Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0400/11
Data do Acordão:09/28/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA
APENSAÇÃO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Sumário:I - A segunda penhora efectuada num processo de execução fiscal que foi apensado a outro mais adiantado, mantém todas as funções, efeitos e virtualidades que a lei lhe comete como acto processual.
II - Por isso, também mantém o efeito de marcar a data de aferição da preferência dos créditos garantidos por privilégios sujeitos a limites temporais.
III - Os créditos garantidos por privilégios creditórios constituídos após a primeira penhora efectuada em processo de execução fiscal podem ser reclamados tendo por referência a data da segunda penhora do mesmo bem realizada nas execuções fiscais que lhe foram apensas.
Nº Convencional:JSTA00067162
Nº do Documento:SA2201109280400
Data de Entrada:04/15/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B... E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2010/01/13 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CIMI03 ART122
CCIV66 ART733 ART744 ART822 N1
CIRS01 ART111
CPC96 ART865 N3 N5 ART871
CPPTRIB99 ART179 N1 ART218 N3
Referência a Doutrina:SALVADOR COSTA O CONCURSO DE CREDORES 1998 PAG171
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 13/1/2010, proferida nos autos de graduação de créditos nº 703/09.4.BELRA, na parte em que graduou os créditos reclamados provenientes do Imposto Municipal de Imóveis (IMI) dos anos de 2005 e 2006 e do Imposto de Rendimentos de Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2006.
Nas alegações, conclui o seguinte:
a) A douta sentença sob recurso deu como provado que no PEF 1449200401014846 e apensos havia sido efectuada, em 2005.08.22, a penhora da fracção H do artigo urbano 5546 da freguesia e concelho de Pombal, registada na Conservatória do Registo Predial de Pombal em 2005.08.23, mediante a AP. 6;
b) Contudo, naqueles autos executivos foi realizada em 2007.02.12 uma segunda penhora, incidente sobre o mesmo prédio urbano, a qual foi registada na Conservatória do Registo Predial de Pombal sob a Ap.23, de 2007-02-16.
c) Da consideração desta penhora resulta que os créditos exequendos e reclamados referentes a IMI dos anos de 2005 e 2006 (inscritos para cobrança nos anos de 2006 e 2007, respectivamente) e atinentes juros de mora, encontram-se em condições de usufruir do privilégio imobiliário especial;
d) Bem como o crédito de IRS do ano de 2006, e correspondentes juros de mora, se encontra em condições de beneficiar do privilégio imobiliário (geral).
e) Decidindo doutro modo, a douta decisão violou os artigos 122°/1 do CIMI e 104° do CIRS e dos artigos 744°/1 e 735° do CC., aplicáveis ao processo tributário ex vi o artigo 2° do CPPT.
1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O digno Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
2. A sentença deu como assente os seguintes factos.
1) O Serviço de Finanças de Pombal instaurou a execução fiscal com o número 1449200401014846 e apensos, contra A…, para cobrança coerciva da quantia de €58.518,90 e acréscimos legais, referente a dívidas provenientes de: coimas fiscais, IVA, IRS dos anos de 2000 a 2003, CA do ano de 2002, inscrito para cobrança em 2005 e IMI dos anos de 2004 e 2005, inscritos para cobrança, respectivamente, em 2005 e 2006 (fls. 156 e ss.);
2. No dia 22 de Agosto de 2005, no âmbito da referida execução e para garantia da quantia exequenda, foi efectuada a penhora do prédio urbano descrito na C.R.Predial de Pombal, sob o número 17309/040220 (fls. 19 e 20, do PEF);
3. A referida penhora foi registada, a favor da Fazenda Pública, pela Ap. 6, de 23.08.2005 (fls. 20, do PEF);
4. A B… detém sobre o reclamado um crédito no montante de €69.272,69, garantido por hipotecas constituídas sobre o prédio aqui penhorado, registadas pelas Ap. 26 e 27, ambas de 11 .07.2002 (fls. 99 a 126, dos autos e 20, do PEF);
5. A executada deve ainda:
a) IMI de 2006, inscrito para cobrança em 2007;
b) IRS dos anos de 2004 a 2006 (tudo cfr. fls. 133 e ss.).
