Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:069/10
Data do Acordão:11/03/2011
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ADÉRITO SANTOS
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
PRESSUPOSTOS
ILICITUDE
Sumário:I - O IFADAP é, nos termos do respectivo estatuto, aprovado pelo DL 344/77, de 19 de Agosto, uma pessoa colectiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, sendo, assim, uma entidade jurídica distinta da pessoa colectiva Estado.
II - Assim, em acção declarativa com processo ordinário, proposta apenas contra o estado Português, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, releva a consideração, apenas, da actuação dos respectivos órgãos e agentes, e já não a consideração dos actos e omissões, atribuídos a órgãos do IFADAP, que não foi chamada e a intervir naquela acção.
III - Conforme as disposições dos artigos 2º, do DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967, e 483, número 1, do Código Civil, são os seguintes os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta lesante e o dano.
IV - Tais pressupostos são de verificação cumulativa, implicando a falta de qualquer deles inexistência do dever de indemnizar.
Nº Convencional:JSTA000P13439
Nº do Documento:SA120111103069
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo:
(Relatório)
1. A……, B……, C…… e marido D……, E……, F…… e G……, todos melhor identificados nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo do Circulo (TAC) de Lisboa, acção de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de Esc. 239.732.850$00 e correspondentes juros legais, a título de indemnização por danos causados por actos de gestão pública de carácter ilícito e culposo.
A fundamentar esse pedido, os Autores alegaram, essencialmente, que, por sentença do tribunal judicial de Setúbal, lhes foi reconhecido o direito à remição do contrato de arrendamento, respeitante a uma porção de terreno, destacado das Sesmarias de Olhos d´Água, sito em ……, freguesia de Pinhal Novo, no concelho de Palmela; por não disporem de meios financeiros para suportar o preço da remição, recorreram ao IFADAP e aos Serviços do Ministério da Agricultura, solicitando a disponibilização de tais meios financeiros, no âmbito dos Fundos de Melhoramentos Agrícolas ou de Reestruturação Fundiária; por não ter sido adequadamente tramitado e decidido tal pedido, viram-se impedidos de remir o arrendamento do referido terreno, no qual nasceram e viveram e que acabou por ser vendido em hasta pública, com vexame público para os Autores, que sofreram, assim, os invocados danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Por sentença, de 14.7.09, proferida a fls. 406 a 421, dos autos, a acção foi julgada improcedente, por falta do pressuposto da ilicitude na actuação/omissão do Réu Estado Português que, em consequência, foi absolvido do pedido.
Inconformados, os Autores vieram interpor recurso dessa sentença, tendo apresentado alegação (fls. 450, ss., dos autos) com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da douta Sentença de 14 de Julho de 2009, proferida nos autos supra identificados, pelo Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, que julgou improcedente por não provada a acção judicial intentada pelos ora Recorrentes contra o Estado Português e, em consequência, absolveu o réu Estado Português do pedido.
II. Entendem os Recorrentes que, relativamente à apreciação jurisdicional ora efectuada, no que concerne à apreciação da delimitação subjectiva da causa (cfr. Capítulo B), Ponto 1. da douta sentença recorrida) e pressupostos de responsabilidade (cfr. Capítulo B), Ponto 3. da douta sentença recorrida), a douta decisão recorrida enferma de vícios de direito, os quais determinam a ilegalidade da douta decisão proferida.
III. Sucede, em primeiro lugar, que a douta sentença recorrida entendeu desde logo desconsiderar, para apreciação dos pressupostos de verificação da responsabilidade extra-contratual peticionada, todos os factos praticados pelos órgãos e agentes do IFADAP, em virtude de esta pessoa colectiva em causa não ter sido indicada como parte passiva na acção, (v. douta sentença recorrida, a fls. 9).
IV. todavia, que não era exigível aos Recorrentes terem demandado o IFADAP, uma vez que, solicitados para os devidos efeitos, nem o IFADAP, nem o Ministério da Agricultura souberam explicitar qual a entidade e o expediente adequado à efectivação do direito à assistência financeira prevista nos termos do art. 6.1 do Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro.
V. Assim, e atendendo a que os Recorrentes apenas recorreram ao IFADAP após consulta efectuada ao Ministério da Agricultura e o factos de os Recorrentes explicitarem correctamente todos os factos praticados quer pelo IFADAP, quer pelo Ministério da Agricultura, é legítimo considerar-se que a responsabilidade do Estado e em particular, do Ministério da Agricultura, que tutelava o antigo IFADAP, se estende à apreciação de todos os factos dados como provados na presente acção.
VI. Pelo que a douta sentença recorrida incorreu, neste particular, em manifesto abuso de direito e violação do princípio pro actione, sendo nessa medida, ilegal.
VII. Sem conceder, acresce que os factos dados como provados consubstanciam da parte do Ministério da Agricultura uma actuação ilícita e culposa, causadora do dano dos Recorrentes, e geradora de responsabilidade civil extra-contratual para o Estado Português.
VIII. Com efeito, sabendo o Ministério da Agricultura que o IFADAP vinha, desde 1995, a inviabilizar e negar a assistência financeira aos Recorrentes, não deu à A., muito menos em tempo útil, como legalmente lhe competia, uma resposta definitiva e certa sobre qual era a entidade competente para, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro, prestar assistência financeira e/ou qual o expediente adequado para o efeito,
IX. Apenas informando a Requerente, através de resposta do Chefe de Gabinete, por fax de 07.01.1999, que poderia ser equacionada a possibilidade de recurso ao crédito PAR através do IFADAP (cfr. al. aa) dos factos dados como provados).
X. E negando aos Recorrentes, em tempo útil, uma resposta clara que pudesse obviar produção do dano que se veio a verificar,
XI. Violando princípios básicos de actuação administrativa, designadamente os P. da Justiça, P. da colaboração da Administração com os particulares e o P. da Decisão ínsitos, respectivamente, nos arts. 6.°, 7.° e 9.° do CPA,
XII. E também o disposto no art. 34.° do CPA, que exigia que ao Ministério da Agricultura uma resposta adequada sobre a competência para efectivação do direito previsto no art. 6.° do Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de Outubro,
XIII. Pelo que a decisão ora proferida incorreu em erro na apreciação dos factos em violação dos preceitos citados, sendo nesta medida ilegal.
XIV. Não temos assim qualquer dúvida que, meramente com base nos factos dados como provados, poderia e deveria ter sido determinado o comportamento ilícito do Ministério da Agricultura, pois que esta entidade, em momento algum, deu cumprimento solicitação dos Recorrentes, ou pelo menos indicou a entidade e o expediente adequado a efectivação do direito legalmente conferido aos mesmos,
XV. Nesta medida, entendemos que, atentas as ilegalidades expostas, e sem prejuízo do melhor entendimento de V. Exas., a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por uma decisão que nomeadamente aprecie os factos praticados pelo IFADAP para efeito da determinação dos pressupostos de responsabilidade civil extra-contratual do Estado Português e de como verificado o pressuposto da ilicitude da actuação do Ministério da Agricultura, analisando em consequência e conformidade, os demais pressupostos da peticionada responsabilidade civil extra-contratual do Estado Português.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências,
como é de Lei e de Justiça!
O Ministério Público, na resposta à alegação dos recorrentes (fls. 467-472, dos autos), formulou as seguintes conclusões:
1. Pretendem as Autoras, com a presente acção, efectivar a responsabilidade civil extracontratual do Estado, alegadamente decorrente de acto ilícito de gestão pública praticado pelos agentes do Estado, regulado no Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.
2. Para que tal responsabilidade se verifique é necessária a ocorrência cumulativa dos seguintes requisitos: acto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o acto (ilícito e culposo) e o dano.
