Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0469/06.0BEVIS
Data do Acordão:02/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CULPA IN VIGILANDO
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I - Impende sobre o Município um dever de vigilância de via rodoviária sob a sua jurisdição e , por isso, o dever de sinalização dos obstáculos existentes na mesma, independentemente de tal omissão ser assacada a um certo e determinado funcionário e de as mesmas serem levadas a cabo por iniciativa e execução de terceiros.
II - Não obstante, não é culposa essa omissão de sinalização se, no caso concreto, o Município desconhecia, por nada lhe ter sido pedido ou comunicado, e não ter obrigação de saber, que momentos antes do acidente havia sido enterrada no leito da via uma estaca de ferro para instalação de um circo, cuja autorização fora dada pela Junta de freguesia, o que ilide a presunção de culpa a que alude o art. 493º do CC.
Nº Convencional:JSTA000P27231
Nº do Documento:SA1202102180469/06
Data de Entrada:11/18/2020
Recorrente:MUNICÍPIO DE SANTA MARIA DA FEIRA
Recorrido 1:A.................. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO:
1. O Município de Santa Maria da Feira vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA do acórdão do TCAN proferido em 30.04.2020, que negou provimento ao recurso que interpusera da decisão de 13.03.2019, proferida pelo TAF de Viseu que, no âmbito de ação de responsabilidade civil extracontratual, que lhe moveram, na sequência de acidente de viação ocorrido na via pública, o condenara solidariamente com a Junta de Freguesia de Caldas de S. Jorge, no pagamento às AA e outros intervenientes, no âmbito da referida ação, nas seguintes quantias:
a) à A. A……………. a importância de € 8.750 (oito mil setecentos e cinquenta euros), acrescidos dos juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da citação até integral pagamento.
b) à referida A. a quantia de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), acrescidos dos juros de mora à taxa legal em vigor, desde a data da prolação da sentença.
c) ainda à mesma A. a quantia de 7.500.00 € (sete mil e quinhentos euros), acrescidos dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até ao seu efectivo e integral pagamento.
d) à A. B……………… a importância de 6.530.00 (seis mil quinhentos e trinta euros), acrescidos de juros à taxa legal em vigor desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento;
e) à referida A. B………….., a importância de 40.000.00 € (quarenta mil euros), acrescida dos juros à taxa legal em vigor desde a data da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento.
f) à A. B……….. a importância de 2.000.00 € (dois mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.
g) ao interveniente Hospital de S. Sebastião, E.P.E. a importância de 984,20 € (novecentos e oitenta e quatro euros e vinte cêntimos) [Conforme resulta de despacho de fls. 770 dos autos, que procedeu à rectificação de erro de cálculo existente na sentença], acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação – 15/01/2007 – até efectivo e integral pagamento.
h) ao interveniente Instituto de Segurança Social, I.P. a importância de 5.315,23 € (cinco mil trezentos e quinze euros e vinte e três cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação – em 13 de Julho de 2016 – até efectivo e integral pagamento.
2. Para tanto, alegou em conclusão:
“A. Nos autos procura-se apurar a responsabilidade civil pelos danos decorrentes de um acidente de viação ocorrido em 12.12.2004, sendo a seguinte a factualidade considerada provada quanto à dinâmica do sinistro e à matéria da culpa e responsabilidade referentes ao mesmo (...).
B. Tendo em conta a data dos factos que nos ocupam (12.12.2004), o regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas no domínio dos atos de gestão pública encontra-se no DL 48 051, de 21.11.1967, considerando-se ilícito o ato omissivo que é apontado ao aqui recorrente (falta de sinalização de uma estaca/“obstáculo” numa via rodoviária sob sua jurisdição) se ele infringiu regras de ordem técnica e de prudência comum que deviam ter sido observadas (artº 6º do DL 48051), sendo a culpa dos titulares dos órgãos e agentes apreciada em abstrato, considerada a diligência exigível a um funcionário típico (cfr. art.º 487º do CC, por remissão do artº 4º, nº 1, do citado DL nº 48 051), sendo a conduta omissiva considerada culposa quando não corresponde à que é exigível de um funcionário zeloso e cumpridor ( 26) (27) [26) cfr. doutos Acórdãos do STA de 20.10.87, in BMJ, 370, p. 392 e de 22.02.96, in AD, 413, p. 561.] [27) Cfr. douto Ac. do STJ de 27.09.1994, proferido no processo 084991].
C. Tendo ficado provado nos autos que o acidente de viação em apreço ocorreu em virtude de o ……. ter embatido numa estaca não sinalizada que se encontrava “cravada” no piso da via rodoviária por onde seguia, estaca essa que aí fora colocada por terceiro e nos instantes que imediatamente antecederam tal sinistro, o que não foi autorizado nem sequer conhecido do Município, aqui recorrente, não é inexigível ao Município que providenciasse pela pronta sinalização de tal “obstáculo, pois nem seria humanamente possível fazê-lo em tempo útil de prevenir tal acidente uma vez que este aconteceu nos instantes que imediatamente se seguiram à colocação do dito obstáculo.
D. Impendendo sobre o Município um dever de vigilância das vias rodoviárias que estão sob sua jurisdição, tal dever não implica que todas essas vias sejam em todos os momentos e em todos os locais objeto de inspeção / fiscalização pois tal seria, para além do mais, humanamente impossível.
E. No douto Acórdão recorrido é efetuada uma interpretação da obrigação de vigilância das vias municipais que impende sobre os respetivos municípios e uma interpretação da presunção de culpa a que alude o nº 1, do artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil que, a prevalecer, importaria, no entender do recorrente, que tal presunção fosse inilidível e que tal dever de vigilância não tivesse como referência as regras de ordem técnica e de prudência comum a que alude o artº 6º do citado DL 48 051 para passar a ter por referência uma “prudência excecional”, o que seguramente não foi a vontade do legislador nem tão-pouco encontra expressão no texto da lei.
F. Acresce que no mesmo douto Acórdão recorrido não se reporta a culpa dos titulares dos órgãos e agentes dos Municípios à diligência exigível a um funcionário típico, como determina o art.º 487º do CC, por remissão do artº 4º, nº 1, do citado DL nº 48 051, mas sim à diligência de um funcionário ideal, “sobre-humano”, defendendo-se ainda no douto Acórdão recorrido que a conduta omissiva não é considerada culposa apenas quando não corresponde à que é exigível a um funcionário zeloso e cumpridor mas sim a um tal “super” funcionário “ideal” .
G. No caso que nos ocupa, justificou o Município aqui recorrente a razão pela qual não sinalizou o dito obstáculo (“estaca”): por mais zelosos e diligentes que fossem os seus órgãos, agentes e funcionários, não lhes era humanamente possível conhecer a existência de tal obstáculo e em tempo útil sinalizá-lo, pois ele fora aí colocado por terceiro e nos instantes que imediatamente antecederem tal sinistro e sem que o Município aqui recorrente disso tivesse qualquer conhecimento.

