Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01096/11
Data do Acordão:02/29/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IVA
CONTRATO ADMINISTRATIVO
SUJEITO PASSIVO
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
MUNICÍPIO
Sumário:I – Tendo o recorrente-município construído um Estádio de Futebol, no âmbito das suas actividades de fomento e desenvolvimento do desporto e actividade desportiva e com o apoio de financiamentos de entidades públicas por ocasião do Euro 2004, tal não lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IVA, nos termos do artº 2º do CIVA, antes se configurando como um consumidor final.
II – Sendo assim, o contrato de cedência ao A…… do referido Estádio, mediante uma renda simbólica (esta estabelecida por aditamento posterior ao respectivo contrato de cedência, passado um ano) não lhe confere o direito a dedução do IVA suportado com a construção do Estádio, até porque este contrato reveste mera natureza administrativa, não configurando também qualquer operação económica sujeita a IVA.
Nº Convencional:JSTA00067451
Nº do Documento:SA22012022901096
Data de Entrada:11/30/2011
Recorrente:MUNICÍPIO DE BRAGA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART63
LGT98 ART38 N2
CIVA84 ART2 ART19 ART22
DL 159/99 DE 1999/09/14 ART21
Referência a Doutrina:PEDRO GONÇALVES O CONTRATO ADMINISTRATIVO PAG57
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – O Município de Braga, veio recorrer da decisão da Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial, deduzida contra o despacho do Director Geral dos Impostos de 14/11/2008 que lhe indeferiu o pedido de reembolso de IVA referente ao ano de 2004, no montante de € 5 506 057, 29, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
Iª). Resulta dos princípios e normas subjacentes às decisões jurisprudenciais do TJUE invocadas nas presentes alegações, que o Município de Braga, ao ceder, através do contrato em apreço, o Novo Estádio Municipal (que é um bem do seu domínio privado), com o intuito de o rentabilizar (entenda-se, receber receitas pela cedência e não ter que suportar os encargos decorrentes da sua gestão corrente), para o A…… organizar jogos de futebol profissional (atividade lucrativa), operou uma “atividade económica”, agindo como um verdadeiro sujeito passivo de IVA, para efeitos do artigo 9º da Diretiva IVA.
IIª). O que define um ato como “ato de autoridade pública” é o ato em si, os seus pressupostos e efeitos jurídicos, o facto de o mesmo ter sido praticado no âmbito do ius impeii próprio dos poderes de autoridade, e não causas extrínsecas ou estranhas ao ato, como se pretende na decisão recorrida.
IIIª). O facto do Município de Braga ter atribuições na área do planeamento desportivo, construção e gestão de infraestruturas desportivas apenas legitima, do ponto de vista do princípio da legalidade, a construção e gestão do Novo Estádio Municipal, mas não qualifica automaticamente — como se pretende na decisão recorrida - como ato de gestão pública o contrato em análise.
IVª). O contrato em apreço foi celebrado por razões de racionalização económica (razões de gestão em sentido estrito), de cedência de um bem do domínio privado do Município, sob pagamento de uma renda e assunção, pelo clube contratante, dos custos da gestão corrente do bem, tratando-se, por isso, de um ato de comércio, próprio do direito privado.
Vª). Clubes de futebol, associações, autarquias têm um verdadeiro mercado de troca (alugueres) de campos de futebol de onze, sendo que o próprio A……. aluga campos e estádios a outros clubes do concelho para jogos e treinos, a autarquia de Braga possui mais dois campos (estádios) que aluga e cede gratuitamente a clubes do concelho. Ou seja, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, existe um verdadeiro mercado para a prestação dos serviços em causa, isto é, para a cedência de campos e estádios de futebol.
VIª). O artigo 63º do CPPT é uma norma de direito processual, pelo que a argumentação constante da decisão recorrida não pode convencer. Na verdade, a Diretiva IVA preceitua sobre normas e princípios relativos a incidência, isenção, matéria colectável e outras matérias de direito substantivo, isto é, não dispõe sobre questões processuais, tais como prazo de prescrição, de caducidade, formalismos inspectivos, exercício do contraditório, etc.
VIIª. Entender-se que o artigo 63º, ao exigir um procedimento próprio, para a aplicação de disposições anti-abuso, restringe a aplicação das normas e princípios da Diretiva IVA é o mesmo que entender que o artigo 45º da LGT, ao impor um prazo de caducidade na liquidação do IVA, restringe e limita a aplicação do direito comunitário relativo a este imposto, já que, como se referiu, a Diretiva IVA não contém normas sobre caducidade, prescrição, exercício do contraditório, etc., mas sim normas e princípios de direito substantivo (incidências, isenções, matéria colectável, conceitos, etc...).
