Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01328/17.6BEPRT
Data do Acordão:02/01/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ARRENDAMENTO
APOIO
TRANSMISSÃO
Sumário:É de admitir revista na qual está em causa a aplicação e interpretação do regime do art. 24º, al. b) da Lei nº 81/2014, conjugado com o disposto no art. 1072º, nº 2, al. a) do CC, por se tratar de matéria com inegável relevância social, por estar em causa o direito à habitação, revestindo também essa interpretação, face aos factos provados, alguma complexidade.
Nº Convencional:JSTA000P31874
Nº do Documento:SA12024020101328/17
Recorrente:AA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
AA intentou no TAF do Porto, contra o Município de Lisboa, acção administrativa, pedindo anulação do despacho datado de 14.02.2017, da autoria do Vereador do Pelouro da Habitação e Acção Social da Entidade Demandada, que determinou a resolução do arrendamento apoiado relativo à casa ......, da entrada ...51, da Rua ..., ..., ..., bem como a condenação do Réu à prática de acto administrativo reconhecendo à A. o direito a suceder à sua avó no arrendamento e, em consequência, proceder à ocupação da habitação.

O TAF do Porto proferiu sentença, julgando a acção procedente, nos seguintes termos, “Em face do exposto, julga-se procedente a ação administrativa e, consequentemente, condena-se o Réu à prática de ato administrativo reconhecendo à A. o direito de suceder à sua avó no contrato de arrendamento da casa ..., da entrada ...51, da Rua ..., ..., ... e, em consequência, proceder à ocupação da habitação. (…)” .

Por acórdão de 30.06.2023 o TCA Norte concedeu provimento ao recurso interposto daquela decisão pelo Réu, revogando a sentença recorrida e, em substituição, julgando a acção improcedente [embora por lapso não detectado, conste do dispositivo o contrário - cfr. pág. 32 do acórdão].

É deste acórdão que a Autor interpõe o presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 150º, nº 1 do CPTA, invocando a manifesta relevância social e jurídica da questão que respeita ao direito à habitação por parte do Recorrente e a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações o Recorrido defende que o recurso deve ser rejeitado ou improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista a Recorrente invoca que o acórdão recorrido está inquinado de ilegalidade por violação, entre outros, dos arts. 3º, 10º e nº 1 do art. 163º, todos do CPA; alínea b) do art. 24º e alínea a) do nº 1 do art. 25º, ambos da lei nº 81/2014; arts. 790º e 1072º do Código Civil (CC); tendo ainda incorrido em nulidade por omissão de pronúncia – art. 615º, nº 1, al. d) do CPC; bem assim tendo violado os princípios da oralidade e imediação.

O acórdão recorrido [complementado pelo acórdão de 12.01.2024 que rejeitou a nulidade imputada àquele] revogou a decisão do TAF que julgou procedente a acção intentada, por ter entendido, contrariamente aquele Tribunal, em síntese, que a Recorrente “não reunia, à data do falecimento da sua avó, os pressupostos de que a lei faz depender o reconhecimento do direito à transmissão do contrato de arrendamento, uma vez que, não coabitava com a sua avó, primitiva arrendatária, há mais de um ano antes da sua morte, pelo que não viva com ela na mesma casa, em economia comum, não estando verificado o requisito legal do art.º 1106.º n.º 1 alínea c) do Código Civil, aplicável ao caso dos autos.
Assim, concedeu provimento ao recurso de apelação do Réu/Recorrente, revogando a sentença recorrida que julgou procedente a acção.

Ora, pese embora na presente revista não se poder discutir o bem fundado da alteração da matéria de facto (a que se reporta a invocada violação dos princípios da oralidade e da imediação), por a tal se opor o disposto nos nºs 3 e 4 do art. 150º do CPTA, afigura-se-nos que a revista é de admitir.
Com efeito, as instâncias decidiram de forma oposta a pretensão da Recorrente o que denota que a solução não é isenta de dúvidas. E, embora o decidido pelo acórdão recorrido quanto à procedência do recurso, se mostre plausível, não há dúvida de que a questão que se pretende discutir na revista se reveste de inegável relevância social por estar verdadeiramente em causa o direito à habitação [provou-se, além do mais, que em 26.04.2013 a A. enviou um mail à Ré dizendo que a avó “influenciada pela sua filha querida meteu-[a] fora de casa” e que se encontrava “doente e desempregada” e o que fazer para “[ter] direito à casa” – cfr. ponto 4 do probatório], e de alguma complexidade com vista a proceder à interpretação do disposto no art. 24º, al. b) da Lei nº 81/2014, conjugado com o disposto no art. 1072º, nº 2, al. a) do CC, em face da factualidade dada como provada.
Assim, sendo de considerar, no juízo sumário e perfunctório que a esta Formação de Apreciação Preliminar cabe realizar, que se verificam os requisitos do nº 1 do art. 150º do CPTA, é de toda a conveniência que este Supremo Tribunal se debruce sobre a questão, pelo que deve ser admitida a revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.