Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01977/19.8BEPRT
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
ISENÇÃO
Sumário:Do disposto nos artigos (arts.) 6.º alínea (al.) g) do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) - na redação da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro - e 44.º n.º 1 al. n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) - desde a redação do Decreto-Lei n.º 108/2008 de 26 de junho -, deriva a isenção de IMT para prédios (aquisições) individualmente, só por si, sem considerar o conjunto (espaço territorial) em que possam integrar-se, classificados como de interesse nacional (monumentos nacionais), de interesse público ou de interesse municipal, versus, dispensa do pagamento de IMI para prédios classificados como monumentos nacionais (individualmente e/ou em conjunto), bem como (e), para os prédios individualmente (só por si, sem considerar o conjunto (espaço territorial) em que possam integrar-se) classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável (quanto à classificação).
Nº Convencional:JSTA000P31900
Nº do Documento:SA22024020701977/19
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

1

AA, …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 1 de agosto de 2023, que julgou improcedente impugnação judicial (“versando a liquidação de IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) n.º ...94, de 02/01/2019, no valor de € 87.750,00, referente à aquisição onerosa do prédio urbano que corresponde ao artigo urbano ...15... da União de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., sito na Rua ..., ..., Concelho ..., no seguimento do alegado indeferimento tácito do pedido de isenção de IMT apresentado em 28/12/2018”.).
A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «

I. O presente recurso de apelação é interposto da sentença, datada de 01 de agosto 2023, através da qual o Tribunal a quo julgou a impugnação improcedente, e em consequência, absolveu a Recorrida do pedido contra esta formulado.

II. Contudo, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de Direito, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 6.º alínea g) do CIMT, devendo, em virtude disso, ser revogada pelo Tribunal ad quem, com as legais consequências daí decorrentes.

III. No âmbito dos presentes autos, foi impugnado o ato de liquidação de IMT, uma vez que o imóvel da Recorrente faz parte integrante do conjunto denominado “centro histórico do Porto”, o que faz com que o prédio se encontre isento de IMT.

IV. A Recorrida, por sua vez, apresentou Contestação à impugnação judicial, alegando, que o prédio em questão não beneficia de isenção de IMT uma vez que não foi individualmente classificado como Monumento Nacional.

V. O Tribunal a quo, socorreu-se a vários argumentos que padecem de erros graves de interpretação legal do normativo em causa.

Vejamos,

VI. O centro histórico do porto é classificado como monumento nacional, não por ter alguns imóveis específicos de alto valor patrimonial e cultural, mas precisamente pelo conjunto de todos os imóveis integrantes na área, formarem uma zona única a nível nacional e internacional.

VII. Isto faz com que os imóveis integrantes desta zona é que, pelas suas características únicas, formam um conjunto com este relevo cultural e histórico, pelo que cada imóvel deve necessariamente ser visto como um elemento essencial para que a zona seja considerada como monumento nacional,

VIII. Os imóveis integrantes no conjunto devem ser tomados na sua totalidade, e não cada um por si, pelo que não faria sentido de outra maneira.

Mas mais,

IX. Analisando o racio desta isenção, percebemos que existe como forma de desonerar os proprietários de imóveis localizados nestas áreas uma vez que, pelo facto de estarem localizados numa zona protegida, têm encargos, nomeadamente financeiros, e deveres acrescidos, pelo que, este benefício fiscal acarreta contrapartidas que limitam séria e gravemente a autonomia dos proprietários dos prédios abrangidos.

X. Por sua vez, o artigo 15.º n.º 3 da Lei de Bases do Património Cultural diz que não são os prédios individualizados do conjunto que são considerados monumentos nacionais, mas sim o conjunto em si, o que significa que não se pode interpretar o artigo de modo a retirar o valor cultural e patrimonial do conjunto de todos os prédios da zona protegida, para o atribuir a cada prédio individual.

Mais,

XI. A Direção Regional de Cultura do Norte, reconheceu o prédio da Recorrente, como Monumento Nacional, após requerimento apresentado para este efeito, uma vez que “faz parte integrante do conjunto denominado “Centro Histórico do Porto” classificado como Monumento Nacional (M.N.)”, sendo que, nesse mesmo documento, no ponto D, onde certifica para que efeito tem a declaração da Direção Regional de Cultura do Norte, está especificamente assinalado que o certificado tem como objetivo a “instrução de processo para obtenção de benefícios fiscais (…) isenção de IMT – al. g) do art.º 6º do CMIT constante do Anexo II ao DL nº 287/2003.