3. Os fundamentos da presente acção são os actos ou omissões atribuídos aos órgãos, funcionários ou agentes do Ministério da Agricultura.
4. Tal comportamento não é gerador de responsabilidade.
5. Por isso, tinham as Autoras que articular, e depois provar, factos donde pudesse resultar, inequivocamente, que o comportamento do Réu Estado era ilícito.
6. Por outro lado, não lograram provar a culpa, nem o nexo de causalidade entre o acto (ilícito e culposo) e o dano.
7. E, assim, relativamente aos danos invocados, os mesmos não são juridicamente relevantes.
8. Daí que não seja possível responsabilizar o Réu Estado, por falta dos aludidos pressupostos.
9. Bem decidiu, pois, a douta sentença recorrida, que no violou as normas legais invocadas pelas Autoras.
10. Assim sendo, deverá ser mantida na íntegra.
Fazendo-se a costumada
JUSTIÇA!
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
a) Em 18 de Janeiro de 1980, os autores interpuseram, no Tribunal da Comarca de Setúbal, uma acção declarativa especial, a que coube o nº 9/80, da 1ª Secção, nos termos do art. 42°, nº 2 da Lei 76/77, de 29.09, na redacção dada pela Lei 76/79, de 3.12, pedindo que, por serem então os rendeiros da parcela de terreno, propriedade dos réus na referida acção especial e nesta identificada, se lhes atribuísse a propriedade da terra arrendada, mediante o preço fixado nos termos do art. 5° do Dec. Lei nº 547/74, de 22.10, autorizando-se o respectivo registo como prédio autónomo na respectiva Conservatória do Registo Predial – doc. 7 a fls. 89.
b) Nesse processo ocorreram incidentes como os de habilitação de herdeiros - cf. 5 apensos de habilitação de sucessores ao processo de Setúbal.
c) Nesse processo por sentença proferida em 13/02/92 aos aqui autores foi declarado o direito de remirem o contrato de arrendamento referente a uma parcela de terreno destacada das Sesmarias dos Olhos d'Água, sito em ……, Pinhal Novo, concelho de Palmela, conforme Certidão Judicial extraída desse Tribunal. – doc. 1 a fls. 60-v°;
d) Tal sentença foi confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15.04.1993 – cf. doc. 10 a fls. sgs.
e) Trata-se de um prédio misto, com a área de 43.370 m2 (4,3370 ha), sito em …, freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, confrontando a norte e nascente com aceiro, a sul prédio de H…; e a poente com prédio de I…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob a ficha nº 01261/270489 da freguesia de Pinhal Novo, e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo 374.
f) Prédio esse que fora dado de Arrendamento por Escritura Pública de 29/10/1899 no Cartório Notarial de Palmela, arrendamento que se foi renovando sucessivamente, com posteriores alterações de renda.
g) As "Sesmarias" constituíam vastas áreas de terra inculta que o proprietário procurava valorizar, dando-as de arrendamento para cultivar – matéria de facto dada como assente na sentença do Tribunal de Setúbal – fls. 61 destes;
h) O terreno dado de arrendamento estava completamente inculto e bravio, coberto de matos e sem qualquer aproveitamento, tendo o mesmo sido desbravado pelo rendeiro, tornando-se produtivo – mesma sentença;
i) O rendeiro transformou a terra de mato em terra de cultura, tornando-a irrigável, plantando-lhe árvores de fruto e construiu casas para sua habitação e para a recolha de animais – idem;
j) O J…, até à data da sua morte, explorou a terra com o seu trabalho – idem;
k) Ao J… sobreviveu a mulher, L…, que continuou a explorar a terra nas mesmas condições – idem;
l) Após o falecimento desta sucederam-lhe os autores que cultivaram e fizeram cultivar a terra despendendo dinheiro com o cultivo e recolhendo resultados do mesmo – idem;
m) A Comissão de Peritos na avaliação judicial levada a cabo nos termos do disposto na Portaria 489/77 de 01/08 atribuiu ao terreno o preço de remição de Esc. 11.493.050$00 – doc. 11 a fls. 129 sgs..
