Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:037/10
Data do Acordão:01/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Por força do comando ínsito no artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil incumbe ao julgador a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio, independente da sua pertinência ou viabilidade de procedência, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
II - A violação dessa obrigação determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Nº Convencional:JSTA00066754
Nº do Documento:SA220110112037
Data de Entrada:01/21/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC96 ART668 N1 D ART684 N3 ART731 N2 ART660 N2.
CPPTRIB99 ART2 E ART125 N1.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de improcedência da impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2006 e respectivos juros compensatórios.
Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente Recurso interposto da decisão constante da douta Sentença de fls… e seguintes, que julgou improcedente a impugnação judicial de liquidação de IRC.
2. A Recorrente alegou em sede de impugnação judicial a nulidade de notificação do acto de liquidação, em virtude de a mesma não ter sido realizada em nome da Recorrente.
3. Mais alegou que o acordo estabelecido em sede processo de revisão de matéria tributável e que serve de base à liquidação não era vinculativo da Apelante, uma vez que o representante indicado pela Recorrente excedeu os limites dos poderes que lhe foram conferidos.
4. Alegou, ainda, a ilegalidade de recurso a métodos indirectos e, para o caso de assim não se entender, o excesso de quantificação no recurso a métodos indirectos.
5. Desde logo porque se afigura que a douta sentença recorrida não se pronuncia sobre as questões alegadas na impugnação judicial, nomeadamente sobre a invocada NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO da Recorrente.
6. Efectivamente a Sociedade Recorrente alegou a nulidade da sua notificação em face das notificações nos presentes autos haverem sido todos realizados em nome da sociedade B…, S.A., nomeadamente a notificação para proceder ao pagamento voluntário da quantia de 43.490,43 relativo à liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 2006, já que esta foi incorporada na sociedade A…, S.A. e aquela, fruto da fusão por incorporação e nos termos do Código das Sociedades Comerciais, após o seu registo extinguiu-se, uma vez que se trata de uma sociedade incorporada transmitiu os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante.
7. Ora, a decisão recorrida não se pronuncia sobre a supra invocada nulidade, sendo desde logo nula, por omissão de pronúncia, nos termos previstos no art.° 668.°, n° 1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC).
SEM PRESCINDIR
8. Decidiu, no entanto, o Tribunal a quo que a liquidação de IRC tinha por base o acordo obtido em sede de processo de revisão de matéria colectável, interpretando os artigos 91º e ss. da LGT, no que à indicação do perito diz respeito, de que não é lícito à parte no processo de revisão de matéria tributável condicionar o juízo técnico do perito, considerando que este não é um representante da parte mas apenas e só um perito que tem por função emitir um juízo especialmente qualificado sobre a matéria em questão.
9. Mais interpretou o Tribunal a quo que, para os termos e efeitos do artigo 92º nº 1 de LGT, que visando o acto para o qual o perito é indicado o estabelecimento de um acordo, necessariamente que os poderes do indicado incluem a finalidade normal do acto.
10.Mais sustenta que a indicação de perito para o procedimento de revisão de matéria tributável não integra um mandato ou qualquer outra relação de representação do mesmo, que um perito indicado num qualquer processo judicial, não sendo nem um mandatário nem um representante da parte que o indica, sustentando que este procedimento não reveste a natureza de uma qualquer negociação.
11.Neste sentido, segundo o Tribunal a quo, entendeu que não assistia razão à Apelante ao alegar que o perito/representante excedeu os seus poderes de representação e que o acordo não a vinculava para efeitos de impugnação da liquidação.
12.Dando como vinculativo para a apelante o acordo celebrado, considera o acto inimpugnável nos termos do artigo 86º, nº 4º da Lei Geral Tributária, e assim julga improcedente a impugnação apresentada, não se pronunciando sobre as demais alegações em virtude de se encontrarem prejudicadas face a este entendimento, uma vez que se a liquidação é feita com base no acordo pericial, não pode este invocar a ilegalidade de recurso a métodos indirectos, nem sequer pode questionar o excesso de quantificação desses mesmos métodos.
