Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0499/11.0BELRS
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:REVISÃO
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:Nos casos em que o sujeito passivo não apresenta a declaração de rendimentos, a AT tem o poder-dever de promover a liquidação oficiosa provisória do imposto à luz do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 76.º do CIRS, para evitar que dessa falta (independentemente das sanções aplicáveis pela violação dos deveres acessórios declarativos a que possa dar lugar) resulte uma vantagem futura para o sujeito passivo inadimplente. Porém, é dever da AT inteirar-se, por via do exercício dos seus poderes inspectivos, da real situação económica do sujeito passivo, sobretudo quando este apresenta, mesmo que através de reclamação graciosa, elementos comprovativos da sua concreta situação tributária.
Nº Convencional:JSTA000P29710
Nº do Documento:SA2202207130499/11
Data de Entrada:09/11/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1 – A……………. e B………., ambos com os sinais dos autos, impugnaram no Tribunal Tributário de Lisboa a liquidação de IRS referente ao ano de 2008.

2 – Por sentença de 12 de Março de 2020, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação parcialmente procedente.

3 – Inconformada com aquela decisão, a Fazenda Pública recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«[…]
A) O presente recurso reage contra a decisão proferida em 1.ª Instância e que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pelo sujeito passivo identificado supra contra o parcial provimento produzido em sede de Recurso Hierárquico na sequência do indeferimento produzido na Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação oficiosa de IRS 20105005099310, do ano 2008, emitida nos termos do art. 76.º, n.º 3, do CIRS, no montante a pagar de € 15.642,95.

B) O dever de ofício impõe à Fazenda Pública que esta não se conforme com o sentido da decisão tomada pelo Tribunal a quo, entendendo que o regime do art. 76.º, n.º 3, do CIRS enquanto lei especial relativamente, por um lado, a todo e qualquer outro regime processual vigente, assentando precisamente:

- no incumprimento da obrigação declarativa e do princípio da boa-fé que se gorou nos termos do art. 75.º, da LGT;

- que contempla ainda assim, note-se, a emissão de uma notificação para a vir cumprir algo que o próprio contribuinte não pode vir afirmar desconhecer pois que sabe, naturalmente, de antemão que o deve cumprir insistindo em não fazer;

- ao que acresce uma nova notificação por parte da AT para o exercício do direito de audição, dando-lhe mais uma vez a possibilidade de vir esclarecer a sua situação tributária (ainda que os factos apontem para o facto de não ser esse o seu desejo) e que o Impugnante entendeu dele não fazer uso confirmando o que já se antevia.

C) E, por outro lado, a qualquer outro regime processual que legalmente lhe pudesse ser subsidiariamente aplicável por não ter sido essa claramente a intenção do legislador – deve, pois, vedar ao contribuinte a possibilidade de poder vir pedir a reforma do ato tributário nos termos em que o fez, ao abrigo de um suposto erro que simplesmente não se concebe tenha existido nem o art. 76.º do CIRS o prevê.

D) A busca pela verdade material no domínio do processo tributário, por exemplo, para além de restringida por via precisamente da vinculação a que a AT está sujeita em termos especiais nos termos do art. 76.º do CIRS a não legitima, por outro lado, a rever a fundamentação da sua própria posição após a emissão do ato ainda que para o manter.

E) A norma prevista no art. 76.º, n.º 4, do CIRS insere-se no seio de um regime especial onde indelevelmente o sujeito passivo negligenciou aqueles que são os seus deveres acessórios, apesar de notificado para o efeito não obstante o dever legal já imposto de apresentar a declaração de rendimentos que não pode desconhecer e depois de notificado nos termos do art. 60.º, da LGT – no sentido de esclarecer a sua situação tributária. Ou seja, num regime em que teleológica e sistematicamente a correção só pode ser efetuada caso a AT viesse, entretanto, no seio da sua atividade pública, descobrir realidades e factos tributários que confirmassem a existência de rendimentos tributários superiores ao que foi determinado nos termos do art. 76.º, alínea b), do CIRS.

