Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0646/10.9BALSB-S1
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:RECURSO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
RECLAMAÇÃO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Sumário:I – Não se verifica o fundamento do recurso de revisão vertido na al. f) do art.º 696.º do CPC se o recorrente alega que a decisão da instância internacional pretensamente inconciliável irá ser proferida no quadro de uma queixa que apresentou no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

II – O n.º 5 do art.º 697.º do CPC apenas é aplicável às situações em que a revisão é interposta com fundamento na al. g) do citado art.º 696.º e nos termos da 2.ª parte do n.º 3 do art.º 631.º do CPC, pelo que a solução nele estabelecida não tem aplicação ao caso em apreço.

III – O indeferimento liminar do recurso de revisão não infringe a garantia da tutela jurisdicional efectiva quando o recorrente não fica privado do exercício do seu direito à revisão do acórdão se o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vier a proferir uma decisão definitiva que com este seja inconciliável.

Nº Convencional:JSTA000P28119
Nº do Documento:SA1202109090646/10
Data de Entrada:10/12/2016
Recorrente:A..........
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DA ORDEM DOS ADVOGADOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



A…………., advogado em causa própria, notificado do despacho do relator que indeferiu liminarmente a petição de recurso de revisão que apresentara e o condenou nas custas, veio, ao abrigo do art.º 652.º, n.º 3, do CPC, aplicável por remissão do art.º 154.º, n.º 1, do CPTA, dele reclamar para a conferência.
A parte contrária – Conselho Superior da Ordem dos Advogados –, notificada nos termos da parte final do citado art.º 652.º, n.º 3, nada respondeu.
Cumpre decidir.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“A…………, apresentou expediente que designou por “recurso de revisão”, intitulando a petição com ele junto como “recurso de revisão condicional”.
Nessa petição, pedia a renovação da instância no recurso n.º 646/10, a fim de se decidir a reclamação, de 6/1/2014, impugnatória do acórdão então tirado e, em caso de “definitivo indeferimento” do solicitado, requeria que se considerasse interposto recurso extraordinário de revisão que apresentava com fundamento no art.º 696.º, al. f), do CPC, por o acórdão deste STA de 5/12/2013 contrariar Decisão que irá ser proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no quadro de uma petição que apresentara, integrando a queixa n.º 46402/12.
Concluiu, pedindo que este STA admita liminarmente “o presente recurso de revisão” e que ”acto contínuo decretando a suspensão da instância nestes mesmos autos, até ao trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, no processo n.º 56402/12, há-de julgar a «quaestio iuris» controvertida.
Cumpre decidir.
Como resulta claramente do que ficou exposto, os presentes autos correspondem a um Recurso de Revisão, tendo sido autuados como tal.
Porém, na petição, o requerente solicitou também a renovação da instância referente ao recurso n.º 646/10.
Ora, essa renovação da instância terá de ser pedida através de requerimento apresentado no processo respectivo, não podendo ter lugar no recurso de revisão que é um processo autónomo que tem por objecto uma decisão judicial transitada em julgado (art.º 154.º, do CPTA).
Por outro lado, o fundamento do recurso de revisão constante da al. f) do art.º 696.º do CPC só se verifica quando já tenha sido proferida uma decisão definitiva de uma instância internacional, o que não sucedeu no caso em apreço. E não ocorrendo esse fundamento não há motivo para a revisão, o que implica o indeferimento imediato do recurso (cf. art.º 699.º, do CPC).
Assim, porque os fundamentos do recurso de revisão têm de estar verificados à data da sua interposição, não pode este tribunal decretar a requerida suspensão da instância até que eles venham a ocorrer e se ocorrerem.
Pelo exposto, indefiro liminarmente a petição de recurso de revisão.
Custas pelo requerente com 1 UC de taxa de justiça, uma vez que, como ele próprio reconhece, não beneficia de apoio judiciário.
DN”.
