Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01639/17.0BELRA
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IRS
NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
CARTA REGISTADA
Sumário:I - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância.
II - A presunção de notificação prevista no n.º 1 do art. 39.º do CPPT está conexionada com a forma de notificação consagrada no art. 38.º n.º 3 daquele diploma legal, preceito que se refere à notificação por carta registada, a qual coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através de recibo assinado pelo próprio ou por outrem por ele mandatado para o efeito, nos termos do estatuído no art. 28.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio.
III - O registo simples, em que a única certeza que existe é que a expedição terá ocorrido em determinada data, não oferece suficientes garantias de assegurar que o acto de notificação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio, não podendo servir para fundar a presunção estabelecida no n.º 1 do art. 39.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P25393
Nº do Documento:SA22020010801639/17
Data de Entrada:01/22/2019
Recorrente:A......
Recorrido 1:REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA-LEIRIA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


– Relatório –

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira - AT, recorrida nos presentes autos, vem reclamar para a Conferência do despacho decisório (“decisão sumária”) proferido pela Relatora neste Supremo Tribunal Administrativo que concedeu provimento ao recurso apresentado por A………., com os sinais dos autos, revogando a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a 30 de Setembro de 2018 e julgando procedente a oposição deduzida pela Recorrente à execução fiscal n.º 1457201701066358 (instaurada pelo Serviço de Finanças de Porto de Mós para cobrança coerciva de dívida no valor de €280.401,94 relativa a IRS do ano de 2014), a qual foi julgada extinta.

A AT requer a substituição daquele despacho decisório por Acórdão, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 652.º do CPC (aplicável ex vi da al. e) do art.º 2 do Código CPPT), apresentando para o efeito, e em suma, os seguintes fundamentos:

1. Em primeiro lugar, pede “o reexame da presente decisão pois constata-se que a matéria de facto reproduzida no ponto 4 da presente decisão (fls. 3 e seg.) não corresponde à sentença já produzida nos presentes autos pelo que é absolutamente indispensável a sua correcção e a reclamação é o meio disponível para o efeito, o que, desde já, se pede”;

2. “As normas aplicáveis à presente situação são o artigo n.º 3 do artigo 38.º do CPPT (e não o n.º 1, onde se exige carta registada com aviso de recepção), pelo que, com todo o respeito, também aqui a presente decisão carece de correcção”; e aduziu, bem assim, que

3. “A questão aqui em causa é a de estabelecer se a notificação efectuada pela AT de uma liquidação de IRS, efectuada na sequência de uma declaração do próprio sujeito passivo, efectuada da forma a que se normalmente apelida de “registo simples”, preenche ou não os requisitos previstos nas normas já referidas”, designadamente, o n.º 3 do artigo 38.º do CPPT. Para a Recorrida é “ponto assente, como se demonstrou, que as cartas foram entregues pela AT aos CTT e entregues por estes no seu destino, o domicílio fiscal da Impugnante. O procedimento de registo simples resulta da necessidade de tratar notificações em número muito considerável, de uma forma mais expedita e económica estabelecido entre os CTT e a AT em que se pretendeu conciliar a operacionalidade dos serviços e as exigências legais de forma o que, salvo melhor opinião, foi conseguido de uma forma que respeita completamente o imperativo legal. E diz um velho princípio de aplicação do direito que onde a lei não distingue, não deve o intérprete fazê-lo. Resumindo, na nossa opinião as notificações aqui em causa foram efectuadas por carta registada pelo que são legais e assim devem ser consideradas. Se a norma em causa sofre de problemas de aplicação aos casos concretos cabe ao legislador alterá-la ou, em caso negativo, ser declarada inconstitucional se ofender algum princípio da Lei Fundamental”. “E mesmo que assim se entenda, o que não se concede, estando a AT obrigada a cumprir o princípio da legalidade, também constitucionalmente consagrado (artigo 266.º, n.º 2 da CRP), pôr-se-ia um problema de conflito de princípios que, nesse caso, teria de ser resolvido”.

2 – A Recorrente não apresentou resposta à reclamação.

3 – Com dispensa de vistos, cumpre apreciar e decidir.


– Fundamentação –

4 – É do seguinte teor o segmento decisório do despacho reclamado:

A questão decidenda nos presentes autos é “a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a oposição em virtude do funcionamento da presunção de notificação prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT às notificações das liquidações efectuadas por “correio registado simples” e que a recorrente alega não ter recebido.