XII. Este reconhecimento não é inocente e demonstra claramente que a Direção Regional de Cultura do Norte pretendia a classificação do imóvel como Monumento Nacional precisamente para obtenção de benefícios fiscais, entro os quais se insere – evidentemente – o IMT.

Prosseguindo,

XIII. O tribunal a quo também apoiou a sua decisão na comparação entre o regime do IMI e do IMT, assinalando as diferenças na redação dos dois artigos em questão, o artigo 44.º n.º 1 alínea n) do EBF – relativamente ao IMI – e o artigo 6.º alínea g) do CIMT – relativamente ao IMT, uma vez que neste último foi introduzida a palavra “individualmente”.

XIV. Uma vez mais, este argumento não pode ter acolhimento do tribunal

XV. Como o próprio tribunal a quo considerou, “a jurisprudência tem vindo reiteradamente a considerar – para efeito de isenção de IMI (…) – que a classificação de um conjunto de prédios como monumento nacional implica que o conjunto desses prédios detém tal classificação, não carecendo os prédios que constituem o conjunto de qualquer classificação individualizada como monumento nacional ou imóvel de interesse público”, mencionando o acórdão do TCAN de 30/04/2019 proferido no processo 417/13.6BEPRT (…).

XVI. No entanto, a conclusão a que chega o tribunal a chega vai contra o racio do artigo 6.º alínea g) do CIMT, uma vez que, argumenta que o regime a aplicar ao IMT é diferente devido à adição do “individualmente” na norma.

XVII. Apesar do regime aplicado ao IMI ser diferente do regime do IMT, ambos existem no âmbito da tributação do património, até pelo facto de que a racional das isenções não é materialmente distinta – nem o podem ser.

XVIII. como está exposto no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 01361/16.5BEPRT 0661/18:

(…) a alegação da recorrente de que o acórdão e a sentença prescindiram, contra legem, da classificação individual do prédio como “monumento nacional” (…) não se revela manifestamente errado ou juridicamente insustentável a transposição da jurisprudência firmada por este STA para o IMI ao caso do IMT.” (…).

XIX. Jurisprudência firmada como por exemplo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo 01011/14.4BEPRT.

XX. Esta interpretação – que “exporta” o entendimento tido pelo STA relativamente ao IMI para o IMT – é evidentemente a mais correta, pelo facto da fundamentação – que já exploramos anteriormente – para a existência da isenção ser igual, quer para o IMI como para o IMT.

XXI. O Ministério Público, no âmbito do poder consagrado no artigo 121.º do CPPT, relativo à vista do Ministério Público, pronunciou-se no sentido da procedência da impugnação, concluindo que:

a classificação de Monumento Nacional a que se reporta o IGESPAR refere-se ao conjunto de Edificações do denominado “Centro Histórico do Porto”. Logo, se o “Conjunto” foi classificado como Monumento Nacional, todos os prédios que se localizam nessa zona devem ser como tal classificados.

Prosseguindo,

XXII. No que conta à interpretação do artigo 6.º alínea g) do CIMT, cumpre analisar alguns aspetos.

XXIII. Como nos diz Sérgio Vasques:

(…) ao interpretar a lei fiscal não devemos cingirmos à letra da lei, mas procurar reconstruir, também neste domínio, e a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo e conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

XXIV. De todos os elementos de interpretação da lei constantes no artigo 9.º do Código Civil, no âmbito da lei fiscal, o elemento teleológico detém um lugar privilegiado.

XXV. A interpretação do disposto normativo que atribui à palavra “individualmente” o sentido que sentença recorrida lhe atribui, seria contrária ao princípio da coerência sistémica, que, consiste no dever do legislador não pôr em causa a “igualdade tributária e a legitimação material do sistema através de escolhas contraditórias, seja no plano interno de estruturação de tributos públicos e da sua articulação recíproca (…)”.