3. A quantia exequenda refere-se a créditos fiscais cobrados nas várias execuções apensas por dívidas de: (i) coimas fiscais; (ii) IVA do 3º trimestre de 2001 ao 2º trimestre de 2004, inscrito para cobrança em 2004; (iii) IRS dos anos de 2000 a 2003; (iv) CA do ano de 2002, inscrito para cobrança em 2005; e (v) IMI dos anos de 2004 e 2005, inscritos para cobrança, respectivamente em 2005 e 2006.
Na execução fiscal foram reclamados créditos da: (i) B… relativamente a crédito garantido por hipoteca constituída sobre imóvel penhorado; (ii) créditos da Fazenda Pública por dívidas provenientes do IMI de 2006, inscrito para cobrança em 2007 e IRS dos anos de 2004 e 2006.
A sentença recorrida reconheceu os créditos reclamados e graduou-os com a seguinte ordem de prioridade: (i) créditos de CA do ano de 2002 e IMI do ano de 2004; (ii) crédito reclamado por B…; (iii) créditos de IRS dos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005; (iv) os restantes créditos referentes a coimas, IVA, IRS dos anos de 2000, 2001 e 2006 e IMI dos anos de 2005 e 2006.
A recorrente discorda dessa ordem por entender que: (i) os créditos do IMI dos anos de 2005 e 2006 também deveriam ser graduados em primeiro lugar; (ii) e o crédito do IRS do ano de 2006 deveria ser graduado em 3º lugar. E justifica essa ordenação pelo facto do prédio objecto de venda judicial ter sido onerado com uma segunda penhora em 12/2/2007, relativamente à qual aqueles créditos beneficiam de privilégios imobiliários.
A sentença recorrida graduou os créditos exequendos e reclamados em função da penhora registada em 23/8/2005. Relativamente a essa penhora, o IMI dos anos 2005 e 2006, inscritos para cobrança em 2006 e 2007, e o IRS do ano de 2006, porque posteriores à data da penhora, não estão em condições de beneficiar dos privilégios imobiliários, especial e geral, constante dos artigos 122º, nº 1 do CIMI e 111º do CIRS.
Todavia, para além da penhora efectuada em 2005 para garantia das dívidas cobradas nas execuções fiscais nº 1449200401014846 e nº 1449200501000853, verifica-se que foi efectuada uma segunda penhora do mesmo imóvel, registada em 16/2/2007, para garantia das dívidas executadas nos processos apensos àquele primeiro e ainda uma terceira penhora, registada em 3/12/2007 para garantia de dívidas cobradas nos processos de execução fiscal nº 1449200701010247 (a 1º prestação do IMI reclamado nestes autos) e no nº 1449200701017721, estes com tramitação autónoma (cfr. doc. de fls. 87, 135 e 3 136 dos autos).
A questão jurídica que se coloca é a seguinte: os créditos reclamados do IMI de 2005 e 2006 e do IRS de 2006 também estão garantidos com privilégios imobiliários tendo por referência a segunda penhora?
Nos termos dos artigos 122º do CIMI e art. 744º do CCV, os créditos fiscais relativos ao IMI gozam de privilégio imobiliário especial se «inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores»; e nos termos do artigo 111º do CIRS, a Fazenda Pública goza de privilégio imobiliário geral sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outra acto equivalente «para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos».
Como se vê, estas normas estabelecem um limite temporal dos créditos garantidos pelos privilégios nelas referidos, que tem a sua razão de ser no facto do acréscimo de débitos poder lesar outros credores, que não tenham conhecimento da dívida fiscal, assumindo a data da penhora grande importância na definição dessa abrangência temporal. É por referência à data da penhora que se determina se o crédito é ou não garantido com privilégios creditórios. Deste modo, os créditos de IMI e de IRS inscritos para cobrança ou nascidos posteriormente à penhora não gozam dos referidos privilégios.
Mas o relevo que a lei dá à penhora não a arvora em momento constitutivo do privilégio creditório. Tal como a generalidade das garantias das obrigações, o privilégio constitui um acessório do crédito que se destina a garantir. O que permite concluir que, atento esse carácter acessório, o privilégio se constitui quando da constituição da obrigação do imposto. Do artigo 733º do CCV resulta que a simples constituição do crédito determina o carácter privilegiado do mesmo, sem necessidade do credor ter que realizar quaisquer outras formalidades.
