Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0275/18.9BELSB
Data do Acordão:12/20/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
RELATÓRIO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - A notificação do requerente de protecção internacional para se pronunciar sobre o conteúdo do auto de declarações não configura o cumprimento das formalidades exigidas pelo nºs. 1 e 2 do art.º 17.º da Lei do Asilo que impõem a elaboração de um relatório escrito contendo informações essenciais ao processo sobre o qual o requerente tem a faculdade de se pronunciar.
II - O citado art.º 17.º, nºs. 1 e 2, é aplicável às situações em que o pedido de protecção internacional é considerado inadmissível e é determinada a transferência do requerente para o Estado-membro responsável pela análise do pedido, nos termos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho.
III - O princípio do aproveitamento do acto administrativo é insusceptível de obstar à eficácia invalidante das formalidades preteridas, por não se poder concluir que a referida decisão de inadmissibilidade era a única concretamente possível.
Nº Convencional:JSTA000P24026
Nº do Documento:SA1201812200275/18
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRETOR NACIONAL ADJUNTO DO SEF DO MAI
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. A…………., de nacionalidade ucraniana, inconformado com o acórdão do TCA-Sul que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Administração Interna, revogou a sentença do TAC que anulara o despacho, de 15/1/2018, do Director Nacional do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que julgara inadmissível o pedido de protecção internacional que apresentara, dele interpõe recurso de revista, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
(i) o douto Acórdão recorrido ao afirmar que “não há lugar ao direito de audiência prévia dos interessados”, sem para tanto, indicar princípio, regra ou norma que fundamente a desconsideração de formalidades essenciais, incorre em nulidade por não especificação dos fundamentos de direito, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea b) e n.º 4 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, ainda mais tendo em conta o art.º 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, os artºs 121º e 122º do CPA, o art.º 89-A do CPTA, o art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 20.º da CRP os artigos 8.º, n.º 4, 267º nº 5 e 268.º, n.º 4, da CRP, todos eles impondo a audição do interessado e/ou de testemunha e/ou declarações de parte.
(ii) O Recorrente pediu e tem direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva, nos termos consagrado no artigo 20.º da CRP, cuja violação se invoca, para todos os devidos e legais efeitos, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento.
(iii) O Recorrente pediu e tem direito a um tratamento em juízo, justo, equitativo e não discriminatório.
(iv) Perante a questão central sub judice — o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido, constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado — estão verificados os requisitos da admissibilidade de recurso de revista previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, porquanto se trata de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental, pois que não apreciando o Tribunal a quo as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais, atirou o recorrente para a impossibilidade de ter a única defesa, qual seja, a de relatar a sua versão dos factos de uma forma leal, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.

(v) Por outro lado, o art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP (nºs 2 e 3) e a falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível à requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º, havendo, como tal, preterição da audição do interessado.

(vi) Significa que o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido (que no caso concreto não podiam deixar de ser a inadmissibilidade do pedido e o subsequente procedimento especial que teve lugar), constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado.

(vii) Do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório a contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente.

(viii) A falta da elaboração desse relatório tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º.

(ix) A preterição da audição do interessado, que conduz à anulação do acto impugnado. Ou, para o caso de assim não se entender, sempre se dirá, por aplicação dos arts. 121º e 122º do CPA, o que conduz à anulação do acto impugnado. Por cautela no patrocínio, invoca-se, novamente a violação do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP.

(x) Além do mais, verifica-se também o pressuposto da necessidade clara de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, atenta a injustiça flagrante no caso concreto, mas também pelos usos ou formas de interpretar a lei ou de a aplicar que conduzem, in casu, a indefesa dos direitos ou a deficiências de tutela efectiva e também por estarmos perante um erro grave de interpretação e aplicação do direito em prejuízo da prossecução do interesse público, ainda mais face ao que tem vindo a ser entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. douto Acórdão do STA, de 28.06.2012, processo nº 0672/12, disponível em www.dgsi.pt).
(xi) A invocação por parte da administração de estar perante um acto vinculado, não pode ser o meio para a preterição de formalidades essenciais.
(xii) O Recorrente foi sujeito de um acto administrativo que directamente o afecta (tomada a cargo para a Alemanha), sem que tenha tido a oportunidade de ser ouvido, de exercer o contraditório, ou seja, o acto praticado pelo SEF é vinculado ao ponto de violar descaradamente o direito de audição prévia, ou até, de ver prejudicada a produção de prova por declaração de parte ou testemunhal, em qualquer instância, sucessivamente, seja ela administrativa ou judicial.

(xiii) Não apreciando o Tribunal a quo as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais, atiraram o recorrente para impossibilidade ter a única defesa, qual seja, a de relatar a sua versão dos factos de uma forma leal, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.

