Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0893/19.8BEBRG
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:USURPAÇÃO DE PODER
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA INCONSTITUCIONALIDADE
PENHORA DE VENCIMENTOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - A usurpação de poderes pode definir-se como o vício que consiste na prática por um órgão da Administração de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial. Trata-se de uma pecha que traduz uma violação do princípio da separação de poderes, podendo reconduzir-se ao vício mais lato de incompetência, embora de natureza agravada (cfr.artº.161, nº.2, al.a), do C.P.A.).
II - A fiscalização concreta da inconstitucionalidade reveste características oficiosas, compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr. artºs. 204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa).
III - A penhora consiste numa apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução fiscal. Realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar os bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente (cfr.artº.819, do C.Civil). A maior parte da doutrina nacional atribui à penhora a natureza de garantia real (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil). Especificamente, a penhora de abonos ou vencimentos encontra-se prevista no artº.227, do C.P.P.T., normativo que consagra as formalidades a que deve obedecer tal diligência pignoratícia.
IV - Como decorre do disposto no artº.52, da L.G.T., em caso de dedução de oposição, a execução fiscal só fica suspensa se for constituída ou prestada garantia idónea ou, ainda, se o executado for dispensado dessa prestação.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P25387
Nº do Documento:SA2202001080893/19
Data de Entrada:11/07/2019
Recorrente:A...........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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A……………., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Braga, exarada a fls.80 a 87 do presente processo, através da qual julgou improcedente a presente reclamação de acto do órgão de execução fiscal, deduzida no âmbito do processo de execução fiscal nº.2348-2018/103835.4 e apensos, o qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo, visando acto de penhora de vencimentos e salários realizado no espaço da mencionada execução.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.101 a 119 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões, após notificação para síntese das mesmas:
1-Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, que julgou a reclamação apresentada pela ora Recorrente contra o acto do Director de Finanças de Viana do Castelo, de 06-04-2019, notificado em 12-04-2019, pelo qual foi determinada a «PENHORA» de «Vencimentos e Salários» (cfr. doc. n.º 1 junto com a petição de reclamação), determinado: «(…) julga-se improcedente a presente reclamação e, em consequência, mantém-se o acto de penhora de vencimento e salários, aqui reclamado.»;
2-O Recorrente foi citada para os autos de execução fiscal supra identificados, com o n.º 2348201801038354, instaurados pelo Serviço de Finanças de Viana do Castelo, por reversão, para cobrança coerciva da quantia de € 78.011,38 originariamente instaurados contra a sociedade B………………. LDA., titular do NIF ……………..;
3-Por discordar do acto de reversão apresentou, em 04-02-2019, oposição àquela reversão em que requereu, a final, expressamente:
«Termos em que deve a presente oposição ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada extinta a execução fiscal relativamente à oponente, mais se determinando, no entretanto, a suspensão da presente instância executiva.» (sic doc. n.º 2 junto com a petição de reclamação);
4-O Tribunal a que cabe decidir da oposição à reversão – distribuída à Unidade Orgânica 2 deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob o número de processo 268/19.9BEBRG – ainda não se pronunciou, por decisão definitiva, quanto à requerida suspensão (como não se tinha pronunciado sobre a pedida suspensão na data em que foi praticado o acto reclamado nestes autos);
5-Não obstante, a Recorrente foi notificada do acto de penhora reclamado, em 12-04-2019 (cfr. doc. n.º 1 junto na petição de reclamação), de que reagiu por meio de reclamação que deu origem aos presentes autos, em que atacou o acto reclamado invocando:
a) Que o acto de penhora aqui reclamado, por corresponder, implicitamente a uma decisão da própria AT de não suspender a execução, constitui usurpação poderes que cabem em exclusivo ao Tribunal (212.º/3 da CRP e 208.º/1 do CPPT), do que decorre a nulidade do acto reclamado (art. 161.º/2/a do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT);
b) Que, paralelamente, o acto de penhora em causa é nulo por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º e 268.º/4 da CRP), ou pelo menos anulável, com fundamento da violação daquele direito previsto naquelas normas constitucionais e bem assim por violação do art. 23.º n.º 3 da LGT;
c) Que, pelo menos, o acto reclamado foi praticado sem que o seu autor disponha de competência para tal, na medida em que a questão que pretendeu decidir estava, e está, sob apreciação judicial, do que decorre a anulabilidade do acto reclamado (art. 99.º/b) do CPPT e art. 163.º do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT);
6-O que está em causa é (i) a circunstância da Recorrente, no âmbito da oposição, que é prévia ao acto reclamado, ter invocado expressamente que os autos de execução fiscal deveriam estar suspensos ao abrigo do disposto no art. 23.º nº 3 da LGT, concluído a oposição também com pedido expresso dirigido ao Tribunal de que fosse determinada essa suspensão ao abrigo daquela mesma norma, e, (ii) sem que o Tribunal se tivesse pronunciado, no âmbito da oposição, quanto àquele pedido de suspensão da execução por aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT (e já não qualquer prestação ou dispensa de garantia), (iii) a AT prosseguiu com a execução praticando o acto reclamado – isto é, retirando ao Tribunal a possibilidade prática de se pronunciar sobre esse pedido de suspensão formulado na oposição, na medida em que torna inútil qualquer pronúncia judicial que entretanto ocorra;
7-Na sentença recorrida, o Tribunal a quo afirma a tal propósito que se “a competência para a decisão sobre a apreciação da garantia prestada ou do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito de oposição à execução fiscal, visando a suspensão desta, cabe ao órgão de execução fiscal e não ao tribunal”, igualmente incumbirá ao Órgão da Execução Fiscal a competência para aferir da suspensão da execução fiscal, seja aquela a que se alude no n.º 8 do art.º 92, seja aquela a que se alude no n.º 3 do art. 23º, ambos da LGT.»;
8-O trecho que transcreveu na conclusão precedente encerra um raciocínio falacioso, uma vez que, não é porque eventualmente caiba ao Serviço de Finanças a pronúncia sobre a suspensão com fundamento em prestação ou dispensa de garantia que tem necessariamente de lhe caber a competência para o conhecimento de todas as causas de suspensão da execução, desde logo a que resulta decorrente do disposto no art. 23.º nº 3 do CPPT;
9-Mais do que isso, ainda que coubesse ao órgão de execução fiscal essa competência, o que se discute na presente reclamação é que, independentemente dessa competência primária caber ou não ao órgão de execução, o certo é que a questão está presentemente sob apreciação judicial e o órgão de execução fiscal, com a prática do acto reclamado, oblitera tal circunstância, retirando ao Tribunal a possibilidade de decidir o que lhe foi peticionado, e o direito do contribuinte obter apreciação judicial de tal questão que já colocou;
10-Mas mais ainda, o raciocínio do Tribunal a quo, parte de pressupostos errados, porque nem todas as causas de suspensão estão submetidas a competência do órgão de execução fiscal, do que é mero exemplo o que se prevê no art 103.º n.º 4 do CPPT quanto à suspensão da execução por prestação de garantia no âmbito da impugnação – em que, ninguém discutirá, que a competência para o efeito caberá ao Tribunal (como está, aliás, reconhecido por jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo);
11-E, se nem todos os casos de suspensão cabem ao órgão de execução fiscal, então aquela generalização do Tribunal a quo transcrita na conclusão 7 supra, já de si falaciosa, nunca seria possível – pois que, se há casos em que o legislador acometeu expressamente a competência para determinar a suspensão da execução ao Tribunal, então é manifesto que não é porque parte dos casos de suspensão caibam ao órgão de execução fiscal conhecer que todos serão da competência deste (e isto, apesar daquela generalização nunca poder ser válida);
12-Assim sendo, como é, o Tribunal a quo, fundamentando a decisão nos termos em que fundamenta, mediante aquela generalização já de si inválida e, ademais, assente em pressupostos errados, incorreu em vício de fundamentação a implicar a anulabilidade da sentença recorrida ou, pelo menos, incorreu em erro de julgamento a implicar a sua revogação;
13-Não pode é olvidar-se que a questão, antes de mais, se põe num plano diverso, como expressamente invocado pela Recorrente na reclamação apresentada e que não se prende com a competência ou não do órgão de execução para apreciar a suspensão da execução quando tal lhe seja requerido;
14-A Recorrente invocou expressamente na sua reclamação que o que o órgão de execução fiscal fez com a prática do acto reclamado foi sobrepor-se ao Tribunal, decidindo quanto a uma questão que se encontra sob apreciação judicial: num momento em que se encontra pendente de despacho judicial o pedido de suspensão formulado na oposição ao abrigo do art. 23.º n.º 3 da LGT, o órgão de execução fiscal com a prática do ato de penhora reclamado decidiu aquilo que o Tribunal ainda não apreciou e não poderá deixar de apreciar – a não suspenso ao abrigo daquela norma, prosseguindo a execução com penhoras;
15-Nesta situação, mesmo que se entendesse que era ao órgão de execução fiscal que cabia a competência para conhecer da suspensão ao abrigo do art. 23.º n.º 3 da LGT – o que não se concede – ainda assim ao órgão de execução fiscal não poderia decidir tal questão sem que antes o Tribunal tomasse uma decisão (nem que fosse julgar-se incompetente para a sua apreciação). De outro modo, estar-se-ia a permitir ao órgão de execução fiscal menosprezar os Tribunais, impedindo, na prática, o Tribunal da pronúncia quanto a tal matéria, pois que torna inútil qualquer decisão que pretendesse proferir;
16-E isto é assim independentemente de quem tenha a competência para apreciar tal matéria em abstrato, pois que até nos casos em que não há dúvida de que a questão da suspensão cabe, primariamente, à apreciação do órgão de execução fiscal (como é o caso da dispensa de prestação de garantia ou a suspensão com base na sua prestação), ainda assim os nossos Tribunais superiores não têm dúvida em julgar inválido o acto do órgão de execução que, sem esperar pela pronúncia do Tribunal quando à prestação ou dispensa de garantia, exactamente porque, se nesses casos o órgão de execução fiscal decide o que foi peticionado junto do Tribunal, torna inútil qualquer decisão que este pudesse tomar, tal como resulta do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 01/11/2017, dado no proc. n.º 01332/16, segundo o que:
«Não pode ser determinada, como foi, a penhora de bens do executado por reversão na circunstância demonstrada, de que deduziu oposição e requereu na respectiva petição a suspensão da execução e aquela penhora foi determinada sem qualquer pronúncia sobre o pedido/requerimento efectuado.