VIIIª). Não tendo a Administração Fiscal seguido o procedimento previsto no artigo 63º do CPPT, os atos de liquidação e atos de correcção posteriores fundamentados no relatório da inspecção fiscal (aberto para além dos 3 anos após a cláusula alegadamente abusiva) são ilegais e devem ser anulados.
IXª). O conceito de prática abusiva decorrente da jurisprudência do TJCE, em especial no Ac. Halifax, transporta consigo, indisputadamente, um abuso de formas na medida em que o juízo de abuso (ou a sua hipótese) emana de um complexo de operações motivado exclusivamente por razões fiscais. Quer dizer, não fora a perseguição de vantagens fiscais, não se estaria perante um complexo de operações.
Xª). Esta conclusão sai ainda reforçada pela circunstância de o Tribunal sempre afastar do conceito de práticas abusivas o exercício de uma opção fiscal que, para além de ser legítima, nos coloca no plano das alternativas do contribuinte entre uma operação ou outra, por oposição a um complexo de operações.
XIª). Para melhor se ilustrar esta ideia, bastará que atentemos no seguinte exemplo: não há dúvidas de que uma renúncia à isenção, tal como prevista entre nós no art.º 12.º do Código do IVA, não constitui uma prática abusiva, mas antes o exercício legítimo da chamada “opção fiscal” ou do exercício de um “direito de escolha de natureza fiscal”.
Não obstante, tal opção pode comportar por um lado, a obtenção de um benefício fiscal que gere um desequilíbrio na neutralidade do imposto (na medida em que o imposto a cuja dedução se tem direito pode ser muitíssimo superior ao imposto a gerar na actividade tributada) e, por outro lado, é óbvio que existe uma inequívoca motivação fiscal na escolha empreendida pelo contribuinte. Ora aqui seria incompreensível uma qualquer “censura” — o legislador assim mesmo o quis.
XIIª). Com efeito, nestas circunstâncias, o TJCE não tem qualquer pejo em afirmar que não está em causa uma prática abusiva. E, sublinhe-se, pode dar-se o caso de o desequilíbrio entre o imposto legitimamente deduzido e o imposto gerado na actividade tributada ser drástico, o que é já suficiente para afastarmos a ideia de que “o desequilíbrio na neutralidade do imposto” radica exclusiva e forçosamente nesta estrita relação financeira ou economicista.
XIIIª). Questão diversa é aquela, como a que o Tribunal enfrentou no Ac. Halifax, em que em lugar de um contrato de empreitada para a construção de quatro call centers, entre duas entidades, se celebram mais de 30 contratos em menos de 6 meses, envolvendo mais de 5 entidades. É a diferença entre uma operação (que teria, desde logo, as suas alternativas legítimas, inclusivamente de natureza fiscal) e um complexo de operações, ou até - porque não dizê-lo - diversas formas em lugar de uma apenas.
XIVª). É por esta razão, de partida, que entendemos que o conceito de prática abusiva - também para efeitos de IVA - se escreve sobre o conceito de abuso entendido como abuso de formas. É o que resulta dos factos analisados (descritos nos diversos Acórdãos, em especial o Ac. Halifax), é o que resulta da expressão literal sempre empregue (é sempre feita referência a “operações”, pretendendo-se assim afastar tal juízo de uma simples “operação”), é o que resulta, finalmente, do espírito e lógica de um sistema que não proíbe o livre exercício da gestão fiscal.
XVª). A Administração fiscal encontra (procura?) na jurisprudência do TJCE, em especial no Ac. Halifax, uma cláusula anti-abuso que prescinde do abuso de formas, invadindo, assim, um domínio sagrado do Estado Fiscal que, em absoluta harmonia com o sistema comunitário, protege a liberdade de iniciativa e de organização empresarial, na sua expressão de gestão ou opção fiscal.
XVIª). Sucede que é meramente aparente a ideia de que o Direito Comunitário, para efeitos de IVA, prescinda do abuso de formas na afirmação da proibição de práticas abusivas. E por isso entendemos que a afinidade entre o n.º 2 do art.º 38º., e especialmente do n º 2 do artº 63º, com o princípio geral anti-abusivo inerente ao sistema do IVA decorrente do direito comunitário é, com efeito, intensa. Aliás, diríamos mesmo que este princípio de Direito Comunitário se subsume integralmente na previsão do mencionado n.º 2 do art.º 63º na justa medida em que, em rigor, do que falamos é de um princípio “que consagra a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou actos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.”
XVIIª). Ora, no que ao caso do Município de Braga se refere, a distinção sob análise entre o simples exercício de um direito de escolha e o abuso de formas jurídicas é de grande relevo. É que, justamente, o contrato programa celebrado entre o Município e o A……., nos seus exactos termos, é a expressão legítima de um simples direito de escolha. Fora, portanto, do âmbito quer da cláusula geral anti-abuso interna (constante do n.º 2 do art.º 38.º da LGT) quer do princípio geral anti-abusivo inerente ao sistema do IVA, uma vez que este, como vimos, também este não dispensa o elemento “abuso de formas”.