(xiv) O art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR (nºs 2 e 3).

(xv) A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º, havendo, como tal, preterição da audição do interessado.

(xvi) O requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido (que no caso concreto não podiam deixar de ser a inadmissibilidade do pedido e o subsequente procedimento especial que teve lugar), constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado.

(xvii) Do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente.

(xviii) A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível à requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º.

(xix) Há preterição da audição do interessado, que conduz à anulação do acto impugnado. Ou, para o caso de assim não se entender, sempre se dirá, por aplicação dos arts. 121º e 122º do CPA e/ou art. 89-A do CPTA, o que conduz à anulação do acto impugnado. Por cautela no patrocínio, invoca-se novamente a violação do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267, nº 5 da CRP.

(xx) O douto Acórdão recorrido não se referiu a nenhum fundamento de direito (principio, regra ou norma), tirando a conclusão de que sendo um acto vinculado pode preterir formalidades essenciais como sejam as acabadas de referir supra, não podendo, assim, deixar de consubstanciar interpretações inconstitucionais do artº 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, dos art.ºs 121º e 122º do CPA, do art.º 89-A do CPTA, do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da CRP é concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição e inconstitucionalidades por violação dos artºs. 8º, nº4 e 267, nº5 da CRP o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.

O Ministério da Administração Interna contra-alegou, enunciando as conclusões seguintes:

1ª - A autoridade recorrida concorda com os termos do acórdão ora recorrido;

2ª - De harmonia com o artº 18º nº1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o artº 37º nº1 da Lei de Asilo, procedeu-se à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo artº 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 28/12/2017, pedido de tomada a cargo às autoridades alemãs, que culminou com a aceitação, aos 15/01/2018, por parte das referidas autoridades;

3ª - Consequente e vinculadamente, por despacho do Director Nacional do ora recorrido proferido aos 15/01/2018, nos termos dos artºs 19º-A nº 1 a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Alemanha, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artºs 29º e 30º do Regulamento de Dublin;


4ª - Em obediência aos comandos do dito regulamento, deu-se início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Alemanha (cf. artº 23º n.º 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e artº 37º nº 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo), que a aceitou, impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência;


5ª - “Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.º, n.º 2, lhe impunha a atuação levada a efeito “ (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. nº 08319/11);


6ª - Resulta, pois, claro que à situação não se aplicam os trâmites procedimentais (comuns) do pedido de protecção internacional previstos na Secção I do Capitulo III da Lei de Asilo (entre as quais o artº 27º), pelo contrário, porque se procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, aplica-se-lhe o disposto no artº 36º e seguintes, ou seja, as disposições do Capitulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, nomeadamente, o artº 37º nº 2;


8ª - A alegada violação do artº 17º nº 2 da Lei de Asilo não procede, pois não é aqui aplicável, afastada pela natureza “especial” do procedimento plasmado no artº 36º e seguintes da Lei de Asilo, tal como se comprova do nº 7 do artº 37º que estipula que “Em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1, observa-se o disposto no Capítulo III”;


9ª - Ou seja, no teor literal da lei, só na eventualidade da Alemanha declinar a retoma a cargo é que haveria lugar, por expressa determinação, à aplicação do Capítulo III, mormente do artº 17º, mas como in casu, a Alemanha aceitou a retoma, tal afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III, incluindo o artº 27º, à situação vertente;


10ª - O procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional (que culminou com a aceitação da retoma a cargo por parte do estado requerido- Alemanha) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido;


11ª - Em sede do dito procedimento (de determinação), regulado no artº 37º não se encontra legalmente previsto qualquer relatório, e por maioria de razão, qualquer notificação do mesmo para efeitos de pronúncia, pelo contrário, do mesmo decorre, de acordo com o seu nº 2, a vinculação do ora recorrente a proferir a decisão de inadmissibilidade, bem como de dar execução à transferência, de acordo com o art.º 38º da lei de Asilo;


12ª - Trata-se de uma decisão vinculada, notificada nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 37º da Lei de Asilo, à qual não se aplica o disposto no Capítulo III, designadamente, o artº 17º nº 2, encontrando-se o ora recorrido adstrito a proferir a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.


A formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, proferiu acórdão a admitir a revista, com os seguintes fundamentos:
“(…).
3.2. A 1.ª instância entendeu que não foi elaborado o relatório contemplado no art.º 17.º, n.º 1, do Regulamento de Dublin, nem o autor pode exercer o seu direito de audiência prévia relativamente à informação que sustenta a tomada de decisão impugnada, nem mesmo antes dessa decisão ter sido proferida, socorrendo-se do entendimento deste STA (acórdão de 15 de maio de 2017, proferido no processo 0316/17).
3.3. O TCA Sul afastou-se deste entendimento concluindo que, ao contrário do decidido pela 1.ª instância, não há lugar ao direito de audiência prévia dos interessados nos termos evidenciados na sentença, na medida em que tal direito consignado no art.º 16.º da Lei do Asilo foi observado mediante a tomada de declarações do cidadão ucraniano após o que foi alertado que o Estado Português iria proceder à determinação do Estado Membro responsável pelo pedido de asilo, “in casu” a Alemanha.
3.4. Tendo em conta a divergência de posições da 1.ª e 2.ª instância, a jurisprudência deste STA que o TCA entendeu não ser aplicável, e ainda por estar em causa matéria de inegável interesse geral, susceptível de se repetir no futuro, deve admitir-se a revista”.
O Exmo. Sr. Procurador-Geral-Adjunto junto deste STA emitiu parecer, onde concluiu que o recurso merecia provimento, devendo revogar-se o acórdão recorrido e manter-se a decisão da 1.ª instância.
Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do C.P.Civil, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.