II - A tal não obsta que a decisão de suspensão da execução seja da competência do órgão de execução fiscal nos termos do artigo 199°, n° 8, em conjugação com o art° 197°, n° 1, ambos do CPPT.
III - O acto de penhora do imóvel é extemporâneo e ilegal, por ter sido realizado sem ter sido dada possibilidade ao revertido de oferecer garantia idónea e sem ter sido apreciado o seu requerimento de suspensão da execução fiscal.»;
17-No caso dos autos vindos de citar, estava em causa requerimento de prestação de garantia e de consequente suspensão da execução formulado no âmbito da oposição à reversão – isto é, num caso em que manifestamente a competência primária para o conhecimento cabe ao órgão de execução fiscal, do que resulta que, nos presentes autos – aqui sim por maioria de razão – se é inválida a penhora efectuada pelo órgão de execução fiscal sem esperar por pronúncia do Tribunal a quem tenha sido peticionada a suspensão da execução mediante a prestação de garantia no âmbito de oposição (em que não há dúvida de que a competência primária cabe ao órgão de execução fiscal), então a penhora aqui reclamada, porque efectuada quando foi requerida a suspensão da execução no processo de oposição por aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT, não pode deixar de ser também anulável;
18-A Recorrente defende e está convicta de que cabe na competência dos Tribunais decidir quanto à verificação dos pressupostos estabelecidos no art. 23.º n.º 3 da LGT para que ocorra a suspensão automática da execução, e, mais ainda, que será da competência do Tribunal que julgar a oposição, pois que é aí que haverá de ser apreciada também a verificação do pressuposto de reversão de efectiva inexistência ou fundada insuficiência para a reversão, decidindo preliminarmente se o órgão de execução fiscal fundamentou minimamente a inexistência ou grau de insuficiência de bens da devedora originária para efeito de aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT;
19-Mas mesmo que assim não se não entenda, o que é certo é que lhe foi peticionada essa pronúncia e não é de admitir que a AT torne inútil essa pronúncia judicial pela apresentação de facto consumado;
20-Neste circunstancialismo, praticando o acto reclamado, o órgão de execução fiscal usurpa poderes que cabem em exclusivo ao Tribunal (212.º/3 da CRP e 208.º/1 do CPPT), do que decorre a nulidade do acto reclamado (art. 161.º/2/a do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT) – porque já lhe foi formulado um pedido sobre o qual haverá de se pronunciar, independentemente do sentido dessa pronúncia, ao mesmo tempo que violou o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º e 268.º/4 da CRP), o que determina a nulidade do acto ou, pelo menos, anulabilidade, com fundamento da violação daquele direito previsto naquelas normas constitucionais e bem assim por violação do art. 23.º n.º 3 da LGT – pois que foi com base nessa norma que foi requerida a suspensão da execução junto do Tribunal, e, bem assim, praticou um acto sem que o seu autor disponha de competência para tal, na medida em que a questão que pretendeu decidir estava, e está, sob apreciação judicial, do que decorre a anulabilidade do acto reclamado (art. 99.º/b) do CPPT e art. 163.º do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT);
21-E, o Tribunal a quo, mantendo na ordem jurídica o acto reclamado, viola as mesmas normas o que corresponde a erro de julgamento, a implicar a sua revogação e substituição por outra que não padeça de tais vícios;
22-Do que vem de se expor, resulta também claro que o Tribunal a quo andou mal, quando, na sentença recorrida afirma que «(…) invoca a Reclamante que o acto de penhora em causa é nulo por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos art.ºs 20º e 268º, n.º 4, ambos da CRP.» mas entende «E mais não concretiza.», para daí retirar «De antemão, dir-se-á que não basta invocar a verificação em abstracto de qualquer violação de princípio constitucional, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, de forma a possibilitar, desde logo, à contraparte a possibilidade de defesa e ao Tribunal a sua efectiva compreensão e conhecimento»;
23-Basta ver a reclamação apresentada para, até pelo encadeamento daquelas invocações, se alcançar que a invocação da violação daqueles dispositivos constitucionais e, bem assim, do art. 23.º n.º 3 da LGT, resulta da circunstância factual invocada de o órgão de execução fiscal ter decidido (implicitamente) questão que estava e está sob apreciação judicial – o que vale independentemente de quem se entenda ter a competência primária para decidir da suspensão, pela simples razão de que, neste momento, se aguarda decisão judicial quanto a tal pedido independentemente do sentido que tal decisão venha a ter (mesmo que seja julgando-se incompetente para essa decisão – o que se está convicto não ser o caso);