n) A co-autora A… dirigiu um requerimento ao IFADAP, datado de 16/10/95, referindo que tendo a avaliação fixado ao prédio o valor de 11.493.050$00, solicitava a assistência financeira "... para concessão das verbas necessárias à remissão do arrendamento e pagamento da sisa” – doc. 15 a fls. 152/153.
o) Por ofício datado de 12.01.1996 o IFADAP, comunica o indeferimento daquele pedido e informa que "... por força do disposto no nº 1 do artigo 4º da Lei nº 14/78 de 23 de Março, o Fundo de Melhoramentos Agrícolas deixou de efectuar quaisquer novas operações de apoio financeiro” e ainda que, por regulamentação posterior e despacho conjunto publicado em DR II Série "... tendo-se fixado o dia 1 de Agosto de 1979, como a data a partir da qual deixaram de ser aceites novos pedidos de crédito”. – doc. 16 a fls. 155.
p) Em 15.12.1975, os réus naquela acção de Setúbal vieram requerer execução de sentença para pagamento de quantia certa por parte dos aqui autores, no valor dos 11.493.050$00 – cf. apenso "F" ao citado Proc. 9/80;
q) No âmbito delas nomearam à penhora o prédio em causa, e por despacho veio a ser feita uma primeira penhora a 25.03.1996 – fls. 15 desse apenso – que veio a ser levantada, por desistência dos exequentes, mediante despacho de 19.06.1996 – fls. 31.
r) A 19.11.1996 foi ordenada penhora em imóvel a qual veio a ser realizada por termo de 22.11.1996 – fls. 37 desse processo executivo e doc.s 19 e 20 destes.
s) Por requerimento de 21.09.1998 os aqui autores requereram a sustação daquela execução e que fosse dado sem efeito a venda judicial, referindo ainda não terem pago o preço da remissão aos senhorios porque “ … ainda não lhes foi concedida a assistência financeira que o artigo 6º do D. Lei 547/74 prevê, que aos rendeiros seja facultada" – fls. 92/93 do p. executivo;
t) Os exequentes opuseram-se a tal sustação e por despacho de 15.10.1998 foi indeferido o requerido – fls. 97/98 do p. executivo;
u) Por despacho de 18.11.1998, do juiz do processo de execução a correr no Tribunal de Setúbal foi designado para abertura das propostas em carta fechada no "âmbito da venda judicial, o dia 08.01.99 pelas 10h30m – fls. 105 do proc. Executivo e doc. 31 a fls. 203 e 204 destes;
v) A co-autora A…… entregou no IFADAP, dirigido ao Eng. M……, anexando memorando sobre as razões entendidas de que era o IFADAP o competente para a assistência financeira pretendida – doc. 26 a fls. 174, referindo-se no "memorial" a vigência do artigo 6º do D. Lei nº 547/74 e de que era o IFADAP o organismo vocacionado para prestar a assistência financeira.
w) E apresentaram à mesma entidade, requerimento datado de 17.11.1998, referindo que o prédio estava penhorado e com venda eminente, solicitando que ao pedido de atribuição de assistência financeira fosse imprimida a máxima urgência – doc. 27 a fls. 182 e sgs.