XVIIIª). O contrato em apreço resulta exclusivamente do “direito de escolha de natureza fiscal” que assiste ao Município de Braga e do qual, livremente, não prescindiu. É verdade que desse contrato programa resultou uma eficiência fiscal e que essa eficiência fiscal foi expressamente visada pela CMB. Mas é também verdade que o contrato programa não se submeteu a qualquer abuso de formas, para além de não ter tido qualquer intuito fraudulento nem ter colocado em crise os objectivos prosseguidos pelo sistema do IVA.
XIXª). O que se conclui, forçosamente, é que o exercício do direito à dedução por parte da Impugnante, no caso em apreço, não é passível de qualquer censura, não emana de qualquer prática abusiva mas antes de um exercício legítimo e tutelado, seja pela ordem jurídica interna seja pela comunitária.
XXª). Para o caso de não se entender assistir razão à Impugnante quanto aos argumentos invocados no presente recurso e na impugnação judicial, ou caso subsistam dúvidas na esfera do Tribunal sobre a interpretação das normas e princípios de direito comunitário invocados, solicita-se, ad cautelem, a suspensão de instância e o correspondente reenvio prejudicial ao TJUE, para que a instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela decisão recorrida e, no que concerne à questão da cláusula abusiva, pela Administração Tributária portuguesa, em face dos princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA, designadamente se:
a) -o Município de Braga, ao ceder, através de um contrato o Novo Estádio Municipal (que é um bem do seu domínio privado), com o intuito de o rentabilizar (entenda-se, receber receitas pela cedência e não ter que suportar os encargos decorrentes da sua gestão corrente), para o A…… organizar jogos de futebol profissional (atividade lucrativa), operou uma “atividade económica”, agindo como um verdadeiro sujeito passivo de IVA, para efeitos do artigo 9º da Diretiva IVA?
b) a cedência temporária e onerosa por uma Autarquia de um bem do seu domínio privado a um clube de futebol, para este organizar jogos de futebol profissional, deve ser considerada como uma operação exercida na “qualidade de autoridade pública”, para efeitos de aplicação do artigo 13º da Diretiva IVA?
c) A interpretação do artigo 63º do CPPT, no sentido de abranger toda e qualquer situação de liquidação de tributos com base em disposições anti-abuso (incluindo se as decorrentes do direito comunitário) é contrária ou restringe a aplicação de normas e princípios do sistema comum do IVA?
d) A existência de um só contrato entre duas entidades, com cláusulas simples, objectivas e de execução transparente (inexistindo qualquer abuso de formas), poderá consubstanciar prática abusiva no âmbito do sistema comum de IVA, tal como este conceito tem vindo a ser interpretado pelo TJUE, ou poderá entender-se como um direito legítimo de planeamento e escolha fiscal?
Pedido:
Pelo exposto, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e reconhecendo-se o direito do Município à dedução do IVA suportado na construção do Novo Estádio Municipal, ou, se assim não se entender, suspender a instância e ordenar o correspondente reenvio prejudicial ao TJUE, para que a instância comunitária se pronuncie sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela decisão recorrida e, no que concerne à questão da cláusula abusiva, pela Administração Tributária portuguesa, em face dos princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA, formulando-se as questões enunciadas no ponto 96 das presentes alegações ou outras que este Tribunal considere adequadas.
II – A Fazenda Publica não apresentou contra alegações.
III- O MP não emitiu parecer.
IV - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V – Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos.
1º). A Administração fiscal procedeu às liquidações adicionais de IVA, n.º 08119056 e 08119056, relativa ao período de 04I2Te 0409T, no valor de 5.449.944.07 € e 87.810.47 €, ambas com data limite de pagamento em 30.11.2009 (fls. 60 e 67 dos autos);
2º). Entre os anos de 2000 e 2004, o Município de Braga construiu um estádio de futebol, no âmbito da organização da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol 2004 - facto notório e admitido por acordo (artigos 6º da petição inicial e 9° da Contestação).