F) Não foi intenção do legislador permitir que a correção possa ser realizada em benefício do contribuinte não se realizada ao abrigo de um regime especial que só é aplicado quando o sujeito passivo não apresenta a sua Mod 3 tendo auferido rendimentos, não esclarece a sua situação tributária nem colabora nesse desígnio que aliás, é recíproco sem que isso signifique que seja a AT a cumprir o que cabe aos contribuintes em primeira mão

G) Mostra-se insuficiente a premissa de que a AT pode corrigir porque o art. 45.º da LGT em termos de caducidade e de forma meramente geral assim o prevê.

H) Nos contenciosos de plena jurisdição as partes não estão impedidas de invocar questões prévias ou exceções que impedem os tribunais de conhecer do mérito sem que isso configure uma ilegalidade ou uma inconstitucionalidade material.

I) A situação tributária do Impugnante teria ficado esclarecida beneficiando da presunção de boa fé declarativa prevista no art. 75.º da LGT e sem que questões atinentes à tutela jurisdicional efetiva se colocassem se próprio tivesse entregado a declaração de rendimentos. Se, ainda que o não tivesse feito tivesse vindo entregar a Mod 3 num segundo momento depois de posteriormente notificado para o efeito. Se, falhando estes dois momentos que lhe foram dados, ainda assim tivesse exercido o direito de audição juntando a documentação tida por pertinente antes da emissão da liquidação oficiosa. Não há, portanto, nenhuma ofensa à tutela jurisdicional efetiva.

J) Entendemos, aliás, que a discussão da legalidade em torno de elementos estranhos aos que próprio o art. 76º do CIRS especialmente previu só poderia ter sido levantada no que constitui uma verdadeira condição de impugnabilidade se o contribuinte os tivesse suscitado durante o procedimento que levou à formação do ato tributário através da apresentação da Mod 3 ou no exercício do direito de audição que lhe cabia – configurando, neste momento processual, evidente exceção inominada que mais do que a improcedência dos autos deveria determinar a absolvição da instância da Fazenda Pública.

K) Assim não tendo sido entendido, e, inexistindo, tanto quanto sabemos, jurisprudência que em termos substanciais e de forma minimamente sustentável do ponto de vista ontológico logre fundamentar os motivos pelos quais se entende que ao contribuinte deve ser dada a possibilidade de ver reapreciada a sua situação tributária em que o próprio se colocou e que determinou que os elementos da liquidação fossem estritamente os que se mostram elencados no regime especial do art. 76.º do CIRS - deve vencer a posição sufragada pela Administração Fiscal.

L) Pelo exposto, está em causa, na ótica da Fazenda Pública:

Erro de Julgamento

- Por incorreta apreciação jurídica face aos factos dados por provados, mostrando-se violado o disposto no art. 76.º do CIRS; da alínea e), do atual art. 278.º (ex art. 288.º) por remissão do art. 576.º, n.º 2 (ex art. 493.º); da alínea b), do art. 577º (ex art. 494.º) e do art. 578.º (ex art. 495.º), todos do CPC., ex vi da alínea a), do art. 2º, do CPPT, o que se requer

Concluindo-se que a sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que reconhecendo os fundamentos jurídicos aqui esgrimidos julgue procedente o presente recurso determinando que em causa está o erro de não ter sido dado por verificada a existência de uma exceção inominada que deveria justamente absolver a AT da instância. Se assim não se entender e, a título subsidiário, julgar a Impugnação por improcedente por não ter sido intenção do legislador apreciar a legalidade da liquidação que não nos estritos termos e elementos especialmente previstos no art. 76.º do CIRS.

[…]».


4 – Não foram produzidas contra-alegações.

5 – O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de se negar provimento ao recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
A. Os Impugnantes não entregaram a declaração Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2008 - cf. informação a fls. 139 dos autos em suporte físico; facto não controvertido;

B. Em data não concretamente apurada, mas provavelmente durante o ano de 2010, foram os Impugnantes notificados para apresentarem a declaração em falta - facto não controvertido;

C. Não tendo os Impugnantes apresentado a declaração em falta, em 08.12.2010, foi preenchida oficiosamente, com o nome do sujeito passivo A- A……….., a Declaração Oficiosa de Rendimentos Mod. 3 do IRS – Doc. n.º 3085–2008–F0057– 96, relativa ao período de 2008 - cf. declaração de fls. 94 a 96 do processo administrativo tributário junto aos autos em suporte físico;