24-Ou seja: o processo de execução fiscal não poderá prosseguir contra a Recorrente até trânsito em julgado da decisão que ocorra no processo de oposição sobre a questão da suspensão do processo de execução fiscal, sob pena de inutilidade da apreciação judicial a efetuar e, como tal, violação do direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.°, n.° 1 da CRP);
25-Assim, o acto reclamado, que determina a penhora, por pressupor a não suspensão da execução em causa que ainda não foi objecto de decisão judicial a que está submetida, é ilegal por violação do artigo 23.°, n.° 3 da LGT e artigo 20.°, n.° 1 da CRP, e, como tal, anulável – e, por isso, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por violação daqueles princípios e normas constitucionais dos arts. 20.º e 268.º/4 da CRP e, bem assim a norma do art. 23.º n.º 3 da LGT, a implicar a sua revogação e substituição por outra que não padeça de tal vício;
26-Efectivamente, a regra vigente no nosso ordenamento jurídico é a de que o processo de execução fiscal apenas se suspende em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, impugnação judicial, oposição à execução ou recurso judicial que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que acompanhados da prestação de garantia idónea, penhora efetuada ou a efetuar (conforme decorre dos arts. 169.° e 199.° do CPPT e 52.°, n.°s 1, 2 e 4, da LGT), no entanto, esta exigência não é absoluta, existindo situações em que a prestação de garantia não é exigida, como no caso previsto no art. 92.°, n.° 8, da LGT ou da autorização para dispensa de prestação de garantia (arts. 170.° do CPPT e 52.°, n.° 4, da LGT) - cf. Ac. do STA de 25/9/2013, in processo n.° 01377/13;
27-Também o artigo 23.° da LGT, no seu n.° 3, se refere à suspensão da execução, prevendo que, caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal deverá ficar suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado;
28-Foi exactamente a circunstância que determina a suspensão da execução nos termos previstos no n.º 3 daquele art. 23.º da LGT até à excussão do património da devedora originária que foi invocado pela Recorrente no âmbito da oposição para a concluir pelo pedido, ali também formulado, de suspensão da mesma;
29-O benefício da excussão, neste contexto, significa que, embora a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário possa efetuar-se em momento anterior à venda e inclusivamente à penhora dos bens penhoráveis do devedor principal, desde que este se mostrem insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (artigos 23.° n.° 2 da LGT e 153.°n.° 2 do CPPT), o responsável subsidiário goza do direito de se opor a que a execução dos seus bens se efetue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal (STA, 2.ª secção, acórdão de 25-01-2017, proc. n.° 286/16; STA, 2.ª secção, acórdão de 22-06-2011, proc. n.°167/11; TCAS/CT, acórdão de 26-01-2017, proc. n.° 6647/13);
30-Desta forma, concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens do responsável subsidiário esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário, o que, na prática, se traduz no direito à suspensão do processo executivo, no que ao revertido respeita, até à excussão do património do devedor originário (TCAS/CT, acórdão de 26-01-2017, proc. n.° 6647/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: anotado e comentado, 6.ª ed., 2011, anotação ao art. 153.°) – isto é, decorre do artigo 23.°, n.° 3 da LGT, nos casos nele previstos, um direito à suspensão do processo executivo quanto ao revertido;
31-E, assim, está errada a afirmação feita constar da sentença recorrida de que «(…) acaso se entenda que mesmo em caso de «inexistência de bens» do devedor originário, será aplicável a suspensão prevista no n.° 3 do art.° 23° da LGT, sempre se diga, com Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª edição, 2012, Editora Encontro da Escrita, pág. 223, que uma vez penhorados os bens do responsável subsidiário, e faltando ainda definir com precisão o montante a pagar por este, suspende-se o processo de execução fiscal desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado", do que se retira, tal qual o anota a Fazenda Pública, que a suspensão prevista no n.° 3 do artigo 23° da LGT não impede a penhora, mas a execução dos bens dos responsáveis subsidiários até à completa excussão do património do devedor originário. Do que se retira a legalidade do acto de penhora de vencimento e salários, aqui reclamado.» (sic, pág. 14 da sentença recorrida);
32-E, em especial, está errada a afirmação final do Tribunal a quo de que «Do que [daquilo que vem de se citar na conclusão precedente] se retira a legalidade do acto de penhora de vencimento e salário, aqui reclamado.» é exactamente a contradição do que antes vinha de dizer e citar;