A penhora ou acto equivalente são pois actos processuais que não se reflectem no nascimento do imposto, mas apenas na definição da abrangência temporal da eficácia do privilégio. Como refere Salvador da Costa, o privilégio creditório «surge com a constituição do direito de crédito que garante, mas a sua eficácia depende do acto de penhora sobre os bens que são objecto da sua incidências, o que significa que a sua constituição se verifica quando ocorrem os actos ou os factos de que a lei faz depender a sua atribuição, e que se concretizam nos bens penhorado na acção executiva» (O Concurso de Credores, 1998, pág. 171).
Se a penhora também tem esta função, a de marcar a data com base na qual se deve aferir a preferência do crédito garantido pelo privilégio no confronto com os demais, não pode deixar de se considerar a segunda penhora como momento concretizador da eficácia dos privilégios que se constituíram após a primeira penhora do mesmo imóvel. A segunda penhora sobre o mesmo bem tem relevância processual, como sustar o processo de execução civil (cfr. arts. 871º e 865º nº 3 do CPC) ou eventualmente a apensação dos diferentes processos de execução fiscal (art. 179º, nº 1 do CPPT), e relevância substantiva, servindo de garantia real para legitimar a reclamação de créditos noutro processo de execução (cfr. art. 865º. nº 3 e 5º do CPC),
Pode acontecer que, por desconhecimento da pendência dos vários processos de execução fiscal, o mesmo bem ser penhorado em todos ou alguns deles. A forma de ultrapassar a inconveniência de todos prosseguirem autonomamente relativamente a esse bem (cfr. nº 3 do art, 218º do CPPT) é proceder-se à apensação dos processos àquele que estiver mais adiantado (cfr. art. 179º do CPPT). Nesta situação, que é ditada sobretudo por razões de economia de actividade, as várias execuções ficam unificadas, sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas. Todavia, a unidade processual resultante da apensação não apaga a autonomia das execuções no aspecto substantivo, pois continuam independentes quanto aos pressupostos gerais e específicos próprios de cada acção executiva.
A segunda penhora do bem já penhorado no processo executivo mais adiantado, aquele onde se realizou a apensação, mantém todas as funções, efeitos e virtualidades que a lei comete a tal acto processual. Mantém-se, desde logo, a função que lhe é própria, de envolver a constituição de um direito real de garantia a favor do exequente, o qual lhe confere o direito de ser pago com preferência a qualquer credor que não tenha garantia real anterior (art. 822º, nº 1 do CC). De igual modo, mantém o efeito de marcar a data de aferição da preferência dos créditos garantidos por privilégios creditórios, quando a sua eficácia esteja dependente de limites temporais.
Na verdade, se não tivesse ocorrido apensação, e os processos prosseguissem a sua marcha com inteira independência, a penhora mantinha a virtualidade de indicar a data com base na qual se deve aferir se o crédito reclamado está ou não garantido por privilégio creditório. Nesse processo, e por referência à penhora nele efectivada, o credor privilegiado podia reclamar os créditos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou nos dois anos anteriores (IMI) ou que se constituíram nos três anos imediatamente anteriores á penhora (IRS).
Ora, não há qualquer razão atendível para que essa função fosse anulada em virtude da apensação dos processos Bem pelo contrário, isso constituía uma violação das normas legais que conferem ao crédito a qualidade de privilegiado por referência a uma penhora. Essas normas não afirmam que o privilégio creditório apenas se concretiza por referência à primeira penhora, o que de resto seria inconstitucional por desconsiderar os demais credores privilegiados. O que essas normas substantivas estabelecem é que as obrigações que podem gozar de privilégios são as obrigações de imposto nascidas no ano em que a penhora se realiza e as obrigações de impostos nascidas nos dois (ou três) anos anteriores; e não se toma posição quanto ao problema da preclusão dessa penhora relativamente a privilégios posteriores abrangidos por novas penhoras.
A sentença recorrida, por não dar qualquer relevância jurídica à segunda penhora, como se impunha, acabou por graduar erradamente os créditos reclamados. Cumpre, pois, refazer a graduação efectuada, dando integral provimento ao recurso da Fazenda Pública.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida no segmento impugnado, que no demais se mantém, e, em consequência:
a) graduar o crédito exequendo de IMI dos anos de 2005 e 2006, inscritos para cobrança em 2006 e 2007, e respectivos juros de mora, em primeiro lugar, a par do créditos já aí graduado;
b) graduar o crédito de IRS do ano de 2006 em 3º lugar, e respectivos juros, a par dos créditos já aí graduados.
Sem custas,
Lisboa, 28 de Setembro de 2011. – Lino Ribeiro (relator) – António CalhauIsabel Marques da Silva.