13.O Tribunal a quo, também não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela impugnante, cujo depoimento seria imprescindível ao esclarecimento de todos os aspectos relacionados com a respectiva actividade, com a organização da sua contabilidade, bem como às circunstâncias atinentes à reunião da Comissão de Revisão.
14.Diz a artigo 91º e ss. da LGT que “o procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação”.
15.No termos do artigo 92º da LGT a nomeação de representantes em sede de procedimento de revisão de matéria colectável são verdadeiros representantes das partes e por isso não sujeitos a qualquer dever legal de imparcialidade e de independência técnica, antes actuando na melhor defesa dos seus representados, sendo lícito à parte que indica o perito para os efeitos do artigo 91º e ss. da LGT limitar os poderes da sua intervenção.
16.Contrariamente ao que sucedia no âmbito do regime regra do revogado Código de Procedimento Tributário, os peritos, por força da Lei Geral Tributária, passaram a ser verdadeiros representantes das partes, e por isso não sujeitos a qualquer dever legal de imparcialidade e de independência técnica, como antes sucedia, antes actuando na melhor defesa dos seus representados, sendo verdadeiramente representantes das partes, isto mesmo é o que resulta, de forma expressa e cristalina, do estatuído nos artigos 91º e ss. e 86.° da LGT.
17. É que com o artigo 86º, nº 4, da LGT introduziu-se uma mudança radical, pois deixou de fazer-se qualquer referência a deveres de imparcialidade e independência técnica da pessoa nomeada pelo sujeito passivo para participar na avaliação indirecta, aludindo-se a relação de representação entre o sujeito passivo e o perito por si designado (art. 91º, nº 1).
18.Por força da LGT, configurando-se esta relação como de representação, justificar-se-á que se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (artigos 1178°, n.° 1, e 258.° do Código Civil).
19.Assim, actualmente, o perito indicado pelo sujeito passivo de imposto é um seu representante e esta relação de representação justifica e estabelece a vinculação do sujeito passivo pela actuação do perito, da mesma forma que tal vinculação existe no direito civil - vide o artº 1178º, nº 1 e 258º do Código Civil, sendo certo que nos termos do artigo 16º, nº 1 da LGT os actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato.
20.Mais, a concretização da interpretação de que o perito designado pelo contribuinte para o procedimento de revisão é um seu representante é hoje pacífico na jurisprudência dos Tribunais superiores.
21.Ao não ser considerada esta relação de representação pelo Tribunal a quo, que a considerou uma simples nomeação de perito para formulação de juízo técnico e científico, ignorando os poderes de representação que efectivamente são conferidos aquando da nomeação do perito pelo contribuinte nos presentes autos que desde logo desvirtuam a decisão nos presentes autos.
22.Ao não considerar a nomeação do perito com poderes de representação e ao não aceitar que a parte possa condicionar o perito no estabelecimento do acordo, o Tribunal a quo, considerou o acordo estabelecido como definitivo e vinculante do sujeito passivo, concluindo que o acto tributário é inimpugnável nos termos do artigo 86º, nº 4 da LGT, apesar da Recorrente ter alegado que o citado acordo foi realizado excedendo os limites dos poderes que lhe foram conferidos pela Recorrente e em clara violação dos poderes de representação ou mandato.
23.Certo é que, alcançando-se acordo no processo de revisão da matéria tributável, não poderá na impugnação judicial da liquidação operada com base nele assacar-se qualquer ilegalidade da avaliação indirecta em decorrência do disposto no artigo 86º n.º 4 da Lei Geral Tributária, ressalvadas as restrições que a lei civil prevê quanto à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes, como se prevê no n.º 1 do artigo 16° da mesma Lei.
24.Ora, é exactamente esta posição que defende a Recorrente, que não só o perito indicado excedeu os poderes, como agiu em sentido contrário a tais poderes.
25.O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão de julgar improcedente a impugnação judicial apresentada por considerar a nomeação de perito como uma simples nomeação de perito para formulação de juízo técnico e científico, ignorando os poderes de representação que efectivamente são conferidos aquando dessa nomeação pelo contribuinte, incorrendo em erro de direito, por má interpretação e incorrecta aplicação dos artigos 16°, 86º e 91º e seguintes da LGT.
