Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0164/21.0BELRA
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Sumário:O n.º 7 do artigo 196.º do CPPT estabelece um regime prestacional especial relativamente ao previsto nos n.ºs 4 e 5, alargando o limite de prestações até 150, desde que verificadas as condições nele previstas.
Estando em execução uma dívida tributária respeitante a um período anterior ao da homologação do PER, mas vencida posteriormente, a AT não pode indeferir o pedido de pagamento em prestações ao abrigo do n.º 7 do artigo 196.º, com o fundamento de que n.º de prestações apenas poderiam ser aquelas que ainda faltavam cumprir no plano homologado no âmbito do PER.
Nº Convencional:JSTA000P28012
Nº do Documento:SA2202107130164/21
Data de Entrada:06/21/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 . Relatório
1.1. A Administração Tributária e Aduaneira (AT), nos termos dos artigos 280.º a 283.º, todos do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a Reclamação do Ato do Órgão de Execução Fiscal e anulou o despacho que indeferiu o pedido formulado pela Reclamante, ora Recorrida, de pagamento em 150 prestações da dívida respeitante a IVA dos anos de 2015 a 2017, no montante de €873.230,46, e a dispensa de prestação de garantia para suspensão da execução fiscal n.º 1449202001035479 e apensos, do serviço de finanças de Pombal, onde a dívida está a ser cobrada, formulando as seguintes conclusões:
«I. Está em causa, no presente processo, o indeferimento de um pedido de pagamento em 150 prestações (com dispensa de prestação de garantia) de dívida de IVA dos anos de 2015 a 2017, apurada em sede de ação de inspeção que concluiu pela existência de omissões de imposto, exigida no processo de execução fiscal nº 1449202001035479 e apenso, com a quantia exequenda de €873.230,46, pedido formulado pela reclamante em 21/ago./2020.
II. A reclamante, A…………, Lª, foi objeto de um PER – processo 589/18.8T8LRA do Juiz 2 do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – com despacho de homologação de plano de recuperação acordado com os credores, em que o crédito de €5.650,48 da Fazenda Pública, foi reconhecido com amortização em 24 meses.
III. A DSGCT, o serviço da AT com competência legal para decisão sobre os planos prestacionais relativos, entre outros, a sociedades com processos de revitalização, pronunciou-se, inicialmente, no sentido de que as dívidas referidas no requerimento da devedora dizem respeito a dívidas relativas a períodos de tributação anteriores à aprovação do PER (17/ago./2018) e que a implementação de um plano prestacional nos termos do n.º 7, do art.º 196.º do CPPT, conduziria a um número de prestações muito mais reduzido (4) do que as permitidas pelo regime geral (60), atento o facto do plano PER em curso estar já na sua fase terminal e a reclamante só poder beneficiar, no novo plano, do número de prestações ainda por cumprir no plano já implementado.
IV. Foi dada à reclamante a possibilidade de se pronunciar pela manutenção do pedido formulado – 4 prestações - (artigo 196º, nº 7 do CPPT) ou, em caso de incapacidade financeira demonstrada, a formulação de novo pedido, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 196º do CPPT, com um número máximo de 60 prestações.
V. A reclamante pronunciou-se pela manutenção do pedido inicialmente formulado, autónomo relativamente ao plano prestacional acordado no PER e manteve o pedido de pagamento de 150 prestações mensais.
VI. A pretensão da reclamante foi objeto de informação suporte à decisão no sentido do seu indeferimento, sobre a qual foi proferido despacho concordante, baseado no entendimento da AT, de acordo com o qual “a lei confere ao devedor a possibilidade de poder regularizar dívida nova por facto tributário anterior, de acordo em execução, celebrado ao abrigo do PER, nos mesmos termos em que foi o plano homologado e teve a aprovação do credor AT, nomeadamente, quanto ao limite do número de prestações autorizadas, pelo que a AT replica na sua decisão os pressupostos do plano, com as condições que vigoram para o plano vigente, sob pena de outra decisão, poder subverter o espírito e ratio da norma”.