XXVI. Se o racional subjacente para ambas as isenções é a mesma – a de desonerar os proprietários de prédios localizados nestas zonas, devido aos encargos agravados e limitações do direito de propriedade a que estão sujeitos – como já vimos que é o caso, a aplicação de ambas as isenções, também deveria ser aplicada em ambos os casos, e não só em relação ao IMI.

Por isso,

decidindo em conformidade com as Conclusões agora deduzidas, Vossas Excelências, Exmos. Senhores. Conselheiros, contribuirão para a realização do Direito, fazendo cumprir a Lei e a Justiça.

Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros,

Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o Recurso ser julgado procedente, nos termos expostos, e revogada a Sentença recorrida, fls. 008504606 dos autos, com o que V. Exas. farão a sã e costumeira JUSTIÇA! »


*

Não aconteceu a formalização de contra-alegações.

*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida, integralmente, a sentença visada.

*******

2

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: «

Da prova produzida nos autos, resultou apurada a seguinte factualidade:

1. Por email de 28/12/2018, a ora Impugnante requereu junto do Serviço de Finanças de Porto-5 a isenção de IMT prevista na alínea g) do artigo 6.º do CIMT, sobre a projetada aquisição onerosa do direito de propriedade onerosa do prédio urbano que corresponde ao artigo urbano ...15... da União de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., sito na Rua ..., ..., Concelho ..., invocando que o prédio em causa se encontra classificado como Monumento Nacional, por se encontrar inscrito na Lista de Património Mundial da Unesco desde 1996 – cfr. o requerimento constante do p.a. apenso.

2. Em 02/01/2019, foi entregue em nome da ora Impugnante, declaração modelo 1 para liquidação de IMT com referência à aquisição onerosa do direito de propriedade do prédio urbano referido em 1), que deu origem à emissão da liquidação de IMT nº ...94, no valor de € 87.750,00, paga nesse mesmo dia, através do Documento nº ...30 – cfr. declaração e liquidação constantes do p.a. apenso.

3. Em 17/01/2019, foi outorgada a Escritura Pública referente à aquisição do prédio em causa e, na mesma data, a ora Impugnante apresentou novamente um “pedido de isenção de imposto sobre a transmissão onerosa de imóveis” que foi instaurado como pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, em que requer a devolução integral do IMT pago, acrescido de juros indemnizatórios, invocando que o prédio em causa se encontra classificado como Monumento Nacional, por se encontrar inscrito na Lista de Património Mundial da Unesco desde 1996, pelo que a respetiva aquisição está isenta de IMT nos termos da alínea g) do artigo 6.º do CIMT – cfr. requerimento e autuação constantes do p.a. apenso.

4. Em 25/07/201019, a presente impugnação deu entrada neste TAF – cfr. autuação no SITAF.

Mais se provou, com interesse para a decisão, o seguinte:

5. Em 13/12/2018, a Direção Regional de Cultura do Norte emitiu certidão de onde consta que o prédio sito na Rua ..., inscrito na matriz ...15 da União de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ... «está classificado como Monumento Nacional (M.N.) de acordo com o n.º 3 e n.º 7 do art. 15.º da Lei n.º 107/2001, de 2001-09-08, DR 209, I Série-A, por estar inscrito na Lista do Património Mundial da Unesco, em 1996, como “Centro Histórico do Porto”» e que «faz parte integrante do conjunto denominado “Centro Histórico do Porto” classificado como “Monumento Nacional” (M.N.)» – cfr. o doc. 2 junto com a p.i..

6. Entendendo que a certidão referida em 5) não se mostrava clara quanto à existência de classificação individual do prédio em questão nos autos, a Fazenda Pública solicitou a sua aclaração, no sentido de ser esclarecido se o prédio inscrito na matriz urbana sob o artº ...15º da identificada União das freguesias, «é considerado individualmente, de per si, como Monumento Nacional» - cfr. documento nº 1 junto com a contestação.

7. Por email de 29/11/2019, informou a Direção Regional de Cultura do Norte que o prédio «é parte integrante do conjunto “Centro Histórico do Porto”, imóvel classificado como Monumento Nacional, por força do disposto no art.º 15º da Lei de Bases da Política e do Regime de Proteção e Valorização do Património Cultural, Lei 107/2001, de 8 de Setembro, e da sua classificação como património mundial pela UNESCO, tal como consta da certidão emitida por este órgão da administração do património cultural.». - cfr. documento nº 2 junto com a contestação. »


***

A pugna jurídica, neste processo, desenrola-se em volta de qual a, correta e legal, interpretação/operação do artigo (art.) 6.º alínea (al.) g) do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), na sua estatuição (Redação da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março (vigente desde 31 de março de 2016), que manteve os termos, inovatoriamente, introduzidos pela Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro.) de que ficam isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) “As aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável;”.

