Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01091/12
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS
Sumário: O recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA, como excepcional que é, tem pressupostos ou requisitos de admissibilidade próprios, específicos e exigentes, que não se confundem com os dos demais recursos do CPC e do CPPT, requisitos que não concorrem no caso de o acórdão recorrido ter acolhido e sufragado a orientação jurisprudencial que se encontra consolidada no STA, julgando que o n.º 4 do art. 886.º-A do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal e que a omissão da notificação, ao credor com garantia real, da autorização de venda por negociação particular por um valor inferior ao que fora fixado e anunciado como valor mínimo de venda pelo órgão da execução fiscal, constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda nos termos dos artigos 201.º, n.º 1, e 909.º, n.º 1, al. c), do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P15426
Nº do Documento:SA22013030601091
Data de Entrada:10/19/2012
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 2:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo B………, S.A., na qualidade de credor reclamante, revogando a sentença que havia julgado improcedente o pedido de anulação de venda de imóvel efectuada em processo de execução fiscal e no qual foi adquirente o ora Recorrente, e que, em consequência, anulou todos os actos processuais subsequentes à recepção da proposta para a venda desse imóvel.
1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. Vêm as presentes alegações do Acórdão que julgou o recurso do aqui recorrido B……… procedente, e como tal deferiu o requerimento de anulação da venda, anulando igualmente todos os actos processuais subsequentes posteriores à recepção da proposta para a venda que foi efectuada.
2. Decidiu o Tribunal de primeira instância que: “O invocado art.º 253º alínea a) do CPPT é apenas aplicável na situação de adjudicação do bem vendido mediante propostas por carta fechada. Tendo o Requerente sido notificado que, por falta de propostas por carta fechada, se iria proceder à venda por negociação particular, resulta claro que aquele normativo não é aplicável ao caso em apreço”.
3. Seguindo o raciocínio lógico, tendo havido venda por negociação particular, aplicável será o artigo 249º do Código de procedimento e de processo tributário.
4. Nos presentes autos, desde logo pela matéria dada como provada, não se pode alegar não ter sido o recorrido notificado da venda, da modalidade, e do preço base. Sucede que, não houve propostas, recorrendo-se assim à venda por negociação particular, modalidade essa que foi igualmente notificada ao recorrido.
5. Por outro lado, a notificação da venda particular e as suas especificidades foi feita por éditos e pela internet, que o recorrido só não consultou por inércia.
6. O Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 04/11/2009, processo 0686/09, in http://www.taxfile.pt/file_ bank/news4709_3_1.pdf.) seguiu a posição defendida pelo recorrente, orientando a jurisprudência no sentido segundo o qual: “I - Em processo tributário, a notificação da venda executiva ao credor com garantia real é feita «mediante editais, anúncios e divulgação através da internet», de acordo com o disposto no n.º 1 do 249º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - não havendo aplicação subsidiária dos preceitos do Código de Processo Civil, por inexistir lacuna de previsão legal em tal matéria.
7. O Recorrido sempre se mostrou desinteressado no decorrer do processo de execução fiscal, e apenas em fase posterior à venda, alegou existir irregularidade susceptível de influir no resultado da venda, advogando a aplicação do artigo 886º-A do CPC.
8. No entanto, o Código de Procedimento e de Processo Tributário constitui “lex specialis”, que regula especialmente e contém regras relativas à venda por proposta em carta fechada aplicáveis ao processo de execução fiscal, pelo que inexistem lacunas que permitem o recurso às regras subsidiárias do Código de Processo Civil.
9. Nos termos de Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/11/2009 “Em processo de execução fiscal, a notificação do dia da venda é feita ao credor com garantia real pelo modo por que é feita a todos demais eventuais interessados – isto é, pelo modo previsto no artigo 249.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”
10. Ora, mesmo que o recorrido não fosse citado, o que não sucedeu, pois foi notificado da modalidade da venda, do preço e da alteração da modalidade da venda por falta de propostas, tal não invalidaria a venda já efectuada, uma vez que se cumpriram os requisitos estipulados no artigo 249º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
11. Nesta sequência podemos citar Acórdão desde Tribunal datado de 28/03/2007: “(...) No caso de negociação particular, o legislador fiscal, ao contrário do ordinário, não exigiu que o executado e demais credores aceitassem o comprador ou o preço acordado — artigo 904.º alínea a), do CPC — antes se bastou com a publicação na internet, nos termos definidos pela Portaria n.º 352/2002, de 3 de Abril, do nome ou firma do executado, do órgão onde corre o processo, da identificação sumária dos bens, do local, prazo e horas em que estes podem ser examinados, do valor base do venda e do nome ou firma do negociador, bem como da residência ou sede deste – artigo 252º n.º 3, do CPPT.”. Foi essa a opção do legislador, o que se entende desde logo pelas características de celeridade que reveste o processo de execução fiscal.
12. Mesmo assim não se entendendo, aplicando-se subsidiariamente as regras de publicidade do processo executivo previstas no código de processo civil, ter-se-ia que atender necessariamente ao número 11 do artigo 864º do Código de processo civil, que mormente, pretende acautelar a estabilidade das relações jurídicas, impedindo assim que uma venda, efectuada anos atrás como no presente caso, venha a ser anulada por falta de citação de algum dos interessados.
13. Quanto ao valor da venda do imóvel, trata-se este, em caso de negociação particular de competência do chefe de finanças, que atendendo à falta de propostas e ao cariz célere do processo, tendo em conta a discricionariedade que lhe é permitida, considerou ser o melhor valor possível visando os interesses em causa.
14. Cumpre ainda destacar, por último que, tendo todas as decisões decorrentes no processo cingindo-se à anulação ou não da venda, nenhuma se pronunciou acerca das benfeitorias realizadas pelo recorrente, sendo a anulação de uma venda feita há 8 anos manifesta uma clara violação ao princípio constitucionalmente consagrado da certeza jurídica (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa).
15. Motivo pelo qual, deve proceder o presente Recurso de Revista e como tal ser negado o provimento ao pedido de anulação da venda e actos subsequentes.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso de revista não devia ser admitido, por não se verificarem os respectivos pressupostos, face à posição jurisprudencial que actualmente se encontra consolidada sobre a matéria em discussão neste recurso.