x) A autora A…… dirigiu requerimento ao Chefe de Gabinete do Ministro a 11.12.98, sendo nesse mesmo dia informado o IFADAP, nele além do mais refere que o IFADAP "... negou-se a prestar a dita assistência, pois em resposta ao pedido de financiamento por duas vezes formulado a este organismo (em 16.10.1995 e 08.09.1998, respectivamente) foi invocado que não teria transitado para o IFADAP qualquer competência específica nesse sentido (... )" – Doc. 32 a fls. 206/207;
y) Referia ainda que "O problema que se coloca é no entanto saber qual o organismo vocacionado para prestar a referida assistência financeira ..." e
z) Solicitava que ao processo de assistência financeira em causa fosse imprimida a máxima urgência pois da celeridade do procedimento do mesmo depende a sorte de uma batalha judicial que (...) perdura desde 1980 para grande desespero da autora – idem;
aa) Em resposta o citado Chefe de Gabinete por fax de 07.01.1999 remete expediente do IFADAP "... no qual se equaciona a possibilidade de recurso ao crédito PAR para aquisição do prédio rústico em causa". – doc. 34 a fls. 210.
bb) No processo executivo e na data de abertura das propostas – 08.01.1999 – verificou-se ser a mais alta de 15.601.000$00 apresentada por N……, o qual depositou tal preço, na CGD, a 29.01.1999, e paga a sisa, foi-lhe adjudicado o imóvel por despacho de 26.02.1999 – cf. auto de fls. 120 e sgs, fls. 138, 140 e 141° do processo executivo.
cc) Do remanescente do produto da venda receberam os aqui autores o montante de 3.815.650$00 através de precatório-cheque, abatidas que foram as custas do processo – cf. doc.s. 39 e 41 fls. 225 e 228.
dd) Os autores não recorreram contenciosamente das decisões do IFADAP que lhe foram comunicadas, nomeadamente na sequência dos seus requerimentos de 16.10.1995, e de 08.09.1998.
ee) Sem a Assistência Financeira pedida era impossível aos autores efectivar o pagamento da totalidade do prego da remição, fixado em 11.493.050$00. Quesito 2°
ff) Alguns dados e elementos legislativos relativos a "assistência financeira" foram fornecidos à autora A…… por funcionário do Ministério da Agricultura. Quesito 3°;
gg) A autora A…… faz diligências através das quais conseguiu, por intermédio de um contacto pessoal – a Dra. O……, ser recebida junto do Conselho de Administração do IFADAP na pessoa do Sr. Eng. M……. Quesito 4°
hh) Apôs o requerimento de 08.09.1998, mencionado em V) autora foi recebida pelo Sr. Eng. M……, que tomou conhecimento do seu caso e manifestou intenção de diligenciar no sentido do seu encaminhamento. Quesito 5°;
ii) Não havia no IFADAP registos de que tenha dado entrada um pedido da natureza do formulado pelos Autores. Q° 6°;
jj) Após a marcação da venda em hasta pública, em desespero, a co-autora A……, foi recebida pelo Sr. Eng. M…… a quem expôs a sua situação. Q° 11°;
kk) A autora foi informada pelo IFADAP que não estavam legalmente afectos a este tipo de financiamento as verbas comunitárias que o IFADAP geria – Q° 15º;
ll) Foi sugerido à A. A……, no IFADAP, que fizesse uma exposição idêntica que foi apresentada no IFADAP ao Chefe de Gabinete – Sr. Eng. P…… – Q 16°;
mm) O Eng. M…… disse à autora A…… que contactaria com aquele Chefe de Gabinete, a fim de o assunto ser tornado em consideração. – Q. 17°;
nn) A autora A…… apresentou exposição junto do Ministério da Agricultura. Q. 19º;
oo) A autora A…… dirigiu-se ao Ministério da Agricultura a fim de ser recebida o que veio a acontecer. Q.s 25º e 26°;
pp) Foi emitido um comunicado assinado pelo Chefe de Gabinete do Ministro da Agricultura dirigido ao Tribunal de Setúbal a fim se ser sustada a venda judicial. – Q. 37;
qq) O prédio foi vendido em hasta pública por preço inferior ao seu valor real – Q. 40°;
rr) Foi realizada a avaliação, datada de 05.09.1999, constante do doc. 42 a fls. 230-234 dos autos.