VII. Relativamente às dívidas de IVA, as exigências constantes dos nºs 2 e 3 do artigo 196º do CPPT, são mais estritas comparativamente com dívidas de outros impostos, designadamente as exigências constantes da alínea a), além de que, de acordo com o disposto nos artigos 30º, nº 3, da LGT e 85º do CPPT, sobre, respetivamente, a indisponibilidade dos créditos tributários e a proibição de moratórias, a AT está obrigada ao cumprimento estrito do princípio da legalidade, pelo que não pode o OEF, além do PER, autorizar um plano prestacional de 150 prestações.
VIII. A douta sentença recorrida não teve em atenção nem a natureza da dívida em causa, nem os limites máximos do número de prestações que, no limite podiam ser autorizadas para o seu pagamento, muito embora se refira à possibilidade de autorização de um número mais reduzido de prestações.
IX. O entendimento vertido no despacho de indeferimento objeto da presente ação, de acordo com o qual a reclamante só dispunha de duas opções para o pagamento da dívida – inclusão desta dívida nas 4 prestações subsistentes no plano aprovado e em vigor (cfr. artigo 196º, nº 7 do CPPT), ou, a submissão de um novo plano prestacional autónomo nos termos do regime geral (cfr. artigo 196º, nºs 4 e 5 do CPPT), - tem por fundamento a impossibilidade de o OEF, por modo próprio, sem autorização dos demais credores e do Tribunal que homologou o acordo de credores, modificar o teor de uma sentença judicial.
X. Existindo um acordo de credores e uma sentença homologatória do mesmo, o OEF fica vinculado aos limites (número de prestações e duração do plano) ali determinados (à decisão judicial do PER), no caso concreto, à inclusão da dívida nova nas 4 prestações ainda subsistentes, nos termos do nº 7 do mesmo artigo 196º do CPPT.
XI. No caso em apreço, estava vedado ao OEF alterar unilateralmente um acordo de credores, com alargamento no tempo, por mais de 12 anos (150 prestações), das condições desse mesmo acordo, não tendo, o mesmo OEF que fundamentar uma decisão já previamente decidida por um Tribunal.
XII. Ao decidir que o despacho de indeferimento do pedido de pagamento em prestações, nos fundamentos em que se suporta, carece de suporte legal, a sentença recorrida não fez correta aplicação do nº 7 do artigo 197º do CPPT, ao pretender que da mesma se pode inferir que à AT (OEF) é permitida a alteração unilateral de um acordo de credores devidamente homologado por um Tribunal.
XIII. A interpretação da norma do nº 7 do artigo 197º do CPPT, nos precisos termos que resultam do despacho do OEF não contraria nem o seu elemento literal, nem o teleológico nem o histórico porquanto o OEF propôs à reclamante, no limite da sua competência e nos termos legalmente definidos para dívidas desta natureza, a efetivação de um acordo para pagamento em prestações que foi recusado, além de que, os princípios de direito tributário materializados na proibição de moratórias e de indisponibilidade dos créditos tributários se sobrepõem às normas do CIRE em matéria de recuperação de empresas.
XIV. Ao decidir pela procedência da reclamação consubstanciada na anulação do despacho do Diretor de Serviços da DSGCT, que indeferiu o pedido de alargamento do número de prestações, para 150, da dívida apurada posteriormente à homologação do PER, a sentença recorrida fez errada interpretação das normas dos artigos 30º, nº 2 da LGT, e 85º e 196º, nºs 3, 6 e 7, ambos do CPPT, na medida em que não considerou estar vedado ao OEF/AT, a alteração unilateral, por alargamento do número de prestações acordadas no Processo Especial de Revitalização, devidamente homologado, e, assim, a modificação de uma sentença judicial proferida por Tribunal competente, bem como o não cumprimento, por parte do mesmo OEF dos princípios da indisponibilidade de créditos tributários e proibição de moratórias que resultariam da aprovação de um plano prestacional em condições mais favoráveis relativamente às previstas na lei.
TERMOS em que, com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e decidindo-se pela manutenção do despacho de indeferimento proferido pelo OEF quanto ao alargamento do número de prestações inicialmente acordadas no PER, absolvendo-se a FP do pedido.
Mais R. a V. Excias. que, atenta a simplicidade do presente processo, seja considerado, para efeitos de cálculo da taxa de justiça devida, a aplicação do disposto no nº 7 do artigo 6º do RCP quanto ao limite de €275.000,00.
Assim, será feita a costumada JUSTIÇA!».