1.4. Colhidos que foram os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que constitui jurisprudência actualmente pacífica nesta Secção de Contencioso Tributário que o recurso de revista excepcional, previsto no artigo 150.º CPTA, é admissível no âmbito do contencioso tributário.

2. Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal

Tal preceito prevê, assim, a possibilidade recurso de revista excepcional para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Razão por que a jurisprudência tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que ele só pode ser admitido nos estritos limites fixados no preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador deixou sublinhado na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VIII e n.º 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ser accionada nos estritos limites do preceito, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador.

Por conseguinte, este recurso só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detectada não perante o interesse teórico da questão, mas perante o seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular.

E como tem sido explicado nos inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, que aqui nos dispensamos de enumerar, a relevância jurídica fundamental deve ser detectada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade (seja em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, seja de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, seja da necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos) ou quando a sua análise tenha suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.

Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando estiver em causa um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e se detecte um interesse comunitário significativo na resolução da questão.

Finalmente, a clara necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito há-de resultar da repetição ou possibilidade de repetição noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito. Pelo que a admissão do recurso terá lugar, designadamente, quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e a decisão nas instâncias esteja ostensivamente errada ou seja juridicamente insustentável, ou se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, tornando-se objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Vejamos se tais requisitos se verificam no caso vertente.
A questão colocada no presente recurso consiste em saber se o acórdão recorrido fez correcto julgamento ao considerar que o órgão de execução fiscal não podia ter autorizado a venda por negociação particular do imóvel por um valor inferior ao que havia fixado e que anunciara como valor mínimo para essa venda, sem disso dar prévio conhecimento ao credor reclamante que detém garantia real sobre o imóvel; e que essa omissão integra uma nulidade processual susceptível de provocar a anulação dessa venda.
Com efeito, o acórdão recorrido julgou procedente o incidente de anulação da venda suscitado pelo credor com garantia real com apoio na orientação jurisprudencial do STA vertida no acórdão proferido em 22/06/2011, no recurso n.º 0353/11, que citou e transcreveu, segundo a qual o nº 6 do art. 886º-A do CPC é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal e a omissão da notificação aí prevista é susceptível de determinar a anulação da venda nos termos do art. 201º do CPC, já que esta anulação depende da ocorrência, relativamente ao acto de venda ou aos actos preparatórios a ela respeitantes, de qualquer omissão de acto ou formalidade prescrita na lei e de a irregularidade cometida poder ter influência na venda.
Foi nesse enquadramento legal que se julgou que «nos presentes autos o valor base da venda por negociação particular havia sido fixado em 135.000,00 €, um valor muito próximo daquele que havia sido reclamado pelo ora recorrente (136.200,78 €), tendo, contudo, o imóvel sido vendido por um valor muito inferior, 83.150,00 €, sem que disso tivesse sido dado conhecimento ao recorrente como se impunha por força do disposto naquele art. 886°-A, n.º 4 (hoje n.º 6) do CPC.
