Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0275/18.9BELSB |
Data do Acordão: | 12/20/2018 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | FONSECA DA PAZ |
Descritores: | PROTECÇÃO INTERNACIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO RELATÓRIO AUDIÊNCIA PRÉVIA |
Sumário: | I - A notificação do requerente de protecção internacional para se pronunciar sobre o conteúdo do auto de declarações não configura o cumprimento das formalidades exigidas pelo nºs. 1 e 2 do art.º 17.º da Lei do Asilo que impõem a elaboração de um relatório escrito contendo informações essenciais ao processo sobre o qual o requerente tem a faculdade de se pronunciar. II - O citado art.º 17.º, nºs. 1 e 2, é aplicável às situações em que o pedido de protecção internacional é considerado inadmissível e é determinada a transferência do requerente para o Estado-membro responsável pela análise do pedido, nos termos do Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho. III - O princípio do aproveitamento do acto administrativo é insusceptível de obstar à eficácia invalidante das formalidades preteridas, por não se poder concluir que a referida decisão de inadmissibilidade era a única concretamente possível. |
Nº Convencional: | JSTA000P24026 |
Nº do Documento: | SA1201812200275/18 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | DIRETOR NACIONAL ADJUNTO DO SEF DO MAI |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: 1. A…………., de nacionalidade ucraniana, inconformado com o acórdão do TCA-Sul que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Administração Interna, revogou a sentença do TAC que anulara o despacho, de 15/1/2018, do Director Nacional do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), que julgara inadmissível o pedido de protecção internacional que apresentara, dele interpõe recurso de revista, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: (i) o douto Acórdão recorrido ao afirmar que “não há lugar ao direito de audiência prévia dos interessados”, sem para tanto, indicar princípio, regra ou norma que fundamente a desconsideração de formalidades essenciais, incorre em nulidade por não especificação dos fundamentos de direito, o que se invoca nos termos e para os efeitos do artigo 615º, nº 1, alínea b) e n.º 4 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, ainda mais tendo em conta o art.º 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, os artºs 121º e 122º do CPA, o art.º 89-A do CPTA, o art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 20.º da CRP os artigos 8.º, n.º 4, 267º nº 5 e 268.º, n.º 4, da CRP, todos eles impondo a audição do interessado e/ou de testemunha e/ou declarações de parte. (ii) O Recorrente pediu e tem direito a uma Tutela Jurisdicional Efectiva, nos termos consagrado no artigo 20.º da CRP, cuja violação se invoca, para todos os devidos e legais efeitos, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento. (iii) O Recorrente pediu e tem direito a um tratamento em juízo, justo, equitativo e não discriminatório. (iv) Perante a questão central sub judice — o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido, constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado — estão verificados os requisitos da admissibilidade de recurso de revista previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, porquanto se trata de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental, pois que não apreciando o Tribunal a quo as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais, atirou o recorrente para a impossibilidade de ter a única defesa, qual seja, a de relatar a sua versão dos factos de uma forma leal, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. (v) Por outro lado, o art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CRP (nºs 2 e 3) e a falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível à requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º, havendo, como tal, preterição da audição do interessado. (vi) Significa que o requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido (que no caso concreto não podiam deixar de ser a inadmissibilidade do pedido e o subsequente procedimento especial que teve lugar), constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado. (vii) Do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório a contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente. (viii) A falta da elaboração desse relatório tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º. (ix) A preterição da audição do interessado, que conduz à anulação do acto impugnado. Ou, para o caso de assim não se entender, sempre se dirá, por aplicação dos arts. 121º e 122º do CPA, o que conduz à anulação do acto impugnado. Por cautela no patrocínio, invoca-se, novamente a violação do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267º, nº 5 da CRP. (x) Além do mais, verifica-se também o pressuposto da necessidade clara de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, atenta a injustiça flagrante no caso concreto, mas também pelos usos ou formas de interpretar a lei ou de a aplicar que conduzem, in casu, a indefesa dos direitos ou a deficiências de tutela efectiva e também por estarmos perante um erro grave de interpretação e aplicação do direito em prejuízo da prossecução do interesse público, ainda mais face ao que tem vindo a ser entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. douto Acórdão do STA, de 28.06.2012, processo nº 0672/12, disponível em www.dgsi.pt). (xiii) Não apreciando o Tribunal a quo as questões relacionadas com a preterição de formalidades essenciais, atiraram o recorrente para impossibilidade ter a única defesa, qual seja, a de relatar a sua versão dos factos de uma forma leal, o que constitui uma entorse clara à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20º da CRP e concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. (xiv) O art. 