3º). Para realizar esta construção, o Município de Braga celebrou os seguintes acordos de financiamento:
a) Em 5 de Junho de 2000, o designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo”, celebrado com o Instituto Nacional de Desporto e a B……, SA, para obtenção de uma comparticipação financeira de 25% dos custos elegíveis de cada factura, até ao valor de 1,5 milhões de contos - cfr. documento de fls. 204-212, maxime as cláusulas quinta e sexta.
b) Em 16 de Julho de 2001, o “Contrato-Programa a celebrar entre a Câmara Municipal de Braga e o Instituto das Estradas de Portugal”, para obtenção da quantia máxima de €3.349.548,00, equivalentes a Esc. 671.524.000$00, que corresponde ao custo referente à parte rodoviária, incluindo separadores centrais, restabelecimentos e rotundas, com exclusão de tudo o mais - cfr. documento de fls. 316-321 maxime o ponto 10.
c) Em 1 de Fevereiro de 2002, outro designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo”, celebrado com o Instituto Nacional de Desporto e a C……, SA, para concessão de uma comparticipação nas despesas, a realizar pela Câmara Municipal de Braga, para cumprimento do programa de construção dos lugares de estacionamento para veículos ligeiros e para autocarros, em parques, subterrâneos ou à superfície, integrados no perímetro de segurança do estádio, nos termos e condições exigidos pela UEFA, até ao valor de €341.302,00- cfr. documento de fls. 322-329, maxirne, as cláusulas primeira e quarta.
d) Em 17 de Janeiro de 2003, o designado “Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo no Âmbito do QCA III”, celebrado com a Presidente da Comissão de Coordenação da Região Norte, o Instituto Nacional do Desporto e o Coordenador Nacional da Intervenção Operacional Regionalmente Desconcentrada da Medida Desporto, e Câmara Municipal de Braga, para concessão de uma comparticipação financeira global até ao montante máximo de € 7.481.968,45 - cfr. documento de fls. 298-309, cláusulas primeira.
4º). No âmbito dessa construção, o Município suportou IVA num montante superior a € 5.000.000,00 - facto admitido por acordo (artigos 6.° da petição inicial e 11º da contestação);
5º). No dia 9 de Novembro de 2003, o Município de Braga acordou com o A…… a cedência do Novo Estádio Municipal de Braga, através de escrito designado por “Contrato-Programa para a cedência de utilização e dinamização de infra-estruturas desportivas e melhoramento das condições gerais da prática desportiva (nos termos do Decreto-Lei 432/91, de 6.11)”, conforme consta de fls. 266 e seguintes dos autos que aqui por integralmente reproduzido;
6ª). Com relevância para a decisão, do referido contrato consta, o seguinte:
Preâmbulo
Considerando que o Novo Estádio Municipal de Braga é a mais importante e moderna infra-estrutura do concelho de Braga, estando principalmente vocacionada para a prática do futebol de alta competição;
Considerando que a dinamização, rentabilização e correcta gestão do Novo Estádio Municipal passa, entre outras actividades, pela organização de espectáculos de futebol de alta competição, designadamente jogos da 1.ª Liga Profissional, da Taça de Portugal e de carácter internacional;
Considerando que o A…… é a colectividade desportiva que, na modalidade de futebol, tem maior currículo e representatividade no concelho, sendo a única que participa, com regularidade, em jogos de alta competição;
Considerando que a actual dimensão social do futebol transforma os clubes em verdadeiros pólos de aglutinação dos valores da comunidade que representam;
Considerando o papel fundamental que o A……. tem tido na área da formação de jovens e no fomento da actividade desportiva;
Considerando que o Município de Braga e o A…… tem já uma longa tradição de colaboração na gestão de instalações desportivas, designadamente no caso do Estádio 1º de Maio, que tem vindo a ser gerido pelo clube …., sob determinadas regras e condições impostas pelo Município,
Considerando, ainda, que a entrega ao A…… de parte da gestão corrente do Novo Estádio Municipal, designadamente no âmbito da organização de espectáculos desportivos, é a melhor forma de rentabilizar e dinamizar esta infra-estrutura, bem como de projectá-la na comunidade …;
é celebrado o presente contrato-programa, o qual há-de reger-se pelas cláusulas seguintes, bem como pelo Decreto-Lei n.º 432/91, de 6. II.
Outorgantes:
1. Município de Braga (...)
2.A…… (...)
(…)
Cláusula Primeira
(Condições gerais)
1.O Município de Braga, proprietário do Novo Estádio Municipal de Braga, cede as respectivas instalações desta infra-estrutura desportiva ao A……, nos termos e nas condições definidas no presente contrato-programa.
2.Carece de autorização prévia do Município de Braga toda a utilização do Novo Estádio Municipal fora do âmbito do presente contrato programa, isto é, sempre que esteja em causa o utilização das instalações por um terceiro.
3.Sempre que o Município necessite de utilizar o Novo Estádio Municipal para a organização de qualquer evento, deverá comunicar o facto ao A…… com, pelo menos, 15 dias de antecedência.
4.Caberá à entidade organizadora do espectáculo a responsabilidade pelos danos materiais que, no decurso desse mesmo espectáculo, vierem a ser provocados no Estádio.