33-É manifesto que a suspensão da execução ao abrigo do art. 23.º n.º 3 da LGT impede a penhora, porquanto a penhora não é mais do que a execução dos bens do devedor subsidiário. Aliás, o que resulta claro do que vem dito pelo Tribunal a quo previamente àquelas afirmações finais transcritas nas conclusões 31 e 32 (isto é, da doutrina que invoca antes daquelas afirmações) é que a aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT determina a suspensão da execução até excussão do património do devedor originário, e, portanto, contrariamente ao que daí conclui, impede a penhora de bens ao responsável subsidiário até que tal ocorra – de outro modo aquela suspensão não estava expressamente prevista naquele normativo a partir do termo do prazo de oposição (portanto, a partir de momento anterior a qualquer penhora);
34-Nestes termos, a sentença recorrida incorre ainda em nulidade por contradição entre os fundamentos e decisão nos termos previstos no disposto no art. 125.º n.º 1 do CPPT;
35-Igualmente se pode compreender a argumentação do Tribunal a quo, de que não seria aplicável ao caso dos autos o art. 23.º n.º 3 da LGT por a reversão ter sido efectuada com base em alegada inexistência de bens da devedora originária, pois que isso haverá de ser apreciado no âmbito da oposição, se necessário também a propósito da suspensão ali requerida com base naquele normativo do 23.º n.º 3 da LGT – e não é objecto dos presentes autos, pelo que a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia nessa parte – art. 125.º n.º 1 do CPPT;
36-TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de V.Exas., julgando procedente o presente recurso, farão V.Exas. cumprir a LEI E JUSTIÇA !
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.148 a 152 do processo físico).
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.81 a 83 do processo físico):
A-Contra a sociedade “B……………………, LDA.”, NIPC …………., corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo o processo de execução fiscal n.º 23482018201801038354 e apensos, instaurado para cobrança coerciva de dívidas de IRC, referentes aos exercícios de 2013 a 2016, no montante exequendo global de € 78.011,38 – cfr. fls. 35 a 37 e 46 a 49 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas;
B-A 20.12.2018, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea anterior, o Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal contra A……………, NIF …………., aqui Reclamante, tudo conforme fls. 49 e verso do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
C-A Reclamante foi citada para os termos do processo de execução fiscal, na sequência do despacho de reversão identificado na alínea anterior, por ofício datado de 20.12.2018 – cfr. fls. 35 a 37 do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
D-A 04.02.2019, a Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Viana do Castelo Oposição à execução fiscal, a qual corre seus termos neste Tribunal sob o n.º 268/19.9BEBRG, no âmbito da qual, a coberto do n.º 3 do art.º 23º da LGT, requereu a suspensão da instância executiva “até que se encontre integralmente esgotado o património daquela”, formulando, a final, o seguinte pedido:
Termos em que deve a presente oposição ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada extinta a execução fiscal relativamente à oponente, mais se determinando, no entretanto, a suspensão da presente instância executiva
cfr. fls. 10 a 34 e 40 verso do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido, igualmente de conhecimento directo do Tribunal por consulta aos termos do processo n.º 268/19.9BEBRG na plataforma electrónica SITAF;
E-O processo de oposição à execução identificado na alínea anterior encontra-se pendente de decisão – facto de conhecimento directo do Tribunal e por consulta ao processo digital na plataforma electrónica SITAF;
F-A 03.04.2019, no âmbito do processo de execução fiscal, foi realizada a penhora dos vencimentos e salários da ora reclamante, auferidos da “C………………, LDA.”, no montante de € 214.338,29 – cfr. fls. 9 verso e 45 do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido;
G-Por ofício datado de 06.04.2019, foi a Reclamante notificada do acto de penhora a que se alude na alínea anterior – cfr. fls. 9 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados que revelem interesse para a boa decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…No que respeita aos factos provados, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base na conjugação dos documentos e informações oficiais, não impugnados, constantes dos autos, bem como na posição assumida pelas partes em juízo, nos respectivos articulados, tudo conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada.
De igual modo, os factos constantes das alíneas D) e E) resultam do pessoal conhecimento do Tribunal e por consulta à plataforma electrónica – SITAF, tal como aí expressamente referenciado.