O reclamante, para além de imputar à condenação em custas a nulidade de omissão de pronúncia, alega, na presente reclamação, que o despacho do relator não tomou em consideração o disposto no n.º 5 do art.º 697.º do CPC – que claramente lhe permitia interpor recurso de revisão requerendo desde logo a suspensão da instância – e adoptou “uma dimensão interpretativa materialmente inconstitucional”, por “infracção à garantia de processo equitativo e acesso à tutela jurisdicional efectiva”.
Cremos, contudo, que não lhe assiste razão.
Vejamos porquê.
O recurso de revisão foi interposto pelo ora reclamante com fundamento na al. f) do art.º 696.º do CPC, ou seja, na inconciabilidade do acórdão recorrido com uma decisão definitiva de instância internacional vinculativa para o Estado Português.
Essa decisão da instância internacional tinha, pois, de ser definitiva, devendo o recorrente instruir o requerimento de interposição de recurso com certidão da mesma (cf. art.º 698.º, n.º 2, do CPC).
Ora, como se constatou no despacho reclamado, essa decisão inconciliável ainda não existia à data da interposição do recurso de revisão.
Assim, alegando o recorrente que a decisão da instância internacional pretensamente inconciliável iria ser proferida no quadro de uma queixa que apresentara no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, é manifesto que não se verifica o fundamento em que se baseou para interpor o recurso de revisão.
E contra este entendimento não se pode invocar a solução estabelecida pelo n.º 5 do art.º 697.º do CPC que só é aplicável aos recursos de revisão interpostos com fundamento na al. g) do art.º 696.º do mesmo diploma legal e nos termos da 2.ª parte do n.º 3 do art.º 631.º do CPC. Efectivamente, resulta claramente da letra dos nºs. 3, 4 e 5 desse art.º 697.º que o seu campo de aplicação se restringe à revisão fundada na al. g) daquele art.º 696.º que, nos termos do n.º 3 do art.º 631.º do CPC, pode ser interposta por qualquer terceiro que tenha sido prejudicado pela sentença (e não apenas pelas partes principais da causa que tenham ficado vencidas e pelas pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão – cf. nºs. 1 e 2 do referido art.º 631.º), considerando-se como tal o incapaz que interveio no processo como parte mas por intermédio de representante legal.
Nestes termos, porque o n.º 5 do citado art.º 697.º apenas é aplicável às situações em que a revisão é interposta com fundamento na aludida al. g) e nos termos da 2.ª parte do n.º 3 do art.º 631.º do CPC não tem a solução nele estabelecida aplicação ao caso em apreço.
E não se vê – nem o reclamante especifica, como lhe competia, os fundamentos por que assim considera – que a interpretação perfilhada infrinja as garantias de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva quando ele não fica privado do exercício do seu direito à revisão do acórdão se o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vier a proferir uma decisão definitiva que com este seja inconciliável.
Finalmente, no que concerne à omissão de pronúncia, causa de nulidade da decisão vertida na 1.ª parte da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, importa considerar que ela só ocorre quando o juiz deixe de se pronunciar sobre “questões que devesse apreciar” essenciais para a dirimência da lide e não de meros argumentos esgrimidos pelas partes em defesa das suas posições. Ora, o despacho reclamado, ao condenar em custas a parte que ficou vencida, estabelecendo o montante da taxa de justiça, pronunciou-se sobre a questão essencial que tinha de decidir, tendo até acrescentado, como forma de justificação, que o próprio reclamante reconhecia que não gozava de apoio judiciário, não incorrendo, por isso, na nulidade que lhe é imputada.
Portanto, não pode proceder a presente reclamação para a conferência.

Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, mantendo o despacho reclamado.
Custas do incidente pelo reclamante, com 2 UC de taxa de justiça (art.º 7.º, n.º 4, do RCP e Tabela II a este anexa).

Lisboa, 9 de Setembro de 2021.

O Relator consigna e atesta, nos termos do disposto no art.º 15.º-A, do DL n.º 10-A/2020, de 13-03, aditado pelo art.º 3.º, do DL n.º 20/2020, de 1-05, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheira Maria do Céu Neves e Conselheiro Cláudio Ramos Monteiro.
José Francisco Fonseca da Paz