(…)
Cláusula Terceira
(Deveres do A……)
1.Constituem deveres do A……:
a) Assegurar o normal e eficaz funcionamento de toda a logística de apoio à organização dos eventos e jogos organizados pelo clube e em que este participe, ou sejam da sua iniciativa, bem como apoiar os que sejam da iniciativa do Município.
b) Suportar os encargos financeiros decorrentes da gestão corrente da infra-estrutura, designadamente água, electricidade, gás e outras.
c) Solicitar autorização ao Município para a execução de qualquer tipo de obra nas instalações cuja utilização é cedida, bem como para a localização dos espaços publicitários, quer no interior, quer no exterior do Novo Estádio Municipal.
2. As obras ou quaisquer outras benfeitorias realizadas na infra-estrutura pelo A…… integram-se automaticamente na mesma, ficando propriedade do Município, não sendo devida qualquer compensação ou indemnização ao clube pela sua execução.
Cláusula Quarta
(Direitos do Município)
Constituem direitos do Município de Braga:
a) Utilizar o Novo Estádio Municipal de Braga para a organização de eventos desportivos, culturais ou lúdicos, desde que comunique o facto nos termos do número três da cláusula primeira, devendo articular tal utilização com o clube ….., sempre que a mesma possa conflituar com compromissos assumidos por este no âmbito da sua participação em competições desportivas;
b) Gerir a designada “tribuna principal” em todos os eventos organizados pelo A…… ou em que este participe, que fica, assim, reservada para o Município, podendo, no entanto, e sob autorização do Município, serem disponibilizados alguns lugares para os Corpos Sociais do A…… e entidades convidadas;
c) Utilizar 15 lugares, devidamente marcados, no parque de estacionamento subterrâneo em todos os eventos organizados pelo A…… ou em que este participe;
d) Utilizar um espaço com dimensões suficientes, escolhido pelo Município, para assegurar a guarda de material e a colocação do pessoal necessário para a gestão técnica do Estádio.
Cláusula Quinta
(Deveres do Município)
Constituem deveres do Município de Braga:
a) Assegurar a manutenção e conservação geral do Novo Estádio Municipal e espaços exteriores;
b) Assegurar o tratamento do relvado;
c) Assegurar a limpeza das bancadas e dos espaços de circulação;
d) Assegurar a limpeza e tratamento dos espaços exteriores;
e) Assegurar a gestão técnica do Novo Estádio Municipal de Braga;
f) Emitir parecer do vínculo nos termos do n.º 3 da Cláusula 2.ª.
g) Assumir os custos da utilização do Estádio em eventos organizados pelo Município.
Cláusula Sexta
(Acompanhamento e execução do contrato-programa)
1. Compete ao Município de Braga fiscalizar a correcta execução do presente contrato-programa, podendo, sempre que o entender, levar a efeito inspecções, inquéritos ou sindicâncias.
2. Anualmente, o A…… deverá enviar ao Município de Braga um relatório detalhado sobre a gestão e utilização do Novo Estádio Municipal, com referências ao número de eventos aí realizados, número de espectadores, utilização comercial dos lugares, número de espaços publicitários explorados, condições gerais e especiais das instalações e outros elementos que se afigurem importantes.
Cláusula Oitava
(Incumprimento do contrato-programa)
1. Havendo incumprimento dos termos estipulados neste contrato-programa, serão aplicadas as regras previstas no artigo 17º do DL n.º 432/91, de 6. 11.
(...)
Cláusula Nona
(Contencioso)
Os litígios emergentes da execução do presente contrato-programa serão submetidos a arbitragem, nos termos do artº. 18.° do DL n.º 432/91, de 6.11.
Cláusula Décima
(Prazo e início da vigência)
1.O presente contrato-programa tem a duração de 30 anos, contados a partir da data da respectiva outorga, podendo ser renovado por igual período, havendo acordo entre os outorgantes.
2. O inicio de execução deste contrato-programa coincide com a data da respectiva outorga, ficando, esta, ratificada todos os actos já praticados pelo clube que caibam no respectivo âmbito de aplicação.(…)” - cfr. documento a fls. 510-518 dos autos.