1.2. A Recorrida contra-alegou concluindo do seguinte modo:
I – Fundamentando-se o recurso exclusivamente em matéria de direito, nos termos do n.º 1 do art.º 280.º do CPPT devia ter sido interposto para a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo.
II – A violação da regra de competência em razão da hierarquia, determina a incompetência absoluta do tribunal, conforme n.º 1 do art.º 16.º do mesmo código.
III – A incompetência, quer absoluta, quer relativa, do tribunal é uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do art.º 577.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto na alínea e) do art.º 2.º do CPPT.
IV – Exceção que deve ser julgada procedente com todas as consequências legais.
V - O recurso ora interposto pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo a qual julgou procedente a reclamação apresentada nos termos 276.º e seguintes do CPPT e, em consequência, anulou o despacho do Diretor de Serviços da DSGCT que indeferiu um requerimento de pagamento em prestações previsto no n.º 7 do art.º 196.º do referido código.
VI – Não se conformando com a Douta Sentença, a Fazenda Pública veio dela interpor recurso, sendo que, desde já, se afirma que a sentença recorrida não merece censura, na medida em que fez uma correta aplicação do direito, pelo que deverá ser mantida.
VII – A dívida respeita a IVA dos anos de 2015 a 2017, no valor de € 873.230,46.
VIII – A Recorrida foi objeto de um PER com despacho de homologação de plano de recuperação acordado entre os credores, devendo o crédito reconhecido da Fazenda Pública, no valor de € 5.650,48, ser pago até 24 prestações mensais.
IX – As dívidas em causa dizem respeito a factos tributários anteriores à aprovação do PER.
X – Não entraram no PER por as liquidações ainda não estarem efetuadas.
XI – Recorrida está a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo especial de revitalização.
XII - Apresentou um requerimento junto da AT em que pedia o pagamento da dívida em execução num regime prestacional alargado até ao limite máximo de 150 prestações, nos termos do n.º 7 do art.º 196.º do CPPT.
XIII – Esse pedido foi indeferido com base numa informação que dizia que tem sido entendimento da Direção de Serviços que “(…)tal prorrogativa, confere ao devedor a possibilidade de poder regularizar dívida nova por facto anterior, de acordo em execução, celebrado ao abrigo do PER, nos mesmos termos em que foi o plano homologado e teve a aprovação do credor AT, nomeadamente, quanto ao limite do número de prestações autorizadas”.
XIV – Com o devido respeito, no entender da Recorrida, não é esse o espírito nem a letra da lei com o qual também o Meritíssimo Juiz não concordou.
XV – O n.º 2 do art.º 9.º do Código Civil define os limites da interpretação da lei: “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; ou seja, de entre os vários sentidos possíveis que a consideração de todos os elementos de interpretação possa sugerir ao intérprete (ou que resultem de aspetos puramente subjetivos do mesmo intérprete), não poderão ser considerados aqueles que não tenham na letra da lei alguma correspondência, ainda que mínima ou remota.
XVI – O fundamento para o indeferimento do pedido não está previsto na norma nem tem com ela qualquer correspondência.
XVII – Conforme o art.º 55.º da LGT a AT exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade.
XVIII – Princípios também previstos no art.º 266.º da CRP e no art.º 3.º do CPA.
XIX – O princípio da legalidade é inconciliável como poder arbitrário.
XX – Mesmo no poder discricionário, a administração encontra o seu modo de agir condicionado pelo dever de bem escolher, ou seja, de optar pela solução mais justa, oportuna e conveniente, que melhor se adeque ao caso concreto e que seja eficiente para satisfazer a finalidade da lei.
XXI – O poder conferido à AT no n.º 7 do art.º 196.º do CPPT não é um poder arbitrário ou livre e, mesmo podendo ser um poder discricionário, não o pode ser contra a lei ou não ter nela o mínimo acolhimento.
XXII – A Recorrida não pediu que o plano acordado no PER fosse alterado, contrariamente ao que é referido no recurso, mas tão só que o regime prestacional fosse alargado, até ao limite máximo de 150 prestações.
XXIII – Nem o espírito nem a letra da lei preveem que o pagamento da dívida seja incluído no número de prestações que faltam para cumprir o plano acordado no PER.
XXIV – O fundamento que serviu de base ao indeferimento do pedido de alargamento do regime prestacional até ao limite máximo de 150 prestações não tem o mínimo acolhimento nessa norma.
Termos em que, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, carecendo toda a argumentação e respetivas conclusões da Recorrente de qualquer fundamento, deverá ser julgado totalmente improcedente o Recurso de interposto pela Fazenda Pública e deve ser mantida a decisão recorrida, com todas as consequências legais.
Assim fazendo, V. Exas., a tão necessária e costumada
JUSTIÇA!»