H. Incumbindo ao R. Município, querendo afastar a presunção de culpa sobre si impende nos termos do art. 493º do CC, a prova de que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, entende o ficou demonstrado nos autos que a instalação naquele local de um circo não foi por si licenciada, nem autorizada, nem tão pouco lhe foi participada ou levada ao seu conhecimento, ocorrendo o sinistro no preciso momento em que a montagem daquele circo acontecia e a dita “estaca” / obstáculo era colocada na via.recorrente que logrou fazer tal prova pois, por um lado,

I. Nos termos da lei (art. 483º, n.º 2, do CC), (…) “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei” (…). Por sua vez (…) “a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto” (…), sendo que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas fundada em facto ilícito está dependente da verificação cumulativa dos respetivos pressupostos: o facto do órgão ou agente, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Ora, como ensina A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I, pág 571, (…) “agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” (…) – negritos e sublinhados nossos. E, no caso que nos ocupa, ao aqui recorrente não é legalmente exigível, porque, desde logo, é humanamente impossível, que “adivinhasse” que naquele concreto dia, hora e local alguém iria cravar uma estaca no piso daquele arruamento e ainda exigir-se-lhe que no mesmo instante a sinalizasse… Sem prescindir,

J. Ainda que tal sinalização lá tivesse sido colocada ela não informaria a condutora do automóvel sinistrado mais do que aquilo que ela já previamente conhecia: que nessa via e nesse dia e hora decorria a montagem do dito circo, com os perigos daí decorrentes, pelo que os danos resultantes de tal acidente sempre ocorreriam e na mesma medida mesmo que tal “obstáculo” se encontrasse sinalizado, o que nos termos da parte final do disposto no nº 1, do artº 493º do CC isenta o Município de responsabilidade pelos danos decorrentes do mesmo. Na verdade,

Ficou provado nos autos, para além do mais, que:) a A. (condutora do automóvel sinistrado) é natural e residente nessa freguesia; b) o Interveniente C…………. (proprietário do referido circo) havia anunciado à população dessa freguesia (na qual se incluem as AA. aqui recorridas) que na manhã desse dia 12.12.2004 iria proceder à montagem do circo (quesito 35º da B. I.); c) na ocasião do sinistro encontrava-se estacionado, junto ao local onde o mesmo veio a ocorrer e na berma da via rodoviária por onde seguiam as AA., o camião e o atrelado (cujo conjunto tem cerca de 15 metros de comprimento) que iria integrar a estrutura desse circo (o seu “chapiton”), o que era “bem visível a pelo menos 50 metros do local para qualquer condutor que, como a condutora do …., circulasse na referida via”; d) nesse local a via rodoviária é uma reta, na altura fazia bom tempo e a faixa de rodagem tem 10 metros de largura, sobrando ainda livre para a circulação automóvel 10,90 metros de largura quando se conta com a largura da zona de estacionamento que existe desse lado direito (atento o sentido de marcha do ……), situando-se o obstáculo (estaca) contra o qual o …… embateu próximo do eixo da via. Aliás, as próprias AA. ora recorridas admitem nos autos que previamente à ocorrência do sinistro no qual foram intervenientes sabiam da existência do mesmo, sabiam que ele ia ser montado, como resulta dos depoimentos de parte que prestaram nos autos (28) [(28) A este propósito diz-se na assentada que foi lavrada relativamente ao depoimento de parte da A. B……… que (…) “tinha sabido que ia haver um circo em Caldas de São Jorge por o ter ouvido às crianças do infantário anexo ao local onde a depoente trabalhava na altura”.],

Não se aceitando a conclusão que se faz no douto Acórdão recorrido de que o aqui recorrente (…) “não podia deixar de ter conhecimento que na referida via se iria realizar o circo em causa já que havia sido noticiada a sua realização, como, de resto, assim costumava realizar-se todos os anos por altura das festas de Natal naquela freguesia de Caldas de São Jorge e porque no âmbito do seu território naturalmente se presume ter desse evento conhecimento” (…) e de que (…) “não podia desconhecer ou ser alheio à realização do circo naquela freguesia integrante da sua área territorial, e nomeadamente essa realização naquela via municipal, como já era usual em anos anteriores ali realizar-se” (…). Na verdade,

Por um lado, é a própria matéria de facto considerada provada nos autos que contradiz tal “conclusão” e, por outro, o argumento de que a instalação naquela freguesia do dito circo era um acontecimento que anualmente se repetia não permite a conclusão de que por isso o Município não o podia desconhecer pois sempre teria de se questionar em que concreta data iria o circo proceder à montagem da sua estrutura (não sendo para tal suficiente a referência “por alturas do Natal”) e em que concreto local daquela freguesia ela iria acontecer pois até resulta dos autos que nos anos anteriores tal circo era montado noutro local dessa freguesia (29) [(29) Na verdade, a este propósito resulta dos depoimentos de parte que foram prestados nos autos pela A. B………. e pela Junta de Freguesia Ré, de cujas assentadas foram lavradas, que nos anos anteriores ao do sinistro aqui em apreço o local escolhido para a instalação desse circo foi o “…….” e não a dita “Avª ……” onde nesse ano de 2004 ele acabou por ser montado], ao que acresce o facto, também provado nos autos, que também nos anos anteriores a instalação desse circo naquela freguesia era acordada exclusivamente entre a Junta de Freguesia Local e o proprietário do circo, à revelia do Município ora recorrente.

Acresce que a entender-se, como se defende no douto Acórdão recorrido, que dos aludidos factos resulta que o Município tinha de ter conhecimento da montagem de tal circo – o que não se concede – sempre teria de se concluir que, por maioria de razão e tendo em conta aqueles factos referidos supra, igual e até mais profundo conhecimento de tal facto teriam as AA.!...

K. Sendo certo que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (cfr. nº 5, do artº 607º do CPC) deve, todavia, compatibilizar toda a matéria de facto adquirida e extrair dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, resultantes do curso normal dos factos (cfr. nº 4, do artº 607º do CPC). E no entender do recorrente tais regras impõem a conclusão a que chegamos supra.

