Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0269/12
Data do Acordão:05/09/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IRC
MAIS VALIAS
ACTIVO IMOBILIZADO
VARIAÇÃO PATRIMONIAL
CUSTOS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO
PRINCIPIO DA JUSTIÇA TRIBUTARIA
Sumário:I - No contexto da actividade empresarial, as mais-valias referem-se a ganhos obtidos na alienação do activo imobilizado, quer corpóreos quer incorpóreos, bens que estão funcionalmente afectos à actividade, permanecendo de forma relativamente estável no seu património, e apenas são tributadas quando realizadas;
II - As mais-valias e as menos-valias potenciais ou latentes, correspondentes às valorizações ou desvalorizações dos bens do activo imobilizado, ainda que contabilizadas, encontram-se excluídas das variações patrimoniais a considerar para o lucro tributável, nos termos do disposto nos arts. 21º, alínea b), e 24º, nº 1, alínea b), do CIRC;
III - O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram;
IV - A anulação no exercício de 2006 de um crédito que a recorrida detinha na qualidade de promitente vendedora (contrato promessa com eficácia real) de um imóvel, inscrito na contabilidade em 1997, na sequência da transacção, e sobre o qual recaiu imposto, uma vez que não se refere à desvalorização de um bem do activo imobilizado, não corresponde nem integra o conceito de menos-valia potencial ou latente, para efeitos das excepções previstas no art. 24º, nº 1, alínea b), do CIRC;
V - Assim sendo, a anulação do referido crédito não pode deixar de concorrer negativamente para a formação do lucro tributável e de consubstanciar uma variação patrimonial negativa, nos termos do disposto no nº1 do art. 24º do CIRC, quando refere “que concorrem para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”, na medida em que tal operação não cabe nas excepções mencionadas nas alíneas a) a d) do mesmo preceito;
VI - Também não existe violação ao princípio da especialização dos exercícios, uma vez que em nenhuma das situações se verificou a imputação de proveitos ou de encargos que não tenham tido lugar nos respectivos exercícios, e não consta do probatório, nem do relatório da inspecção, nem tão pouco vem alegado pela Fazenda pública, que as operações realizadas tenham tido em vista a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo dos lucros, fraccionar os lucros ou concentrar o lucro num exercício para se poder efectivar deduções mais avultadas (ex. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).
Nº Convencional:JSTA00067583
Nº do Documento:SA2201205090269
Data de Entrada:03/14/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BEJA PER SALTUM
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART2 E
CPC96 ART684 N3 ART685-A N1
CIRC01 ART17 N1 ART18 ART21 ART24
LGT98 ART45 ART55
CCIV66 ART9 N1
CONST76 ART266 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC807/07 DE 2008/04/27; AC STA PROC325/08 DE 2008/11/19
Referência a Doutrina:RUI MORAIS SOBRE O IRS 2ED PAG35 PAG37 PAG77.
MANUEL PEREIRA A BASE TRIBUTÁVEL DO IRC IN CTF N360 PAG35 PAG113.
SALDANHA SANCHES AINDA SOBRE O CONCEITO DE MAIS-VALIAS IN FISCO N65-66 PAG4.
MANUEL PEREIRA A PERIODIZAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL IN CTF N349 PAG80-81 PAG135.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1. A………, S.A., identificada nos autos, notificada do indeferimento da reclamação deduzida contra a liquidação referente ao IRC do exercício de 2006, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que foi julgada procedente.
2. Não se conformando, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este Tribunal, extraindo-se as seguintes conclusões das suas alegações:
“1. As correções efetuadas no âmbito da ação inspetiva estão em plena harmonia com a legislação aplicável, como assim o reconhece a douta sentença, quando refere “Há nesta situação dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a Administração deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem”.
2. Na realidade o Autoridade Tributária agiu de acordo com as normas legais aplicáveis e no estrito cumprimento da lei.
3. A douta Sentença não atendeu ao Principio da Segurança Jurídica, escamoteando o prazo legal admissível para a liquidação de tributo - 1 -s.
4. Tanto mais que, as operações contabilísticas registadas, na respetiva declaração de rendimentos referente ao exercício de 2006, tiveram como exclusivo propósito, anular a mais-valia fiscal considerada para o exercício de 1997.
5. A liquidação de IRC, referente ao exercício de 1997 constitui caso julgado na ordem jurídica fiscal, não podendo agora, tal situação ser alterada por uma liquidação de imposto referente ao exercício de 2006.
6. Obviamente, se já não é possível a entrega de uma declaração de substituição, foi assim que o legislador o previu e quis, atento o já aqui referido princípio da segurança jurídica.
7. Tanto mais que, se a Autoridade Tributária está adstrita ao prazo legal de quatro anos para proceder à liquidação de tributos, o mesmo se aplica aos Sujeitos Passivos, sem exceção.
8. Pelo que, a douta Sentença fez uma incorrecta interpretação e aplicação do n.° 1 do Art.° 24 do CIRC, Art° 18 do CIRC Art° 45 da LGT e acima de tudo do Princípio da Segurança Jurídica”.