1.3. O Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e declarou a competência do Supremo Tribunal Administrativo para o efeito.

1.4. A Magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

2. Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foi efetuado o seguinte julgamento da matéria e facto:
«A. Em 17/08/2018, no processo especial de revitalização que correu termos sob o n.º 589/18.8T8LRA do Juiz 2 do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, em que é devedor a sociedade A…………, Lda., foi proferido despacho de homologação do plano de recuperação acordado com os credores. – (cf. doc. de fls. 29 a 31 dos autos).
B. No plano de restruturação de créditos referido na alínea anterior consta, além do mais, o crédito de € 5.650,48 da Fazenda Pública, como reconhecido e com amortização no período de 24 meses. – (cf. fls. 89 dos autos).
C. Em 13/03/2020 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria elaboraram relatório final do procedimento de inspeção realizada à Reclamante tendo realizado correções em termos de IVA, de que resultou imposto em falta no montante anual total de € 301.169,35 para o ano de 2016 e € 150.726,07 para o ano de 2017. – (cf. fls. 156 a 178 dos autos).
D. Em 04/08/2020 o Serviço de Finanças de Pombal endereçou à Reclamante ofício de citação para o processo de execução fiscal n.º 1449202001035479 e apenso, instaurado por dívida de IVA dos anos de 2015 a 2017, com a quantia exequenda de € 873.230,46. – (cfr. fls. 28 dos autos).
E. Em 21/08/2020 a ora Reclamante requereu ao Diretor da Direção de Finanças de Leiria o pagamento em 150 prestações da dívida respeitante ao processo de execução fiscal n.º 1449202001035479 e apenso e a dispensa de prestação de garantia para a suspensão do processo. – (cfr. fls. 34 a 38 dos autos).
F. Em 16/09/2020 o Serviço de Finanças de Pombal elaborou informação com o seguinte teor: “Tendo sido remetido o presente pedido de pagamento nos termos do n.º 7 do art.º 196.º do CPPT, em prestações à Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários, por ser esta a entidade competente para a sua apreciação, pela mesma foi dada a seguinte indicação:
De facto as dívidas referidas no requerimento da devedora dizem respeito a dívidas relativas a períodos de tributação anteriores à aprovação do plano PER (17/08/2018).
No entanto a implementação de um plano prestacional nos termos do n.º 7, do art.º 196.º do CPPT, conduziria a um número de prestações manifestamente mais reduzido (4) do que as permitidas pelo regime geral (60), atento o facto do plano PER em curso estar já na sua fase terminal e a Devedora só poder beneficiar, no novo plano, do número de prestações que faltam cumprir no plano já implementado.
Termina solicitando que se contacte o contribuinte no sentido de indicar se pretende a manutenção do pedido nos moldes em que foi efectuado, ou seja nos termos do n.º 7 do artigo 196.º do CPPT, em que o número máximo de prestações admissível será de 4.
Assim, a alternativa passará no caso de incapacidade financeira para suportar um plano elaborado nestes moldes, pela reformulação do pedido, podendo o mesmo ser efectuado nos termos do n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, sendo o número máximo de prestações admissíveis de 60 (5 anos) e cabendo a decisão relativamente ao deferimento ou indeferimento do pedido ao órgão de execução fiscal.”. – (cfr. fls. 40 e 41 dos autos).
G. Na mesma data o Chefe do Serviço de Finanças de Pombal determinou a notificação da Reclamante para “indicar se pretende a manutenção do pedido nos moldes em que foi efectuado, ou, em alternativa, a reformulação do mesmo de acordo com o n.º 5 do art.º 196.º do CPPT, conforme consta da informação prestada”. – (cfr. fls. 40 dos autos).
H. Em 25/09/2020 a Reclamante remeteu ao Chefe do Serviço de Finanças de Pombal requerimento informando que mantém o pedido inicialmente formulado, acrescentando que o requerimento em apreciação é autónomo em relação ao plano prestacional acordado no plano de recuperação da empresa, pelo que deve ser apreciado de uma forma independente e reiterando o pedido de pagamento em 150 prestações mensais. – (cfr. fls. 42 a 44 dos autos)
I. Em 30/09/2020 a Direção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários elaborou informação com o seguinte teor:
I.
A Devedora, através de requerimento datado de 21/08/2020, vem solicitar o pagamento da dívida referente ao PEF 1449202001035479 e seu apenso (1449202001035550), em 150 prestações, ao abrigo do n.º 7 do art.º 196.º do CPPT.
Mais informa que:
a) o valor de tal dívida ascende a € 879.829,91 e diz respeito a IVA referente aos anos de 2015 a 2017, juros de mora e custas;
b) o PER no qual o plano especial de revitalização foi aprovado e homologado, por sentença de 17/08/2018, correu termos sob o n.º de processo 589/18.8T8LRA;
c) a AT aprovou e implementou o plano prestacionai, no âmbito do PER, que se encontra em curso.
II.
Consultada a informação disponível neste Serviço, verifica-se o seguinte:
1) O Tribunal Judicial de Leiria, através de anúncio publicitado no portal "Citius", no dia 20/08/2018, avisou da homologação do plano de revitalização (sentença de 17/08/2018);
2) A AT votou a favor do plano de revitalização: Proc. 647020186472011436;
3) Nesse âmbito, foi implementado o plano de pagamento prestacional n. 14492018.155, que se encontra em dia, tendo já sido pagas 20 das 24 prestações autorizadas;
4) De facto foram instaurados, em 21/05/2020 e 25/05/2020, os PEF's a que a devedora faz referência no seu requerimento, dizendo respeito ao imposto, período de tributação e valores por si referidos.
O n.º 7, do art.º 196.º do CPPT rege o seguinte:
“Quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5."
IV. Ora:
a) os PEF's a que a Devedora faz referência no seu requerimento dizem respeito a dívidas relativas a períodos de tributação anteriores à aprovação do plano PER (17/08/2018);
b) contudo, a implementação de um plano prestacional nos termos do n.º 7, do art.º 196.º do CPPT, conduziria a um número de prestações manifestamente mais reduzido (4) do que as permitidas pelo regime geral (60), atento o facto do plano PER em curso estar já na sua fase terminal e a Devedora só poder beneficiar, no novo plano, do número de prestações que faltam cumprir no plano já implementado.