De resto, o dissídio presente ocorre, unicamente, quanto ao direito aplicável e não quanto à factualidade relevante que, aliás, não regista qualquer discordância entre as partes…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida (cfr.fls.179 a 187-verso do processo físico) julgou improcedente a presente reclamação, em virtude do decaimento de todos os seus fundamentos, em consequência do que manteve o acto de penhora de vencimentos e salários objecto do processo (cfr.al.F) do probatório).
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Desde logo, diremos que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.99, nº.1, da L.G.T.; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário).
Defendo o apelante, em primeiro lugar, que nem todos os casos de suspensão da execução são da competência do órgão de execução fiscal. Que a generalização do Tribunal “a quo” em sentido contrário não é válida. Que o Tribunal “a quo”, fundamentando a decisão nos termos em que fundamenta, mediante aquela generalização já de si inválida e, ademais, assente em pressupostos errados, incorreu em vício de fundamentação a implicar a anulabilidade da sentença recorrida (cfr.conclusões 11 e 12 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, um vício de nulidade da sentença recorrida, devido a falta de especificação dos fundamentos de direito da decisão.
Deslindemos se procede a nulidade da sentença suscitada pelo recorrente.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10).
Voltando ao caso concreto, no que se refere à fundamentação de direito da decisão recorrida (constante de fls.83 a 87 do processo físico), conforme exarado acima ela existe, sendo que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme vincado supra, consiste na falta de fundamentação absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, a decisão do Tribunal “a quo” não padece da nulidade acabada de examinar, assim se julgando improcedente este esteio do recurso.
Aduz o recorrente, em segundo lugar e em sinopse, que o Tribunal “a quo” retira a legalidade do acto de penhora de vencimento e salário objecto da presente reclamação, da conclusão de que a suspensão da execução fiscal prevista no artº.23, nº.3, da L.G.T., não impede a penhora, mas somente a execução dos bens dos responsáveis subsidiários. Que é manifesto que a suspensão da execução ao abrigo do mesmo artº.23, nº.3, da L.G.T., impede a penhora, porquanto a penhora não é mais do que a execução dos bens do devedor subsidiário. Que a suspensão está expressamente prevista no citado normativo a partir do termo do prazo de oposição, portanto, a partir de momento anterior a qualquer penhora. Que a sentença recorrida incorre em nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão nos termos previstos no artº.125, nº.1, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 31 a 34 do recurso). Com base em tal asserção pretendendo, segundo percebemos, assacar à decisão do Tribunal "a quo" o vício de nulidade devido a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V. Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11).
Revertendo ao caso dos autos, contemplando a decisão do Tribunal “a quo”, nomeadamente a sua fundamentação de direito, constante a fls.83 a 87 do processo físico, examina a mesma todos os esteios da reclamação apresentados pelo ora recorrente, concluindo, logicamente, pela sua total improcedência. Em sede de dispositivo, julga a presente reclamação improcedente, mais mantendo o acto de penhora reclamado. Pelo que, na citada estrutura não se vislumbra a violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial.
E não se pode concluir o contrário do exame do alegado erro em que o Tribunal “a quo” cai ao mencionar que a suspensão da execução prevista no artº.23, nº.3, da L.G.T., não impede a penhora, mas antes a execução dos bens dos devedores subsidiários, até à completa excussão do património do devedor originário. É que, recorde-se, a decisão recorrida já tinha concluído, em momento anterior, que constituindo o pressuposto para a reversão do processo de execução fiscal em causa nos autos a “inexistência de bens” do devedor originário, que não a “fundada insuficiência”, não será aplicável à situação dos autos a suspensão do processo de execução fiscal a que se alude no artº.23, nº.3, da L.G.T.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico (obscuridade; contradição) na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente também este fundamento da apelação.
Ainda, defende o apelante que a sentença objecto do recurso padece do vício de excesso de pronúncia previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., ao concluir que não seria aplicável ao caso dos autos o artº.23, nº.3, da L.G.T., por a reversão ter sido efectuada com base em alegada inexistência de bens da devedora originária, dado que tal matéria deve ser apreciada no âmbito da oposição que deduziu, mais não constituindo objecto dos presentes autos (cfr.conclusão 35 do recurso).
Examinemos se a sentença objecto do recurso enferma de tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). Por outro lado, deve considerar-se nula, por vício de excesso de pronúncia (“ultra petita”), a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de excesso de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.245/11.8BEMDL; ac.S.T.A-2ª.Secção, 17/12/2019, rec.1247/08.7BEVIS; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª. edição, II volume, 2011, pág.362 e seg.).