26.O Tribunal a quo ao concluir que a nomeação do perito visa o estabelecimento de um acordo e que, como tal, a simples indicação do perito confere-lhe poderes para o estabelecer, não atenta que o que visa o acordo é o procedimento de revisão de matéria colectável e não a nomeação do perito por parte do contribuinte e que, para além dos poderes para representar no procedimento, são necessários os poderes para a realização do acordo e sendo certo que este acordo teria de estar, em concreto, de acordo com as instruções emanadas pelo contribuinte.
27.Outra consequência do facto do Tribunal a quo considerar o acordo pericial como vinculativo da Recorrente, é o facto de considerar improcedente a alegação de ilegalidade de recurso a métodos indirectos, bem como, em alternativa e subsidiariamente, considerar improcedente o pedido de reconhecimento do excesso de quantificação e alterados os valores da avaliação por métodos indirectos.
Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, declarando nula a douta Sentença recorrida, por omissão de pronúncia, com as legais consequências, assim se decidindo em conformidade com o direito aplicável.
Se assim não se entender, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida com as legais consequências, assim se decidindo em conformidade com o direito aplicável, como é de inteira JUSTIÇA.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
Por despacho que consta de fls. 241, proferido ao abrigo do disposto no artigo 668º n.º 4 do Código de Processo Civil, o Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo” sustentou a inexistência da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a questão da falta de notificação do acto de liquidação impugnado, com a seguinte motivação: «Quanto à alegada nulidade por omissão de pronúncia, entende-se que a mesma não se verifica porquanto a questão em causa não tem qualquer pertinência com a causa, uma vez que não contende com a legalidade da liquidação impugnada, já que se refere a uma notificação, uma condição de eficácia».
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que os autos deviam baixar à primeira instância para ampliação da matéria de facto, enunciando, para o efeito, a seguinte argumentação:
«No que respeita à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, relativamente à invocada nulidade da notificação do acto tributário impugnado, o Mmº Juiz a quo pronunciou-se no sentido de que aquela questão não foi apreciada em virtude de não “ter qualquer pertinência com a causa, uma vez que não contende com a legalidade da liquidação impugnada.”
Com efeito, a notificação ao contribuinte não integra o acto tributário, pelo que a sua falta ou irregularidade não afecta a validade deste, mas apenas a sua eficácia (acórdãos do STA de 2/3/2005, processo nº 716/04 e de 4/02/2009, processo nº 889/08).
De qualquer modo, resulta dos autos que a Recorrente, sociedade incorporante da B…, SA, recebeu todas as notificações que tiveram lugar durante o procedimento que culminou com a notificação da liquidação adicional. Foi, dessa forma, alcançado o efeito jurídico legalmente previsto de notificação do acto tributário ao sujeito passivo. Ainda assim, a preterição do formalismo legal relativo à notificação não determinaria a invalidade do acto de liquidação, afectando apenas a sua eficácia, não sendo a impugnação o meio processual adequado para atacar aquela irregularidade.
No que respeita à segunda questão, a Recorrente alega que o acordo firmado em sede de procedimento de revisão de matéria tributável, não é vinculativo, uma vez que o representante por si indicado terá excedido os limites dos poderes que lhe foram conferidos.
O actual regime introduzido pela LGT é absolutamente distinto do que vigorava no âmbito do CPT, em que o perito nomeado não agia como representante do contribuinte, mas antes com o dever legal de imparcialidade e independência técnica. Com a LGT passou a haver uma verdadeira relação de representação entre o sujeito passivo e o perito por si nomeado (artigo 91°, nº 1). Por isso justifica-se a vinculação do sujeito passivo pela actuação do perito em termos idênticos à vinculação previstas no domínio do direito civil, pelo que também devem admitir-se todas as restrições relativas à vinculação dos representados pelos actos dos representantes.
Nestes termos, os actos do representante só produzem efeitos em relação à esfera jurídica do mandante se forem praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados expressa ou tacitamente. E, aliás, o que resulta do disposto no nº 1 do artigo 16º da LGT.