3. A então recorrente ora recorrida A………, S.A., veio apresentar contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

“1ª) A ora recorrida celebrou, em 1997, na qualidade de promitente vendedora, um contrato-promessa, com eficácia real, sendo o objecto de tal contrato um determinado imóvel.
2ª) Na referido contrato-promessa ficou estabelecido que o contrato prometido e o pagamento do preço teriam lugar se e quando as autoridades administrativos aprovassem um plano urbanístico de pormenor para o imóvel prometido vender;
3ª) Em obediência às regras de periodização do lucro tributável, estabelecidas no art° 18º do CIRC, a recorrida considerou, no plano fiscal, como alienado o imóvel e, concomitantemente, relevou, no plano fiscal, a mais-valia resultante da “alienação” do indicado imóvel;
4ª) Quer isso dizer, portanto, que essa mais-valia foi tributada, em IRC, no exercício de 1997;
5ª) Em 2006, em face da não aprovação pelas autoridades administrativas do plano urbanístico, que era, recorde-se, condição para a celebração do contrato de compra e venda e para o pagamento do preço, foi revogado o contrato-promessa;
6ª) A recorrida considerou, deste modo, em obediência às regras contabilísticas e fiscais, que, nesse exercício de 2006, teve uma variação patrimonial negativa;
7ª) Na verdade, o seu activo foi diminuído, na medida em que, em razão dessa revogação do contrato-promessa, deixou de ter no activo o crédito consistente no preço a receber pela eventual venda do imóvel;
8ª) Essa variação patrimonial negativa é custo fiscal, nos termos dos art°s 17º e 24° do CIRC;
9ª) Sendo que tal variação patrimonial negativa não é subsumível ou recondutível a qualquer das variações elencadas no art° 24° do CIRC como não concorrendo para a formação do lucro tributável;
10ª) A Administração Fiscal não pôs, nunca pôs, em causa a existência dessa variação patrimonial;
11ª) A Administração Fiscal e, agora, a Fazenda Pública na qualidade de recorrente, invocam contra a admissibilidade de tal variação patrimonial o princípio da segurança jurídica, a caducidade da liquidação de impostos e a existência de caso julgado referente ao exercício de 1997;
12ª) Porém, não há qualquer violação do princípio da segurança, nem é aplicável o limite temporal de caducidade, nem muito menos existe qualquer caso julgado;
13ª) É que não estamos perante qualquer alteração ou modificação ao exercício de 1997;
14ª) Nesse exercício (1997) houve um determinado facto que gerou uma consequência fiscal: a celebração de um contrato-promessa de compra e venda com eficácia real que gerou uma mais-valia fiscal que foi, enquanto tal, tributada;
15ª) No exercício de 2006 houve um outro facto que gerou uma consequência fiscal: a revogação do contrato-promessa e a anulação do crédito, o que consubstanciou uma variação patrimonial negativa que, nos termos dos art°s 17° e 24° do CIRC, é um custo fiscal;
16ª) A sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura;
17ª) Parece resultar das conclusões de recurso, que a recorrente não recorre contra a decisão judicial que julgou ilegal uma outra correcção feita pela Administração Fiscal, a correcção referente ao erro do contribuinte no exercício de 2006 que foi corrigido no exercício de 2007;
18ª) Em qualquer caso, também aqui a sentença recorrida não merece qualquer censura;
19ª) Tendo o contribuinte, indevidamente, apenas considerado, no exercício de 2006, como tributável, metade do quantitativo recebido referentes a “acções BES” de que era titular, corrigiu tal erro, no exercício seguinte (2007), tributando tal quantitativo;
20ª) A Administração Fiscal corrigiu o exercício de 2006, tributando esse quantitativo;
21ª) O que quer dizer, portanto, que o referido quantitativo foi tributado duas vezes — no exercício de 2007, em razão da correcção feita pelo contribuinte e no exercício de 2006, em razão da correcção feita pela Administração Fiscal;
22ª) Como é entendimento jurisprudencial firmado, a Administração Fiscal, em face do art° 266°, n° 2, da Constituição e do art° 55° da LGT, ou não efectuava qualquer correcção ao exercício de 2006 ou, tendo-o feito, teria que efectuar uma simétrica correcção, a favor do contribuinte, no exercício de 2007;
23ª) Ao não ter actuado deste modo, houve violação de lei, por violação do princípio da justiça”.

4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTOS

1. DE DACTO

A sentença recorrida deu como provados, os seguintes factos:
“A) Em 1997.12.12, no 17° Cartório Notarial de Lisboa, foi subscrito contrato promessa de compra e venda com eficácia real, em que a Impugnante prometeu transmitir à sociedade B………, SA, a parcela de terreno com a área de 340 h, denominada ………, sita na ………, a destacar deste prédio, mediante a contrapartida de PTE 1 500 000 000$00;
B) Na declaração de rendimentos Mod. 22, do exercício de 1997, a Impugnante inscreveu PTE 1 360 244 972$ no Q 17, linha 29 com a epígrafe: mais-valias contabilísticas;
C) E no imobilizado corpóreo — mapa das mais valias — menos valias fiscais, inscreveu:


D) Em 2006.08.30, a Avenida ………, nº ………., perante ………, Notaria do Cartório Notarial de Lisboa, a Impugnante e a sociedade B………, SA, acordaram considerar revogado a promessa mútua de compra e venda com eficácia real celebrada em 1997.12.12, no extinto 17° Cartório Notarial de Lisboa, e que tinha por objecto a aquisição de uma parcela de terreno com a área de 340 h a destacar da ………;
E) O exercício de 2006 foi fiscalizado;
F) Do relatório elaborado em 2008.10.22, extracta-se:
a. II. Objectivos, âmbito e extensão da acção inspectiva:
b. II.1. Credencial e período em que decorreu a acção;
i. (…)
c. 11.2 Motivo, âmbito e incidência temporal
i. Esta acção surgiu na sequência da dedução ao quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2006, de valores considerados como variações patrimoniais negativas, considerados significativos atendendo ao seu montante;
d. III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável.
i. II. 1 — Variações Patrimoniais negativas
1. A sociedade A………, deduziu ao resultado líquido, no exercício de 2006, a título de variações patrimoniais negativas não reflectidas naquele resultado (campo 203 do quadro 07), a importância de € 8 460 004,40, dividida em duas parcelas (...):
a. € 6 804 804,39 - revogação de um contrato promessa de compra e venda com eficácia real, visando a anulação da mais-valia contabilística reconhecida em 1997;
b. € 1 655 200,01 — juros devidos à empresa C……… desde Novembro de 1997;
c. O enquadramento da situação, relativamente à revogação do contrato promessa, é o seguinte:
d. (...);
e. (...);
f. III. 1. 3 — Resultante desta transacção, a [Impuqnante] apurou e relevou na sua contabilidade uma mais valia contabilística de € 6 715 020,76 (PTE 1 346 240 793$00), a qual foi deduzida para efeitos fiscais, integrando a importância global de € 6 784 873,32 (PTE 1 360 244 972$00), no campo 345 do quadro 17 da declaração modelo 22 do exercício de 1997 (...);
g. Relativamente à mais valia fiscal foi apurado um saldo positivo entre ÷/- valias de € 6 697 530,42 (PTE 1 342 734 294$00), tendo a empresa acrescido apenas € 6 251 361,74 (PTE 1 253 285 504$00), pois declarou pretender reinvestir o [montante] de € 498 797,90 (PTE 100 000 000$00);
h. A mais valia fiscal correspondente ao terreno em análise foi de € 6 692 530,66 (PTE 1 341 731 931$00);
i. (…);
j. III. 1. 4 — Em 30 de Agosto de 2006, as sociedades A……… e B……… acordaram em revogar o contrato promessa de compra e venda com eficácia real celebrado em 1997.12.12, justificando tal facto por ainda não ter sido aprovado o plano de pormenor para aquela área de desenvolvimento turístico o que aliado às alterações de circunstâncias derivadas do decurso do tempo conduziram ao não interesse em manter o mesmo;
k. (…);
l. III. 5 — Face a esta revogação foi anulada a transacção de venda e a correspondente mais valia contabilística apurada em 1997, justificando o sujeito passivo que a menos valia contabilística agora apurada foi considerada na conta 59 — resultados transitados, por se tratar de uma regularização pontual e de grande significado, optando por afectar os capitais próprios e não o resultado do exercício;
m. A conta 59 evidencia, resultante desta anulação, um saldo devedor de E 6 715 020,77;
n. (...);
o. III. 1. 6 — As menos valias contabilísticas não concorrem para a formação do lucro tributável ainda que tenham sido consideradas como custo de exercício;
p. III. 1. 7 — Não existe enquadramento legal para esta dedução, pois as menos valias ainda que expressas na contabilidade são uma das excepções das variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, que não concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 24/1.b) CIRC;
q. III. 1. 8 — Ainda que o sujeito passivo argumente que se trata de anular uma transacção de 1997 em que foi apurada uma mais-valia contabilística, o que é certo é que essa mais-valia não influenciou o resultado fiscal, pois, ao ser deduzida para efeitos fiscais, o seu efeito foi nulo no apuramento do lucro tributável do exercício de 1997;
r. Por seu lado, a mais-valia fiscal (realizada) essa fim influenciou o resultado fiscal já que fiscalmente foi acrescida ao resultado líquido do exercício;
s. Contudo, a mais-valia fiscal não é objecto de qualquer relevação contabilística;