O julgado recorrido, para apoiar a decisão de improcedência, da impugnação judicial em apreço, defendeu, decisiva e destacadamente: «

(…).
Ora, considerando que a alínea supra citada, antes da alteração introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, previa que estavam isentas de IMT «as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro», não poderá deixar de se concluir que a alteração efetuada teve em vista prever como exigência adicional a classificação individual do prédio como de interesse nacional, público ou municipal, para efeitos da referida isenção.
E sendo certo que a jurisprudência tem vindo reiteradamente a considerar - para efeitos de isenção de IMI nos termos do artigo 44.º, n.º 1, al. n) do EBF (que estabelece que se encontram isentos de IMI «os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável») - que a classificação de um conjunto de prédios como monumento nacional implica que o conjunto desses prédios detém tal classificação, não carecendo os prédios que constituem o conjunto de qualquer classificação individualizada como monumento nacional ou imóvel de interesse público – vide, entre muitos outros, o recente Acórdão deste TCAN de 30/04/2019, preferido no processo 417/13.6BEPRT, publicado em www.dgsi.pt, não podemos olvidar que a redação de ambos os artigos não é a mesma, senão vejamos.
O artigo 44.º n.º 1, al. n) do EBF é literalmente composto por duas previsões ou duas situações de isenção, distintas entre si, i.e., por um lado, estão isentos de IMI (i) os prédios classificados como monumentos nacionais e, por outro lado, estão também isentos deste imposto (ii) os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, só se exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias e não quanto aos prédios de interesse nacional.
Já o artigo 6.º, al. g) do CIMT em apreço é composto por uma única previsão legal idêntica para as 3 referidas categorias, aí se estabelecendo que estão isentas de IMT as aquisições onerosas de prédios individualmente classificados como de interesse nacional (os monumentos nacionais), de interesse público ou de interesse municipal, ou seja, a norma em causa exige a classificação individual do prédio mesmo quanto aos monumentos nacionais.
Face ao exposto, os imóveis situados nos Centros Históricos incluídos na Lista do Património Mundial da UNESCO - como sucede com o imóvel em causa nos autos (cfr. os itens 5) a 7) do probatório) -, qualificados como sendo de interesse nacional, adotando a designação de “monumentos nacionais” (mesmo pertencendo à categoria de conjunto), beneficiam da isenção consagrada na alínea n) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF, isenção que é de carácter automático, mas a aquisição onerosa de tais imóveis apenas beneficia da isenção de IMT se estes estiverem individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
(…).
Face ao exposto, não estando demonstrado que o prédio em causa nos autos cumpre o pressuposto necessário da isenção prevista no artigo 6.º, g) do CIMT, i.e que o mesmo foi individualmente classificado como monumento nacional, não pode a respetiva aquisição usufruir de tal isenção, pelo que, à míngua de outros fundamentos, mantem-se a liquidação impugnada em vigor na ordem jurídica. »

Aquilatadas as razões, da rte, para imputar erro de julgamento (“de Direito”) a esta leitura do focado normativo legal, identificamos dois núcleos; o primeiro com tradução nas conclusões VI. a XII. e o segundo, nas demais.

Quanto ao inicial, sem prejuízo da argumentação seguinte, impõe-se, apenas, registar que, na nossa perspetiva, o “reconhecimento”, por parte da Direção Regional de Cultura do Norte, nos moldes aduzidos em XI. e XII. (Conformes com o conteúdo do “doc. 2 junto com a p.i.” (pág. 23 segs. do SITAF), mencionado no ponto 5. da factualidade apurada (na sentença recorrida).), tem de ser entendido (e valorado) como singelo justificativo da certificação efetuada, na sequência de um pedido (do proprietário/autor), de emissão de certidão, com a sinalização (prévia) de quadrícula respeitante a “BENEFÍCIOS FISCAIS”. Por outras palavras, entre três hipóteses justificativas da emissão do tipo de documento em apreço (pré-existentes e constantes do formulário competente), os serviços, da entidade emitente, assinalaram aquela que correspondia ao pedido, específica e concretamente, formulado. Acresce, como decorre dos dizeres utilizados, que o conteúdo certificado, pela Direção Regional de Cultura do Norte, tinha “por efeito A instrução de processo para a obtenção de benefícios fiscais (…)”, não que consubstanciava a emissão de uma pronúncia vinculativa e suficiente para a usufruição da pretendida/disputada isenção de IMT.