“Assim, nos casos em que o representante do sujeito passivo defender ou aceitar, no procedimento de avaliação indirecta, posições distintas das defendidas por este, designadamente ao formular o pedido de revisão de matéria colectável, não poderá considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, se não se demonstrar que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes.”-(Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa, in LGT anotada, 3ª edição, páginas 429 e seg.).
Não foi este o entendimento da decisão recorrida, em que se defende que a “indicação de perito para o procedimento de revisão tributária não integra um mandato ou uma qualquer outra relação de representação, do mesmo que um perito indicado num qualquer processo judicial não é nem um mandatário nem um representante da parte que o indica.”
No caso dos autos, a Recorrente alegou não ter conferido qualquer mandato ou representação ao perito por si designado para este assinar o acordo a que chegou no procedimento de revisão de matéria colectável, tendo-o apenas mandatado para “apreciar” e “apresentar elementos adicionais”.
Não foram levados ao probatório factos de que se possa extrair se o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação ou se os extravasou ou contrariou. Aliás, a Recorrente no ponto 13 das conclusões das suas alegações de recurso, salienta o facto do Tribunal a quo não ter procedido à inquirição das testemunhas arroladas “cujo depoimento seria imprescindível ao esclarecimento.., das circunstâncias atinentes à reunião da Comissão de Revisão”.
Essa matéria é, de facto, em nosso entender, imprescindível para se saber se a Recorrente está, ou não, vinculada pelo acordo obtido.».
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros adjuntos, cumpre decidir em conferência.
2. A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
A- Por determinação constante da ordem de serviço nº 01200800228 foi iniciado um procedimento inspectivo o qual, tendo incidido sobre os anos de 2004 a 2006, originou o acto tributário ora impugnado.
B- Através do oficio nº 503.7564, de 30.07.2008 foi o sujeito passivo notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 60° da LGT e 60° do RCPIT, do projecto de relatório do procedimento inspectivo e, ainda, para, querendo, exercer, no prazo de 10 dias, o seu direito de participação na decisão de tal procedimento.
C- Tal notificação foi endereçada à sociedade “B…, SA”.
D- Por requerimento que deu entrada 18.08.2008, a “B…, SA” requereu que lhe fosse notificada a fls. n.º 10 do referido projecto de relatório, a qual, alegadamente, não acompanhou a acima referida notificação.
E- Em face de tal requerimento foi, pela Administração Tributária (AT), repetida a notificação acima referida através do ofício nº 503.8319 de 18.08.2008.
F- O referido sujeito passivo não exerceu o seu direito de participar na decisão do dito procedimento inspectivo.
G- Em 09.10.2008 foi o sujeito passivo notificado do relatório do procedimento inspectivo.
H- Naquele procedimento a matéria tributável foi fixada por avaliação indirecta, pelo que na mesma data, o sujeito passivo foi notificado de que lhe assistia o direito de intentar o procedimento de revisão da matéria tributável, nos termos do preceituado nos arts. 91° e ss. da LGT.
I- Em 07.11.2008 foi pelo sujeito passivo “B…, SA” apresentado o requerimento inicial daquele procedimento.
J- No dito requerimento a referida sociedade concluiu pedindo que: “(...) apreciados os fundamentos supra desenvolvidos e reconhecida a sua procedência, seja decidido o afastamento da aplicação de métodos indirectos de avaliação (...)” e, subsidiariamente, que “seja reconhecido o excesso de quantificação e alterados os valores para os que resultam das estimativas supra apresentadas no art°. 74°”.
K- Por último, a referida sociedade nomeou “para a representar na apreciação do pedido de revisão” o Dr. C…, o qual poderia, ainda, “apresentar os elementos adicionais de demonstração dos fundamentos ora alegados [na petição inicial do procedimento de revisão da matéria tributável] que entretanto sejam [fossem] recolhidos”.
L- Na reunião entre os peritos do contribuinte e da Fazenda Pública foi, após discussão e apreciação conjunta dos argumentos de ambos os peritos, obtido acordo quanto à matéria tributável de IRC.
M- A ora impugnante foi notificada do resultado da dita reunião de peritos e da obtenção do acordo através do oficio n.º 300.5888 de 25.11.2008.
N- Após o que, e com base no dito acordo, a Administração Tributária emitiu a notificação da liquidação ora em crise.
O- A referida liquidação indicava como termo do prazo de pagamento voluntário o dia 11.02.2009.
P- Não tendo sido efectuado o pagamento no referido prazo foi instaurado o devido processo de execução fiscal autuado sob o n.º 0418200901010590.
Q- Em 12.05.2009 foi entregue no Serviço de Finanças de Guimarães 1 a petição inicial dos presentes autos.
R- A sociedade “B…, SA”, foi incorporada na Impugnante, assumindo esta os direito e obrigações daquela, designadamente em relação à Administração Tributária.
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente – artigos 690.º, nº 1 e 684º, nº 3, do Código Processo Civil, aplicáveis “ex vi” do artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário – as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste Tribunal são as de saber se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia (conclusões 5ª a 7ª) e, no caso negativo, se a mesma enferma de erro de julgamento por ter considerado que a indicação de perito pelo contribuinte para o procedimento de revisão de matéria tributável não integra um mandato ou qualquer outra relação de representação, não dando, assim, à Impugnante a possibilidade de demonstrar que o perito que indicara excedera os seus poderes de representação e que, por isso, o acordo não a vinculava para efeitos de impugnação da liquidação (conclusões 8ª e seguintes).
3.1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Invoca a Recorrente a nulidade da sentença com fundamento no disposto no artigo 668.º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil e no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por não ter havido pronúncia acerca da questão da nulidade do acto de notificação da liquidação impugnada.
Dispõe a citada norma que é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz, pelo artigo 660.º nº 2 do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
Em suma, o juiz está obrigado a pronunciar-se sobre todas questões que lhe foram colocadas, independente da sua pertinência ou viabilidade de procedência, determinando a violação dessa obrigação a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
No caso vertente, a Impugnante alegou na petição inicial, de forma clara e expressa, a nulidade do acto de notificação da liquidação impugnada (artigos 1.º a 12º) por ter sido realizado em nome da extinta sociedade “B…, S.A.”, defendendo que essa notificação não pode produzir qualquer efeito em relação a si.
A decisão recorrida não abordou esta questão, nada decidindo sobre ela, pese embora o seu conhecimento não se mostre prejudicado pela solução dada à causa (inimpugnabilidade do acto de liquidação face ao acordo obtido no procedimento de revisão da matéria tributável).
Posteriormente, o Meritíssimo Juiz, dando cumprimento ao que dispõe o nº 4 do artigo 668.º do CPC, sustentou a inexistência de omissão de pronúncia invocada neste recurso, dizendo que «a questão em causa não tem qualquer pertinência com a causa, uma vez que não contende com a legalidade da liquidação impugnada, já que se refere a uma notificação, uma condição de eficácia».
Mas as coisas não podem ser vistas dessa maneira, pois possuindo o problema colocado os contornos de uma verdadeira questão, havia que apreciá-lo e solucioná-lo, ainda que para o julgar improcedente com o fundamento de se tratar de matéria que não contende com a legalidade do acto tributário impugnado. Só depois dessa pronúncia as partes poderão saber se a questão procede ou improcede e conhecer os fundamentos de tal decisão, optando, então, entre a aceitação do julgado ou a interposição de recurso por erro de julgamento da questão.
E, sendo assim, não resta se não julgar procedente a arguição de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Procedendo este fundamento do recurso, não há lugar à apreciação dos demais, devendo os autos baixar TAF de Braga para que aí se proceda à reforma da sentença nos termos previstos no n.º 2 do artigo 731.º do CPC, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento da outra questão que constituía objecto do presente recurso jurisdicional.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, julgar nula a sentença por omissão de pronúncia e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para que proceda à sua reforma.
Sem custas, dado que a Recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Alfredo MadureiraJoão Valente Torrão.