Face aos contornos que delimitam a presente situação concreta, em que o recorrente era credor reclamante e em que o seu crédito sobre o executado teria preferência sobre todos os restantes, o que desde logo resultava da análise superficial de todos os créditos em confronto e que em devido tempo haviam sido reclamados, resulta evidente que a venda do imóvel só a si poderia beneficiar ou prejudicar de forma directa ou imediata, por ser ele quem haveria de ser pago em primeiro lugar pelo respectivo produto.
Tendo-lhe sido anunciado que o valor base da venda era praticamente idêntico ao valor do seu crédito, naturalmente que o recorrente confiou que não veria extinta a garantia de que dispunha sem que se desse pagamento ao seu crédito pelo valor (ou valor próximo) daquele que lhe havia sido anunciado.
No dizer do acórdão anteriormente citado, a falta de notificação do valor real pelo qual o imóvel veio a ser vendido comprometeu o conhecimento regular da causa e, portanto, o julgamento dela: devia ter sido assegurada, e não o foi, a participação da reclamante credora na fase da venda, de modo a proteger os seus interesses, proporcionando-lhe quer o acompanhamento do desenvolvimento processual normal, quer a realização de diligências no sentido de alcançar a melhor proposta possível de venda e evitar ou minimizar a degradação do respectivo preço, garantindo que a venda se realize pelo preço mais alto possível. Não fora a referida omissão e a venda poderia ter sido efectuada a diferente pessoa, por valor superior.
Na verdade, não faz qualquer sentido a venda do imóvel por um valor inferior em cerca de 50.000,00€ relativamente ao valor base fixado, uma vez que o produto da venda seria aplicado praticamente em exclusivo no pagamento do crédito do recorrente, e por essa razão é que este mesmo recorrente deveria ter sido ouvido quanto ao concreto valor, para que melhor pudesse acautelar o seu crédito.».

Ora, salvo o devido respeito, não se antevê qualquer necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito no sentido objectivo que acima se assinalou, já que a jurisprudência que recentemente se consolidou neste Tribunal – sobretudo após o acórdão do Tribunal Constitucional de 28 de Abril de 2010, proferido no processo n.º 1666/2010, publicado no D.R. II série, nº 104, de 28/5/2010, pp. 29660 a 29664 (Tal acórdão do Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do disposto no art. 2º da CRP (princípio do Estado de direito), a norma que resulta das disposições conjugadas da al. e) do nº 1 do art. 2º e nº 3 do art. 252º do CPPT e dos arts. 201º, 904º e al. c), do nº 1 do art. 909º do CPC, quando interpretada “no sentido de dispensar a audição dos credores providos com garantia real nas fases de venda ordenada pelos Serviços de Finanças e, fundamentalmente, quando é ordenada a venda por negociação particular e feita a adjudicação consequente” (cfr. acórdão nº 166/2010 do TConstitucional, de 28/4/2010,) - é precisamente a que se mostra acolhida e sufragada pela decisão recorrida – cfr., entre outros, os acórdãos de 30/04/2008, no proc. n.º 117/08; de 14/07/2008, no proc. n.º 222/08; de 2/04/2009, no proc. n.º 805/08; de 22/04/2009, no proc. n.º 146/09; de 3/11/2010, no proc. nº 244/10; de 7/07/2010, no proc. n.º 188/10; de 23/01/2013, no proc. n.º 667A/12.

Pelo que a admissão da presente revista não é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, ficando, assim, afastada a necessidade de este Tribunal intervir nesse quadro.

E daí, também, a irrelevância jurídica e social da questão que de novo se pretende equacionar e discutir neste recurso, já que a mesma não reveste, face à supracitada jurisprudência consolidada no STA, a necessária relevância jurídica e social fundamental.

Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não se verificam os requisitos de admissão do recurso excepcional de revista expressos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.

3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 6 de Março de 2013. - Dulce Neto (relatora) - Alfredo Madureira - João Valente Torrão.