V.
Uma vez que:
a) a dívida relativa aos PEF's referidos no requerimento da Devedora é anterior à data da aprovação do plano de revitalização, não estando incluída em plano prestacional implementado no âmbito do PER,
b) a Devedora demonstra a indispensabilidade de acordar um plano prestacional, atenta a sua condição de Revitalizante;
c) os riscos inerentes à recuperação do crédito o tornam recomendável,
d) o regime geral de regularização dos créditos tributários permite soluções mais favoráveis ao interesse da Devedora do que a por si peticionada, foi devolvido o requerimento da Devedora ao respetivo órgão de execução fiscal (DF de Leiria) para que este, junto da Devedora, indagasse se esta, de facto, pretendia um plano prestacional nos termos do n.º 7, do art.º 199.º do CPPT, em 4 prestações, ou se não quereria a aplicação do regime geral e a implementação de um plano prestacional a decidir por esse órgão.
VI
Em resposta aquela interpelação a Devedora, através de requerimento, veio reiterar o seu pedido de elaboração de um plano prestacionai, nos termos do n.º 7, do art.º 196.º do CPPT, em 150 prestações, alegando, em síntese, o seguinte:
a) que só o pagamento em 150 prestações satisfaz os interesses de recuperação da empresa;
b) que não concorda com a interpretação dada pela AT ao disposto no n.º 7, do art.º 196.º do CPPT, designadamente porque se trata de um pedido autónomo em relação ao plano prestacional PER e que dessa disposição legal não resulta que a Devedora apenas possa beneficiar, no novo plano, do n.º de prestações que faltam cumprir do plano PER em curso, não prevendo qualquer redução no n.º de prestações mas, isso sim, que o regime prestacional possa ser alargado até 150 prestações.
Assim, porque a Devedora reiterou que apenas pretende o deferimento de um plano prestacional "em 150 prestações", não aceitando o entendimento da AT de que apenas poderá beneficiar, no novo plano, do número de prestações que faltam cumprir no plano prestacional (PER) já implementado, proponho que seja comunicado à Devedora o indeferimento do pedido.”. – (cfr. fls. 54 a 56 dos autos).
J. Em 30/09/2020, sobre a informação descrita no ponto antecedente recaiu o seguinte parecer:
Confirmo.
Determina a Lei que quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo especial de revitalização, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5.
Contudo, como vem sendo entendimento desta DS tal prorrogativa, confere ao devedor a possibilidade de poder regularizar dívida nova por facto tributário anterior, de acordo em execução, celebrado ao abrigo do PER, nos mesmos termos em que foi o plano homologado e teve a aprovação do credor AT, nomeadamente, quanto ao limite do número de prestações autorizadas.
Em consequência, na faculdade (e não imposição) que a lei lhe atribuiu, a AT replica na sua decisão os pressupostos do plano, com as condições que vigoram para o plano vigente, sob pena de outra decisão, poder subverter o espírito e ratio da norma. À consideração superior.”. – (cf. fls. 52 e 53 dos autos).
K. Em 02/10/2020 o Diretor de Serviços da DSGCT proferiu o seguinte despacho: “Concordo. Proceda-se como proposto.”. – (cf. fls. 51 dos autos).
L. Na mesma data a DSGCT – Insolvências, no âmbito do assunto “PER – A…………, LDA., NIPC ……… - Artº 196º, nº 7 do CPPT” remeteu por correio eletrónio a B…………@C………….pt a seguinte missiva:
Exmos Senhores,
Em resposta ao pedido de implementação de plano prestacional "de 150 prestações", nos termos do nº 7, do artº 196º do CPPT, apresentado pela empresa referida em assunto, através de requerimento, no dia 21/08/2020, reiterado através de carta em resposta ao ofício nº 906-JT, de 16/09/2020, remetido pelo SF de Pombal, comunica-se que o mesmo foi indeferido.
Na verdade, determina a Lei, nomeadamente o nº 7, do artº 196º do CPPT, que quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo especial de revitalização, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5.
Contudo, como vem sendo entendimento desta Direção de Serviços, tal prorrogativa, confere ao devedor a possibilidade de poder regularizar dívida nova por facto tributário anterior à decisão de acordo em execução, celebrado ao abrigo do PER, nos mesmos termos em que foi o plano homologado e teve a aprovação do credor AT, nomeadamente, quanto ao limite do número de prestações autorizadas.
Em consequência, na faculdade (e não imposição) que a lei lhe atribuiu, a AT replica na sua decisão os pressupostos do plano, com as condições que vigoram para o plano vigente, sob pena de outra decisão, poder subverter o espírito e ratio da norma.(…).” – (cfr. fls. 271 dos autos).
M. Na mesma data B………… remeteu correio eletrónico para a DSGCT – Insolvências informando, além do mais, não compreender o alcance da informação recebida pois não se trata de nenhuma notificação nem faz referência ao despacho nos termos legais. – (cf. fls. 294 a 296 dos autos).
N. Em 07/10/2020 a DSGCT – Insolvências remeteu a B………… correio eletrónico com o seguinte teor:
“(…) Na sequência do pedido efetuado pelo contribuinte acima identificado (…) ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 196.º do CPPT (…) fica por este meio notificado do despacho proferido em 02/10/2020 pelo Sr. Diretor de Serviços da DSGCT e que se junta em anexo.
Mais fica notificado para, querendo, reclamar no prazo de 30 dias nos termos fundamentos e efeitos previstos nos artigos 276.º e 277.º do referido código (…).”. – (cfr. fls. 294 dos autos).
O. Em 29/10/2020 a Reclamante remeteu à Direção de Finanças de Leiria, por carta registada, a petição inicial da presente Reclamação. – (cf. fls. 116 e informação de fls. 119 dos autos).
P. Com data de 08/11/2020 remeteu à Reclamante através de correio eletrónico Via CTT, notificação de que por despacho de 02/10/2020 o pedido de pagamento em prestações formulado em 25/08/2020 foi indeferido, rececionado em 09/11/2020. – (cfr. docs. de fls. 288 a 290 dos autos).
**
2. Factos não provados
Inexistem factos cuja não prova releve para a decisão da causa.»