D. Em 13.12.2010, na sequência da declaração de rendimentos identificada em C), foi emitida a demonstração de liquidação de IRS, com o n.º 2010 5005099310, em nome de A………………., referente ao IRS do ano de 2008, no valor de €15.642,95, da qual consta, com interesse para os autos, o seguinte:

“[…]

Fica V. Exa. notificado(a) para, no prazo de 30 dias a contar do 3.º dia útil posterior ao do registo, efectuar o pagamento da importância apurada proveniente da liquidação de IRS, realizada nos termos do artigo 76.º, n.º 3 do CIRS, relativa ao ano a que respeitam os rendimentos, conforme nota demonstrativa junta.

Poderá reclamar ou impugnar, nos termos dos prazos estabelecidos nos artigos 140.º do CIRS e 70.º a 102.º do CPPT.

Não sendo efectuado o pagamento, no prazo acima referido, haverá lugar a procedimento executivo;

[…]”

- cf. demonstração de liquidação de IRS junta como doc. 1 da petição inicial - fls. 19 dos autos em suporte físico;

E. Em 20.01.2011, os impugnantes apresentaram, no Serviço de Finanças de Lisboa-3, reclamação graciosa, sindicando a liquidação de IRS do ano de 2008, esgrimindo, em síntese, os seguintes argumentos:

“(…)

A referida liquidação de IRS, do ano de 2008, foi feita sem ter em conta o facto de sermos casados. Em anexo a este documento, juntamos a certidão de casamento passada pela entidade competente, que atesta o nosso estado civil.

Acrescentamos ainda o facto de não terem sido considerados os elementos constantes no Anexo H do Modelo 3, nomeadamente as despesas de saúde e as despesas de educação, que num agregado familiar de oito pessoas como é o nosso, assumem um peso muito significativo.

Face ao exposto, solicitamos a correção da liquidação em conformidade.

(…)”

- cf. documento a fls. 2 do procedimento de reclamação graciosa junto aos presentes autos em suporte físico;

F. Em 10.02.2011, em sede do procedimento gracioso de reclamação, foi prestada a seguinte informação interna, da qual consta, nomeadamente, o seguinte, relativamente aos fundamentos de indeferimento parcial da reclamação:

“(…)

A declaração oficiosa de fixação de rendimentos, que deu origem à liquidação que a reclamante pretende alterar/corrigir tem-se por uma liquidação realizada com base em pressupostos e condicionalismos especiais, conforme dispõe a parte final do n.º3 do artigo 76.º do Código do IRS, e mencionada no Ponto 2 acima, pelo que, em sede da substituição almejada, a liquidação só é extensível à sua concreta situação pessoal, bem como a certos elementos tidos em consideração na declaração que se pretende corrigir, ou seja, rendimento do contribuinte, dedução pessoal, retenções na fonte e pagamentos por conta.

Conclui-se que, não poderão ser consideradas quaisquer despesas de saúde ou de educação, por se tratar de uma liquidação, que tem por base os pressupostos e condicionalismos especiais já mencionados, podendo apenas ser considerada a alteração da composição do agregado familiar conforme solicitada pelos reclamantes.

Mais acresce que, os serviços estão a dar cumprimento ao Ofício-Circulado 20142, de 2009-12-03, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que admite, num eventual pedido de revisão da liquidação, que apenas possam ser revistos os seguintes aspectos:

· Estado civil do sujeito passivo (invocando que é casado, não relevando as situações de união de facto, por se tratar de uma opção e não de regime regra);

· Rendimento bruto e correspondente dedução específica (com excepção dos rendimentos da categoria B), aos quais se aplica sempre o coeficiente mais elevado previsto no n.º2, do artigo 31.º, conforme disposto no artigo 76.º, n.º2);

· Retenções na fonte e pagamentos por conta.

(…)

Em face do exposto e dos fundamentos invocados, será de propor que o projeto de DEFERIMENTO PARCIAL da presente reclamação graciosa se convole em definitivo.