3. Na acção que intentou no TAC, o ora recorrente pediu a anulação do despacho, de 15/1/2018, do Director do SEF, que, ao abrigo dos artºs. 19.º-A, n.º 1, al. a) e 37.º, n.º 2, ambos da Lei do Asilo (Lei n.º 27/2008, de 30/6, alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5/5) – diploma a que pertencem todas as disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem – julgou inadmissível o pedido de protecção internacional que apresentara e determinou a sua transferência para a Alemanha, por ser este o Estado membro responsável pela análise desse pedido, nos termos do art.º 18.º, n.º 1, al. d), do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho (“Regulamento de Dublin”).
A sentença do TAC, fundando-se no Ac. deste STA de 18/5/2017, proferido no processo n.º 0306/17, anulou o despacho impugnado, por não ter sido elaborado o relatório previsto no art.º 17.º, n.º 1, nem ter sido dada ao A. a possibilidade de exercer o seu direito de audiência prévia.
Posição contrária foi sustentada no acórdão recorrido que, após referir que o SEF agira bem “ao determinar a transferência do A. para a Alemanha”, concluiu que, “ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não há lugar ao direito de audiência prévia dos interessados nos termos evidenciados na sentença, na medida em que tal direito consignado no art.º 16.º da Lei do Asilo foi observado mediante a tomada de declarações do cidadão ucraniano após o que foi este alertado que o Estado Português iria proceder à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, in casu a Alemanha”.
Na presente revista, o recorrente imputa a este acórdão a nulidade de falta de fundamentação – por nele não se indicar qualquer princípio ou regra jurídica que justifique a conclusão que no caso não havia lugar à audiência de interessados – e a verificação de erro de julgamento, por violação do art.º 17.º, nºs. 1 e 2, onde se prevê expressamente que a decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional tem de ser precedido da elaboração de um relatório sobre o qual ele tem a faculdade de se pronunciar, o que, não tendo sucedido no caso concreto, determina a anulação do despacho impugnado por preterição de formalidades essenciais.
Vejamos se lhe assiste razão, começando por apreciar a invocada nulidade.
A causa de nulidade vertida na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC só ocorre quando se verifica uma total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão e não quando a motivação é apenas deficiente, incompleta ou errada.
Ora, no caso em apreço, essa total omissão quanto aos fundamentos de direito não se verifica, pois, como resulta do trecho do acórdão recorrido que ficou transcrito, nele considerou-se que fora observada a formalidade da audiência prévia do requerente, prevista no art.º 16.º, com a sua prestação de declarações e a informação que nesse momento lhe foi dada que o Estado Português iria proceder à determinação do Estado membro responsável pela análise do seu pedido de protecção internacional. Assim, pode existir uma fundamentação inaceitável, mas não a falta absoluta de motivação exigida pelo citado art.º 615.º, n.º 1, al. b).
Quanto ao mérito do recurso, importa começar por referir que a questão não é nova neste STA, que, em situações em tudo idênticas à dos presentes autos, já teve oportunidade de se pronunciar, concluindo que a mera notificação do requerente, efectuada aquando da sua prestação de declarações, para se pronunciar sobre o conteúdo do auto de declarações não configura o cumprimento das formalidades exigidas pelos nºs. 1 e 2 do art.º 17.º que impõem a elaboração de um relatório escrito que contenha informações essenciais ao processo, sendo sobre este que o requerente tem a faculdade de emitir pronúncia (cf. Acs. de 18/5/2017 – Proc. n.º 0306/17 e de 4/10/2018 – Proc. n.º 01727/17.3BELSB).
Esse art.º 17.º, sob a epígrafe “Relatório”, é do seguinte teor:
“1 – Após a realização das diligências referidas nos artigos anteriores, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais relativas ao pedido.
2 – O relatório referido no número anterior é notificado ao requerente para que o mesmo se possa pronunciar sobre ele no prazo de cinco dias.
3 – O relatório referido no n.º 1 é comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR enquanto organização não governamental que actue em seu nome, desde que o requerente tenha dado o seu consentimento, para que aquela organização, querendo, se pronuncie no mesmo prazo concedido ao requerente.
4 – Os motivos da recusa de confirmação do relatório por parte do requerente são averbados no seu processo, não obstando à decisão do pedido”.
Pronunciando-se sobre a questão de saber se este preceito tinha aplicação nas situações em que havia lugar ao procedimento especial, regulado no capítulo IV, de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional apresentado em Portugal, escreveu-se no citado Ac. de 4/10/2018:
“(…).
Embora sem se pronunciar directamente sobre a questão decidiu-se no Ac. deste STA rec. 0306/17 de 18/5/2017, em situação idêntica, ser aplicável o referido art.º 17.º.
E, na verdade, se entendermos este procedimento especial como um enxerto no procedimento normal, antes de o mesmo se iniciar sempre teria que ter havido lugar ao cumprimento do art.º 17.º, isto é, teria de ter sido realizado um relatório nos termos supra referidos e só depois dar-se início ao procedimento especial nos termos do qual havendo concordância do Estado-Membro o director nacional do SEF profere, no prazo de cinco dias, decisão nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 19.º-A e do art.º 20.º, que é notificado ao requerente.
Sendo assim, o cumprimento do art.º 17.º, porque anterior, não contende com a prolação de imediato, pelo director do SEF, da decisão de inadmissibilidade do pedido nos termos dos artºs. 19.º-A e 20.º do mesmo diploma.
(…).
Não tendo sido realizado qualquer relatório, tal impunha-se nos termos supra descritos.
E, conforme resulta da matéria de facto fixada neste tribunal, havia factos susceptíveis de serem relevantes para constarem de um relatório, não o podendo substituir a mera transcrição das declarações prestadas e ainda que nas referidas declarações tenha sido informado que o seu pedido de protecção ia ser analisado por um único Estado-Membro, aquele que os critérios enunciados no capítulo III do Regulamento UE n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26/6/2013, designassem como responsável.
Mas não há qualquer referência à competência de qualquer concreto Estado-Membro, nem na resposta dada pelo recorrente o mesmo, apesar de referir que o faz nos termos do art.º 17.º n.º 2 e de referir precisamente que poderá ter problemas com o seu regresso à Finlândia, alude a qualquer questão sobre entidade competente para conhecer do seu pedido.
Pelo que, deve considerar-se a formalidade prescrita no n.º 1 do art.º 17.º (falta de elaboração do relatório) como essencial, e que determinou, consequentemente, que não tenha sido possível ao recorrente pronunciar-se nos termos do n.º 2 do referido artigo, com todas as garantias legalmente devidas.
(…)”.
Assim, em face da citada jurisprudência deste STA, a que se adere, terá de se concluir que não pode manter-se o entendimento do acórdão recorrido quando considera ter sido cumprida a formalidade da audiência prévia do A.
E, ao contrário do alegado pelo ora recorrido, não se pode afirmar que a omissão das formalidades prescritas nos nºs. 1 e 2 do art.º 17.º se tornou irrelevante por o despacho impugnado ter sido proferido no exercício de poderes vinculados, não tendo, por isso, o recorrente, com a sua eventual pronúncia prévia, qualquer possibilidade de influenciar a decisão a tomar. Efectivamente, dado o disposto no denominado “Regulamento de Dublin”, designadamente nos seus artºs. 3.º, n.º 2 – onde se permite a não transferência de um requerente para o Estado-Membro responsável inicialmente designado, no caso de existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do art.º 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – e 17.º – que contém uma cláusula discricionária que possibilita que, em derrogação do art.º 3.º, n.º 1, cada Estado-Membro decida pela análise de um pedido de protecção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência –, não se pode concluir que o acto impugnado, por corresponder à única decisão concretamente possível, foi proferido no exercício de um poder estritamente vinculado. Nestes termos, o princípio do aproveitamento do acto administrativo, é insusceptível de obstar à eficácia invalidante das formalidades preteridas.
Procede, pois, a presente revista.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e mantendo a sentença de 1.ª instância.
Sem custas (art.º 84.º, da Lei do asilo).

Lisboa, 20 de Dezembro de 2018. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.