t. III. 1. 9 — Ainda que essa mais valia fiscal tivesse influência no apuramento do lucro tributável, não pode o sujeito passivo querer anular, para efeitos fiscais, uma mais-valia considerada no apuramento do lucro tributável do exercício de 1997, com uma menos-valia contabilística (variação patrimonial negativa) apurada no exercício de 2006;
u. III. 1. 10 — considerando que seria essa a intenção, isto é, anular a mais-valia considerada em 1997, a forma de o fazer passaria pela entrega de uma declaração de substituição, dentro do prazo legal para a sua entrega, nos termos da subalínea II da alínea b) do n°3 do artigo 59° do CPPT;
v. III. 1. 11 — Face aos motivos apontados, não vai ser considerada no exercício de 2006 a dedução efectuada pelo sujeito passivo como variação patrimonial negativa, e resultado da anulação deste contrato promessa, na importância de € 6 804 804,39;
w. Deste modo, foi infringido o artigo 24/1 do CIRC;
x. Refere-se ainda que aquele valor não tem qualquer aderência à mais-valia contabilística e/ou fiscal de 1997 nem sequer ao valor apurado na conta 59 no exercício de 2006, valores já mencionados no ponto III.1.3 deste relatório;
y. Uma vez que o sujeito passivo, para além da dedução da variação patrimonial negativa, acresceu no campo 225 do quadro 07 a importância de € 22 490,11 correspondente à diferença entre a mais-valia contabilística (€ 6 715 020,76) e a mais-valia fiscal (€ 6 692 530,66) apuradas no exercício de 1997, vamos no seguimento do já relatado, desconsiderar esse acréscimo, pelo motivo já referido no ponto III.1.10;
2. Quanto aos juros devidos à empresa C………, no [montante] de € 1 772 662,25, contabilizados nas contas 59 — € 1 655 200,01 e 68 — € 117 462,24:
a. (...);
ii. III. 2 — Alienação de acções do Banco Espírito Santo (BES)
1. Em Dezembro de 2006 a A……… registou na sua contabilidade uma mais-valia de € 419 834,41, relativa a ganhos com acções do BES (…);
2. Este valor foi calculado tendo por base o valor de fecho da cotação em bolsa no dia 29 de Dezembro de 2006, fixado em € 13,62;
3. Todavia, a venda efectiva destas acções ocorreu em 2007.03.21, ao preço médio de € 14,351, donde se concluiu que o valor registado em 2006 é um ganho potencial e não um ganho efectivo, naquela data;
4. O ganho com a diferença de preço, no [montante] de € 47 705,42, foi considerado em 2007 (…);
5. Para efeitos fiscais, o ganho está reflectido contabilisticamente, embora repartido pelos exercícios de 2006 e 2007, com incidência predominante no primeiro;
6. Por outro lado, o sujeito passivo deduziu na declaração modelo 22 do exercício de 2006, campo 232 do quadro 07, o montante de € 209 917,21, fundamentando tal dedução ao abrigo dos números 1 e 8 do artigo 46° do CIRC, ou seja, considerou aquele ganho como dividendos distribuídos pelo BES e deduziu 50% do valor considerado como proveito.
7. Ora, face ao exposto, não se tratando de rendimentos, incluídos na base tributável, correspondente a lucros distribuídos, não há lugar à aplicação daqueles normativos e, por conseguinte, à dedução ao rendimento, do montante de € 209 917,21, pelo que vamos proceder à anulação da dedução efectuada pelo sujeito passivo;
iii. III. 3 — Resumo global das correcções:
1. Temos, em síntese, as seguintes correcções:
2. A favor do Estado:
a. € 8 460 004,40 — dedução indevida efectuada a título de variação patrimonial negativa;
b. € 261 547,98 —juros não devidamente documentados;
c. € 209 917,21 — dupla tributação económica — artigo 46° do CIRC;
3. A favor do sujeito passivo:
a. € 22 490,11 — acréscimo indevido relacionado com a diferença entre as mais-valias contabilísticas e fiscais apuradas no exercício de 1997;
4. Em face destas correcções, o resultado fiscal passou a ser o seguinte:
a. Prejuízo fiscal declarado — € 10 992 066,26;
b. Correcções — € 8 908 979,48;
c. Prejuízo fiscal corrigido — € 2 083 026,78;
e. (...);
G) Em 2009.03.13, a impugnante reclamou (cf. fls. 13 do PA);
H) Por carta registada com aviso de recepção assinado em 2009.05.27, foi comunicado o indeferimento da reclamação graciosa (cf. fls. 36 a 37 do PA);
I) Em 2009.06.12, deu entrada a presente impugnação (cf. fls. 1 do autos);
J) No exercício de 1997, a Impugnante declarou lucro tributável no montante de PTE 983 771 422$00 (cf. fls. 121 a 123 dos autos);
K) Se o resultado líquido do exercício não estivesse influenciado pela mais-valia contabilística resultante do contrato promessa de compra e venda, teria apresentado um prejuízo de PTE — 279 191 771$00 (id.)”

2. DE DIREITO

2.1. Questão a apreciar e decidir e delimitação do objecto do recurso

A Administração Tributária, na sequência de uma acção inspectiva ao IRC relativo ao exercício de 2006 da ora recorrida, efectuou duas correcções ao resultado calculado e declarado do seguinte teor:
a) A primeira correcção resultou da não aceitação fiscal de uma variação patrimonial negativa, no valor de €6.804.804,39.
Os factos relevantes referentes a esta variação patrimonial negativa prendem-se com a celebração pela recorrida, em 12/12/97, de um contrato promessa de compra e venda, com eficácia real, através do qual prometeu alienar determinada parcela de terreno pelo preço de €7.481.968, 461, que seria pago apenas com a celebração da escritura, sendo que a venda do imóvel teria lugar se e quando as autoridades administrativas aprovassem o plano urbanístico de pormenor para o referido imóvel.
Tendo por referência estes factos, a recorrida considerou, no exercício de 1997, como proveito tributável a mais-valia resultante dessa “transmissão fiscal” do imóvel.
Em 2008, as partes acordaram revogar o contrato promessa celebrado em 1997, tendo a recorrida deduzido ao resultado líquido, no exercício de 2006, a título de variações patrimoniais negativas não reflectidas naquele resultado, a importância de € 6 8404 804,39.
b) A segunda correcção, no montante de €1655 200,01 de juros devidos à empresa C………, desde Novembro de 1997, tendo por base o facto de a recorrida ter registado na sua contabilidade uma mais-valia €419 834, 41, relativa a ganhos com acções do BES, valor calculado pelo do fecho da cotação em bolsa no dia 29 de Dezembro de 2006, fixado em €13, 62.
No entanto a venda efectiva das acções só ocorreu em 21/3/2007, ao preço médio de €14,351, tendo a recorrida considerado aquele ganho como dividendos distribuídos pelo BES e deduzido 50% do valor considerado como proveito.
Em face destas correcções, a recorrida deduziu impugnação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que foi julgada procedente.
Para tanto, ponderou a Mmª Juíza “a quo”, entre o mais, que:
· “O CIRC acolheu o conceito de rendimento acréscimo, em que o lucro abrange todo e qualquer incremento patrimonial (cf. artigo 3/2 CIRC). O conceito de lucro tributável no Código da Contribuição Industrial (artigo 22°) era mais restritivo, não considerando as variações patrimoniais”.
· “(…) é pacífico que as mais e menos valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, não concorrem para a formação do lucro tributável.
· Contudo, no caso, a Impugnante inscreveu a mais-valia fiscal no exercício de 1997, e se o resultado líquido do exercício não estivesse influenciado pela mais-valia contabilística resultante do contrato promessa de compra e venda, teria apresentado um prejuízo de PTE (279 191 771$00)”.
· “Ora, e como também refere a impugnante, já não é possível entregar uma declaração de substituição ou pedir a revisão do acto: estão ultrapassados todos os prazos [(Cf. III.1.10 do Relatório dos SIT transcrito: considerando que seria essa a intenção, isto é, anular a mais-valia considerada em 1997, a forma de o fazer passaria pela entrega de uma declaração de substituição, dentro do prazo legal para a sua entrega, nos termos da subalínea II da alínea b) do n°3 do artigo 59° do CPPT (...)].
A tal obstam os princípios que regem o procedimento tributário, sintetizados no artigo 55° da LGT”.
· “Tanto na Contribuição Industrial como no IRC, vale o princípio da especialização de exercícios, que determina, no que aqui interessa, que cada ano fiscal de actividade da empresa devem ser imputados os proveitos e custos que nele tenham sido gerados ou suportados”.
· “Porém, em certas situações em que a correcção efectuada não é já possível, quanto à matéria colectável desse ano, por ter já transcorrido o prazo em que podiam ser efectuadas correcções, se a Administração Fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte tinha já sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável: deixa de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição ocorreu, para depois não ver tal diminuição acontecer”.
· “Mas, a Administração Fiscal não tem qualquer prejuízo pois recebeu naquele ano o imposto sem que tivesse tido em conta esse custo que o deveria diminuir.
Em suma: a Administração retém em seu poder um imposto a que manifestamente não tinha direito”.
· “Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção”.
· “Consequentemente, serão de se considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações de injustiça deste tipo”.
Quanto à correcção relativa às acções do BES, considerou a Mmª Juíza “a quo” que:
· “Também nestes casos, o dever de não gerar situações de injustiça impõe que não se possa efectuar uma correcção relativamente a um ano sem levar a cabo a que lhe corresponde noutro ano, pois, se o não fizer estar-se-á a liquidar ao contribuinte imposto superior ao que deveria pagar”.
· “O princípio da especialização de exercícios é um instrumento para conseguir obter uma tributação justa, que não pode ser transformado numa armadilha que possibilite à Administração Tributária cobrar impostos que não são devidos”.

Contra este entendimento se insurge a recorrente argumentando, em suma, que as “as operações contabilísticas registadas, na respetiva declaração de rendimentos referente ao exercício de 2006, tiveram como exclusivo propósito, anular a mais-valia fiscal considerada para o exercício de 1997”, a liquidação de IRC, “referente ao exercício de 1997 constitui caso julgado na ordem jurídica fiscal, não podendo agora, tal situação ser alterada por uma liquidação de imposto referente ao exercício de 2006, sob pena de violação do princípio da segurança jurídica.
Pelo que, a douta Sentença fez uma incorrecta interpretação e aplicação do n.° 1 do Art.° 24 do CIRC, Art° 18 do CIRC Art° 45 da LGT e acima de tudo do Princípio da Segurança Jurídica”.
Por sua vez, em relação à segunda correcção feita pela Fazenda Pública, a recorrida veio alegar que “a recorrente não recorre contra a decisão judicial que julgou ilegal uma outra correcção feita pela Administração Fiscal, a correcção referente ao erro do contribuinte no exercício de 2006 que foi corrigido no exercício de 2007” (Conclusão 17ª).
E, de facto, percorrendo as alegações da recorrente verifica-se que a mesma, depois de enunciar as duas questões nos artigos 2º e 10º, passou a centrar toda argumentação sobre primeira correcção, acabando por não fazer qualquer alusão à segunda nas conclusões.
Em face das conclusões das alegações, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], a questão central objecto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na parte em que julgou procedente a impugnação quanto à correcção feita pela Administração Fiscal ao não considerar como custos os decorrentes da revogação do contrato promessa celebrado em 1997 e relevado contabilisticamente como variação patrimonial negativa, no montante de €6.804.804,39, por violação dos arts. 24º e 18º do CIRC, e 45º da LGT, em conjugação com o princípio da segurança jurídica.