(…)”

- cf. informação a fls. 23 a 26 dos autos em suporte físico;

G. Em 11.02.2011, foi proferido despacho, pela Chefe de Finanças, em regime de substituição, com o seguinte teor:

“Vista a informação prestada bem como o parecer que antecede, e decorrido que está o prazo do exercício do direito de audição, é de convolar em definitivo a decisão de DEFERIMENTO PARCIAL da presente reclamação graciosa.

Notifique-se”.

- cf. fls. 22 dos autos em suporte físico;

MAIS SE PROVOU QUE:

H. Os ora impugnantes são casados entre si e têm seis filhos, que eram menores em 2008, e faziam parte do seu agregado familiar, constituído, assim, por 8 pessoas - cf. documentos de fls. 27 a fls. 32 dos autos em suporte físico; assento de casamento a fls. 8 do procedimento de reclamação graciosa apenso aos presentes autos em suporte físico;

I. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 2.310,00 referente à frequência, por parte da sua filha C………, da Escola de ……. - cf. declaração a fls. 151 dos autos em suporte físico;

J. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante que € 2.166,00 referente à frequência, por parte do seu filho D…………, da Escola de …….. - cf. declaração a fls. 152 dos autos em suporte físico;

K. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 2.193,00 referente à frequência, por parte da sua filha E…………, da Escola de ……. - cf. declaração a fls. 153 dos autos em suporte físico;

L. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 2354,50 referente à frequência, por parte da sua filha F…….., das ……… - Associação Educativa - cf. declaração a fls. 154 dos autos em suporte físico;

M. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 523,94 referente a despesas escolares, por parte do seu filho G………, no Colégio ….. - cf. declaração a fls. 155 dos autos em suporte físico;

N. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 2.530,86 referente à frequência, por parte da sua filha H………., do Colégio ….. - cf. declaração a fls. 156 dos autos em suporte físico;

O. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 2.294,28 referente a frequência, por parte da sua filha C………., do Colégio de ….. (cf. declaração a fls. 157 dos autos em suporte físico);

P. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 1993,52 referente a frequência, por parte da sua filha E……. do Colégio de ….. - cf. declaração a fls. 158 dos autos em suporte físico;

Q. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante de € 1900,50 referente a frequência, por parte do seu filho D……. do Colégio de ….. - cf. declaração a fls. 159 dos autos em suporte físico;

R. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante total de € 3.040,00 em consultas de medicina dentária e tratamentos dentários, relativos, a membros do seu agregado familiar - cf. facturas/recibos originais a fls. 160 a 175 e 177 dos autos em suporte físico;

S. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante global de € 945,00 em consultas e tratamentos médicos, relativos a membros do seu agregado familiar - cf. facturas/recibos originais a fls. 176, 178 a 191 dos autos em suporte físico;

T. No ano de 2008, os impugnantes despenderam o montante global de € 315,11 com aquisição de bens relacionados com despesas de saúde, sujeitos à taxa de IVA reduzida de 5% (cf. facturas/recibo a fls. 192 e 193; 195 e 196; 199 a 217 dos autos em suporte físico);

U. No ano de 2008, os Impugnantes despenderam o montante global de € 164,16 com aquisição de bens relacionados com despesas de saúde, sujeitos à taxa de IVA de 20% - cf. facturas/recibo de farmácias juntas com a petição inicial;

V. Os Impugnantes dispõem de receita médica relativamente à aquisição do medicamento “.....” titulada pela fatura/recibo n.º 24845, no valor de € 20,60, datada de 03.11.2008 (cf. factura/recibo e receita médica a fls. 218 dos autos em suporte físico);

W. No ano de 2008, os Impugnante despenderam a quantia de €2.196,00 com pagamento de prémios de seguro de saúde (cf. declaração a fls. 34 dos autos em suporte físico);

X. No ano de 2008, os Impugnantes liquidaram o montante total € 86,04 relativo a prémios de seguro de acidentes pessoais, correspondentes às coberturas de morte e invalidez permanente - cf. declaração a fls. 35 dos autos em suporte físico;

Y. Em 30-12-1991, a Direção de Serviços de IRS emitiu a Circular 16, onde consta, com interesse para os presentes autos, o seguinte:

