído legalmente.

Ou seja, este despacho datado de 30.07.2009, não concede nem indefere a pretensão do requerente, antes se limitando a informá-lo que a decisão definitiva será prolatada num momento posterior, por depender da existência de verbas ainda incertas, porque não disponibilizadas por quem tem a competência para o fazer que é o Ministro da Defesa Nacional.

Por outro lado, a entidade demandada ainda solicita ao requerente um documento que teria de ser apresentado até ao dia 30 de Outubro que é o comprovativo da matrícula em estabelecimento de ensino superior no ano lectivo de 2009/2010, o que comprova de forma indelével que àquela data ainda não tinha sido tomada nenhuma decisão que produzisse efeitos jurídicos na esfera do ora recorrente, ou seja, o pedido ainda não lhe tinha sido deferido nem indeferido.

Daí que, o acto consubstanciado no referido ofício, não pode de forma alguma ser considerado um acto administrativo, pois não produz quaisquer efeitos jurídicos na esfera constitutiva do recorrente, nem concede, nem retira direitos, não sendo deste modo imediatamente lesivo, não lhe concedendo sequer legitimidade activa para o impugnar.

Deste modo, não se acompanha o acórdão recorrido quando refere que o recorrente em vez de propor uma acção para reconhecimento do direito à referida bolsa, teria de ter impugnado este acto através de uma acção administrativa especial, por conter uma decisão administrativa lesiva dos seus direitos, que como vimos, não sucede.

Mas assim sendo, terá o recorrente legitimidade para intentar uma acção de reconhecimento de direito à bolsa que havia requerido?

Vejamos:

O recorrente intentou a presente acção administrativa comum em 24.09.2012, ou seja, depois de ter sido notificado do acto comunicado pelo ofício datado de 18.06.2012 – cfr. facto provado levado à al. J) – pelo qual lhe foi esclarecido que face à inexistência de verba, esta não lhe seria concedida em definitivo.

E face ao conteúdo deste acto, este sim lesivo na sua esfera jurídica, o recorrente intentou a presente acção administrativa comum, que se enquadra no disposto no artº 37º, als. a), b), d) e e) – parte final – do nº 2 do CPTA, na versão de 2002, formulando os pedidos que supra se deixaram transcritos.

E cremos que este é efectivamente o meio adequado aos seus propósitos.

Com efeito, o artº 38º do CPTA/versão 2002, tem subjacente a propositura de uma acção de indemnização, o que desde logo, não se verifica com pretensão deduzida pelo ora recorrente, que apenas pretende lhe seja reconhecido o direito à bolsa e consequências daí decorrentes, como seja, o pagamento que entende ser devido, quer em relação ao ano lectivo de 2009/2010, quer o pagamento de montantes que ainda considera em dívida referentes a outros anos lectivos.

Ora este pedido, integra-se sem margem para dúvidas no âmbito de uma acção administrativa comum, designadamente na redacção dada à al. e), parte final do artº 37º do CPTA/2002 [montante líquido e exigível].

E assim sendo, fica prejudicado o conhecimento do pedido formulado pelo recorrente em termos subsidiários, de convolação da presente acção administrativa comum em acção administrativa especial, dado que o recorrente escolheu bem o meio processual utilizado, não se antolhando dever ser utilizado outro meio processual para obter as suas pretensões.

Concluindo: a acção administrativa comum prevista na anterior redacção do CPTA, é o meio adequado para analisar das pretensões do autor/recorrente – cfr. artº 37º, nºs 1, 2, als a), b), d) e e) – última parte – do nº 2 do CPTA - impondo-se que o tribunal recorrido conheça dos argumentos e pressupostos alegados, ou seja conheça do mérito da causa (artºs 665º e 679º do CPTA e 149º do CPTA).


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para aí prosseguir, com conhecimento do mérito, se nada a tal obstar

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 8 de Novembro de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.