Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01954/19.9BEBRG |
Data do Acordão: | 06/17/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANÍBAL FERRAZ |
Descritores: | PENHOR PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO |
Sumário: | I - Num concurso de credores em que esteja a graduar-se créditos, por dívidas de cotizações e contribuições à Segurança Social, garantidos por penhora e outros assegurados por qualquer tipo de penhor (incluindo o mercantil), mesmo que constituído anteriormente à data da efetivação da penhora, aqueles merecem e têm, por vontade, inquestionável, do legislador, primazia - artigo 204º nº 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS). II - Na estruturação da hermenêutica jurídico-tributária, não podemos olvidar o respeito de objetivos como o de assegurar o pagamento regular (se não, coercivo) de contribuições e de quotizações por parte das pessoas singulares e coletivas que se relacionam com o sistema previdencial de segurança social e, desse modo, permitir o suporte financeiro para a efetivação do direito (tendencialmente, universal) à segurança social e fins, mais generalistas, como o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas. |
Nº Convencional: | JSTA000P26071 |
Nº do Documento: | SA22020061701954/19 |
Data de Entrada: | 06/01/2020 |
Recorrente: | A......., S.A. |
Recorrido 1: | INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL DE VIANA DO CASTELO – SECÇÃO DE PROCESSOS. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ***
Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I. A………….., S.A., com os demais sinais dos autos, neste processo de reclamação de ato/decisão do órgão da execução fiscal, recorre da sentença proferida Inicialmente, para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), que declarou a sua incompetência, em razão da hierarquia., no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, em 9 de janeiro de 2020, que a julgou totalmente improcedente, mantendo a decisão reclamada (despacho da Coordenadora da Secção de Processo, do IGFSS, Viana do Castelo) de verificação e graduação de créditos. O recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: « 1. Conforme resulta dos autos, foi reclamado pelo A…………, S.A. um crédito no montante de € 10.000,00, garantido por penhor, constituído pela sociedade B………………, Lda., sobre valores mobiliários, 3088 UP’s, denominado “Fundos de Investimento - E.S. Monetário”, com a cotação de € 6,4829, valorizadas em € 20.019,20, do dossier nº 060005784622, associado à conta de depósitos à ordem nº …………, aberta junto do Banco reclamante. 2. Por sentença de verificação e graduação de créditos proferida no âmbito do processo de execução fiscal nº 0301201200072222 e aps., foi o crédito do Banco recorrente graduado em 2º lugar, logo atrás do crédito exequendo da Segurança Social, relativo a contribuições e cotizações, crédito esse garantido apenas por penhora. 3. Não pode o Banco recorrente deixar de manifestar a sua total discordância relativamente ao teor de tal decisão, porquanto tal crédito deveria ter sido graduado em 1º lugar, atendendo ao penhor existente. 4. É certo que o artigo 204º, nº 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social estabelece que: 1 - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil. 2 - Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior. 5. Entende, porém, o Banco recorrente que tal norma deve ser interpretada de forma restritiva, porquanto os privilégios creditórios em geral assumem natureza excecional, que afetam o princípio da igualdade entre os credores, 6. Pelo que, sendo normas excecionais, não podem ser aplicadas por analogia e, em relação a elas, deve prevalecer o critério da sua interpretação restritiva [(5)CF. Salvador da Costa, Concurso de Credores, 3ª edição, Almedina, pag. 311]. 7. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06/05/2010, proferido no âmbito do processo nº 744/08.9TBVFR-E.P1, em que foi relator o Exmo. Sr. Desembargador Filipe Caroço, em que sumariou: “Em processo de graduação de créditos relativa a bens móveis em que concorram crédito garantido por penhor, créditos laborais abrangidos pelo art. 377º do Cod. Do Trab., crédito de impostos a favor do Estado e crédito por contribuições para a Segurança Social, estando todos estes últimos garantidos por privilégio mobiliário geral, devem ser graduados por esta mesma ordem”. 8. Conforme se referiu naquele Acórdão, apelando ao princípio da proteção da confiança e da segurança do comércio jurídico e interpretando restritivamente a norma do artigo 10º do Decreto-lei nº 103/80, há que retomar a regra geral da inexistência de relação ou conexão entre o crédito e os bens que o garantem que os privilégios especiais pressupõem; os privilégios mobiliários gerais não têm a mesma natureza, de direitos de garantia, daqueles e, ao contrário dos privilégios especiais, conforme o artigo 750º, não serão, consoante o artigo 749º do Código Civil, oponíveis a outros direitos reais, como é o caso do penhor. 9. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/05/2017, proferido no processo nº 703/13.0TBMDLK.G, em que foi Relator o Exmo. Sr. Desembargador Fernando Fernandes Freitas, do qual resulta que “Os créditos garantidos por penhor, quando concorram com créditos dos Trabalhadores, do Estado e da Segurança Social, que gozam de privilégio mobiliário geral, devem ser graduados em primeiro lugar relativamente aos bens sobre os quais foi constituído o penhor, seguindo-se-lhes, pela ordem por que foram mencionados, os créditos privilegiados”. 10. Sobre esta temática versou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 11/09/2018, proferido no processo nº 1211/17.5T8AMT-E.P1, de onde resulta que “os créditos garantidos por penhor mercantil, referenciados em III, IV, V e VI do dispositivo da douta sentença recorrida devem ser graduados por forma a que lhes seja conferido o primeiro lugar, com relação aos créditos privilegiados da Segurança Social”. 11. No mesmo acórdão pode ler-se ainda que “Na graduação em que concorram em simultâneo (1) créditos privilegiados, por contribuições à Segurança Social, (2) garantidos por penhor, a favor das entidades bancárias recorrentes, e (3) privilegiados, de natureza laboral, deve dar-se prevalência aos créditos garantidos por penhor mercantil dado que os privilégios creditórios em geral assumem uma natureza excecional – à margem do princípio da autonomia privada, afectam o princípio da igualdade entre os credores – artº 604º nº 1 CCiv e, sendo normas excepcionais, não podem ser aplicadas por analogia (artº 11º CCiv)”. 12. Pelo que o recorrente considera que o crédito garantido por penhor deverá ser graduado à frente do crédito da Segurança Social, alterando-se a sentença de graduação de créditos em conformidade. TERMOS EM QUE DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E BEM ASSIM DEVE SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA A SENTENÇA RECORRIDA POR OUTRA QUE JULGUE PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO APRESENTADA PELO A…………., S.A. E, EM CONFORMIDADE, GRADUE EM 1º LUGAR O CRÉDITO DO BANCO RECORRENTE, GARANTIDO POR PENHOR, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA! » * O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) - SPE Viana do Castelo contra-alegou e concluiu: « A) Que o artigo 204º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social configura de forma clara e expressa que os créditos da Segurança Social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio sobre qualquer penhor; B) Que da referida norma, bem como do entendimento da jurisprudência resulta que havendo conflito entre o penhor e os créditos da Segurança Social, prevalecem os créditos da Segurança Social; C) E que a decisão recorrida deve ser mantida. TERMOS EM QUE, DEVEM V. EXAS. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA. ASSIM FAZENDO A DESEJADA JUSTIÇA!» * A Exma. Procuradora-geral-adjunta não emitiu parecer. * Com dispensa de vista, dada a natureza urgente do processo, compete conhecer e decidir. ******* # II. Na sentença, em sede de julgamento factual, vem expresso: « A) Encontra-se a correr termos na Secção de Processo Executivo de Viana do Castelo, contra “B…………….., LDA.”, ……………., o processo de execução fiscal n.º 0301201200072222 e outros, para cobrança coerciva de cotizações e contribuições e respetivos juros, no valor de € 55.446,98 – cfr. fls 15 a 19 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas; B) O “A…………, S.A.” (que sucedeu ao “C……….., S.A.”), prestou a favor da “D……………, S.A.”, uma garantia bancária com o número ………., emitida em 17.10.2007, no valor de € 40.000,00 – cfr. fls. 24 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas; C) Para garantia do cumprimento das obrigações assumidas através da garantia referida na alínea antecedente, a 17.10.2007, a sociedade executada “B………….., Lda.”, prestou a favor do reclamante penhor de valores mobiliários, 3088 UP`S, denominado “Fundos de Investimentos - E.S. Monetário”, com a cotação de € 6.4829, valorizadas em € 20.019,20, do dossier n.º 060005784622, associado à conta de depósitos à ordem n.º ………….., aberta junto do Banco reclamante - cfr. fls. 25 a 27 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas; D) A 26.11.2012, o IGFSS, para garantia do crédito exequendo, procedeu à penhora de valores mobiliários, 3088 UP`S, denominado “Fundos de Investimentos - E.S. Monetário”, com a cotação de € 6.4829, valorizadas em € 20.019,20, do dossier n.º 060005784622, associado à conta de depósitos à ordem n.