“(…)

5. É prova bastante da realização de despesas de saúde:

a) Tratando-se de medicamentos de venda livre, a respectiva factura-recibo, que deve identificar nominal e quantitativamente os medicamentos adquiridos;

b) Tratando-se de medicamentos sujeitos a prescrição médica ou de outros produtos e serviços em que a prescrição médica seja, nos termos expostos, condição de aceitação como despesa de saúde, a respectiva factura-recibo, que deve quantificar nominal e quantitativamente os medicamentos, produtos ou serviços adquiridos, acompanhada de fotocópia de receita médica;

c) Tratando-se de internamentos em hospitais ou casas de saúde oficiais, ou particulares para o efeito licenciadas, a factura ou documento equivalente, emitidas nos termos legais;

d) Nos casos de comparticipação nos encargos de saúde por entidades oficiais, o documento por estas emitido em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 118.º do Código do IRS ou por entidades privadas, quando estas estejam autorizadas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos a emiti-lo”

- cf. fls. 85 do PAT apenso aos autos em suporte físico;

Z. A Em 19-10-1994, foi emitida, pelo Serviço da Administração do Imposto sobre o Rendimento, a circular n.º 22, relativa às despesas de educação, com o seguinte teor:

“(…)

Encargos aceites como despesas com a educação:

São genericamente aceites como despesas com a educação:

a) Os encargos relativos à frequência de jardins de infância ou estabelecimentos equiparados, escolas do ensino básico, secundário ou superior, públicos ou privados;

b) Os encargos com amas que prestam serviços compreendidos na actividade exercida pelos jardins de infância ou estabelecimentos equiparados.

Os referidos encargos compreendem, nomeadamente, taxas de inscrição, propinas, serviços de transporte, alojamento e alimentação prestados por terceiros, livros e outro material insuscetíveis de utilização significativa fora do âmbito escolar.

(…)

Comprovação das despesas

2. As despesas susceptíveis de serem abatidas devem ser comprovadas por facturas, recibos ou talões emitidos por máquinas registadoras ou computadores, desde que contenham:

a) Os elementos exigíveis pelo artigo 35.º do Código do IVA;

b) A identificação do bem adquirido ou do serviço prestado;

c) O preço, individualizando cada bem adquirido ou a respectiva prestação de serviço;

d) O carimbo e assinatura do vendedor

(…)”

- cf. fls. 85-verso do PAT apenso aos autos em suporte físico;

AA. Todas as facturas e declarações apresentadas pelos Impugnantes são originais, estão datadas e contêm a identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços, a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos e dos serviços prestados, o preço, líquido de imposto e as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido, a data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente e em que os serviços foram realizados – cf. documentos a fls. 151 a 218 dos autos em suporte físico.

BB. Todas as Declarações, emitidas pelas escolas frequentadas pelos menores, filhos dos Impugnantes, relativas a despesas de educação, cumprem os requisitos previstos no artigo 35.º do CIVA (actual artigo 36.º do CIVA), cumprindo os demais requisitos, a que aludem as alíneas b), c) e d) do ponto 2. da Circular identificada em Z) – citados docs. juntos de fls. 151 a fls. 159 dos autos.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram os seguintes factos:

1. Que os bens, sujeitos à taxa de IVA de 20 %, constantes das facturas n.ºs 24171, de 15.11.2008; 19246, de 20.08.2008; 19247, de 20.08.2008; 18613, de 21.08.2008; 19314, de 21.08.2008; 20681, de 11.09.2008; 20395, de 17.09.2008; 6888, de 02.04.2008 se encontrem justificados por receita médica;

2. Que a quantia de €25,00 liquidada pelo impugnante no decurso do ano de 2008, relativamente a seguro de acidentes pessoais, no âmbito da apólice …… da ………, respeita exclusivamente às coberturas de morte e invalidez permanente.

[…]».



2. Questões a decidir
A Recorrente suscita duas questões: o erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto no artigo 76.º do CIRS e o erro na interpretação e aplicação do que qualificada como excepção inominada pela circunstância de os sujeitos passivos não terem apresentado a declaração modelo 3 e não terem trazido ao procedimento, antes da reclamação graciosa, os elementos respeitantes à sua situação tributária, nem mesmo em fase de audiência prévia.