"In casu", a sentença recorrida não exorbitou no conhecimento das questões que o reclamante, ora recorrente, suscitou no processo. O exame do citado artº.23, nº.3, da L.G.T., inclui-se no conjunto dos argumentos apresentados pelo mesmo (conforme se pode confirmar, profusamente, das conclusões apresentadas no recurso e supra exaradas) e em que se suporta a decisão judicial concretamente proferida, assim não consubstanciando pronúncia sobre questão que o Tribunal “a quo” não pudesse conhecer.
Concluindo, não se vê que a decisão recorrida tenha caído em pronúncia excessiva e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
Aduz o recorrente, por último e em síntese, que o acto de penhora reclamado, por corresponder a uma decisão da própria A.T. de não suspender a execução, constitui usurpação poderes que cabem em exclusivo ao Tribunal (cfr.artº.212, nº.3, da C.R.P., e 208, nº.1, do C.P.P.T.), do que decorre a nulidade do acto reclamado (cfr.art.161, nº.2, al.a), do C.P.A., “ex vi” artº.2, al.d), do C.P.P.T.). Que o acto de penhora em causa é nulo por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr.artºs.20 e 268, nº.4, da C.R.P.), ou anulável, com fundamento na violação do direito previsto naquelas normas constitucionais e, bem assim, por violação do artº.23, nº.3, da L.G.T., norma que deveria ter originado a suspensão da execução fiscal. Que o acto reclamado foi praticado sem que o seu autor disponha de competência para tal, na medida em que a questão que pretendeu decidir estava, e está, sob apreciação judicial, do que decorre a anulabilidade do acto reclamado (cfr.artº.99, al.b), do C.P.P.T., e artº.163, do C.P.A., “ex vi” artº.2, al.d), do C.P.P.T.). Que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, a implicar a respectiva revogação, na medida em que manteve na ordem jurídica o acto reclamado, com violação das normas por este ofendidas (cfr.conclusões 1 a 10 e 13 a 30 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a sentença do Tribunal “a quo” comporta tal pecha.
Começa o apelante por chamar à colação a figura da usurpação de poderes dado que, defende, o acto de penhora reclamado, por corresponder a uma decisão da própria A.T. de não suspender a execução, constitui usurpação poderes que cabem em exclusivo ao Tribunal (cfr.artº.212, nº.3, da C.R.P., e 208, nº.1, do C.P.P.T.), do que decorre a nulidade do mesmo acto reclamado.
A usurpação de poderes pode definir-se como o vício que consiste na prática por um órgão da Administração de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial. Trata-se de uma pecha que traduz uma violação do princípio da separação de poderes, podendo reconduzir-se ao vício mais lato de incompetência, embora de natureza agravada (cfr.artº.161, nº.2, al.a), do C.P.A.; M. Caetano, Manual de D. Administrativo, Almedina, 1991, I, pág.498 e seg.; D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, 2010, pág.385 e seg.; ac.S.T.A-1ª.Secção, 29/04/2003, rec.43/03).
Revertendo ao caso dos autos, a tese de que o órgão da execução fiscal estava impedido de fazer prosseguir a execução fiscal e praticar o acto reclamado de penhora não tem qualquer apoio legal, assim desconsiderando as normas e princípios legais por que se reje o mesmo processo de execução (cfr.artº.103, nº.1, da L.G.T.; artºs.149 e 150, do C.P.P.T.).
A não ser assim, bastaria a um executado formular um qualquer pedido de suspensão da execução fiscal ao Tribunal tributário, ainda que de modo totalmente anómalo e ao arrepio das regras legais aplicáveis, para conseguir obviar à normal tramitação do processo pelo órgão da execução fiscal e, até, a que ao mesmo fosse retirada uma competência que a lei lhe comete. O legislador não quis esse resultado, nem seria crível que o pudesse querer em face da natureza da execução fiscal, que visa, essencialmente, a cobrança coerciva das dívidas tributárias (cfr.artº.148, do C.P.P.T.) e que está estruturada em termos de prosseguir essa cobrança de modo expedito e rápido, uma vez que os tributos são a principal fonte de receita para ocorrer à satisfação das necessidades públicas tais como definidas pelo poder político.
Certo é que, de acordo com o probatório supra, o órgão de execução fiscal não proferiu qualquer decisão sobre o pedido de suspensão formulado na oposição apresentada pelo ora recorrente, carecendo, por isso, de razão de ser a invocação do vício da usurpação de poderes.
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que o acto de penhora objecto da presente reclamação padeça do alegado vício de usurpação de poder.
Mais defende o apelante que o acto de penhora em causa é nulo por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr.artºs.20 e 268, nº.4, da C.R.P.).
