Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01282/21.0BELSB |
Data do Acordão: | 05/05/2022 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ VELOSO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA INTIMAÇÃO |
Sumário: | Pela relevância jurídica e social que tem, é de admitir a revista sobre questão acerca da compatibilização da natureza pública do processo de contra-ordenação, e do dever de transparência da entidade reguladora, face à presunção de inocência e ao direito ao bom nome dos visados. |
Nº Convencional: | JSTA000P29382 |
Nº do Documento: | SA12022050501282/21 |
Data de Entrada: | 04/26/2022 |
Recorrente: | AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA |
Recorrido 1: | A…………….. - DISTRIBUIÇÃO, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA - demandada neste processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, pedir revista do acórdão do TCAS de 20.01.2022, em que se decidiu conceder provimento à apelação da A…………. - DISTRIBUIÇÃO, S.A. - autora da acção de intimação -, revogar a sentença do TAC de Lisboa - de 20.10.2021 - «na parte em que julgou procedente a excepção da incompetência material do tribunal administrativo», e - em substituição [artigo 149º, nº3, do CPTA] - julgar improcedente a «excepção da inidoneidade do meio processual» e procedente a intimação, contra ela requerida. Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «relevância jurídica e social das questões» a apreciar e a decidir. A recorrida – A………….. - DISTRIBUIÇÃO, S.A. - apresentou contra-alegações nas quais, além do mais, defende que o recurso de revista não deverá ser admitido por esta Formação de Apreciação Preliminar por falta de verificação de pressupostos para esse efeito - artigo 150º, nº1, do CPTA. 2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 3. A autora – A…………. - DISTRIBUIÇÃO, S.A. - intentou o presente processo urgente, pedindo ao tribunal a intimação da AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA a abster-se de publicitar, através de comunicados ou quaisquer outros meios, e antes do respectivo trânsito em julgado, a decisão que viesse a ser proferida no âmbito do processo de contra-ordenação com a referência PRC/2017/8, bem como a identificação da aí requerente e de quaisquer dos seus colaboradores, ou de qualquer das marcas por si comercializadas, e excertos de meios de prova constantes desses autos. O tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - julgou o tribunal administrativo materialmente incompetente para conhecer da requerida intimação, por entender que tal competência cabia ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
O tribunal de 2ª instância - TCAS - concedeu provimento à apelação da autora – A………. - revogou a sentença recorrida, e, «conhecendo em substituição», julgou improcedente a excepção da inidoneidade do meio processual - suscitada na contestação - e procedente a intimação nos termos que haviam sido requeridos pela autora. Relativamente ao «mérito», entendeu-se no acórdão recorrido que um comunicado público sobre a decisão final do processo de contra-ordenação, contendo a identificação da requerente e de colaboradores, das marcas por si comercializadas, de excertos de meios de prova do processo, a imputar-lhe a prática de ilícitos concorrenciais, antes do respectivo trânsito em julgado, viola o direito à presunção de inocência, previsto no artigo 32º, nº2 e nº10, da CRP, e, consequentemente, põe em causa o direito ao bom nome a reputação da pessoa colectiva da requerente/recorrente, com consagração constitucional no artigo 26º, nº1, da CRP. A demandada - AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA - discorda, e pede «revista» desta decisão, e dos seus fundamentos, apontando-lhe duas nulidades e erro de julgamento de direito. No tocante às nulidades, defende que o acórdão recorrido é nulo porque, em essência, não especificou a «matéria de facto justificativa da decisão de mérito», limitando-se a repetir a factualidade assente na 1ª instância para decidir pela incompetência material do tribunal administrativo - alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC, aplicável por força dos artigos 1º e 140º, nº3 do CPTA; e, além disso, omitiu pronúncia sobre a sua posição processual «quanto ao mérito da intimação» - alínea d) do nº1 do artigo 615º do CPC ex vi artigos 1º e 140º, nº3 do CPTA. No que respeita a esta «decisão de mérito», defende a entidade reguladora recorrente que o acórdão recorrido erra na interpretação e aplicação que faz do direito, pois que, de acordo com a mesma, apenas lhe seria possível revelar a identidade dos visados no processo de contra-ordenação - bem como os demais elementos em causa na intimação -, após o «trânsito em julgado da decisão final», e isto, sublinha, está em clara oposição com a natureza pública do processo de contra-ordenação e com as atribuições legais que lhe incumbe prosseguir - artigos 32º, 33º e 90º, da Lei da Concorrência; artigo 48º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras; artigo 46º, nº2, dos Estatutos da Autoridade da Concorrência. A «questão nuclear» que se perfila, e que se pretende submeter ao crivo deste tribunal de revista, cifra-se, pois, na compatibilização da natureza pública do processo, aqui em causa, bem do cabal cumprimento sobretudo do dever de transparência, por parte das entidades reguladoras - concretamente a ora recorrente -, com o princípio constitucional da «presunção de inocência», tal como resulta consagrado no artigo 32º, nº2, e nº10, da CRP, e do direito ao bom nome e reputação da pessoa colectiva visada, consagrado no artigo 26º, nº1, da CRP. Esta questão apenas foi decidida pela 2ª instância - artigo 149º, nº3, CPTA - após, no acesso ao mérito, terem sido ultrapassadas as questões da competência e da idoneidade do processo. Mas não são estas duas questões adjectivas que são impugnadas - pelo menos directamente - nesta revista, nem é propriamente em nome das duas nulidades assacadas ao acórdão que se imporá a sua admissão. Deve sê-lo, sim, em nome da «relevância jurídica e social» da questão do mérito, uma vez que ela se mostra fundamental para a estabilização da interpretação harmoniosa das referidas normas legais e constitucionais e para prevenir o excessivo e desrazoável grau de litigância, a tal respeito, por parte dos visados.
Assim, importa, neste caso, quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo. Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir o recurso de revista interposto pela AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA. Sem custas. Lisboa, 5 de Maio de 2022. - José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho. |