º …………..., aberta junto do Banco reclamante, já mencionados na alínea antecedente - cfr. fls 16 a 19 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas; E) O Banco reclamante, notificado para o efeito, apresentou reclamação de créditos no valor de € 10.000,00, a título de capital, para verificação, reconhecimento e graduação de: a) No valor de € 10.000,00, acrescidos dos juros vincendos até integral pagamento, contados sobre o capital, à taxa indicada, atendendo ao penhor existente, no lugar que lhe competir. F) Por despacho da Coordenadora da Secção de Processo de Viana do Castelo, foi proferida decisão de verificação e graduação de créditos, com o seguinte teor, na parte que ora importa: “(...). 1. Relatório Nos presentes autos de Reclamação de créditos, por apensos à execução fiscal n.º 0301201200072222 e aps, que a Secção de Processo Executivo de Viana do Castelo instaurou à B………………, LDA.”, (…), vêm reclamados os seguintes créditos: • Pelo A…………… S.A., (…), o crédito no montante de € 10,00, garantido por Penhor sobre Valores mobiliários, 3088 UP`s, denominado “Fundos de Investimentos – E.S. Monetário”, n.º 060005784622, com a cotação de € 6.4829, valorizadas em € 20.019,20, constituído pela executada, encontrando-se penhorados à ordem do processo a quantia de € 55.446,98. […]. 3.2. DE DIREITO […]. A graduação de créditos de bem imóvel, caso sejam reclamados créditos de todos estes tipos, seja a seguinte: 1.º lugar – Custas da execução fiscal (art.º 455.º do CPC). 2.º lugar – Despesas de justiça (art.º 738.º e 746.º do CC). 3.º lugar – Penhor de coisa ou direito não suscetível de hipoteca (artigos 666.º e 750.º do CC). • O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, pelo valor dos créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca. • Havendo conflito entre penhor e créditos da segurança social, prevalecem os últimos (n.º 2 do art.º 204.º do Código Contributivo), veja-se ainda AC. STA 0782/10, de 16/12 e AC Tribunal Constitucional 108/2009 de 10/03. 4. Lugar (…). […]. 4- Decisão Nestes termos, decide-se considerarem-se verificados e reconhecidos os créditos reclamados, que são graduados pela ordem seguinte: 1. Lugar - Créditos exequendos, e respetivos juros de mora, garantidos por penhora. 2. Lugar - O crédito reclamado pelo A……………, S.A., garantido por penhor. As custas saem precípuas do produto da venda dos bens penhorados (artigo 455.º do CPC). (…).”- cfr. fls. 16 a 19 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas. » *** Compulsada a alegação e conclusões, apresentadas pelo rte, o quid decidendum deste recurso, reconduz-se, unicamente, à sua proposta de se proceder (ao invés do assumido na sentença recorrida) a uma interpretação restritiva do artigo (art.) 204º nº 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS) Aprovado (em anexo) pela Lei n.º 110/2009 de 16 de setembro e, desse modo, na situação dos autos, graduar antes dos créditos exequendos e juros moratórios, respeitantes a cotizações e contribuições em dívida, à Segurança Social (SS), garantida por penhora efetivada no processo executivo, o crédito que, na mesma execução (a correr termos pela secção de processos (SPE) de Viana do Castelo), reclamou, quanto à sociedade executada, garantido por penhor sobre valores mobiliários. Doutro modo, mais linear, o rte pretende que, não obstante o citado normativo ditar, expressa, clara e terminologicamente, que o privilégio mobiliário geral, de que gozam os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora, “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”, nesta sede, se entenda e diga, que não é assim; tal privilégio não prevalece … Desde já, avançando que não o vamos fazer, antes de mais, porque mantém atualidade Atente-se em que, a redação do art. 10.º do Dec.Lei n.º 103/80 de 9 de maio corresponde, ipsis verbis, à do art. 204.º do CRCSPSS., faz uma síntese compacta e esclarecedora, da problemática em apreço, passamos a transcrever uma parcela do discurso fundamentador vertido no acórdão, do STA, de 22 de junho de 2011 (0781/10) Presente no sítio www.dgsi.pt: « (…). *******
# III. Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso. * Custas a cargo do recorrente. * [Elaborado em computador e revisto, com versos em branco] ********************************************************************** [Pela Exma. Senhora Conselheira Isabel São Pedro, na condição de 1.ª adjunta e porque lhe é impossível a assinatura digital, por, ainda, não ter acesso ao SITAF, foi-me transmitido, enquanto relator, voto de conformidade, com os fundamentos e a decisão supra – artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.] ********************************************************************** Lisboa, 17 de junho de 2020. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Maria Isabel São Pedro Soeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes. |