3. De direito
A questão que vem suscitada nos autos – saber se a AT está obrigada a “rever” a favor do sujeito passivo a liquidação oficiosa que efectua nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º do CIRS, sempre que obtenha informação a respeito do rendimento real e efectivo daqueles – foi já objecto de decisões anteriores deste Supremo Tribunal Administrativo. Referimo-nos aos acórdãos de 3 de Fevereiro de 2021 (processo 0276/11.8BELRS) e 22 de Junho de 2022 (proc. 2131/11.2BELRS) [para os quais remetemos sem necessidade de os transcrever ou anexar por estarem disponíveis, na íntegra em www.dgsi.pt] em que se sublinhou que o que releva, segundo o princípio fundamental da capacidade contributiva, “é existirem ou não rendimentos reais que sustentem o imposto liquidado” ao sujeito passivo.

A Constituição refere a tributação pelo rendimento real das empresas (artigo 104.º, n.º 2 da CRP) e, por isso, no acórdão de 3 de Fevereiro de 2021, escreveu-se, a propósito da omissão de entrega da declaração modelo 22 o seguinte, “[…] não só a AT tinha a obrigação de indagar da real situação económica do sujeito passivo – o que não fez, tendo-se limitado, durante todos aqueles anos, a emitir liquidações provisórias na sequência da falta de declaração de rendimentos Modelo 22 –, como seria manifestamente violador do princípio da tributação pelo rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP), admitir que, uma vez provada a falta de rendimentos do sujeito passivo (tendo os impugnantes preenchido o ónus que sobre eles impedia nesta impugnação segundo o n.º 1 do artigo 74.º da LGT), as liquidações não pudessem ser anuladas por inexistir uma declaração de rendimentos a zeros para aqueles anos.

Mas esta é apenas uma expressão do princípio da capacidade contributiva que este Supremo Tribunal Administrativo já deixou cunhado em inúmera jurisprudência sobre a ilegalidade da tributação de factos tributários inexistentes ou sobre rendimento presumido que depois se demonstra ser inexistente ou de valor inferior. E por isso se escreveu também no acórdão de 3 de Fevereiro de 2021, considerando essa argumentação transponível para as situações de IRS no acórdão de 22 de Junho de 2022, que:

“Por outra palavras, não tem arrimo legal uma solução que preconiza a tributação de rendimento inexistente – comprovadamente inexistente – pela circunstância de não estar cumprida uma obrigação acessória de entrega de declaração de rendimentos. De resto, a jurisprudência pretérita deste Supremo Tribunal Administrativo não deixa dúvidas a respeito da inadmissibilidade de uma tributação que incida sobre um facto tributário inexistente [neste sentido v., por todos, acórdãos de 22 de Abril de 2015 (proc. 0826/13), de 22 de Março de 2011 (proc. 0988/10) e de 4 de Novembro de 2011 (proc. 0553/09)] […]».

Ora, os excertos fundamentadores transcritos são inteiramente transponíveis e aplicáveis ao caso dos autos. Quer isto dizer que, concluímos aqui, como ali, que é obrigação legal da AT proceder às diligências necessárias para promover a correcção do acto de liquidação oficiosa, fazendo-o corresponder com a concreta situação tributária do sujeito passivo”.

É, pois, totalmente improcedente a tese da Recorrente Fazenda Pública quanto a uma alegada formação de situação de inimpugnabilidade da liquidação oficiosa em resultado da não apresentação da declaração Mod. 3 ou da não apresentação dos elementos comprovativos das despesas em que os sujeitos passivos efectivamente incorreram e que legalmente se qualificam como deduções à colecta. O dever legal jurídico da Administração Tributária, decorrente da vinculação ao princípio da capacidade contributiva, é, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, rever o acto tributário em conformidade com essa informação. Ao incumprimento dos deveres acessórios correspondem as sanções legalmente previstas, mas não a da derrogação do direito à tributação pelo rendimento real, que é a expressão da sua capacidade contributiva, pedra angular de um Estado Fiscal de Direito.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 13 de Julho de 2022. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.