Trata-se de questão já reiteradamente decidida por este STA em sentido contrário ao adoptado na sentença, como alega a recorrente invocando jurisprudência deste STA e evidencia o Ministério Público no seu parecer – cfr o Acórdãos deste STA de 17 de Outubro de 2018 e demãos jurisprudência deste STA aí citada.

Por isso que, para efeitos da aplicação do disposto nos artigos 701.º n.º 1 alínea c) e 705.º do Código de Processo Civil, entende-se tratar-se de questão simples, a decidir através de decisão sumária.

Nestes termos,

Atendendo a que questão similar à que constitui objecto do presente recurso tem sido decidida por este STA no sentido de que a notificação através de carta registada simples não cumpre a formalidade exigida pelo n.º 1 do artigo 38.º do CPPT - porquanto o registo simples não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39.º, n.º 1 do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio - reitera-se, também aqui, idêntico entendimento, revogando-se a sentença recorrida que assim não julgou.

E assim sendo, afastado o funcionamento da presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, ter-se-á de concluir que a dívida exequenda é inexigível, o que constitui fundamento de oposição à execução previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo a oposição, por isso, procedente e determinante da extinção da instância executiva”.

“Termos em que, face ao exposto, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e julga-se procedente a oposição, com a consequente extinção da execução”.

5 – Matéria de Facto

É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:

1. Em 22.09.2017, foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Porto de Mós a execução fiscal n.º 1457201701066358, contra a ora Oponente, para cobrança da quantia exequenda de € 280.401,94, com base na certidão de dívida 2017/1530241, emitida em 22.09.2017, relativa a IRS do ano de 2014 e respectivos juros, nos valores de € 258.895,86 e € 21.506,08, com data limite de pagamento em 23.08.2017 [cfr. Capa de Autuação de fls. 29 do processo físico e certidão de dívida e lista anexa de fls. 30-31 do mesmo processo].

2. Em 27.09.2017, a Oponente recebeu na pessoa de terceiro, o ofício de citação pessoal para a execução fiscal n.º 1457201701066358 [cfr. ofício e aviso de recepção de fls. 33-34 do processo físico].

3. Em 25.10.2017, foi remetida ao Serviço de Finanças de Porto de Mós esta oposição [cfr. vinheta do registo dos CTT aposta no envelopes de fls. 7 do processo físico].

Mais se provou que,

4. Foi remetido à Oponente, por carta registada em 20.07.2017, para a morada da ………………….. ………….., um ofício contendo “demonstração de liquidação de IRS” n.º 20175005286958, de 10.07.2017, que indica o valor a pagar de € 517.801,98 [cfr. ofício remetido sob o registo CTT n.º RY757988815PT, de fls. 25 do processo físico e guia de expedição de registo colectivo n.º 2017/1022 e n.º 882001387100223 de 20.07.2017 de fls. 20 a 23 do mesmo processo].

5. Foi remetido à Oponente, por carta registada em 20.07.2017, para a morada da ……………. ………….., um ofício contendo “demonstração de liquidação de juros” n.º 201700000137089, que indica o valor de € 21.506,08, calculado sobre a quantia de € 258.895,86, de 2015.06.01 a 2017.06.27 [cfr. ofício remetido sob o registo CTT n.º RY757991704PT, de fls. 26 do processo físico e guia de expedição de registo colectivo n.º 2017/1022 e n.º 882001387100223 de 20.07.2017 de fls. 20 a 23 do mesmo processo].

6. Foi remetido à Oponente, por carta registada em 20.07.2017, para a morada da ………… …………., um ofício contendo “aviso/notificação de cobrança”, que integra a demonstração de acerto de contas referente ao estorno da liquidação 20155003702101 de 2014, acerto de liquidação 20175005286958, de 2014 e de juros compensatório 201700000137089, a que corresponde a compensação 201700018093279 de 17.07.2017, totalizando o valor a pagar de € 280.401,94 [cfr. ofício remetido sob o registo CTT n.º RY757932887PT, de fls. 24 do processo físico e guia de expedição de registo colectivo n.º 2017/1022 e n.º 882001387100223 de 20.07.2017 de fls. 20 a 23 do mesmo processo].

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6 – Apreciando

6.1 Dos erros imputados ao despacho decisório reclamado

Tem razão a reclamante ao pedir a reformulação da matéria de facto que foi erradamente incluída no despacho decisório reclamado e ao pedir a correcção da referência que aí foi feita ao n.º 3 do artigo 38.º do CPPT, ao invés do n.º 1 dessa disposição legal.