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
No caso concreto, desde logo, a recorrente não densificou, no recurso que veio dirigido a este Supremo Tribunal (cfr.conclusão 20 do recurso), a defendida violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva. Nem este Tribunal conseguiria, se o pretendesse fazer “ex officio”, conhecer de tal vício uma vez que o mesmo não resulta imediatamente apreensível face aos argumentos esgrimidos pelo recorrente (a alegada acção/omissão do Tribunal “a quo”, reportada a outro processo que corre termos no T.A.F. de Braga). Por outras palavras, a falta de concretização/densificação da alegada violação dos preceitos constitucionais invocados impede que este Tribunal emita também uma apreciação individualizada sobre a mesma.
Mais aduz o apelante que o acto de penhora objecto do presente processo é anulável por violação do artº.23, nº.3, da L.G.T., norma que deveria ter originado a suspensão da execução fiscal.
Constituindo o acervo normativo jurídico-tributário um ramo próprio do direito público, o legislador previu um processo de execução fiscal primordialmente direccionado à cobrança dos créditos tributários de qualquer natureza, estruturado em termos mais simples do que o processo de execução comum, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade na cobrança dos créditos, recomendada pelas finalidades de interesse público das receitas que através dele são cobradas (cfr.Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.28).
A penhora consiste numa apreensão de bens e sua afectação aos fins do processo de execução fiscal. Realizada a penhora, o executado continua a poder dispor e onerar os bens penhorados, mas os actos que pratique são ineficazes em relação ao exequente (cfr.artº.819, do C.Civil). A maior parte da doutrina nacional atribui à penhora a natureza de garantia real (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol.II, Coimbra Editora, 1985, pág.106; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 1998, pág.29; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, III Volume, Áreas Editora, 2011, pág.581).
Especificamente, a penhora de abonos ou vencimentos encontra-se prevista no artº.227, do C.P.P.T., normativo que consagra as formalidades a que deve obedecer tal diligência pignoratícia.
Revertendo ao caso dos autos, o funcionamento da regra do artº.23, nº.3, da L.G.T., supõe a existência e o conhecimento de bens penhoráveis no património do devedor originário, ainda que se desconheça a medida da suficiência desse património para a satisfação da dívida exequenda. E, no caso em apreço, como resulta do probatório (cfr.al.B) da matéria de facto), a reversão não se fundou na insuficiência de bens do executado originário mas na inexistência de bens, nos termos do disposto no artº.153, nº.2, al.a), do C.P.P.T., assim não havendo que salvaguardar qualquer benefício de excussão prévia, sendo que o recorrente também não indica quaisquer bens cuja existência no património do devedor originário pudesse determinar a suspensão da execução, nos termos do dito artº.23, nº.3, da L.G.T.
Com efeito, só existindo património conhecido, e tal não resulta dos autos, seria possível cumprir o desiderato da excussão do património do executado originário e de eventuais responsáveis solidários, antes da reversão da execução contra o responsável subsidiário ou, tendo esta já ocorrido, antes do efectivo ataque ao património deste último.
Ainda na perspectiva do recorrente, o processo da execução fiscal não poderia prosseguir contra ele até ao trânsito em julgado da decisão sobre o pedido de suspensão formulado no processo de oposição.
Sucede que, como decorre do disposto no artº.52, da L.G.T., em caso de dedução de oposição, a execução fiscal só fica suspensa se for constituída ou prestada garantia idónea ou, ainda, se o executado for dispensado dessa prestação.
Ora, no caso em apreço, nem foi prestada garantia nem requerida dispensa da sua prestação e, como decorre do que anteriormente se deixou expresso, não logra aplicação o disposto no artº.23, nº.3, da L.G.T.
Assim, inexistindo fundamento legal para a suspensão da execução fiscal, considerando o quadro factual em presença, não podia a execução fiscal deixar de prosseguir, como ocorreu, com a penhora de bens do responsável subsidiário.
Por outro lado, recorde-se que não cabe no âmbito da presente reclamação apreciar a legalidade do acto de reversão, incluindo os pressupostos em que o mesmo se fundamenta.
Releve-se que as questões suscitadas no presente recurso já foram apreciadas por este Tribunal no sentido que ora se propõe, em processos paralelos ao presente, nos quais nos surge o mesmo recorrente e com idênticos fundamentos do recurso (cfr. v.g.ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.892/19.0BEBRG; ac.S.T.A-2ª.Secção, 21/11/2019, rec.895/19.4BEBRG; ac.S.T.A-2ª.Secção, 27/11/2019, rec.890/19.3BEBRG).
Por último, sempre se dirá que este Tribunal não vislumbra, por parte da sentença recorrida, qualquer violação dos artºs.20, 212, nº.3, e 268, nº.4, da C.R.P., 161, nº.2, al.a), e 163, do C.P.A., 23, nº.3, da L.G.T., e 99, al.b), e 208, nº.1, do C.P.P.T., violação essa que o apelante, igualmente, não concretiza nos termos da lei.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. - Joaquim Condesso (relator) - Paulo Antunes - José Gomes Correia.