Também sem prescindir,

L. Resulta da matéria de facto que o …… embateu numa estaca existente na via por onde circulava e que se encontrava cravada próxima do respetivo eixo e logo de seguida o …. capotou (cfr. als. D) e E) da Matéria Assente e respostas ao quesito 8º e 9º da Base Instrutória). No momento do sinistro o …. circulava no interior de uma localidade (no centro da vila de Caldas de S. Jorge, junto à sua Igreja matriz onde acabara de ser celebrada uma missa, com a consequente circulação adicional de peões), de modo que não se concebe que uma condução atenta, numa reta cuja faixa de rodagem tem 10 metros de largura, boa visibilidade e bom tempo e a uma velocidade não superior à máxima permitida por lei para o local, o embate com uma estaca com 50 cm de altura faça com que esse automóvel de imediato capote, como se diz em D) dos Factos Assentes, o que só faz sentido se se admitir que a velocidade que no momento animava o …. era bem superior àquela e ainda assim com uma condução desatenta e imprudente. Aliás, atento o espaço livre que na sua hemi-faixa direita a condutora do …… tinha para circular (10,90 metros de largura), se o fizesse de acordo com as regras do Cód. Estrada, nomeadamente do seu artº 13º, passaria ao lado da dita “estaca” sem nela tocar…

É, pois, inequívoca a conclusão que o sinistro de que cuidam os presentes autos se deve, ou pelo menos se deve também, à incúria, imperícia e/ou distração da condutora do …..

Assim sendo, não obstante a presunção de culpa que impende sobre o recorrente, o certo é que a culpa das AA. na produção dos danos sempre excluiria a obrigação de indemnizar, como resulta do art. 570º, nº 2 do CC e do art. 4º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

M. E mesmo que assim não fosse, mesmo que se considerasse haver alguma falha ou conduta omissiva a apontar ao R. Município (o que não se concede), nunca esta poderia considerar-se causal do acidente. Efetivamente, de acordo com o art. 563º do CC (…) “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (…). In casu, o dano que as AA. alegam não decorre de qualquer ato ou omissão por parte do R. Município, sendo antes fruto de circunstâncias excecionais, fortuitas e imprevisíveis que no caso se registaram e do próprio comportamento da condutora do ….. que ignorou os diversos “sinais” que se lhe depararam da existência da montagem de um circo na via por onde seguia, o que lhe impunha uma condução com redobrados cuidados.

Assim, tendo em conta o disposto nos artºs. 570º do CC e 4º do referido Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, falece qualquer nexo de causalidade entre uma qualquer omissão do R. Município e o dano invocado, pois sempre se configuraria um caso de exclusão ou limitação da indemnização, fundado na negligência corresponsabilizadora da A. condutora do …………..

Ainda sem prescindir,

N. Nos autos a co-Ré Junta de Freguesia e o Interveniente C………... assumem que aquela se comprometeu a cortar o trânsito automóvel naquele arruamento onde iria ser instalado o dito “Circo ……..” no dia e local do sinistro, assim impedindo que por aí circulassem veículos automóveis nomeadamente no período em que decorressem os trabalhos de montagem do mesmo. Assim, entende o recorrente que também por tal razão inexiste qualquer sua responsabilidade na ocorrência do sinistro em questão, seja porque não lhe foi dado conhecimento de que naquele dia, hora e local iria ser montado o dito circo, seja porque se comprometeu aquela Junta de Freguesia a “cortar” o trânsito automóvel naquele arruamento nesse período de tempo em que a estrutura do circo iria ser montada, o que tudo foi feito à margem e revelia do R. Município, que tudo desconhecia nem tinha forma nem tempo útil de conhecer e assim prevenir!... Isto é, no entender do recorrente, as referidas Junta de Freguesia e Interveniente expressamente assumem nos seus articulados ser exclusivamente sua (resta apurar em que concreta medida para cada um deles) a responsabilidade pela inexistência no momento do acidente de sinalização do obstáculo que veio provocá-lo.

Por último, diga-se ainda que

O. Nos nºs 13 e 14, da douta Base Instrutória considera-se provada factualidade vaga, imprecisa e conclusiva (veja-se as seguintes expressões aí constantes: “relativamente impercetíveis”, “distância suficiente”, “curta distância”, “próximo”) e o n 16º da mesma B.I. contém matéria de Direito, pelo que deveria o Mmo Julgador a quo abster-se de relativamente a elas se pronunciar, devendo considerar-se tais respostas como não escritas.

E entende o recorrente que também a factualidade constante do nº 14 da douta Base Instrutória é conclusiva e contém expressões vagas e imprecisas, devendo pois por tal facto considerar-se não escrita. Porém, caso este não seja o douto entendimento deste Tribunal sempre se dirá que se alguma conclusão se impõe retirar do confronto desta factualidade (do nº 14 da Base Instrutória) com a constante dos nºs 5 a 9 e 27 da Base Instrutória, é a de que era possível à A. aperceber-se da presença da estaca contra a qual embateu a uma distância que lhe permitia imobilizar o veículo automóvel que conduzia antes de nela embater, ou então contorná-la sem nela tocar.

P. Ao assim não ter procedido, entende o recorrente que o douto Acórdão recorrido violou o disposto no nº 4, do artº 607º do CPC, devendo este Tribunal de recurso considerar como não escritas as sobreditas expressões, decidindo-se em conformidade com o que for de Direito.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vªs Exªs, Excelentíssimos Juízes Conselheiros, sabiamente suprirão, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que absolva o Município aqui recorrente dos pedidos que contra si são formulados, assim se fazendo, como se espera e é apanágio de Vªs Exªs, inteira e sã JUSTIÇA !”

3. As Recorridas deduziram contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“a) O dispositivo constante do art. 150.º do CPTA consagra o recurso de revista como uma situação verdadeiramente excecional.

b) Neste sentido refira-se a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 16-01-2013 onde se proferiu que o recurso de revista destina-se a viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

c) O Recorrente entende incorretamente que a interpretação da obrigação de vigilância das vias municipais realizada pelo Acórdão torna a presunção do art. 493.º, n.º 1 do Código Civil inilidível, exigindo não um funcionário zeloso e cumpridor, mas “sobre-humano”, alegando ainda que o Tribunal de 2.ª instância violou as regras da experiência e saber comum.

d) O Tribunal de 2.ª instância tomou por referência a diligência exigível de um funcionário ou agente zeloso que atua com respeito pela lei.

e) O Acórdão recorrido considerou que na responsabilidade civil extracontratual do Estado e da Administração verifica-se a inversão do ónus da prova, protegendo-se o lesado da prova dos factos ou operações que não domina, não controla e desconhece. Inversão do ónus da prova que assenta na presunção de culpa ínsita no art. 493.º, n.º 1 do Código Civil.

f) Presunção que o Recorrente não logrou ilidir dado que foi o obstáculo existente na faixa de rodagem de uma via municipal, não sinalizado, que provocou o embate e consequente capotamento da viatura.

g) Deste modo, o Acórdão interpretou corretamente os preceitos legais aludidos pelo Recorrente, designadamente o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas e o disposto nos arts. 487.º e 493.º do Código Civil.

h) Não se vislumbrando de que forma violou o Acórdão as regras de experiência e do saber comum, sendo, porém, tal matéria insuscetível de ser censurada pelo Supremo Tribunal que apenas decide questões de direito.

i) Por outro lado, a questão da adoção do critério do funcionário zeloso/cumpridor como aferidor da culpa do agente, bem como a interpretação da presunção prevista no art. 493.º consubstanciam questões de direito bem definidas e consabidamente debatidas pela jurisprudência; não se verificando, no caso concreto, quaisquer questões necessárias para uma melhor aplicação do direito.