ss) Os autores viveram angustiados com a situação, demonstrando ainda a autora A… desespero perante a situação. – Q. 43°;
tt) Foram feitas as legais publicitações, através de jornais, da penhora e venda do prédio, no âmbito do processo do Tribunal de Setúbal. Q. 44°;
uu) Os autores sempre foram considerados pelos que os conhecem pessoas de palavra que honram os seus compromissos e pagam suas dívidas, nada constando ter sido publicado em seu desabono nos meios de imprensa regional – Q. 45;
vv) Tanto a autora B……, como a Autora E……, ficaram abaladas com o desenlace de toda esta situação de verem perdida a terra dos seus antepassados, terra onde nasceram. – Q. 49º;
ww) A autora A…… moveu-se, de forma incansável, durante anos e anos junto das instâncias do Tribunal, Advogados, Peritos, Audiências no IFADAP e Ministério da Agricultura, a fim de resolver a questão do financiamento. – Q. 50º;
xx) As autoras C…… e G…… perderam o berço que as viu nascer e crescer, onde viveram grande parte das suas vidas e onde faleceram os seus familiares. – Q. 51º;
yy) Os autores não efectivaram o recurso ao crédito "PAR” para aquisição do prédio em causa, apesar da informação que lhe foi prestada nesse sentido, nomeadamente como resulta de AA) da matéria assente e acto para que remete. – Q. 52º
3. A sentença recorrida começou por fazer a delimitação subjectiva da causa, vindo a concluir que o apuramento da invocada responsabilidade civil extracontratual do único réu, o Estado Português, não poderia passar pela consideração dos actos e omissões atribuídas ao IFADAP-Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, que é pessoa colectiva de direito público, distinta da pessoa colectiva Estado, e que não foi indicado como parte passiva na acção nem nela foi chamado a intervir, devendo basear-se na consideração, apenas, da invocada actuação, alegadamente ilícita e culposa, do órgãos e agentes do próprio Estado Português, designadamente do Ministério da Agricultura.
E, depois de enunciar os diferentes pressupostos – facto (actuação ou omissão), ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano) – de que depende, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2 e 6, do DL 48. 051, de 21.11.57, e 483, nº 1, do Código Civil, a existência de responsabilidade civil extracontratual por actos de gestão pública, analisou, a luz da factualidade provada, a invocada actuação dos serviços do Ministério da Agricultura, tendo concluído que tal actuação não se revestiu de ilicitude, por não ter implicado violação de qualquer norma legal ou dever de diligência. Daí que, sem necessidade de averiguação da existência dos demais pressupostos daquela responsabilidade civil, tenha julgado improcedente a acção proposta pelos Autores, ora recorrentes, e, por consequência, absolvido o réu Estado Português do pedido formulado.
Os Autores recorrentes, reconhecendo que «configuraram a acção contra o Estado Português», alegam que explicitaram «todos os factos praticados quer pelo IFADAP, quer pelo Ministério da Agricultura, na convicção de ser o Estado Português, em “ultima ratio” o responsável por esta situação de ausência de resposta à pretensão dos recorrentes». Pelo que, segundo defendem, não lhes seria exigível que demandassem também o IFADAP, já que «sempre vislumbraram a actuação, quer do IFADAP quer do Ministério da Agricultura, como uma actuação do Estado».
Porém, como bem salienta a sentença impugnada, «o IFADAP-Instituto Financeiro de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, era (é) uma pessoa colectiva, de direito público, distinta da pessoa colectiva Estado, sendo aquela dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira e património próprio, como resulta do seu Estatuto e do diploma legal que o criou – o D. Lei nº 344/77, de 19.08, mormente no artigo primeiro deste diploma e do artigo 1º dos Estatutos do Instituto».