7º). No dia 4 de Novembro de 2004, em reunião da Câmara Municipal de Braga, foi aprovada a seguinte deliberação que aditou a Cláusula Terceira - A ao contrato referido no ponto anterior:
“- Considerando que o custo suportado pelo Município de Braga na construção do Novo Estádio Municipal transforma esta infra-estrutura desportiva num verdadeiro bem de investimento financeiro susceptível de gerar receita;
- Considerando, por outro lado, que nos termos do presente contrato-programa compete ao A……. assegurar o pagamento dos encargos financeiros decorrentes da gestão do estádio, tais como água, electricidade, gás e outros, sendo que tais encargos assumem um valor mensal considerável;
- Considerando, por último, que através deste contrato-programa se opera, entre outras coisas, uma cessão de exploração do Estádio ao A……, infra-estrutura totalmente equipada para o desenvolvimento da actividade do clube no âmbito da organização de espectáculos desportivos, As partes outorgantes decidem, por mútuo acordo, introduzir uma nova cláusula no contrato-programa em vigor, com o seguinte teor:
Cláusula Terceira—A
(Preço da exploração)
1- Pela utilização e exploração do Novo Estádio Municipal, o A…… deverá pagar ao Município de Braga uma renda pecuniária anual no montante de 6.000 (SEIS MIL EUROS), valor sobre o qual acresce o IVA à taxa que vigorar à data do respectivo pagamento.
2- A renda deverá ser paga até ao dia 31 de Janeiro do ano a que respeitar, na Tesouraria da Câmara Municipal de Braga.
3 - A renda será actualizada anualmente com uma percentagem igual à taxa oficial de inflação.” — Cfr. fls. 266 e seguintes dos autos.
8º). No âmbito da cláusula referida no ponto anterior, o Município cobrou anualmente ao clube a quantia de € 6.000,00, acrescida de IVA - facto admitido por acordo.
9º). Na declaração periódico de IVA relativa ao quarto trimestre de 2004, o Município de Braga formulou um pedido de reembolso no montante de €5.506.057,29 que foi indeferido por acto do Subdirector-Geral dos Impostos, de 14 de Novembro de 2008, acto que é impugnado - cfr. fls. 84 a 86 dos autos.
10º). O impugnante no período entre 2000 até ao terceiro trimestre de 2004, não deduziu IVA cfr. fls. 84 a 86 dos autos.;
11º). Em 9 de Março de 2009, teve início uma acção inspectiva que fiscalizou os exercícios de 2005 a 2008 da qual foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, constante de fls. 330 a 353 dos autos;
12º). Desta acção inspectiva resultaram dois tipos de correcções, uma relacionada com a não dedutibilidade do IVA suportado com a construção do estádio conforme fundamentos explanados no ponto III.1 do Relatório de Inspecção Tributária e outra relativa a operações sujeitas a IVA, constante de fls. 330 a 353 dos autos;
13º). A Divisão de Contabilidade da Câmara Municipal de Braga emitiu uma informação sobre as despesas de manutenção do Novo Estádio Municipal de Braga, com o valor global de € 829.926,69, constante de fls.283 dos autos, com o seguinte teor:
Ano 2005

Tratamento do relvado e reparações nas máquinas de
Tratamento da relva
€ 9.196,63
Ligação ADSL e equipamento informático e de motorização
da cobertura
€ 15.400,46
Reparações no edifício para manutenção e despesas
diversas
€380.592,97
Equipamento de vigilância€ 1.254,77
Soma€406.444.83

Ano 2006
Tratamento do relvado e reparações nas máquinas de
Tratamento da relva
€9.215,58
Ligação ADSL e equipamento informático e de motorização da cobertura€ 452,54
Reparações no edifício para manutenção e despesas diversas€ 402.161,44
Reparações em equipamentos€ 11.652,30
Soma€ 423.481,86

14º). Em 10.02.2009 foi deduzida a acção administrativa especial que foi convolada na presente impugnação.
VI.O objecto da impugnação deduzida pelo recorrente era o despacho do substituto do Director geral dos impostos, de 14.11.2008, que indeferiu o seu pedido de reembolso do IVA no montante de 5.506.057,29 euros.
VI.1. Para julgar improcedente a impugnação o Mmº Juiz recorrido louvou-se nos seguintes argumentos:
a) A construção do estádio não constitui um “input” para uma actividade económica desenvolvida pelo município recorrente, antes um investimento promovido e financiado pelo Estado. Do mesmo modo, o pagamento da renda anual estabelecida no Contrato celebrado com o A...... para cedência da referida infra-estrutura não é um “output”de uma actividade económica desenvolvida pelo município.
b) Por outro lado, a qualidade do sujeito passivo é também um dos requisitos do direito à dedução previsto no artº19º do CIVA. Ora, o recorrente não se enquadra no conceito de sujeito passivo previsto no nº 2 do mesmo diploma, pois que não exerce actividade económica de produção, comércio ou prestação de serviços.
c) Finalmente, e no que concerne à omissão do procedimento previsto o artº 63º do CPPT, entendeu-se que o mesmo não era obrigatório, uma vez que, sendo o IVA de matriz europeia, o princípio geral anti-abuso é mais amplo do que o previsto no direito interno, prevalecendo sobre este.