j) Tal significa que a questão suscitada no recurso, ainda que não seja exclusivamente uma questão de facto é uma questão que só pode ser resolvida perante o caso concreto, não sendo portanto possível ver na resolução deste caso uma orientação para casos futuros.

k) O que urge aquilatar é se no caso em análise a eventual vigilância e fiscalização do Recorrente relativamente ao obstáculo colocado na via municipal, ilide ou não a presunção de culpa do art. 493.º, n.º 1 do Código Civil. Pelo que, a relevância de decisão jurídica não se autonomiza das particularidades do caso – daquela estaca em concreto, colocada naquela via municipal e da concreta atividade de vigilância a exercer pelo Município.

l) Daí que a questão da subsunção, mesmo que não seja exclusivamente matéria de facto, dada a sua singularidade, não se reveste de importância jurídica fundamental.

m) Quanto à aplicação da presunção de culpa e forma de a ilidir, o Acórdão proferido, como já se expôs supra, está em consonância com o que vem sendo decidido pelos tribunais inferiores e pelo Supremo Tribunal Administrativo. O Acórdão está bem fundamentado do ponto de vista jurídico, optando e seguindo a orientação doutrinal e jurisprudencialmente aceite.

n) Neste sentido, indica-se, a título meramente indicativo, o Acórdão do STA proferido a 7 de Abril de 2011 no processo 02977/11, bem como o Acórdão do STA proferido a 20-10-2016 no processo 01073/16, onde se decidiu: «Não se justifica a admissão de revista quando a situação em análise e o debate jurídico sobre ela empreendido sejam claramente casuísticos, não possuindo, pois, características de generalização e de consequente capacidade de expressão de controvérsia».

o) Por conseguinte, não cumprindo o recurso interposto os requisitos legais prescritos no art. 150.º do CPTA, mormente os pressupostos que justificam a sua excecionalidade, é inadmissível, devendo, consequentemente, ser rejeitado.

Não obstante, caso Vs. Ex.as Venerandos Juízes Conselheiros entendam ser de admitir o recurso de revista, as Recorridas apresentam as seguintes alegações:

p) Em primeiro lugar, o Recorrente município refere que não lhe poderia ser exigido que providenciasse pela sinalização do obstáculo cuja existência desconhecia pois o dever de vigilância que lhe assiste não obriga a fiscalizar em todos os momentos todas as vias municipais.

q) Chamando à colação a facticidade provada nos pontos 18, 19, 22 e 23 da sentença (confirmado no Acórdão) constata-se que a via onde se verificou o sinistro é municipal, encontrando-se sobre a administração do próprio município; competindo-lhe a sinalização dos obstáculos existentes na via onde circulavam as Autoras de forma a garantir que estas e os demais utentes que aí circulassem, o fizessem em condições de segurança para as suas pessoas e bens.

r) Pelo que que a falta de sinalização do obstáculo existente na via – a estaca de ferro – constitui uma omissão do dever do seu dever de vigilância e de cuidado para com as autoras e demais utentes da via.

s) Acrescenta o recorrente que não se tendo provado que autorizou expressamente a colocação do circo nem que soubesse da ocorrência do mesmo, inexistiu da sua parte violação do seu dever de vigilância; apreciação incorreta pois da matéria de facto provada não se retira que o município não tivesse conhecimento de que a montagem do circo em causa viesse a ser naquela via instalado, e, bem assim, da sua subsequente realização naquela via.

t) Não obstante, mesmo que o Réu não tivesse expressamente autorizado o funcionamento do circo, nada se apurou que permita assegurar que não soubesse que o mesmo ali seria implantado pois a sua realização foi anunciada na freguesia das Caldas de S. Jorge que pertence ao Município de Santa Maria da Feira, presumindo-se que a edilidade municipal terá conhecimento dos eventos que ocorrem no seu território.

u) Mas mesmo que o réu município desconhecesse (o que se considera apenas por mera hipótese de raciocínio) a implantação e realização do espetáculo de circo, teria sempre obrigação de saber da realização de um evento municipal, consubstanciando tal desconhecimento violação do dever de vigilância e de cuidado que legalmente lhe assiste.

v) Incorreu, por isso, o município num comportamento culposo já que lhe incumbe a gestão da respetiva via municipal, assegurando que em todas e quaisquer circunstâncias lhe cabe garantir a segurança do trânsito que pela mesma circula e consequente segurança de pessoas e bens; deveres que no caso concreto não se positivaram já que não logrou provar ter encetado quaisquer diligências que em concreto demonstrassem o cumprimento dos mesmos.

w) O Recorrente não provou ter dado cumprimento ao disposto no art. 5.º do Código da Estrada e nos art. 64.º, n.º 2, alínea f) e n.º 7, alínea b) da Lei n.º 169/99 de 18/9.

x) De acordo com estes normativos legais, incumbia ao Município proceder à sinalização nos pontos ou troços da mesma via em que o trânsito impusesse aos condutores precauções especiais, no caso devido à instalação do referido circo ou eventualmente a sinalização de qualquer obstáculo na via que aí tivesse sido colocado, na prevenção de quaisquer perigos para os utentes da mesma via e motivada pela instalação na via e/ou em parte dela da instalação desse circo; competindo ao Município administrar o domínio público municipal.

y) Com efeito, competia ao Recorrente prevenir o aparecimento de obstáculos na via em causa, sinalizando-os ou procedendo ao corte de circulação de trânsito (com colocação de barreiras e sinal de trânsito proibido); antes, durante e até a remoção de toda a estrutura do circo.

z) Omitindo o Município o dever de sinalizar ou proceder à corte da via violou culposamente a obrigação constante do art. 5.º do Código da Estrada.

aa) Além disso, sempre será de afastar a argumentação que se estriba na impossibilidade, física e humana, de em todos os momentos e em todas as estradas que estão sob a jurisdição do município, estarem funcionários autárquicos com vista à vigilância das mesmas, dado tal argumento, a acolher-se, implicaria que nunca seriam os Municípios responsabilizados pelos acidentes motivados pela falta de sinalização de obstáculos, ocorridos em vias municipais.

bb) Por outro lado, terá também de soçobrar a conclusão de que mesmo que se o obstáculo estivesse sinalizado, o acidente sempre se verificaria pois está provado que as estacas eram relativamente impercetíveis para qualquer condutor que circulasse na via dada a inexistência de qualquer sinal que assinalasse a sua existência e pelo facto de serem de cor escura e, por isso, se confundindo com a mesma coloração escura do piso da via e, também por isso, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o embate ocorreu, não era possível à autora aperceber-se a uma distância suficiente para que pudesse evitar o embate na mesma. Tanto mais que o conjunto de atrelado e camião estavam estacionados num campo ou terreno a ladear a via ou rua onde o mesmo embate ocorreu e fora da mesma, sendo indiferente para a dinâmica do acidente que fossem visíveis pois encontrando-se distanciados da faixa de rodagem em nada interferiram no sinistro.

cc) É que a censurabilidade da conduta do recorrente não se prende somente com a circunstância de ter tido possibilidade de sinalizar ou não o obstáculo que provocou o acidente (a estaca cravada na via), mas sobretudo pelo facto de não ter provado quais as medidas concretamente encetadas para vigiar e assegurar a segurança da circulação de pessoas e bens na via de trânsito onde se espoletou o sinistro; concluindo-se, assim, pela falta de diligência e violação do dever de vigilância que incumbia ao município.

dd) Como refere o Acórdão recorrido, o embate e capotamento da viatura foi provocado pelo obstáculo cravado na via e não sinalizado pelo município, não existindo qualquer circunstância excecional ou fortuita que tenha contribuído para o acidente, mostrando os factos a existência de nexo de causalidade entre a conduta ilícita e omissiva do município e os danos cujo pagamento as Recorridas peticionam.

ee) O Recorrente não logrou ilidir a presunção de culpa regulada no art. 493.º, n.º 1 do Código Civil.

ff) O recorrente invoca ainda que mesmo a agir com culpa, estaria excluída a sua obrigação de indemnizar as autoras atendendo à culpa das mesmas, como prescrito no art. 570.º, n.º 2 do CC. Contudo, em relação à autora B…….. tal nunca se aplicaria pois a mesma era passageira, jamais se lhe podendo imputar qualquer conduta contributiva da eclosão do acidente. Não resultando provada qualquer factualidade que permita concluir que a autora A……… realizasse uma condução desatenta ou descuidada, comprovando-se outrossim que foi a falta se sinalização do obstáculo na via que provocou o embate.

gg) Inexistindo, assim, qualquer conduta culposa por parte da autora A…………, a aplicação do normativo constante do art. 570.º, n.º 2 do CC está excluída.

hh) Finalmente, o recorrente alega que a Ré junta de freguesia e o interveniente assumem nos seus articulados ser exclusivamente destes a responsabilidade pela inexistência, no momento em que tal acidente ocorreu, de sinalização do obstáculo que veio a provocar o sinistro. Factualidade que não resultou provada.

ii) Provou-se ter existido por parte de ambos os réus um comportamento culposo e ilícito, porque sendo uma via pública municipal a ambos competia o dever de providenciar pela segurança da via para todos aqueles que pela mesma circulassem, nomeadamente sinalizando o obstáculo em causa ou exigindo ao interveniente que ali o colocou essa sinalização, cortando ou impedindo a circulação do trânsito, o que não sucedeu no caso concreto.

jj) Não fosse essa omissão do dever de cuidado dos réus na omissão da sinalização do obstáculo da via ao trânsito, o evento com toda a probabilidade não teria ocorrido.

kk) De facto, «não pode o Município eximir-se da obrigação se sinalizar os obstáculos existentes na via com fundamento de a Junta de Freguesia se ter comprometido a cortar o trânsito automóvel, o que, como atesta a matéria de facto, nem sequer foi feito».

ll) O Acórdão recorrido realizou uma correcta e acertada interpretação/ aplicação dos normativos legais à matéria fáctica provada.

Da matéria de facto:

mm) Conforme resulta do disposto nos art.ºs 674.º, n.ºs 1 e 3 e 682.º do CPC, o recurso de revista não tem por fundamento o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, não podendo ser alterada a decisão proferida pelo tribunal recorrido no que concerne à matéria de facto.

nn) Assim, as alegações do Recorrente que pretendem ver alterada a apreciação sobre a matéria de facto, designadamente as conclusões das alíneas L, M, N, O e P, devem considerar-se como não escritas e totalmente desconsideradas por Vs. Exas. Venerandos Juízes Conselheiros.

oo) Lamentando-se ainda a desatenção do Recorrente quando volta a incluir na sua alegação fáctica o ponto 17 da matéria provada (resposta ao quesito 16.º da base instrutória) que já foi suprimido dos factos provados no Acórdão recorrido.

Sem prescindir e caso este Venerando Tribunal considere ser de apreciar a decisão sobre a matéria de facto:

pp) O recorrente considera que as expressões “relativamente”, “distância suficiente”, “curta distância” são conclusivos, extravasando a resposta à matéria de facto, devendo considerar-se como não escritos. No entanto, tais expressões têm de ser concatenadas com a resposta à matéria fáctica elencada no ponto 15 pois pretendem explicitar dois elementos fácticos essenciais para a compreensão da dinâmica do acidente que não seria possível concretizar doutro modo: a quase total impercetibilidade das estacas cravadas na via para um condutor prudente e mediano, o que tornava impossível avistá-las a tempo de evitar o embate que sucedeu.

qq) Não configuram, por isso, matéria conclusiva, mas condensadora de factos concretos relativos à dinâmica e o nexo causal do sinistro; devendo, por isso, manter-se inalterada.

rr) No que respeita aos factos descritos nos n.ºs 2 a 4 da base instrutória, importa relembrar que a estaca não se encontrava cravada próxima do eixo da via, mas antes colocada na meia faixa de rodagem do lado direito da via, atento o sentido de marcha do veículo, ainda que mais próxima do eixo da via. Estaca que sendo impercetível para qualquer condutor prudente, não permitiu que a autora se desviasse, tanto mais que não seria de prever a existência de um obstáculo sem sinalização em plena via municipal aberta ao trânsito.

ss) O Acórdão recorrido não violou qualquer dispositivo legal.(...) ”

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 05.11.2020.

5. O MP não emitiu parecer.

6. Após os vistos legais, cumpre decidir.


*

MATÉRIA DE FACTO fixada pelas instâncias com relevância para a decisão da causa:

1. No dia 12 de Dezembro de 2004, pelas 08h30, na Av.ª ……… - C.S. Jorge, na freguesia de Caldas de S. Jorge, concelho de Santa Maria da Feira, ocorreu um embate em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros de marca Renault, modelo Clio, e com a matrícula ……, sendo este veículo automóvel, na altura, conduzido pela autora A…….., sua proprietária, e seguia no mesmo veículo, como passageira, e no banco da frente, a também autora B………. e circulando então o veículo …. na referida via no sentido Av.ª da Igreja/E.N. 223 - alíneas A), B) e C) da matéria assente;

2. Nas referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o veículo …… embateu num obstáculo existente na faixa de rodagem da mesma via e, logo de seguida capotou – alínea D) da matéria assente;

3. O obstáculo existente na referida via e no qual onde o …… embateu, era uma estaca de ferro com cerca de 50cm de altura, espetada ou chumbada no piso da mesma via – alínea E) da matéria assente;

4. O interveniente C………………. foi quem, no mesmo dia e momentos antes do embate mencionado em 1., havia ali colocado a referida estaca de ferro, o que constituía o início da montagem do circo denominado circo “……..”, propriedade do interveniente C…………. – alíneas F) e G) da matéria assente;

5. Logo após a implantação dessa estaca o interveniente C…………… e seus trabalhadores abandonaram o local e foram tomar o pequeno-almoço e, por isso, estavam ausentes do local na altura do embate mencionado em 1.– alínea H) da matéria assente;

6. Pelo menos a ré Junta de Freguesia de Caldas de S. Jorge autorizou o interveniente C………………. a montar as instalações do circo “…….” na via de trânsito onde ocorreu o embate, e autorização essa feita mediante um contrato oneroso celebrado entre a mesma ré Junta de Freguesia e o mesmo interveniente C………… – alíneas I) e J) da matéria assente;

7. E contrato esse que estipulava que o interveniente C…………… se comprometia a realizar um espectáculo de circo na Festa de Natal para a pequenada da freguesia das Caldas de S. Jorge, contra o pagamento por parte desta àquele, da importância de 1.250€ - alínea K) da matéria assente;

8. A ré Junta de freguesia, havia-se comprometido com o interveniente C…………. a cortar o trânsito da via mencionada em 1., no dia 11 de Dezembro de 2005, a fim de este proceder à montagem da estrutura do circo …….. no dia imediato, 12 de Dezembro de 2005 – alínea L) da matéria assente;

9. A via onde ocorreu o embate e mencionada em 1. é uma via municipal – alínea M) da matéria assente;

10. As autoras A…….. e B………… respectivamente no dia 10 de Fevereiro de 1976 e no dia 30 de Janeiro de 1944 – alíneas N) e O) da matéria assente;

11. As Autoras A……….. e B………… são beneficiárias da Segurança Social, respectivamente com o n.º ……… e n.º …………. – alíneas P) e Q) da matéria assente;

12. Momentos antes do embate e na altura deste, o …… circulava pela via mencionada em 1. pela sua hemi-faixa de rodagem, do lado direito, atento o seu sentido de marcha, e esse troço da via onde ocorreu o embate era constituído por uma recta, estando nessa altura o tempo bom e a mesma via, nesse local do embate, apresentava e apresenta uma faixa de rodagem com 10 metros de largura – respostas aos quesitos 1.º, 5.º, 6.º e 7.º da base instrutória;

13. A estaca de ferro onde o veículo …… embateu encontrava-se colocada na meia faixa de rodagem do lado direito da via, atento o sentido de marcha do mesmo ….., ainda que mais próximo do eixo da via, sendo certo que ainda havia livre para a circulação automóvel 10,90 metros, contando com a largura da zona de estacionamento que desse mesmo lado direito existe – respostas quesitos 8.º e 9.º da base instrutória;

14. Na zona do local do embate, existiam, dispersas pela faixa de rodagem, mais três estacas iguais àquela em que o …… embateu, sendo que nem aquela nem estas se encontravam sinalizadas – respostas aos quesitos 10.º, 11.º e 12.º da base instrutória;

15.Todas as referidas estacas eram relativamente imperceptíveis para qualquer condutor que na via circulasse dada a inexistência de qualquer sinal que assinalasse a sua existência e, ainda, pelo facto de serem de cor escura e, por isso, se confundindo com a mesma coloração escura do piso da via, em alcatrão e, também por isso, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que o embate ocorreu, não era possível à autora aperceber-se a uma distância suficiente para que pudesse evitar o embate na mesma, embora tal já fosse possível a curta distância da mesma – respostas aos quesitos 13.º e 14.º da base instrutória;

16. Na altura do embate não existia qualquer sinal de trânsito ou outro que impedisse ou proibisse a circulação na via em que o embate ocorreu – resposta ao quesito 15.º da base instrutória;

17. Eliminado, dado conter exclusivamente matéria de direito.

18.O interveniente C…………….. não encetou ou não teve qualquer contacto com o réu município para a instalação do circo naquela via e, consequentemente, também o réu município não o autorizou expressamente a tal instalação mas, já nos anos anteriores era prática habitual o mesmo interveniente ali instalar o circo e pedindo apenas autorização à Junta de Freguesia ré – resposta ao quesito 17.º da base instrutória;

19. O réu município apenas teve conhecimento de tal após a ocorrência do acidente em data não concretamente apurada – resposta ao quesito 18.º da base instrutória;

20. Na altura do embate do …… estavam espetadas no piso da via quatro (4) estacas, pelo mesmo dispersas, contando aquela em que o ….. embateu, destinando-se todas elas a nas mesmas serem atadas as cordas que iriam segurar a estrutura do circo que o interveniente estava a montar na via – resposta aos quesitos 20.º e 21.º da base instrutória;

21. Aquelas estacas plantadas na via iriam ser complementadas com a implantação na mesma via de dois mastros com cerca de 10 metros de altura e 25 centímetros de diâmetro, uns e outros destinados a suportar ou segurar a estrutura do circo – resposta ao quesito 23.º da base instrutória;

22. O interveniente, C………….., havia transportado todo o material para montar o circo na via em causa, incluindo a cobertura do circo, em lona, denominado “chapiton”, num camião e num atrelado, tendo o conjunto cerca de 15 metros de comprimento, ficando o atrelado, com cerca de 6 metros de comprimento, a integrar a estrutura do próprio circo – resposta ao quesito 25.º da base instrutória;

23. O mesmo interveniente C……………, havia estacionado o veículo com o atrelado com o qual transportara os materiais necessários à montagem do circo fora da via mas próximo da mesma, onde ocorrera o embate do ….. com a estaca, sendo este veículo com o seu atrelado bem visível a pelo menos 50 metros do local, para qualquer condutor que, como a condutora do ….., circulasse na referida via – resposta aos quesitos 24.º, 27.º e 28.º da base instrutória;

24. O interveniente C…………. tinha feito alguma propaganda, por toda a área da freguesia ré, no dia anterior à ocorrência do embate, de que o circo se iria realizar no local onde o embate veio a ocorrer e, bem assim, a própria ré Junta de Freguesia – resposta aos quesitos 29.º e 32.º da base instrutória;

25. As autoras, antes do embate, tinham assistido a uma “missa” celebrada na Igreja da localidade resposta ao quesito 31.º da base instrutória;

26. A Junta de Freguesia não cumpriu com o mencionado em 8., ou seja, não cortou a via e o local ao trânsito onde estava a ser montado o circo pelo interveniente C……….. – resposta ao quesito 34.º da base instrutória;

27. Mas o interveniente C………, apesar do não cumprimento por parte da ré Junta de freguesia do referido em 26., teve que proceder à montagem do circo ou ao início da montagem do mesmo nessa manhã do dia 12 de Dezembro de 2005, porque a tal se havia comprometido, como anunciara à população da mesma freguesia – resposta ao quesito 35.º da base instrutória;

28. A Junta de freguesia ré forneceu ao interveniente C……….. tudo o que este necessitava para a montagem do circo naquele local, inclusive a energia eléctrica necessária para tal fim – resposta ao quesito 36.º e 37.º da base instrutória;

29. Como consequência directa e necessária do embate mencionado em 1., o …… ficou totalmente danificada.

30. De mandando a sua reparação um custo de € 10.651,88 e custo este que desaconselhava a sua reparação, por à data do embate o seu valor comercial ser de € 8.000,00 – respostas aos quesitos 42.º, 43.º, 44.º e 45.º da base instrutória;

31. Com o embate sofrido pelo ……, este ficou afectado na sua estrutura e nos próprios órgãos de direcção e motor, sendo que a condutora do ……. tinha adquirido o mesmo há cerca de um ano, e encontrando-se o mesmo …., à data do embate, em bom estado de conservação – respostas aos quesitos 46.º, 47.º e 48.º da base instrutória;

32. Após o embate do ……, o seu salvado ficou com um valor não superior a € 1.000,00 – resposta ao quesito 50.º da base instrutória;

33. Como consequência directa e necessária do descrito embate mencionado em 1., a Autora A…………. sofreu traumatismo nasal, do qual resultou epistaxis e fractura dos ossos próprios do nariz – resposta ao quesito 51.º da base instrutória;

34. E lesões corporais essas às quais foi socorrida no SU do Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira, onde lhe foi diagnosticada a referida fractura dos ossos próprios do nariz – resposta ao quesito 52.º da base instrutória;

35.Tendo sido reconduzida para consulta externa de ORL e apresentava então algumas queixas de hipoacusia flutuante à esquerda, e foi aí a mesma autora, entretanto acompanhada por um especialista em Otorrinolaringologia, que a observou a 13/12/2.004 – respostas aos quesitos 53.º, 54.º e 55.º da base instrutória;

36.E apresentando a mesma autora ao exame objectivo:

- Otoscopia: Normal

- Região Facial: hematoma e edema do dorso do nariz e região paralatero esquerda, com ligeiro desvio lateral esquerdo dos ossos próprios do nariz.

- Rinoscopia anterior: ligeiro desvio do septo nasal para a direita – resposta ao quesito 56º da base instrutória;

37. Foi ainda mesma autora submetida a exames subsidiários: timpanograma com curvas A (normal) – resposta ao quesito 57.º da base instrutória;

38. E também foi a mesma Autora submetida a uma tentativa, sem sucesso, de redução do desvio dos ossos próprios do nariz – resposta ao quesito 58.º da base instrutória;

39. Depois, em 18/07/2005, recorreu a autora A…………. a nova consulta junto do referido especialista, apresentando as seguintes sequelas definitivas:

- Ligeira dismorfia nasal (desvio esquerdo).

- Ligeira obstrução nasal direita – resposta ao quesito 59.º da base instrutória;

40. A autora A…………., devido às sequelas permanentes com que ficou, como consequência directa e necessária das lesões corporais sofridas no acidente, com uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 2% ou 2 pontos percentuais –resposta ao quesito 60.º da base instrutória;

41. A A……….. era, à data do acidente, pessoa extremamente saudável, dinâmica e trabalhadora – resposta ao quesito 61.º da base instrutória;

42. A autora A………. é contabilista de profissão, trabalhando para a C……….., Ldª, e auferindo a remuneração mensal de € 750,00 – resposta aos quesitos 62.º e 63.º da base instrutória;

43. A A……………, em virtude do acidente, ficou totalmente impossibilitada de trabalhar, durante 10 dias e durante esse período de tempo deixou de auferir a importância de € 250,00, correspondente a um terço da sua remuneração mensal – resposta aos quesitos 64.º e 65.º da base instrutória;

44. Após o acidente e a cura das suas lesões corporais que sofreu no mesmo, a Autora A…………. no desempenho da sua actividade profissional sente-se incomodada e, por vezes, triste com o ligeiro desvio do nariz com que ficou, sendo que a sua apresentação física, nessa mesma sua actividade física, assume algum relevo – respostas aos quesitos 66.º e 67.º da base instrutória;

45. A Autora A…………… ficou um ligeiro desvio do nariz, o que constitui um dano estético fixável no grau 2 numa escala de 0 a 7 graus, o que constitui também uma pequena deficiência estética e de imagem, sobretudo mais visível para quem a conhecia antes da data do acidente, o que muito lhe desagrada e a incomoda e faz sentir, por vezes, triste, sendo que com estas sequelas a mesma se sente, por vezes, triste – resposta aos quesitos 68.º, 69.º, 70.º e 71.º da base instrutória;

46. Aquando do acidente e como consequência do mesmo, a autora A………… sentiu dores – resposta ao quesito 73.º da base instrutória;

47. A autora A………….. andou desfigurada devido às lesões corporais que sofreu ao nível do nariz, nomeadamente um hematoma e edema no dorso do nariz e região paralatero nasal esquerda, durante cerca de um mês – resposta ao quesito 74.º da base instrutória;

48. A autora A…………. sente-se incomodada com o pequeno desvio do nariz que constitui a denominada deformidade da pirâmide nasal ou escoliose ligeira do nariz e que constitui uma sequela permanente avaliada apenas como ligeira alteração estética de grau 2 numa escala de 0 a 7 graus – resposta aos quesito 75.º, 77.º e 79.º da base instrutória;

49. E teve de sujeitar-se a arreliadores exames e tratamentos às referidas lesões ao nível do nariz – resposta ao quesito 76.º da base instrutória;

50. A A………….., à data do acidente, era uma jovem bem parecida e com as sequelas permanentes derivadas das lesões que sofreu no acidente, deixou-a triste e abatida – respostas aos quesitos 78.º e 80.º da base instrutória;

51. A Autora A………………, para tratar as lesões sofridas com o acidente, teve de recorrer a consultas hospitalares, exames médicos, consultas médicas particulares, a fármacos, a transportes e alimentação, no que despendeu quantia não inferior a € 1.500,00 – resposta ao quesito 81.º da base instrutória;

52. Como consequência directa e necessária do descrito embate mencionado em 1., a autora B………….. sofreu grave contusão do ombro direito (com rotura da coifa), de que lhe resultou dor e incapacidade funcional – resposta ao quesito 82.º da base instrutória;

53. Lesões essas sofridas pela Autora B……….. às quais foi socorrida no Hospital de S. Sebastião, em Santa Maria da Feira e onde passou a ser regularmente assistida – resposta ao quesito 83.º da base instrutória;

54. A essas lesões corporais fez a autora B……….. tratamento fisiátrico que iniciou em 03-02-2005, que se prolongou durante 4 meses, tendo tido alta hospitalar em 28/06/2005 e, bem assim, alta médica definitiva em 16 de Dezembro de 2005 – resposta aos quesitos 84.º, 85.º e 86.º da base instrutória;