3. Fundamentação de Direito
3.1. A questão que se coloca no presente recurso é saber se a sentença recorrida errou o julgamento ao anular o despacho da AT que indeferiu o pedido da ora Recorrida de pagamento em prestações (150), formulado ao abrigo do n.º 7 do artigo 196.º do CPPT, de uma dívida que respeita a um período anterior à homologação do Plano Especial de Revitalização (PER) de que foi objeto, e se interpretou indevidamente as normas dos artigos 30.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT), 85.º e 196.º, n.ºs 3, 6 e 7, ambos do CPPT, na medida em que, nas palavras da Recorrente, não considerou estar vedado ao órgão de execução fiscal a alteração, unilateral, por alargamento do número de prestações acordadas no PER, devidamente homologado, e, assim, a modificação de uma sentença judicial proferida por Tribunal competente, bem como o não cumprimento por parte dos órgãos de execução fiscal dos princípios da indisponibilidade de créditos tributários e proibição de moratória que resultariam da aprovação de um plano prestacional em condições mais favoráveis relativamente às previstas na lei.

3.2. O despacho sindicado da AT indeferiu o pedido formulado pela executada, ora Recorrida, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 196.º do CPPT, de pagamento em 150 prestações da dívida de IVA dos anos de 2015 a 2017, no valor de €873.230,46, apurada em sede de ação de inspeção e que está a ser cobrada no processo de execução fiscal n.º 1449202001035479 e apensos do serviço de finanças de Pombal.
As dívidas em causa dizem respeito a factos tributários anteriores à aprovação PER de que a Recorrida foi objeto, homologado por despacho de 17/08/2018, no Processo Especial de Revitalização, que correu termos sob o n.º 589/18.8T8LRA do Juiz 2 do Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca e Leiria, em que um crédito de €5.650,48 da Fazenda Pública, foi reconhecido com amortização em 24 meses.
Sendo estes os factos relevantes a considerar para a decisão a proferir, sobre os quais não há divergências entre as partes, deles se concluiu sem margem para dúvidas que a dívida que está a ser cobrada coercivamente no processo executivo não está abrangida pelo Plano homologado em 17/08/2018.

3.3. O artigo 196.º do CPPT, com a epígrafe, “Pagamento em prestações e outras medidas”, dispõe:

«1 - As dívidas exigíveis em processo executivo podem ser pagas em prestações mensais e iguais, mediante requerimento a dirigir, até à marcação da venda, ao órgão da execução fiscal. (Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

2 - O disposto no número anterior não é aplicável às dívidas resultantes da falta de entrega, dentro dos respetivos prazos legais, de imposto retido na fonte ou legalmente repercutido a terceiros, salvo em caso de falecimento do executado. (Redação da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro; em vigor a partir de 1 de julho de 2021)

3 - É excecionalmente admitida a possibilidade de pagamento em prestações das dívidas referidas no número anterior, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou criminal que ao caso couber, quando: (Redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)

a) O pagamento em prestações se inclua em plano de recuperação no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou em acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas em execução ou em negociação, e decorra do plano ou do acordo, consoante o caso, a imprescindibilidade da medida, podendo neste caso haver lugar a dispensa da obrigação de substituição dos administradores ou gerentes, se tal for tido como adequado pela entidade competente para autorizar o plano; ou (Redação da Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto)

b) Se demonstre a dificuldade financeira excecional e previsíveis consequências económicas gravosas, não podendo o número das prestações mensais exceder 24 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização. (Redação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

4 - O pagamento em prestações pode ser autorizado desde que se verifique que o executado, pela sua situação económica, não pode solver a dívida de uma só vez, não devendo o número das prestações em caso algum exceder 36 e o valor de qualquer delas ser inferior a 1 unidade de conta no momento da autorização. (Redação anterior à da Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro).

