Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:095/20.0BEPNF
Data do Acordão:09/10/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não se justifica admitir a revista quando está em causa saber se, perante a factualidade concretamente provada ou indiciada, se mostra preenchido o requisito do fumus boni juris de que o n.º 1 do art. 120.º do CPTA faz depender a concessão da providência, por não se suscitarem questões de alcance geral da tutela cautelar e a matéria em questão, sem evidência de erro manifesto ou preterição de princípios processuais fundamentais, mostrar-se apreciada em duas instâncias de forma concordante e a mesma será objeto de um novo ciclo de decisões no processo principal.
Nº Convencional:JSTA000P26267
Nº do Documento:SA120200910095/20
Data de Entrada:07/17/2020
Recorrente:A..............
Recorrido 1:DIRECTOR NACIONAL ADJUNTO DO SEF DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………………, devidamente identificado nos autos e invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 15.05.2020 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 304/322 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso de apelação que o mesmo deduziu, por inconformado, com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante TAF/P] - cfr. fls. 208/230 - , que havia julgado improcedente a providência cautelar por si instaurada contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF)], peticionando a suspensão da eficácia da decisão proferida pelo Diretor Nacional Adjunto do SEF, de 26.04.2017, que determinou, entre o mais, o seu afastamento do território nacional e interdição de entrada no mesmo pelo período de 08 anos visto haver sido condenado em pena efetiva de prisão [de 03 anos por crimes praticados em 2002; de 09 anos e 06 meses por crimes praticados em 2003; e de 06 anos por crimes praticados em 2013] e se encontrar em situação irregular em território nacional [cfr. art. 134.º, n.º 1, al. a), ex vi do art. 181.º, ambos da Lei n.º 23/2007, de 04.07, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 29/2012, de 09.08] - [cfr. petição inicial, a fls. 04/17].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 336/364], ao que se infere da sua alegação, na relevância jurídica e social do objeto de litígio e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito», invocando, mormente, a incorreta aplicação dos arts. 161.º, n.º 1, al. d) e 162.º do Código de Procedimento Administrativo [CPA/2015], 01.º, 24.º, 25.º, 36.º da Constituição da República Portuguesa, e 1874.º, n.º 1, do Código Civil [CC], já que caso seja deportado para a Guiné estaria em causa a violação de direitos fundamentais à vida e integridade física, à dignidade da pessoa humana, à proteção da vida familiar [cooperação e assistência recíproca à sua mãe].

3. Não foram produzidas contra-alegações [cfr. fls. 367 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/P negou a concessão da pretensão cautelar deduzida pelo aqui Recorrente, considerando, no seu discurso fundamentador, que, no caso, apesar de verificado o requisito do periculum in mora não se mostrava preenchido, todavia, o requisito do fumus boni iuris dado não ser provável que, à luz dos fundamentos de ilegalidade acometidos ao ato suspendendo, a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente, tendo para o efeito procedido à análise sumária dos vários fundamentos de ilegalidade.

7. O TCA/N confirmou este juízo decisório, perfilhando-o e reiterando-o in toto.

8. O requerente cautelar, aqui ora Recorrente, funda a necessidade de admissão da presente revista, ao que se extrai na motivação expendida nas alegações produzidas nesta sede, não só na relevância social e jurídica da questão, mas na melhor aplicação do direito, acometendo-o de erro de julgamento.

9. Refira-se, desde logo, que, como repetidamente se tem afirmado, constitui questão jurídica de importância fundamental aquela - que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjetivo - que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

11. O carácter excecional deste recurso tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência da formação a que compete a apreciação preliminar dos seus pressupostos específicos, com especial destaque para os processos cautelares em que se tem afirmado a exigência de um rigor acrescido.

12. Com efeito, não se mostrando per si excluída do nosso regime de contencioso administrativo a possibilidade de admissão de recurso excecional de revista de decisão do TCA proferida no âmbito de um processo cautelar temos, no entanto, que no domínio da tutela cautelar importa ser mais exigente nas situações em que se justifica a intervenção do órgão de cúpula da jurisdição, já que, nesta sede, presente a estrutura e a funcionalidade própria do meio processual, o Supremo Tribunal Administrativo [STA] «não emite uma pronúncia com vocação de constituir a última palavra sobre a questão jurídica quando esta se coloque, ou possa também ser colocada, na ação principal (…), pelo que, em princípio, não se justifica chamá-lo a intervir, sendo mais fortes as razões para que a discussão se quede pelos dois graus de jurisdição em que se desenrola normalmente o contencioso administrativo», para além de que «trata-se de processos em que a análise das questões decorre de um debate, em geral, encurtado e em sumaria cognitio, circunstâncias menos propensas ao cumprimento do papel esperado das decisões dos tribunais supremos».

13. Daí que, neste domínio, a orientação jurisprudencial desta formação de admissão preliminar tem sido a de que não se justifica admitir revista de decisões de segunda instância, salvo quando se discutam aspetos do regime jurídico específicos ou que exclusivamente digam respeito ou se confinem à tutela cautelar, ou quando a decisão contenda com situações de relevância comunitária particularmente intensa ou de inobservância de princípios processuais fundamentais.

14. No caso, refira-se, desde logo, que não se descortinam quaisquer questões jurídicas de importância fundamental, porquanto as mesmas não apresentam especial complexidade, nem assumem relevância que atinja sequer o grau comum das questões desta natureza decididas repetidamente pelos tribunais, sendo que igualmente inexiste relevância social fundamental dado nem as questões, nem a sua decisão apresentam interesse geral ou objetivo, antes importando apenas às partes envolvidas na causa.

15. Temos, por outro lado, que a argumentação expendida pelo requerente cautelar, ora recorrente, não se mostra convincente, tanto mais que o juízo firmado pelo acórdão recorrido [em sede de análise do preenchimento ou não requisito do fumus boni iuris], confirmando o julgamento que havia sido feito pelo TAF/P, não se afasta do entendimento dos pressupostos e requisitos que jurisprudencialmente vêm sendo sedimentados na aplicação do quadro normativo em questão, não aparentando padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, visto o seu discurso, pronunciando-se sobre todas as questões suscitadas, mostrar-se fundamentado numa interpretação perfeitamente coerente e razoável do acervo factual e das regras invocadas.

16. Daí que encontrando-se em sede cautelar apreciadas as questões em dois graus de jurisdição; que há-de iniciar-se e ulteriormente seguir-se um novo ciclo de decisões sobre elas no quadro do processo principal; e que nenhuma razão se vislumbra, à luz do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, para que o STA seja chamado a emitir pronúncia na providência cautelar com o carácter provisório que é próprio das decisões em tal sede; importa concluir no sentido de que a presente revista revela-se ser inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo por razões de relevância jurídica ou social e para uma melhor aplicação do direito, valendo in casu a regra da excecionalidade supra enunciada.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo do recorrente, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
D.N..

Lisboa, 10 de setembro de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Conselheiros Jorge Artur Madeira dos Santos e José Augusto Araújo Veloso]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho