Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02244/18.0BEPRT
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão do recurso de revista dado estarem em discussão questões em matéria de contratação pública - instrução dos procedimentos [mormente, quanto a termos e condições do PC/caderno de encargos relativos a especificações técnicas, certificações e normas de conformidade] e possibilidades do seu suprimento - relativamente às quais se verifica capacidade de expansão da controvérsia, e que se mostram dotadas de complexidade jurídica, envolvendo o cotejo e articulação de variado quadro normativo e principiológico.
Nº Convencional:JSTA000P25969
Nº do Documento:SA12020052102244/18
Data de Entrada:05/18/2020
Recorrente:MUNICÍPIO DO PORTO E OUTROS.
Recorrido 1:A....................., S.A. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. «MUNICÍPIO DO PORTO» [doravante R.], «B……. - ……………, SA», «C………., Lda.» e «D……….., SA» [doravante Contrainteressadas], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA] [na redação que foi introduzida pela Lei n.º 118/2019, de 17.09 (cfr. art. 13.º, n.º 2, da referida Lei) - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário], peticionam a admissão dos recursos de revista por si interpostos do acórdão de 29.11.2019 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 1004/1071 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que, concedendo provimento ao recurso interposto pela «A………, SA» e «A……. ……….., ………, Lda.» [doravante AA.] e negando provimento ao recurso das Contrainteressadas, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/P] [que julgando a ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual sub specie «parcialmente procedente» decidiu manter «a decisão de exclusão da proposta das AA. do procedimento de concurso» e declarou «a caducidade da adjudicação à proposta do agrupamento/contrainteressado/adjudicatário», «absolvendo do pedido de adjudicação do concurso à proposta das AA.»], e condenou o R. «a adjudicar a proposta da concorrente A…….., SA…».

2. Motivam a admissão dos recursos de revista [cfr., respetivamente, fls. 1199/1227 e fls. 1083/1135] na relevância jurídica do objeto de litígio e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», reputando como incorreto o juízo recorrido firmado pelo TCA, dado que em desrespeito, mormente, do disposto nos arts. 57.º, n.ºs 1, al. c), 2 e 5, 132.º, n.º 4, e 146.º, n.º 2, al. d), do Código dos Contratos Públicos [CCP] [quanto à falta dos documentos exigidos nos pontos i) e ii) das als. b) e c) do ponto 2.2.1 do art. 19.º do Programa do Concurso (PC) (inexistência de certificação das normas EN 12675 e EN50556) e quanto à apresentação da «Declaração Anexo X» prevista no art. 24.º, n.º 1, do PC e que equivale à «Declaração Anexo II» do CCP] e 54.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 96/2015, de 17.08, e, bem assim, do princípio do primado do Direito da União.

3. As AA. produziram contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 1307/1377 e 1387/1449] nas quais pugnam, desde logo, pela não admissão das presentes revistas.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. Como referimos o TAF/P julgou «parcialmente procedente» a pretensão deduzida pelas AA., para tal tendo decidido, por um lado, manter «a decisão de exclusão da proposta das AA. do procedimento de concurso» e, por outro lado, declarar «a caducidade da adjudicação à proposta do agrupamento/contrainteressado/adjudicatário», absolvendo os demandados do «pedido de adjudicação do concurso à proposta das AA.» [cfr. fls. 607/647].

7. O TCA/N, ao invés, decidiu anular o ato impugnado, já que, por um lado, considerou quanto à decisão de exclusão que as AA. haviam instruído a sua proposta com documentação que «cumpre com o exigido pelas subalíneas i. e ii., da alínea b), do ponto 2.2.1, do capítulo III, do Programa do Concurso (PC), porquanto (…) deste concreto ponto do PC não consta de forma clara e expressa que a certificação de cumprimento das normas EN12675 e EN50556 deva ser avalizada por uma entidade externa ou que o documento certificador deva ser emitido apenas por uma organização externa ao fabricante», pelo que «a proposta … foi excluída com base numa exigência não contida na letra do PC», ocorrendo, nessa medida, «erro nos pressupostos de facto e de direito cometido no decurso do procedimento de concurso, gerador de um vício de violação de lei e determinante, nesta parte, da anulação dessa mesma exclusão», e que, por outro lado, quanto à decisão de adjudicação que «não só nos deparamos com uma situação de documentos em falta (equiparada a não apresentação), que impõe a declaração de caducidade da adjudicação, nos termos do artigo 86.º, n.º 1, alínea a), do CCP, como também com uma situação de ilegal concessão ao agrupamento/adjudicatário de um prazo adicional para a entrega desses mesmos documentos, não subsumível no texto do n.º 3 do mesmo preceito legal, o que levou, inclusive, à apresentação dos documentos em falta muito para além do prazo limite de entrega dos documentos de habilitação, fixado em 22/08/2018».

8. Mostra-se inequívoco que as questões decidendas gozam de relevância jurídica fundamental, assumindo no quadro da contratação pública a matéria da instrução dos procedimentos [quer em termos daquilo que constitui o cumprimento da instrução devida à luz das regras legais e procedimentais (mormente, quanto a termos e condições do PC/caderno de encargos relativos a especificações técnicas, certificações e normas de conformidade), quer daquilo que são as possibilidades do seu suprimento] de elevado interesse para a comunidade jurídica e que, por repetível, está dotada de capacidade de expansão da controvérsia.

9. Temos, por outro lado, que as questões colocadas revelam-se ser dotadas de complexidade, já que envolvem o cotejo e articulação de variado quadro normativo e principiológico e que foi dissonante a solução dada às mesmas pelas instâncias, pelo que tudo conflui para a necessidade de se receberem os recursos de revista interpostos e sua reapreciação por parte deste Supremo Tribunal.


DECISÃO

Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir as revistas.

Sem custas. D.N..

Lisboa, 21 de maio de 2020. - Carlos Carvalho (relator) - Madeira dos Santos -Teresa de Sousa