5 - Nos casos em que se demonstre notória dificuldade financeira e previsíveis consequências económicas para os devedores, poderá ser alargado o número de prestações mensais até 5 anos, se a dívida exequenda exceder 500 unidades de conta no momento da autorização, não podendo então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta. (Anterior n.º 6 - Renumerado pela ​ Lei n.º 53-A/2006, de 29/12)

6 - Quando, para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou de acordo a sujeitar ao regime extrajudicial de recuperação de empresas do qual a administração tributária seja parte, se demonstre a indispensabilidade da medida, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior. (Redação da Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto)

7 - Quando o executado esteja a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas, e demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional relativo a dívida exigível em processo executivo não incluída no plano ou acordo em execução, mas respeitante a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo, e ainda quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado, até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do n.º 5. (Redação da Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto)
(…)»

3.4. O n.º 7 do artigo 196.º do CPPT estabelece um regime prestacional especial relativamente ao previsto nos n.ºs 4 e 5, alargando o limite de prestações até 150 (o n.º 4 apenas admite 36 prestações e no n.º 6 o limite é de 60), estabelecendo as condições em que o mesmo pode ter lugar: i) é aplicável quando o executado está a cumprir plano de recuperação aprovado no âmbito de processo de insolvência ou de processo especial de revitalização, ou acordo sujeito ao regime extrajudicial de recuperação de empresas; ii) é necessário que o executado demonstre a indispensabilidade de acordar um plano prestacional; iii) a dívida exigível no processo executivo não foi incluída no plano ou acordo em execução, mas respeita a facto tributário anterior à data de aprovação do plano ou de celebração do acordo; iv) os riscos inerentes à recuperação dos créditos devem torná-lo recomendável.

Devem ainda ser observadas das condições previstas na parte final do n.º 5, ou seja, a dívida exequenda terá de exceder 500 unidades de conta no momento da autorização e não podem então nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta.

3.5. Ora, a situação da Recorrida enquadra-se na previsão da norma na medida em que está a cumprir um plano de recuperação aprovado no âmbito de Processo Especial de Revitalização (PER) e a dívida exigível em processo executivo não foi incluída no plano em execução, mas respeita a facto tributário anterior à data de aprovação desse plano. Por outro lado, a dívida exequenda, no montante de €873.230,46, excede as 500 unidades de conta (500 x €102).

3.6. Restava à AT analisar o pedido formulado com os filtros que o legislador entendeu atribuir-lhe para a defesa do interesse público: avaliação da indispensabilidade de acordar um plano prestacional, mais concretamente, verificar se os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornavam recomendável, circunstâncias que, no entanto, a AT considerou verificadas (factos provados “I” e “J”).

3.7. A AT acaba, assim, por indeferir o pedido de pagamento em 150 prestações por entender que “a implementação de um plano prestacional nos termos do n.º 7, do artº 196.º do CPPT, conduziria a um número de prestações manifestamente mais reduzido (4) do que as permitidas pelo regime geral (60) atento o facto do plano PER em curso estar já na sua fase terminal e a Devedora só poder beneficiar, no novo plano, do número de prestações que faltam cumprir no plano já implementado” (facto provado “I”)
Ou seja, a AT entendeu que ao abrigo do n.º 7 apenas poderia encaixar a nova dívida no plano de prestações em curso homologado no âmbito do PER, mas apenas nas prestações que ainda faltavam pagar, que eram então apenas 4, e que esta não era a melhor solução para o executado, que podia beneficiar, ao abrigo do regime geral (n.º 5) de 60 prestações. Como o executado, depois de ouvido pela AT que lhe expôs aquela sua avaliação, manteve o propósito de ver o requerimento decidido ao abrigo do n.º 7, a AT indeferiu o pedido.

3.8. O entendimento da AT não tem qualquer apoio na letra da lei, que não fala em ajustar a nova dívida ao plano de pagamento em prestações que estiver em curso. Ora, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil).

3.9. Por outro lado, não faz sentido dar a possibilidade à AT “de estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações” e, depois, na prática, na presença de um Plano homologado, na interpretação da lei que defende, a sua atuação ficar limitada a encaixar a nova dívida nas prestações antes aprovadas e ainda por cumprir. Até porque as diferenças de valores das dívidas em causa, a que integrou o Plano e a nova, podem justificar planos de prestações diferentes. Se 24 meses pode ser ajustado à amortização de uma dívida €5.650,48, como aconteceu, e foi homologado, poderá ser desadequado quando a dívida é de €873.230,46.