VI.2. O recorrente, por sua vez, em defesa do seu ponto de vista, invocou o seguinte:
Sendo o Estádio Municipal de Braga um bem do domínio privado do município, a cedência do mesmo a um clube desportivo com intenção de o rentabilizar configura uma actividade económica.
O contrato de cedência em apreço foi celebrado por razões de racionalização económica sob pagamento de uma renda e assunção, pelo clube contratante, dos custos da gestão corrente do bem, tratando-se, por isso, de um ato de comércio, próprio do direito privado.
Aliás, clubes de futebol, associações, autarquias têm um verdadeiro mercado de troca (alugueres) de campos de futebol de onze, sendo que o próprio A…… aluga campos e estádios a outros clubes do concelho para jogos e treinos, a autarquia de Braga possui mais dois campos (estádios) que aluga e cede gratuitamente a clubes do concelho.
Quanto à omissão do procedimento previsto no artº 63º do CPPT, ele inquina os actos de liquidação, não existindo qualquer norma de direito comunitário que permita dispensar aquele procedimento, estando em causa IVA.
O contrato programa celebrado entre o Município e o A……, nos seus exactos termos, é a expressão legítima de um simples direito de escolha, ficando, por isso, fora do âmbito quer da cláusula geral anti-abuso interna (constante do n.º 2 do art.º 38.º da LGT), quer do princípio geral anti-abusivo inerente ao sistema do IVA.
Assim, o exercício do direito à dedução por parte da Impugnante, no caso em apreço, não é passível de qualquer censura, não emana de qualquer prática abusiva mas antes de um exercício legítimo e tutelado, seja pela ordem jurídica interna seja pela comunitária.
Vejamos então.
VII. Conforme resulta do nº 2 do probatório supra, entre os anos de 2000 e 2004, o Município de Braga construiu um estádio de futebol, no âmbito da organização da Fase Final do Campeonato Europeu de Futebol 2004.
Para realizar essa construção, o recorrente celebrou vários acordos de financiamento com as entidades referidas no nº 3 do probatório.
Em consequência dessa construção suportou IVA de montante superior a 5.000.000 euros.
Pretende agora o recorrente o reconhecimento do direito à dedução deste imposto, suportado a montante, no imposto que o A...... paga a título de renda estabelecida na cláusula Terceira A do contrato referido nos nºs 6 e 7 do probatório supra.
O artº 19º do CIVA estabelece o seguinte:
“1- Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
2- Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:
a) Em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal;”
Ora, isto leva-nos, desde logo, a ter de apurar se o recorrente se enquadra no conceito de sujeito passivo, tal como vem definido no artº 2º do mesmo Código e que determina o seguinte:
“1 — São sujeitos passivos do imposto:
a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC);”
Ora, não parece que o município, ao construir um estádio de futebol, esteja a realizar de um modo independente e com carácter de habitualidade, uma actividade económica de produção, comércio ou prestação de serviços. Pelo contrário, esta construção mais não é do que uma forma de exercer as atribuições que a Lei lhe confere no âmbito do fomento e desenvolvimento do desporto e da actividade desportiva.
Isto mesmo se conclui do artº 21º do Decreto-Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, que reza assim:
“1. É da competência dos órgãos municipais o planeamento, a gestão e a realização de investimentos públicos nos seguintes domínios:
…b) Instalações e equipamentos para a prática desportiva e recreativa e de interesse municipal.
2. É igualmente da competência dos órgãos municipais:
…b) Apoiar actividades desportivas e recreativas de interesse municipal:
c) Apoiar a construção e conservação de equipamentos desportivos e recreativos de âmbito local.”
É certo que o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público podem ser sujeitos passivos do imposto quando exerçam algumas das actividades e pelas operações tributáveis delas decorrentes, salvo quando se verifique que as exercem de forma não significativa, referidas no nº 3 do artº 2º citado.
Ora, a construção de instalações desportivas para concessão a terceiros com fim lucrativo por parte de entidades públicas, não está prevista na referida norma.
Por isso, não colhe o argumento do recorrente de que existe um mercado de concessão de instalações desportivas. Até poderá existir, mas entre privados e que celebram contratos de natureza exclusivamente privada.
É claro que os clubes desportivos que construíram (ou remodelaram) os seus estádios para o mesmo evento, terão podido deduzir IVA, na medida em que ali exercem a actividade a que a infra-estrutura é destinada.
No caso do recorrente, a construção tem motivações de outro cariz – o da realização das suas atribuições no âmbito do desporto.
Acresce, por outro lado, que só após o aditamento da cláusula Terceira –A acima transcrita, o recorrente estaria em condições de deduzir IVA, se esta dedução fosse admissível.
De acordo com o artº 22º do CIVA “1 — O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2 — Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.
3 — Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar -se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar”.
