Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01378/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
Sumário:Deve admitir-se a revista relativamente à questão de saber se a matéria alegada pelo MP para provar a inexistência da ligação efectiva à comunidade nacional é, ou não, estritamente conclusiva.
Nº Convencional:JSTA000P22701
Nº do Documento:SA12017121301378
Data de Entrada:12/04/2017
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MINISTÉRIO PÚBLICO recorreu nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 22 de Junho de 2017 que confirmou a sentença proferida pelo TAC de Lisboa, que por seu turno julgou improcedente a acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por si instaurada nos termos da Lei 37/81 (Lei da Nacionalidade) contra A………..

1.2. Entendeu o TCA Sul que o MP não fez prova dos fundamentos de inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional e como tal “não infirmou a base factual em que repousa o juízo jurídico plasmado na sentença”.

1.3. O MP fundamenta a admissão da revista por entender que o acórdão recorrido enferma de erro flagrante de interpretação do direito, susceptível de gerar dúvidas em casos idênticos que venham a ocorrer no futuro, e ainda por estar em causa a delimitação do que é matéria de facto e de direito.

No presente caso, o MP alegou que o requerente da aquisição da nacionalidade portuguesa não tinha qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional, nunca residiu em Portugal, nem o seu trajecto de vida abrangeu de forma relevante a realidade portuguesa; mais alegou que todo o seu processo de crescimento e de maturação se desenvolveu no Brasil, país onde nasceu, no qual tem as suas referências sociais e culturais.

Apesar de não ter havido contestação, ambas as instâncias concluíram que o MP não tinha alegado factos relevantes para provar a falta de ligação efectiva à comunidade nacional.

O MP sustenta neste recurso ter alegado factos e que os mesmos devem ser dados por assentes por falta de contestação e, portanto, ser manifesto o erro de julgamento do acórdão recorrido.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O presente processo embora relativo à aquisição da nacionalidade portuguesa e ao ónus da prova da falta de ligação efectiva à comunidade nacional, afasta-se da problemática que tem vindo a ser apreciada e relativamente à qual este STA proferiu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (Acórdão de 16-6-2016, proferido no recurso 201/16-20). No presente processo, está em causa saber se o MP alegou ou não factos bastantes para se poder concluir pela inexistência da apontada ligação à comunidade nacional, sendo certo que o requerido não contestou a acção e – como alega o MP – tinha assinalado “na quadrícula respectiva que não tinha ligação efectiva a comunidade portuguesa”.

Entende o MP que, pelo menos, nos artigos 11 e 12 da petição inicial alegou facto e não meras conclusões. Tais artigos tinham a seguinte redacção:

O requerido não demonstra ter qualquer identificação cultural e sociológica com a comunidade nacional, (…), nunca residiu em Portugal, nem o seu trajecto de vida abrangeu, de forma relevante, a realidade portuguesa” - art.11º da PI

Todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores, se desenvolveu no Brasil, país onde nasceu, no qual tem (…) todas as referências sociais e culturais” - art. 12º da PI

Perante tal alegação o TCA Sul entendeu que o conteúdo dos artigos 9, 11 e 12 da petição inicial “assume natureza conclusiva”.

Apesar de estar jurisprudencialmente assente (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste STA de 16-6-2016, recuso 201/16-20) que o ónus de alegação e prova da falta de ligação à comunidade nacional cabe ao MP, pode efectivamente colocar-se a questão de saber em que medida este ónus deve ser concretizado na petição inicial.

Ora, nestas condições, isto é, perante o alegado pelo MP nos citados artigos 11 e 12 da petição inicial, a falta de contestação do requerido que inclusivamente tinha assinalado não ter ligação à comunidade portuguesa, é de grande importância jurídica recortar o âmbito de concretização do ónus de alegação dos factos demonstrativos da falta de ligação à comunidade nacional e reapreciar o julgamento das instâncias.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – São Pedro (relator) - Costa Reis – Madeira dos Santos.