Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0421/11.3BEMDL
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECLAMAÇÃO
INDEFERIMENTO
RECURSO
FALTA DE CONCLUSÕES
Sumário:O art. 146º, 4 do CPTA só é aplicável quando se verifiquem dois requisitos cumulativos: (i) estarmos perante um processo impugnatório; (ii) que o recurso se limitasse a reafirmar os vícios do acto, pelo que a não verificação de qualquer deles implica o indeferimento do recurso, por força do art. 145º, 2, b) do CPTA.
Nº Convencional:JSTA000P24719
Nº do Documento:SA1201906260421/11
Data de Entrada:02/21/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar (art. 150º do CPTA)
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1 A………… recorreu para este Supremo Tribunal do acórdão do TCA Sul que revogou a decisão proferido pelo TAF de Mirandela e julgou improcedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL por si intentada contra o IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP e onde pedia a anulação do acto de rescisão do contrato de atribuição de ajudas e pedido de devolução do montante de € 76.681,73.

1.2. Por decisão do relator não foi admitido o requerimento de interposição de recurso de revista por falta de conclusões.

1.3. Notificado dessa decisão, o recorrente A………. reclamou para a conferência, alegando em síntese que perante a falta de alegações deveria ser dado cumprimento ao disposto no art. 146º, 4 do CPTA, ou ouvido o recorrente por força do disposto no art. 655º, 1 do CPC.

1.4. Perante tal reclamação o relator do processo anulou a decisão que indeferiu o requerimento de interposição do recurso e determinou que o recorrente e recorrido fossem ouvidos “sobre a eventualidade de ser indeferido o requerimento de interposição do recurso por falta de alegações”.

1.5. Apenas o recorrente se pronunciou no sentido de não ser indeferido o requerimento de interposição do recurso. Entende em suma que apesar de “ser evidente que no caso em apreço o recorrente por lapso – o qual desde já se penitência – não cumpriu como devia, o ónus de formular conclusões (…)” o certo é que “deve ser necessariamente proferido despacho de convite para suprir tal falta, nos termos previstos no art. 146º, n.

1.6. Por despacho do relator foi indeferido o requerimento de interposição do recurso.

1.7. O recorrente reclamou para conferência, pelo que cumpre apreciar essa reclamação.

2. Matéria de facto

Para além dos factos dados como provados no acórdão recorrido para onde se remete, são relevantes as seguintes ocorrências processuais:

a) Por lapso do recorrente não foram formuladas conclusões no seu requerimento de interposição de recurso do acórdão do TCA Norte.

b) O recorrente foi ouvido sobre a eventualidade de ser indeferido o seu requerimento de interposição do recurso, por falta de conclusões.

3. Matéria de Direito

A decisão do relator foi a seguinte (transcrição):

“(...)

Nos termos do art. 145º, 2, b) do CPTA o requerimento de interposição do recurso é “indeferido quando: b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do art. 146º”.

O art. 146º, 4, do CPTA, por seu turno, diz-nos o seguinte:

Quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, o relator deve convidá-lo a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afetada”.

Este preceito foi interpretado por este Supremo Tribunal, no Acórdão de 7-2-2019, proferido no processo 0989/17.0BESNT, nos termos seguintes:

“(…)

32. O preceito tem um âmbito muito específico já que circunscrito apenas às situações em que o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido.

33. O dever de proferir um despacho de aperfeiçoamento em decorrência do preceito apenas tem lugar na hipótese de, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, o recorrente se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado e, num tal contexto, haja omitido a síntese conclusiva nas suas alegações ou que nestas não haja indicado as normas jurídicas tidas por violadas pela decisão judicial recorrida, ou ainda quais os concretos aspetos de facto tidos por incorretamente julgados.

34. Na verdade, o n.º 4 do art. 146.º do CPTA mostra-se estruturado numa relação de antecedente e consequente, em que o verdadeiro antecedente da consequência [que é a do relator dever convidar o recorrente a «apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas»] é o facto do recorrente nas alegações produzidas se ter «limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado» e de o ter feito sem que, paralelamente, existam conclusões que diretamente afrontem a sentença absolutória sob recurso.

35. Importa notar que a estatuição desta regra especial visou contrariar aquilo que era uma jurisprudência praticamente uniforme que considerava deverem ser julgados improcedentes os recursos jurisdicionais nos quais os recorrentes, em sede de alegações de recurso, se tivessem deixado ficar pela repetição ou pela reedição do que haviam alegado contra o ato impugnado na petição inicial, deixando, dessa forma, incólume a decisão judicial recorrida naquilo que foi o juízo absolutório nela firmado e que não resultaria assim contraditado.

36. Foi, pois, apenas nesta específica situação que, no preceito em questão, se introduziu tal regra, com natureza excecional frise-se, prevendo-se a admissão do despacho de aperfeiçoamento, nomeadamente, na própria situação de omissão de apresentação de conclusões.

37. Daí que sendo esse o fim prosseguido pelo legislador, a sua ratio essendi, e que, aliás, está em sintonia com a letra do próprio preceito, então temos que a regra não se mostra transponível para outros tipos de situações, visto não passível de extensão analógica, não se revelando como legítimo o alargamento do seu campo de previsão a outros processos que não apenas aos que ali se mostram referidos.

(…)”

Resulta do exposto que o art. 146º, 4 do CPTA é apenas aplicável às situações em que o recorrente, no requerimento de interposição do recurso e respectiva alegação, se limita a reafirmar os vícios imputados ao acto, sem que directamente refute os fundamentos da decisão recorrida.

Não é esse o caso dos autos, pois o recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento, designadamente, quando diz que “a sentença errou quando considerou que o incumprimento da obrigação, acessória ou secundária, tem inegável relevância na economia do contrato. Decorrentemente, crê-se que o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente do Regulamento (CE) n.º 1685/2000, da Comissão e da respectiva alteração”.

Do exposto decorre, sem margem para dúvidas, que o presente recurso não cabe na previsão do art. 146º, 4 do CPTA, tendo em conta a interpretação do mesmo feita por este STA e acima transcrita. Consequentemente, por força do disposto no art. 145º, 2, b) do CPTA, impõe-se o indeferimento do requerimento de interposição do recurso, sendo certo, por outro lado, que o despacho que admitiu o recurso no TCA Norte não vincula este STA (art. 641º, 5 do CPC).

(…)”

Na reclamação o recorrente não aduz argumentos novos, considerando que é aplicável ao presente caso art. 146º, n.º 4, porquanto o processo em causa é impugnatório, não refutando – por outro lado – que não formulou conclusões e que se não limitava a reafirmar os vícios da sentença.

Deste modo e de acordo com a jurisprudência do STA – acolhida no acórdão citado e parcialmente transcrito – o referido preceito não é aplicável uma vez que, para que o fosse, era necessária a verificação de dois pressupostos cumulativos: (i) estarmos perante um processo impugnatório (que se verificava); (ii) que o recurso se limitasse a reafirmar os vícios do acto (que se não verificava).

Deve, portanto, ser indeferida a reclamação.

3. Decisão

Face ao exposto indefere-se a reclamação.

Custas pelo recorrente.

Porto, 26 de Junho de 2019. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.