Relativamente ao segundo grupo de apoios, constata-se que a rte, não obstante assumir/aceitar que o “regime (de isenção) aplicado ao IMI (é) diferente do regime do IMT(Conclusão XVII.), defende, em primeira linha, “(a exportação do) entendimento tido pelo STA relativamente ao IMI para o IMT” – cf. conclusão XX.

Vistos os dois arestos (com origem no STA), coligidos nas conclusões XVIII. e XIX., constata-se que, no datado de 10 de novembro de 2021 (processo n.º 1011/14.4BEPRT), foi julgada situação envolvendo liquidações, de imposto municipal sobre imóveis (IMI), referentes aos anos de 2009 a 2012, tendo sido defendido, em síntese, que os monumentos nacionais (de interesse nacional), como é o caso do Centro Histórico do Porto, não carecem de classificação individual (nem antes, nem depois de 2007), para efeitos de usufruírem da isenção do tributo, prevista no art. 44.º n.º 1 al. n) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). Acresce, a assunção, explícita de que “…, como a Recorrente não ignora, por há vários anos ser destinatária de múltiplos acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo relativos à mesma questão que ora apreciamos, é entendimento pacífico deste Supremo Tribunal, pelo menos desde a prolação do acórdão desta Secção de Contencioso Tributário de 12-12-2018, proferido no processo n.º 134/14.4BEPRT, que, no quadro de direito delimitado na sentença recorrida e enquanto este e a classificação de monumento nacional referidas se mantiverem, é indiscutível o preenchimento dos pressupostos da isenção prevista no artigo 44.º, alínea n) do EBF.”.

Por outro lado, o emitido no processo n.º 1361/16.5BEPRT (0661/18), com data de 17 de fevereiro de 2021, traduz uma pronúncia da formação preliminar, decidindo não admitir recurso de revista (excecional), interposto de acórdão que negou provimento a apelo de sentença, que julgara procedente ação administrativa especial e anulara ato de indeferimento de pedido de isenção de IMT (relativo a fração autónoma de prédio, constituído em propriedade horizontal, classificado como “Monumento Nacional”). Da competente fundamentação, consta o seguinte ( Sombreados da nossa responsabilidade.): «

(…).

Mais alega que a falta de alinhamento das duas normas legais, associada à complexidade do Direito do Património Cultural e à tentação sentida por vários operadores judiciários em pretender aplicar, a casos relacionados com o IMT, a jurisprudência produzida em sede de IMI no âmbito do processo n.º 0134/14.4BEPRT, tem levado à produção de decisões judiciais contraditórias, criando dessa forma uma grande incerteza e instabilidade, o que só por si merece a intervenção do órgão de cúpula da justiça fiscal como condição para dissipar dúvidas.

Como se disse já, consta do n.º 2 do probatório fixado na sentença recorrida que “Foi emitida, em 22/009/2011, pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, certidão para efeitos de benefícios fiscais, onde se atesta que as fracções autónomas designadas pelas letras ... a ... correspondentes às fracções do prédio sito na Rua ……….. n.ºs .. a .., inscrito sob o artigo ...0.º da freguesia ..., Concelho ..., está classificado como “Monumento Nacional” pela Lei n. º 107/2001, de 8.09.2011, faz parte integrante do conjunto denominado “Zona Histórica do Porto” – Dec. 67/97 – 31/12, classificado como imóvel de interesse público” e que está abrangido por servidão administrativa do património cultural” – “ ZEP Centro Histórico do Porto” (cfr. fls. 5, 6 e 7 do PA)”, daí que a alegação da recorrente de que o acórdão e a sentença prescindiram, contra legem, da classificação individual do prédio como “monumento nacional” não se mostra conforme ao probatório fixado, como não se revela manifestamente errado ou juridicamente insustentável a transposição da jurisprudência firmada por este STA para o IMI ao caso do IMT.