Ora, uma vez que de acordo com o nº 10 do probatório, o recorrente não deduziu IVA no período entre 2000 até ao terceiro trimestre de 2004, não se compreende como poderia, após receber a renda do ano de 2004, pretender de uma só vez deduzir todo o IVA suportado nos anos anteriores. Assim, ainda que se pudesse aceitar a tese do recorrente, apenas poderia ser deduzido imposto mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
Podemos então concluir no sentido de que o recorrente, pela construção do estádio municipal de Braga não adquiriu estatuto de sujeito passivo de IVA, por tal não corresponder ao exercício de uma actividade económica, tal como é entendida no artº 2º, nº 1 do respectivo Código. O recorrente, ficou sujeito a IVA como qualquer consumidor final, sem adquirir, por isso o direito a dedução do mesmo imposto.
VIII. Aqui chegados, parece que seria desnecessário apreciar a questão da cláusula Terceira-A, já que, se relativamente à construção do estádio, o recorrente não pode considerar-se como sujeito passivo de IVA, também não poderia deduzir o IVA cobrado ao abrigo da mesma cláusula.
No entanto, sempre se dirá que também aqui não se aceita a tese de uma operação económica para efeitos de IVA.
Na verdade, basta ler as várias cláusulas do contrato para se concluir que não estamos perante um contrato de natureza privada, antes perante um contrato de natureza administrativa.
Sobre os factores que, em concreto, permitem identificar a natureza administrativa de um contrato celebrado pela Administração, aponta-se a definição de um regime substantivo especial, designadamente quanto aos direitos e deveres das partes que só são explicáveis por uma das partes ser a Administração Pública.
Ora, no caso em apreço, para além de o objecto do contrato se circunscrever nas atribuições do Município e do preâmbulo resultar de forma clara que o mesmo visa a prossecução do interesse público (papel do Clube na formação dos jovens e no fomento da actividade desportiva, a dimensão social do futebol, etc), o Município mantém direitos que não são normais num contrato de direito privado - vejam-se os enumerados na cláusula quarta (em que o Município mantém o direito a utilizar o Estádio para a organização de eventos desportivos culturais e lúdicos e até o direito de gerir a “tribuna principal” em todos os eventos organizados pelo próprio Clube, ficando-lhe mesmo reservada.
No mesmo sentido se podem encarar os extensos deveres dos Município, que também não são normais num contrato de direito privado Veja-se a enumeração constante da cláusula quinta.
Por outro lado, existem cláusulas que só são concebíveis numa relação jurídica em que uma das partes seja a Administração (as denominadas cláusulas exorbitantes (veja-se, por exemplo o facto de a Administração manter o poder de fiscalizar a execução do contrato através de inspecções, inquéritos ou sindicâncias direito público - Cláusula Sexta). No mesmo sentido, vejam-se os deveres apertados que impedem sobe o Clube para propiciar a fiscalização do contrato pela Administração (nº 2 da Cláusula sexta). Por outro lado ainda, também não é normal num contrato privado o co-contratante ter de enviar relatórios da actividade desenvolvida.
(Sobre este assunto e para maiores desenvolvimentos, cfr. PEDRO GONÇALVES, O Contrato Administrativo, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 57 ss.)
No caso concreto dos autos, é o próprio contrato a afirmar a sua natureza de contrato administrativo, ao referir “Contrato- Programa para a cedência de utilização e dinamização de infra-estruturas desportivas e melhoramento das condições gerais da prática desportiva (nos termos do Decreto-Lei 432/91, de 6.11)” .
E, efectivamente, resulta também do seu Preâmbulo a natureza do interesse público subjacente ao contrato, o qual fica regido pelas respectivas cláusulas e pelo DL nº 432/91 citado.
E, repare-se ainda, que o contrato vigorou cerca de um ano sem que o A...... tivesse de dar qualquer contrapartida monetária, mesmo simbólica, como veio depois a acontecer. Tudo isto evidencia a natureza de contrato administrativo, pelo que a cedência constante do contrato não pode ser vista como uma mera operação económica sujeita a IVA.
IX. Como se referiu acima, o recorrente pediu o reenvio prejudicial para o TJUE.
Ora, entende-se que não se justifica tal reenvio, pois, pelo que se referiu, as normas em causa nos autos não suscitam dúvidas de interpretação a este Supremo Tribunal.
Relativamente à outra questão suscitada pelo recorrente – omissão do procedimento previsto no artº 63º do CPPT – entende-se que a mesma é irrelevante e nem se apreciará, pois, tendo sido entendido que o recorrente não é sujeito passivo de IVA, não podendo por isso, ter lugar o direito à dedução, irreleva a existência ou não de cláusula abusiva.
X. Nestes termos e pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Fevereiro de 2012. – Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Fernanda Maçãs.