3.10. A atual redação do n.º 7 do artigo 196.º do CPPT foi introduzida pela Lei n.º 100/2017, de 28 de agosto. Antes apenas estava previsto no n.º 6, um regime prestacional alargado (às 150 prestações) quando o contribuinte estivesse “no âmbito de um plano de recuperação económica legalmente previsto” (na redação anterior àquela lei), ou, na atual redação “…para efeitos de plano de recuperação a aprovar no âmbito de insolvência ou de processo especial de revitalização …”.

Entendeu o legislador em 2017 que seria de dar igual tratamento às dívidas, quer sejam incluídas no plano especial de revitalização (n.º 6), quer não sejam, porque então não podiam, mas respeitem ao mesmo período de tributação anteriores à aprovação do PER (n.º 7). Porque só assim, considerando toda a realidade tributária anterior ao PER, se poderia cumprir a finalidade do processo de revitalização previsto no artigo 17-º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, de permitir a revitalização da empresa que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que seja suspeitável de recuperação.

A interpretação defendida pela AT não respeita esta intenção, ao fazer defender, sem respaldo na letra da lei, repete-se, que a nova dívida tem de se encaixar no número de prestações aprovado e ainda por cumprir.

3.11. A Recorrente na conclusão VII invoca o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 196.º do CPPT que estabelece exigências mais restritas para o pagamento em prestações quando em causa estão dívidas de IVA relativamente aos demais impostos. Contudo, tal matéria não foi invocada na decisão reclamada e que indeferiu o pedido de pagamento em prestações. Aliás, a AT contradiz-se ao chamar à colação aquelas normas, pois é a própria AT que sugere ao executado a apresentação do pedido ao abrigo do regime geral previsto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 196.º do CPPT, afastando, portanto as normas dos n.ºs 2 e 3 respeitantes.

3.12. Por outro lado, é incompressível a convocação pela Recorrente do artigo 30.º, n.º 3 da LGT, pois não está em causa a sua redução ou extinção da dívida, mas o seu pagamento em prestações. Pagamento em prestações que estando previsto na lei não viola o também convocado artigo 85.º do CPPT, que proíbe as moratórias ou a suspensão das execuções, mas apenas fora dos casos previstos na lei.

3.13. Para a Recorrente o pagamento em prestações a que se reporta o n.º 7 tem de encaixar no número de amortizações previsto e ainda não cumprido no Plano, sob pena de estar de modo próprio, sem autorização dos demais credores e do Tribunal que homologou o acordo de credores, a modificar o teor uma sentença judicial.
Acontece que é a interpretação da AT que conduz à modificação unilateral da sentença, pois quer nela encaixar valores que não foram tidos em conta pelos demais credores, nem pelo Tribunal aquando da homologação do Plano.

O pedido de pagamento em prestações ao abrigo do n.º 7 terá que ser contemporâneo do PER, mas está para além dele. De notar que a existência do PER não impede que seja instaurada execução fiscal para cobrança de uma dívida anterior à homologação do Plano, mas que se vença depois (n.º 6 do artigo 180.º do CPPT). No caso as dívidas em execução, não obstante se reportarem a fatos tributários anteriores à homologação do Plano, apenas se venceram depois, isto é, apenas puderam ser exigidas pelo credor, a AT, posteriormente, na sequência da ação de fiscalização e consequente liquidação. Ou seja, as liquidações ainda não tinham sido efetuadas aquando da homologação do Plano. Ora, um crédito considera-se vencido quando puder ser exigido pelo credor – cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/02/2012, processo n.º 0885/11.

3.14. Como é referido na sentença recorrida o n.º 7 do artigo 169.º do CPPT, permite o alargamento do plano prestacional até às 150 prestações. Mas tal não significa que com base nos fundamentos invocados pelo executado e considerando a prova efetuada não seja autorizado um número de prestações inferior a esse limite legal, mas de forma objetivamente justificada, o que não sucedeu.
Ou, nas palavras da Recorrida, nos termos do artigo 55.º da LGT, a AT exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com o princípio da legalidade, princípios previstos no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa, artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo. O poder discricionário da AT encontra o seu modo de agir condicionado pelo dever de bem escolher, ou seja, de optar por uma solução mais justa, oportuna e conveniente, que melhor se adeque ao caso concreto e que seja eficiente para satisfazer a finalidade da lei. O poder conferido n.º 7 do artigo 196.º do CPPT não pode ser exercido pela AT contra a lei ou sem que nela tenha qualquer acolhimento, como aconteceu no caso.

E tendo assim sido decidido pela sentença recorrida, o recurso não merece provimento.

3.15. Atenta a complexidade da questão, que não se ergue acima da média, e o comportamento das partes, que se pautou pela colaboração e pela boa-fé, entende-se ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça – artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

4. Decisão
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 13 de julho de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.