Pelo exposto se conclui pela não admissão da revista, em razão da não verificação dos respectivos pressupostos legais. »

A partir deste apontamento jurisprudencial (e não só), se, por um lado, podemos assumir ser entendimento, constante e reiterado, do STA, o de que monumentos nacionais (de interesse nacional) não carecem de classificação individual, nessa qualidade, nem antes, nem depois de 2007, para efeitos de obterem isenção de IMI, facultada pelo art. 44.º n.º 1 al. n) do EBF, por outro, é inviável aceitar a pronúncia, da rte, no sentido de que o mesmo foi, já, estendido (exportado) para os casos envolvendo a isenção, de IMT, positivada no art. 6.º al. g) do CIMT. Efetivamente, ponderado o teor, transcrito, do segundo aresto coligido, sem esquecer tratar-se de decisão, colegial, por imposição legal, dirigida, apenas, a aquilatar da verificação (ou não) dos pressupostos, privativos, de admissão do recurso de revista excecional, entendemos que a menção feita de “como não se revela manifestamente errado ou juridicamente insustentável a transposição da jurisprudência firmada por este STA para o IMI ao caso do IMT”, deve (e tem) de ser lida/valorada como resposta a fundamento (“… e à tentação sentida por vários operadores judiciários em pretender aplicar, a casos relacionados com o IMT, a jurisprudência produzida em sede de IMI …”) utilizado para justificar a interposição da analisada revista, objetivando, somente, fundamentar a decidida sua não admissão; doutro modo, a respigada proposição significa que, os Exmos Conselheiros da formação preliminar, julgaram não ser a aceitação do recurso em causa “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável”.

Não obstante, impõe-se-nos, sequentemente, versar e ponderar a possibilidade de, aqui, se assumir a comunhão, interpretativa, sustentada pela rte.

Assim, do ponto de vista legislativo, o conteúdo dos normativos, nucleares, relevantes, é, objetiva e literalmente, diverso:

- o art. 6.º al. g) do CIMT (na redação da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro e posterior da Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março) determina ficarem isentos de IMT “aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável;”;

- por força do disposto no art. 44.º n.º 1 al. n) do EBF (desde a redação do Decreto-Lei n.º 108/2008 de 26 de junho, até, à atual, da Lei n.º 114/2017 de 29 de dezembro), estão isentos de IMI os “prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.”.

Portanto, decompondo, isenção de IMT para prédios (aquisições) individualmente, só por si, sem considerar o conjunto (espaço territorial) em que possam integrar-se, classificados como de interesse nacional (monumentos nacionais), de interesse público ou de interesse municipal, versus, dispensa do pagamento de IMI para prédios classificados como monumentos nacionais (individualmente e/ou em conjunto), bem como (e), para os prédios individualmente (só por si, sem considerar o conjunto (espaço territorial) em que possam integrar-se) classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável (quanto à classificação).