Assim, sendo o IFADAP pessoa jurídica distinta do réu Estado Português e sendo aquela entidade, para além disso, estranha à acção proposta, por não ter sido indicada como parte passiva nem ter sido chamada a intervir nessa mesma acção, bem andou a sentença recorrida, ao concluir que, apesar de o pedido de indemnização formulado pelos Autores recorrentes ser em grande parte baseado na invocação de actuação dos órgãos e agentes daquela entidade, tal actuação do IFADAP não poderia ser considerada para a determinação da responsabilidade do réu Estado Português, cujo apuramento antes deveria basear-se, apenas, na consideração dos actos e omissões atribuições atribuídas aos órgãos, funcionários e agentes do Ministério da Agricultura.
Para além disso, e ao invés do que também alegam os recorrentes, mostra-se igualmente acertada a decisão, afirmada na sentença recorrida, no sentido de que não existiu ilicitude, na invocada actuação desses funcionários e agentes do Estado.
É o que decorre da análise da matéria de facto que, sem controvérsia, a sentença deu como provada.
Com efeito, recordando o essencial da factualidade apurada, temos que os Autores, ora recorrentes, tendo visto judicialmente reconhecida, em 1993, o direito à remição do contrato de arrendamento do prédio em causa [als. a) a d), da matéria de facto], e obtido, no ano de 1995, através de funcionário do Ministério da Agricultura, elementos sobre a possibilidade de assistência financeira de que careciam para efectivarem tal remissão (al. ff), da matéria de facto e fl. 140, dos autos), requereram ao IFADAP, em 16.10.95, as «verbas necessárias» não só a essa remição do arrendamento como também ao pagamento da sisa (al. n), da matéria de facto). E, apesar de expressamente indeferido esse pedido, em 12.1.96 [al. o), da matéria de facto], os Autores recorrentes, persistiram em reclamar do mesmo IFADAP, sem sucesso, a assistência financeira pretendida [als. v), w), gg) e hh), da matéria de facto], sem que, todavia, tenham impugnado contenciosamente as decisões dessa entidade [al. dd), da matéria de facto].
E só em 12.12.98, estando já designada a venda judicial do prédio em causa, os ora recorrentes, confrontados com as repetidas recusas do IAFADAP e com o problema de «saber qual o organismo vocacionado para prestar a referida assistência financeira», se dirigiram ao Ministério da Agricultura [als. u) e x) a z), da matéria de facto], cujos serviços logo diligenciaram, não só pela sustação dessa venda [al. pp), da matéria de facto] como também pela orientação dos interessados recorrentes, sobre a possibilidade de obterem apoio oficial, através de recurso ao crédito PAR, para aquisição daquele prédio. O que lhes foi comunicado [por fax de 7.1.99 – vd. al. aa), da matéria de facto] em tempo que – como bem pondera a sentença – não pode ser considerado excessivo.
Perante o que carece de fundamento a invocação, pelos recorrentes, de violação dos princípios da justiça e da imparcialidade, da colaboração da Administração com os particulares e da decisão, consagrados nos arts 6, 7 e 9 do Código do Procedimento Administrativo, respectivamente.
Do mesmo modo, as referidas circunstâncias e natureza da solicitação dos recorrentes ao Ministério da Agricultura bem como a resposta que suscitou desta entidade tornam igualmente infundada e, mesmo, descabida a invocação, pelos mesmos recorrentes, de violação do art. 34 do Código do Procedimento Administrativo, que, como indica a respectiva epígrafe, dispõe para os casos de «Apresentação de requerimento a órgão incompetente».
Assim, e como bem julgou a sentença impugnada, não se vislumbra nesta actuação do Ministério da Agricultura violação de qualquer norma legal ou dever que se lhe impusesse respeitar, não se verificando, pois, o requisito de ilicitude, que seria pressuposto necessário de existência da invocada responsabilidade civil extracontratual do Estado.
4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelos Autores, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Lisboa, 3 de Novembro de 2011. – Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – José Manuel da Silva Santos Botelho.