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, prevê expressamente que após a realização das diligências cabíveis, no caso houve lugar às declarações previstas no art. 16º, o SEF elabora um relatório escrito do qual constam as informações essenciais ao processo, sendo sobre este relatório que ao requerente é facultada a possibilidade de se pronunciar, no prazo de 5 dias, sendo ainda esse relatório comunicado ao representante do ACNUR e ao CPR (nºs 2 e 3). (xv) A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível ao requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º, havendo, como tal, preterição da audição do interessado. (xvi) O requerente do pedido de protecção internacional tem direito a ser ouvido sobre as informações essenciais ao seu pedido (que no caso concreto não podiam deixar de ser a inadmissibilidade do pedido e o subsequente procedimento especial que teve lugar), constantes de um relatório escrito que as indique, assim se assegurando a audiência do interessado. (xvii) Do procedimento administrativo seguido (e que se encontra descrito nos factos provados), verifica-se que não foi elaborado o relatório contemplado no art. 17º, nº 1 da Lei 27/2008, sobre o qual o requerente se pudesse ter pronunciado, não podendo considerar-se como “relatório”, as declarações do próprio requerente. (xviii) A falta da elaboração desse relatório, tem que ser considerada como preterição de uma formalidade essencial que a lei prescreve, e que determina, consequentemente, que não tenha sido possível à requerente pronunciar-se nos termos do nº 2 do referido art. 17º. (xix) Há preterição da audição do interessado, que conduz à anulação do acto impugnado. Ou, para o caso de assim não se entender, sempre se dirá, por aplicação dos arts. 121º e 122º do CPA e/ou art. 89-A do CPTA, o que conduz à anulação do acto impugnado. Por cautela no patrocínio, invoca-se novamente a violação do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e inconstitucionalidades por violação dos arts. 8º, nº 4 e 267, nº 5 da CRP. (xx) O douto Acórdão recorrido não se referiu a nenhum fundamento de direito (principio, regra ou norma), tirando a conclusão de que sendo um acto vinculado pode preterir formalidades essenciais como sejam as acabadas de referir supra, não podendo, assim, deixar de consubstanciar interpretações inconstitucionais do artº 17º, nº 1 da Lei nº 27/2008, de 30/6, dos art.ºs 121º e 122º do CPA, do art.º 89-A do CPTA, do art. 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da CRP é concretizado, no contencioso administrativo, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição e inconstitucionalidades por violação dos artºs. 8º, nº4 e 267, nº5 da CRP o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos. 1ª - A autoridade recorrida concorda com os termos do acórdão ora recorrido; 2ª - De harmonia com o artº 18º nº1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, e o artº 37º nº1 da Lei de Asilo, procedeu-se à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, procedimento regido pelo artº 36º e seguintes da Lei 27/2008, de 30 de Junho (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 28/12/2017, pedido de tomada a cargo às autoridades alemãs, que culminou com a aceitação, aos 15/01/2018, por parte das referidas autoridades; 3ª - Consequente e vinculadamente, por despacho do Director Nacional do ora recorrido proferido aos 15/01/2018, nos termos dos artºs 19º-A nº 1 a) e 37º nº 2 da citada lei, foi o pedido considerado inadmissível e determinada a transferência do requerente para Alemanha, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de Asilo nos termos do citado regulamento, motivo pelo qual o Estado português se torna apenas responsável pela execução da transferência nos termos dos artºs 29º e 30º do Regulamento de Dublin; 4ª - Em obediência aos comandos do dito regulamento, deu-se início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de asilo, que culminou com o apuramento de que essa responsabilidade pertencia à Alemanha (cf. artº 23º n.º 2 do citado Regulamento (UE) 604/2013 e artº 37º nº 1 da Lei n.º 27/2008 (Lei de Asilo), que a aceitou, impondo a lei como consequência imediata (vinculada) que fosse proferido o acto de inadmissibilidade e de transferência; 5ª - “Estamos, portanto, perante um acto estritamente vinculado, sendo que a validade dos actos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feita em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei (...) é a própria Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, que no seu artigo 37.º, n.º 2, lhe impunha a atuação levada a efeito “ (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/01/2012, proc. nº 08319/11); 6ª - Resulta, pois, claro que à situação não se aplicam os trâmites procedimentais (comuns) do pedido de protecção internacional previstos na Secção I do Capitulo III da Lei de Asilo (entre as quais o artº 27º), pelo contrário, porque se procedeu à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, aplica-se-lhe o disposto no artº 36º e seguintes, ou seja, as disposições do Capitulo IV da citada lei, que regem sobre o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, nomeadamente, o artº 37º nº 2; 8ª - A alegada violação do artº 17º nº 2 da Lei de Asilo não procede, pois não é aqui aplicável, afastada pela natureza “especial” do procedimento plasmado no artº 36º e seguintes da Lei de Asilo, tal como se comprova do nº 7 do artº 37º que estipula que “Em caso de resposta negativa do Estado requerido ao pedido formulado pelo SEF, nos termos do nº 1, observa-se o disposto no Capítulo III”; 9ª - Ou seja, no teor literal da lei, só na eventualidade da Alemanha declinar a retoma a cargo é que haveria lugar, por expressa determinação, à aplicação do Capítulo III, mormente do artº 17º, mas como in casu, a Alemanha aceitou a retoma, tal afasta decisivamente a aplicabilidade das normas do capítulo III, incluindo o artº 27º, à situação vertente; 10ª - O procedimento de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional (que culminou com a aceitação da retoma a cargo por parte do estado requerido- Alemanha) antecede e fundamenta que o pedido apresentado seja considerado inadmissível e seja determinada a transferência da análise do pedido; 11ª - Em sede do dito procedimento (de determinação), regulado no artº 37º não se encontra legalmente previsto qualquer relatório, e por maioria de razão, qualquer notificação do mesmo para efeitos de pronúncia, pelo contrário, do mesmo decorre, de acordo com o seu nº 2, a vinculação do ora recorrente a proferir a decisão de inadmissibilidade, bem como de dar execução à transferência, de acordo com o art.º 38º da lei de Asilo; 12ª - Trata-se de uma decisão vinculada, notificada nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 37º da Lei de Asilo, à qual não se aplica o disposto no Capítulo III, designadamente, o artº 17º nº 2, encontrando-se o ora recorrido adstrito a proferir a competente decisão de inadmissibilidade e de transferência, a qual não padece de qualquer vício de facto ou de direito.
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