Atentando, agora, na evolução legislativa, no caso do art. 6.º al. g) do CIMT, nas redações que precederam a da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro, estavam isentos de IMT “As aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro;” e quanto ao art. 44.º n.º 1 al. n) do EBF (redação anterior à do Decreto-Lei n.º 108/2008 de 26 de junho, correspondendo ao art. 40.º n.º 1 al. n) do EBF – cf. art. 82.º da Lei n.º 53-A/2006 de 29 de dezembro (Orçamento do Estado para 2007, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2007.) não pagavam IMI “Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável.(Antes desta alteração, estavam isentos de IMI (contribuição autárquica) “Os prédios classificados como monumentos nacionais ou imóveis de interesse público e bem assim os classificados de imóveis de valor municipal ou como património cultural, nos termos da legislação aplicável;”.).
Destas intervenções do legislador, decorre, inequívoca e destacadamente, que, quanto a ambos os tributos e dual previsão da possibilidade de isenção do respetivo pagamento, dum momento inicial, genético, em que relevava a classificação dos prédios, em geral, sem particularidades, no IMI, a partir de 2007, foi efetivada uma distinção, clara, entre os prédios classificados como monumentos nacionais e os classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, mediante a exigência, para estes três tipos últimos (e só para eles/não para os monumentos nacionais), de ostentarem uma classificação, relevante, individualizada, privativa, enquanto, em cédula de IMT, desde 1 de janeiro de 2011, só as aquisições dos prédios classificados, individualmente, como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável, passaram a poder beneficiar da respetiva isenção. Ou seja, em termos concretos, o legislador introduziu o advérbio, de modo, “individualmente”, para os prédios classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, desde 1 de janeiro de 2007, no IMI, e concretizou o mesmo acrescento, adverbial, após 1 de janeiro de 2011, em IMT, para os imóveis classificados como de interesse nacional (diferentemente), de interesse público ou de interesse municipal.
Sendo, pois, inquestionável a diferença de vontade, do legislador, expressa, num caso e noutro, importando, ainda, ter presente que a alteração produzida no IMT ocorreu quatro anos após a que havia sido concretizada para o IMI, não sendo admissível, nem sustentável, o (seu) desconhecimento dos moldes desta pioneira modificação e a nítida distinção, no posicionamento, frásico, do, comum, aditado “individualmente”, temos de, forçosamente, concluir pela existência da previsão de isenções de IMT e IMI que assentam em pressupostos, condições, exigências legais, diferentes, no que tange aos prédios classificados como monumentos nacionais (de interesse nacional), circunstância que, só por si, inviabiliza uma interpretação do disposto no art. 6.º al. g) do CIMT em moldes iguais ao da previsão do art. 44.º n.º 1 al. n) do EBF.

Resta um debruce sobre a (eventual) relevância do coligido, pela rte, mesmo “racional subjacente para ambas as isenções(Conclusão XXVI. (e IX.).), para registarmos que, sem prejuízo de estarem em causa dois impostos operantes ao nível da tributação do património imobiliário, que assentam, sobretudo, na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do património dos respetivos sujeitos passivos, cujas coletas constituem receitas dos municípios onde os prédios se localizam, de imediato, em matéria de incidência, ressaltam diferenças marcantes: o IMT recai sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis, o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos, em ambos os casos, situados em território nacional/português.
Ora, esta diferença, inscrita nos códigos respetivos, permite-nos a rotulagem do IMT como um imposto de obrigação única e do IMI como imposto periódico, porque, no primeiro, a tributação se baseia numa situação sem continuidade, que nasce e morre com o ato (instantâneo) da transmissão/compra de prédio/imóvel, enquanto, no segundo, existe uma situação de permanência (ser proprietário do prédio/imóvel em determinada data) que se renova anualmente e será causa da repetição de cobrança do tributo, dependente da renovação/manutenção do facto tributário.
Na presença de dois impostos, finalisticamente, díspares, surge, para nós, justificado o tratamento diferenciado, em relação às isenções de IMT e IMI, quanto aos prédios classificados como de interesse nacional/monumentos nacionais, por natureza e princípio mais valiosos, com a exigência, no primeiro caso (do IMT), da necessária classificação individualizada, servindo de fator restritivo do funcionamento da isenção, por, ao invés do caso do IMI, estar em causa, apenas, um único pagamento de tributo, não repetível no tempo (muito menos, anualmente), a efetuar pelo sujeito passivo (Sem prejuízo da sua, potencialmente, elevada, expressão monetária, em linha, contudo, com a grande capacidade económico-financeira (que o legislador, com certeza, não deixou de ponderar na arquitetura da tributação em IMT), exigida para a concretização de aquisições deste segmento de imóveis.). Isto é, para o legislador, só merece/precisa de ser beneficiado, por opção/ões de política fiscal (Onde reside, além do mais, o objetivo, a preocupação, identificada pela rte, “de desonerar os proprietários de prédios localizados nestas zonas, devido aos encargos agravados e limitações do direito de propriedade a que estão sujeitos”.), o proprietário, ao longo dos anos da constância do seu domínio e não o adquirente, enquanto contribuinte chamado ao cumprimento de uma obrigação única/não renovável.
Em suma, o art. 6.º al. g) do CIMT foi, corretamente, interpretado e operado, na sentença sob crítica.

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3

Pelo expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, concordamos negar provimento ao recurso.


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Custas a cargo da recorrente.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 7 de fevereiro de 2024. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.