Tratam-se de meros lapsos de escrita introduzidos no despacho decisório reclamado (que em nada influenciaram a solução jurídica a que se chegou no mesmo, como adiante se verá) e que se corrigem no presente Acórdão.

No demais, a presente reclamação para a conferência carece de fundamento legal, como se deixou evidenciado no despacho decisório anteriormente proferido, com o qual a Recorrida não se conformou.

Mas sem razão.

Como a recorrente bem sabe, a questão decidenda já foi decidida por este STA e em sentido contrário ao adoptado na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, jurisprudência esta que entendemos não ser de alterar, por ser aquela que se revela mais curial.

Assim, e tal como aludido no Acórdão deste STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13, “a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.

Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.

E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.).

Mais concretamente, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o dever de notificação que impende sobre a Administração Tributária “tem um conteúdo obrigatório, devendo estarem reunidos alguns requisitos essenciais, nomeadamente, a pessoalidade e a efectiva cognoscibilidade do ato ao notificando” (Acórdão de 11/2/2009, proc nº 916/2007).

E também como ficou consignado, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/02, de 14 de Março de 2002 (Jurisprudência reiterada, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, proc nº 279/12.), “(…) a questão da suficiência das citações ou notificações postais não se esgota na existência e acessibilidade a um domicílio pelos serviços, tornando-se indispensável que as formalidades da notificação postal ofereçam garantias mínimas e razoáveis de segurança e de fiabilidade que, de modo particular, não tornem praticamente impossível ao notificado a ilisão da presunção do efectivo recebimento da notificação, defendendo-o contra a eventualidade de ausências ocasionais, sem lhe criar o pesado ónus da prova de um facto negativo como o de demonstrar que certa carta não foi recebida nem depositada, em determinando momento, no receptáculo postal.”

São, por conseguinte, duas as exigências a que a jurisprudência do Tribunal Constitucional subordina a adequação constitucional dos mecanismos de notificação:
(i) que o sistema ofereça garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário; (ii) que as presunções de recebimento da comunicação sejam rodeadas das cautelas necessárias de modo que a não a ilisão da presunção se torne num ónus impossível de satisfazer
”.

Ora, “o procedimento de notificação, por carta registada, regulado nos art.s 35º a 39º do CPPT e no art. 28º do Regulamento do Serviço Público de Correios (RSPC), aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88, de 18 de Maio, compreende os seguintes actos: (i) a emissão de uma carta, que incorpora a notificação do acto tributário, com a respectiva fundamentação; (ii) o registo nos serviços postais, através da apresentação da carta em mão, mediante recibo; (iii) e a entrega no domicílio fiscal do respectivo destinatário, comprovada por recibo.

Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Maio de 2012, proc nº 1181/11, “Em princípio, do ponto de vista formal, estes actos colocam a informação ao alcance do sujeito passivo, fazendo depender o respectivo conhecimento exclusivamente da sua vontade””.

Neste enquadramento, torna-se claro que “a modalidade de registo simples não oferece, desde logo, suficientes garantias de assegurar que o acto de comunicação foi colocado na esfera de cognoscibilidade do destinatário.

Na verdade, esta modalidade de registo, em que a entrega não pode ser comprovada por recibo assinado pelo próprio destinatário, não permite ultrapassar a dúvida e a incerteza com que se fica sobre se a notificação chegou efectivamente ao mesmo ou sequer à sua esfera de cognoscibilidade. A questão afigura-se pertinente porquanto não é minimamente acautelado o risco de extravio”.

Ao contrário do que acontece com a carta registada, que “coenvolve um mecanismo que assegura a certeza e a segurança de que o acto notificado chega à esfera de cognoscibilidade do destinatário, através “de recibo assinado pelo próprio destinatário ou por outrem por ele mandatado para o efeito””, “no caso de registo simples, teríamos, em primeiro lugar, que a presunção de que a notificação foi feita ao 3º dia posterior ao do registo (nº 1 do art. 39º do CPPT), assentaria noutra presunção: tendo apenas por base o registo de expedição, presume-se que o destinatário provavelmente recebeu a carta no seu receptáculo.

Por outro lado, como não há lugar à devolução, recairá sempre sobre o contribuinte o ónus de provar que não recebeu no seu receptáculo nenhuma carta”.

No Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2012, embora tirado sobre a conformidade constitucional da via postal simples para efectivar a notificação do cancelamento do apoio judiciário, ponderou-se que “não são inconstitucionais as normas que prevejam a possibilidade de citação ou notificação de atos processuais por via postal simples e que presumam o seu conhecimento pelo destinatário, desde que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efectivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, desde que o sistema ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação foi colocado na área de cognoscibilidade do seu destinatário, em termos de ele poder eficazmente exercer os seus direitos de defesa (cfr. Acórdão de 26 de Setembro de 2012, proc nº 279/12) (Neste Acórdão o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída do art. 70º, nº 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, no sentido de que, existindo distribuição domiciliária na localidade de residência do notificado, é suficiente envio de carta, por via postal simples, para notificação de cancelamento do apoio judiciário, proferida com fundamento no disposto no art. 10º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, por violação dos arts. 268º, nº 3, e 20º, nº 1, da CRP. ).

Ora, acontece que o registo postal simples apenas oferece em relação à via postal simples o facto de ficar registada a data da expedição. O que, como vimos, além de não dar garantias mínimas e razoáveis de segurança e fiabilidade de que a notificação chegou à esfera de cognoscibilidade do notificado, cria para o mesmo o pesado ónus de prova de um facto negativo impossível de demonstrar: o de que não recebeu no seu receptáculo a carta com a notificação.

E nem se argumente a justificar o mencionado mecanismo, como acontece no Acórdão do TCAS de 29/1/2013, proc nº 6147/12, que “o registo simples traduz uma inovação (Cfr. Portarias 1178-A/2000, de 15/12, e 953/2003, de 9/9), face ao tipo de correio registado até aí, em geral regulamentado, inovação esta decorrente da necessidade de consumar notificações em número considerável, de forma mais expedita e económica, (…)” .

Sem deixar de reconhecer-se a importância da inovação, associada à celeridade e economia, a verdade é que a mesma não pode ser obtida à custa do sacrifício do princípio constitucional da tutela judicial efectiva, que pode ser irremediavelmente inutilizado, se as notificações não obedecerem a garantias adequadas a permitirem determinar com certeza e segurança o termo inicial do prazo de recurso à via judicial.

Neste sentido, tendo por referência a modalidade de registo através de carta registada, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas no art. 38º, nº 3, do CPPT e nº 1 do art. 39º do CPPT, RUI MORAIS (Manual de Processo Tributário, Almedina, Coimbra, 2012, p. 99.) pondera “que este regime legal tem que ser cuidadosamente aplicado, pois, de outro modo, facilmente acontecerão situações intoleráveis. Se, por um lado, se compreende que estando em causa notificações em massa se tenha de limitar, no razoável, o esforço da AF para contactar os contribuintes, não podemos esquecer que estas notificações têm um efeito semelhante ao de uma verdadeira citação, pois determinam o início de contagem dos prazos para a “contestação” do ato notificado”.

Em suma, estando nós perante uma situação em que se pressupõe o efectivo conhecimento do acto tributário para iniciar o prazo de impugnação, o registo simples não representa um índice seguro da sua recepção em termos de se poder aplicar a presunção do art. 39º, nº 1, do CPPT e acarreta um ónus desproporcionado por impossibilidade de ilisão da presunção de depósito da carta no receptáculo, quando existe risco de extravio.

A prevalecer a tese da interpretação das normas do nº 3 do art. 38º em conjugação com o nº 1 do art. 39º do CPPT, que admita que a carta registada pode ser substituída pelo registo simples, nos termos e para os efeitos daqueles preceitos, levar-nos-ia a concluir que tal interpretação afectaria a garantia da protecção jurisdicional eficaz do destinatário, em violação das exigências decorrentes do nº 3 do art. 268º da CRP e do princípio constitucional da proibição da indefesa, ínsito no art. 20º em conjugação com o nº 4 do art. 268º da CRP””.

Assim sendo, afastado o funcionamento da presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 39.º do CPPT, ter-se-á de concluir que a dívida exequenda é inexigível, o que constitui fundamento de oposição à execução previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo a oposição, por isso, procedente e determinante da extinção da instância executiva.

Daí que não mereça censura a solução jurídica alcançada no despacho decisório reclamado, que assim também decidiu.


– Decisão –

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir a reclamação - salvo no que aos apontados lapsos materiais respeita: probatório e indicação de norma legal – confirmando, no demais, o despacho decisório reclamado.

Custas pela Reclamante, na proporção do decaimento, que se fixa em 80%.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. – Isabel Marques da Silva (relatora) – José Gomes Correia – Nuno Bastos.