2.2. A resposta à questão que vem posta exige excurso, ainda que breve, sobre o sentido e alcance dos arts. 24º e 18º do CIRC.

Em geral podemos dizer que as mais-valias se referem a ganhos resultantes da alienação de um bem económico, na medida em que essa alienação não constitui objecto específico de uma actividade empresarial (Cfr. RUI MORAIS, Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2010 e p. 35, e MANUEL H.F. PEREIRA, “A Base Tributável do IRC”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 360, p. 35.). No contexto da actividade empresarial, as mais-valias referem-se a ganhos obtidos na alienação de bens do activo imobilizado, quer corpóreos quer incorpóreos, bens esses que estão funcionalmente afectos à actividade produtiva da empresa e que, portanto, permanecem de forma relativamente estável no seu património. Ao serem alienados, obtém-se um ganho sempre que o valor realizado for superior ao respectivo valor contabilístico, pelo que o valor assim obtido será, por conseguinte, um proveito que, como tal, concorre para o rendimento tributável.
Como refere RUI MORAIS, “Se, teoricamente, se deve entender que o acréscimo patrimonial acontece no momento (ou à medida em que ocorre) da valorização do bem, o certo é que razões pragmáticas parecem excluir liminarmente a tributação das mais valias latentes: tal implicaria uma avaliação periódica dos bens dos contribuintes, havendo lugar a imposto logo que tivesse ocorrido uma sua valorização e, logicamente, reembolso do imposto pago caso, subsequentemente, tais bens se desvalorizassem; graves seriam então os problemas de liquidez com que os contribuintes se defrontariam, obrigados a pagar imposto por um rendimento que, efectivamente, não teria sido auferido”.
Compreende-se, desta forma, a opção pelo princípio da realização (As mais-valias e menos-valias realizadas são objecto de definição no art. 43º do CIRC (redacção à data dos factos), que contém também regras de quantificação específicas. Para maiores desenvolvimentos, cfr. SALDANHA SANCHES, “Ainda Sobre o Conceito de Mais-Valias”, Fisco, nºs 65-66, Maio/Junho de 1994, pp. 4 ss.) a que em geral obedece a sujeição a imposto das mais ou menos valias.
Nesta sequência, o art. 17º, nº 1, do CIRC, segundo redacção à data dos factos, dispõe que o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
Por sua vez, o art. 21º, do CIRC, sob a epígrafe, “Variações patrimoniais positivas”, exceptua do cômputo do lucro tributável “As mais valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade….”.
E, simetricamente, o art. 24º, do CIRC, sob a epígrafe, “Variações patrimoniais negativas”, dispõe:
“1- Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto:
(…),
b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade”.

Por sua vez, no que concerne ao princípio da periodização dos exercícios rege o art. 18º do CIRC, que tem o seguinte conteúdo:
“1-Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios
2- As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputados eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
3- Para efeitos de aplicação do princípio da especialização dos exercícios:
a) Os proveitos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes custos suportados, na data da entrega ou expedição dos bens correspondentes ou, se anterior, na data em que opera a transferência de propriedade.”

Verifica-se que o lucro ou prejuízo, tal como definido, se reporta a um período, sendo que “esta dimensão temporal é um elemento inerente à própria noção corrente de lucro ou prejuízo, bem expressa pela constante referência ao exercício a que o mesmo se reporta” ( MANUEL H.F. PEREIRA, ob cit., p. 37. ).
Para MANUEL H. F. PEREIRA (Cfr. ob cit., pp. 77 ss.), “Da periodização dos resultados imposta por necessidades de gestão e de informação económica deriva o «princípio da especialização dos exercícios», caracterizado pela cisão da vida da empresa em intervalos temporais e pela imputação a dada um deles das componentes, positivas e negativas, que tornem possível determinar o resultado que lhe corresponde”. (…) sendo que essa especialização “impõe a realização de inventário de fim de exercício, dela decorrendo a necessidade de imputar a cada exercício todos os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses.”
O mesmo autor, (Cfr. “ A periodização do lucro tributável”, Ciência e Técnica Fiscal, 1988, nº 349, pp. 80-81.) referindo-se à importância e razão de ser do princípio da especialização dos exercícios, pondera que “a especialização temporal das componentes do lucro é ainda mais importante para efeitos fiscais do que contabilísticos, dados os condicionalismos em que decorre a determinação do imposto a pagar, de modo a evitar desvios de resultados entre exercícios diferentes com propósitos de minimização da carga fiscal, (…). Com efeito, essa imputação temporal pode ser instrumento de uma manipulação de resultados, de modo, a, designadamente:
a) Diferir no tempo os lucros;
b) Fraccionar os lucros, distribuindo-os por exercícios diferentes, com o objectivo de evitar, num imposto de taxas progressivas, a tributação por taxas mais elevadas;
c) Concentrar o lucro em exercício onde se podem efectivar deduções mais avultadas (v.g. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).”

Sobre o princípio da especialização dos exercícios, ficou consignado no Acórdão do STA, de 27/4/2008, proc nº 0807/07, que o princípio da periodização dos exercícios “visa tributar a riqueza gerada em cada exercício, independentemente do seu efectivo recebimento”, pelo que ganha especial “relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar.
Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício mas em que a despesa efectiva só é suportada noutro, e para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro. Ora em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efectiva concretização, a lei ordena que os mesmos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram. Daí que se devam imputar ao exercício os encargos que emergem de operações nele realizadas, ainda que nele não suportadas, do mesmo modo que se devem imputar a um exercício os proveitos resultantes de operações nele feitas mesmo que arrecadados noutro.”
Constitui igualmente jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do acto tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado. Neste sentido, ficou consignado no Acórdão do STA, de 197/11/2008, proc. nº 0325/08, “O princípio da justiça é um princípio básico que deve enformar toda a actividade da Administração Tributária, como resulta do preceituado nos arts. 266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT”, cuja relevância não se esgota no âmbito dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, embota tenha aí um domínio primacial de aplicação. Não fazendo o art. 266º, nº 2, da CRP, qualquer distinção, “na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9º, nº1, do CC). Não se pode afirmar, que, nos casos de exercício de poderes vinculados, a obediência a uma determinada lei ordinária se sobrepõe aos princípios constitucionais referidos, pois estes princípios fazem também parte do bloco normativo aplicável, eles são também definidores da legalidade e, como normas constitucionais, são de aplicação prioritária em relação ao direito ordinário”. E, mais adiante, pode ler-se no mesmo Acórdão que “do referido art. 18º, nº 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes. Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação de flagrante injustiça e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.
Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflecte um das preocupações nucleares de um Estado de Direito) é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.”
Foi com base nesta jurisprudência, fazendo prevalecer o princípio da justiça tributária sobre o da especialização dos exercícios, que a sentença recorrida concedeu provimento à impugnação judicial.
Vejamos se bem, pois estamos agora em melhores condições para apreciar a questão que vem posta.

2.3. Da apreciação do erro de julgamento

No caso em apreço, vimos que a recorrida, em 1997, na sequência da celebração de um contrato promessa de compra e venda com eficácia real, através do qual se comprometia vender uma parcela de terreno, contabilizou como mais-valia o valor da correspondente transacção, a qual foi deduzida para efeitos fiscais [cfr. o ponto F- f. III. 1.3 do probatório]. Entretanto, resulta também do probatório que, em 2006, não tendo sido aprovado o plano de pormenor para aquela área de desenvolvimento turístico e devido à alteração das circunstâncias derivadas do decurso do tempo, as partes acordaram em revogar o referido contrato promessa.
Em face desta factualidade, a recorrida entende que teve, no exercício de 2006, em obediência às regras contabilísticas e fiscais, uma variação patrimonial negativa que há-se ser considerada custo fiscal, nos termos e para os efeitos dos arts. 17º e 24º do CIRC.
A Fazenda Pública defende, pelo contrário, que não existe enquadramento fiscal para esta dedução, porque as menos-valias potenciais ou latentes ainda que expressas na contabilidade são uma das excepções das variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, que não concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do art. 24º do CIRC, com violação não apenas deste preceito, mas também do princípio estatuído no art. 18º do CIRC.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
No exercício de 1997, com a transacção do imóvel, através da celebração do contrato promessa de compra e venda com eficácia real, verificou-se, de facto, uma mais-valia que foi objecto de enquadramento contabilístico e fiscal, e, por conseguinte, sujeita a tributação. É que não obstante o preço da venda tenha ficado sujeito à verificação de uma condição suspensiva, a verdade é que o contrato promessa ao ter eficácia real operou a transmissão do imóvel para efeitos fiscais, pelo que andou bem a recorrida em considerar tal ganho ou proveito como uma variação patrimonial positiva (O momento da realização é considerado fundamental para a imputação temporal dos proveitos, sendo que a mesma deverá coincidir com o momento em que se adquire o direito à contraprestação, ao pagamento, o que nem sempre coincide com a data do recebimento. Para maiores desenvolvimentos, cfr. MANUEL H.F. PEREIRA, ob. cit., pp.113 ss.), que concorreu para a formação do lucro tributável, nos termos do disposto o art. 21º do CIRC.
No que se refere ao exercício de 2006, é verdade que, como vimos, o legislador exclui das variações patrimoniais a considerar para o lucro tributável as mais-valias e as menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade [cfr. alínea b) do art. 21º e alínea b) do nº 1 do art. 24º do CIRC].
Recorde-se, porém, que as mais-valias ou menos-valias potenciais ou latentes referem-se às reavaliações do activo imobilizado (Cfr. MANUEL H. F. PEREIRA, ob. cit., p. 135.), ou seja, do património, o que não é o caso dos autos. Quando as partes procederam em 2006 à revogação do contrato-promessa, tal facto teve como consequência necessária a anulação do crédito que constava da contabilidade e fazia parte do activo da recorrida e que deixou de existir.
Ao contrário do alegado pela Fazenda Pública e seguido pela sentença recorrida, a anulação do crédito que a recorrida detinha na qualidade de promitente vendedora, inscrito na contabilidade em 1997, na sequência da transacção do imóvel, uma vez que não se refere à desvalorização de um bem do activo imobilizado, não corresponde nem integra o conceito de menos-valia potencial ou latente para efeitos das excepções previstas no art. 24º, nº 1, alínea b), do CIRC.
Assim sendo, a anulação do crédito não pode deixar de concorrer negativamente para a formação do lucro tributável e de consubstanciar uma variação patrimonial negativa, nos termos do disposto no nº 1 do art. 24º do CIRC, quando refere “que concorrem para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”, na medida em que tal operação não cabe nas excepções mencionadas nas alíneas a) a d), do mesmo preceito.
Em nossa óptica, também não existe igualmente qualquer violação do princípio da periodização dos exercícios, uma vez que não está em causa, ao contrário do alegado pela Recorrente e sufragado na sentença recorrida, qualquer alteração ou correcção ao exercício de 1997, mas tão-só julgar ou corrigir o exercício de 2006.
Como vimos, o referido princípio determina que em cada ano fiscal de actividade da empresa devem ser imputados os proveitos e custos que nele tenham sido gerados ou suportados e ganha especial relevância nos casos em que não existe coincidência entre o exercício em que os ganhos ou perdas são contabilizados e o exercício em que os recebimentos ou despesas correspondentes têm lugar.
Ora, no caso dos autos, no exercício de 1997, tendo havido a celebração de um contrato promessa com eficácia real tem de entender-se como realizada uma mais-valia que foi devidamente tratada quer do ponto de vista contabilístico quer fiscal. Como refere a recorrida, em homenagem ao princípio da periodização, “considerou, no plano fiscal, o imóvel como alienado e, concomitantemente, relevou, no plano fiscal, a mais-valia resultante da “alienação” do indicado imóvel”. O que quer dizer que aquela mais-valia foi tributada em IRC no exercício de 1997.
Por sua vez, no exercício de 2006 deu-se igualmente um facto com relevância contabilística (traduzido na revogação do contrato promessa que tinha gerado uma mais-valia), com a consequente anulação de um crédito, o que em termos fiscais consubstanciou uma variação patrimonial negativa, que não pode deixar de relevar em matéria de custos, nos termos do disposto no art. 24º do CIRC.
Em suma, em nenhuma das situações se verificou a imputação de proveitos ou de encargos que não tivessem tido lugar nos respectivos exercícios e em resultado de operações também verificadas nesses mesmos exercícios.
Por outro lado, não consta do probatório, nem do relatório da inspecção, nem tão pouco vem alegado pela Fazenda Pública, que as operações realizadas tenham tido em vista a manipulação de resultados, de modo a permitir o deferimento no tempo dos lucros, fraccionar os lucros ou concentrar o lucro num exercício para se poder efectivar deduções mais avultadas (ex. por reporte de prejuízos ou por incentivos fiscais).
Não havendo violação do princípio da especialização dos exercícios, ao contrário do decidido na sentença recorrida, não há, desta forma, espaço para chamar à colação o princípio da justiça e a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a matéria.
Questão diferente é a de saber se há-de relevar como custo todo o valor reclamado pela recorrida.
O que resulta do probatório [cfr. as alíneas J) e K)] é que a ora recorrida apresentou em 1997 lucro tributável no montante de PTE 983771 422$00, tendo ficado igualmente consignado na sentença “a quo” que “se o resultado líquido do exercício não estivesse influenciado pela mais-valia contabilística resultante do contrato promessa de compra e venda”, a recorrida “teria apresentado um prejuízo de PTE (279 191 771$00) (Ponto K).
Ora, do ponto de vista fiscal a contabilização da mais-valia ao mesmo tempo que aumenta o imposto a pagar também permite o reporte de prejuízos. Acresce que, no caso, resulta igualmente do probatório que a recorrida reinvestiu parte do valor da mais-valia [ponto F)- g)].
Assim sendo, considerando que na declaração modelo 22 do exercício de 1997 a mais-valia fiscal apurada é de €6. 251 361, 74 8 (PTE 1.253.285.504$00) [cfr. ponto F. f.III.1.3.g. do probatório] há-de ser este o montante a considerar como variação patrimonial negativa para efeitos de custos no exercício de 2006, sob pena de se lhe conferir, pelo menos no plano teórico, benefício fiscal superior ao encargo fiscal que a recorrida teve em 1997.
Finalmente, ao concluir-se que não está em causa qualquer alteração ao exercício de 1997, não assiste razão à recorrente quanto à alegada violação ao princípio da segurança jurídica e muito menos do art. 45º da LTG.
Por tudo o que vai exposto, o recurso deve proceder parcialmente, julgando-se parcialmente improcedente a impugnação, admitindo-se apenas como custos relativos ao exercício de 2006 o montante equivalente à mais-valia fiscal tida em conta em 1997, ou seja, o valor de €6. 251 361, 74 (PTE 1.253.285.504$00), e, nesta sequência, deve revogar-se a sentença recorrida nesta parte e manter-se em relação ao demais ainda que com distinta fundamentação.

III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento parcial ao recurso, julgando-se parcialmente improcedente a impugnação, admitindo-se apenas como custo fiscal relevante no exercício de 2006 o valor correspondente à mais-valia fiscal tida em conta em 1997, no valor de €6. 251 361, 74 (PTE 1.253.285.504$00), e, nesta sequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, que deve manter-se em relação ao demais, ainda que com distinta fundamentação.
Custas na proporção do vencimento.

Lisboa, 9 de Maio de 2012. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Lino Ribeiro.