55. A autora B………., em consequência das lesões corporais sofridas com o acidente, ficou com as seguintes sequelas definitivas:

Omalgia direita com rigidez residual e, ainda, com o ombro direito doloroso na antepulsão e na abdução principalmente acima dos 90 graus e de que resultou uma incapacidade permanente geral fixável em 2% ou dois pontos percentuais, sendo que a nível do rebate profissional, tais sequelas permanentes exigem ou implicam esforços complementares, tudo como consequência directa e necessária das lesões sofridas no acidente em discussão nos autos – resposta e esclarecimento ao quesito 87.º da base instrutória;

56. A autora B………. ficou, como consequência directa e necessária do acidente, com uma IPG (incapacidade permanente geral) de 2%, implicando ainda esforços complementares para o desempenho da sua actividade profissional – resposta ao quesito 88.º da base instrutória;

57. A B………….. trabalhava, à data do acidente, para o Centro Social e Paroquial de S. Jorge, onde exercia as funções de Auxiliar de Serviços Gerais e auferia a remuneração mensal de € 380,00 – respostas aos quesitos 89.º, 90.º e 91.º da base instrutória;

58. Desde a data do acidente até à data da alta definitiva, esteve a B…………… totalmente impossibilitada de trabalhar, tendo deixado de auferir, durante esse período de tempo, a importância global de 4.930,00€ (incluindo os respectivos subsídios) – respostas aos quesitos 92.º e 93.º da base instrutória;

59. As sequelas definitivas referidas e que lhe advieram do acidente prejudicam-na funcional e profissionalmente, inibindo-a de executar trabalhos mais esforçados, designadamente os relacionados com as limpezas e impossibilitando-a de carregar pesos – respostas aos quesitos 94.º, 95.º e 96.º da base instrutória;

60. A autora B………. executa os trabalhos da sua actividade profissional com esforços complementares, devido às sequelas permanentes com que ficou ao nível do ombro direito – respostas aos quesitos 97.º e 98.º da base instrutória;

61. A autora B……….., à data do acidente, desfrutava de boa saúde e era, antes da sua ocorrência, uma pessoa dinâmica e trabalhadora – resposta aos quesitos 99.º e 100.º da base instrutória;

62. A autora B………., aquando do acidente, sofreu dores intensíssimas e foi submetida a longo e arreliador tratamento ambulatório às lesões corporais sofridas em consequência do acidente – respostas aos quesitos 101.º e 102.º da base instrutória;

63. O afastamento do trabalho causou à autora B………… tristeza e abatimento e o sentimento de impossibilidade física provocou-lhe sentimentos de desgosto e até de revolta – respostas aos quesitos 103.º e 104.º da base instrutória;

64. Está a B…………., em consequência das lesões permanentes com que ficou e derivada do acidente, obrigada a conviver com dores no membro afectado ao longo de toda a sua vida e dores essas que ocorrem essencialmente com as mudanças de condições climáticas, sobretudo em dias de grande humidade e que, nos dias de grandes alterações atmosféricas, sobretudo de grande humidade, essas dores tornam difícil à autora B…… conseguir descansar ou dormir, sendo que lhe foi atribuído um quantum doloris sofrido fixável no grau 4 numa escala de 0 a 7 graus – respostas aos quesitos 105.º, 106.º e 107.º da base instrutória;

65. Em despesas hospitalares, consultas médicas, tratamentos fisiátricos, fármacos, exames e transportes, a Autora B………… despendeu quantia não inferior a € 1.600,00 – resposta ao quesito 108.º da base instrutória;

66. O interveniente Hospital de S. Sebastião, E.P.E., prestou assistência médica às lesões corporais sofridas pelas autoras em consequência do acidente, tendo importado na quantia de € 984,20 esses serviços de assistência médica à autora A…... e na importância de € 878,50 pelos serviços de assistência médica prestados à autora B…………. – respostas aos quesitos 109.º, 110.º e 111.º da base instrutória;

67. O Instituto de Segurança Social pagou à autora A……….. a importância de € 70,00 a título de subsídio de doença, ocorrendo esta de 13 de Dezembro a 22 de Dezembro de 2004 e período de doença esse que foi causa directa e necessária das lesões pela mesma autora sofridas no acidente mencionado em 1. – resposta aos quesitos 112.º e 114.º da base instrutória;

68. O Instituto de Segurança Social pagou à autora B…………… a importância de € 5.245,23 a título de doença, ocorrendo esta desde 13 de Dezembro de 2004 a 14 de Julho de 2006 e período de doença esse que foi causa directa e necessária das lesões pela mesma autora sofridas no acidente mencionado em 1. – resposta aos quesitos 113.º e 115.º da base instrutória;

69. A autora B………….. esteve de baixa médica em consequência das lesões sofridas em consequência do acidente, apenas desde 12 de Dezembro de 2004, data do acidente, até 16 de Dezembro de 2005.”

*

DO DIREITO

Começa o aqui recorrente por alegar que , tendo ficado provado nos autos que o acidente de viação em apreço ocorreu em virtude de o ….. ter embatido numa estaca não sinalizada que se encontrava “cravada” no piso da via rodoviária por onde seguia, estaca essa que aí fora colocada por terceiro e nos instantes que imediatamente antecederam tal sinistro, o que não foi autorizado nem sequer conhecido do Município, não lhe era exigível que providenciasse pela pronta sinalização de tal obstáculo.

Pelo que, erra a decisão recorrida ao entender que competia ao réu «... nos termos do disposto no artigo 5.º da Código da Estrada na versão então em vigor, .proceder à sua conveniente sinalização nos pontos ou troços da mesma via em que o trânsito impusesse aos condutores precauções especiais, no caso devido à instalação do referido circo ou eventualmente a sinalização de qualquer obstáculo na via que aí tivesse sido colocado na prevenção de quaisquer perigos para os utentes da mesma via e motivada pela instalação na via e/ou em parte dela da instalação desse circo» e que pese embora apurado que o mesmo R. desconhecia a instalação do circo, tanto mais que a autorização para a mesma nem lhe foi pedida e de que a existência da referida estaca de ferro enterrada no leito da via foi ali colocada pouco tempo antes do acidente ocorrer, tal «não retira ou desonera o Réu Município do seu dever legal de vigilância da mesma via e, consequentemente, assegurar sempre a sua transitabilidade em segurança para os utentes que pretendam ou pretendessem, quando entendessem, circular pela mesma via com os respetivos veículos automóveis» face também, ao disposto nos arts. 483.º, 487.º e 493.º do CC, sem que nenhuma responsabilidade possa ser acometida às AA..(...)

O acórdão que admitiu a revista fê-lo nos seguintes termos:

“…Com efeito, presentes os quadros normativo e factual, temos como dubitativo e não isento de reparo o juízo do TCA/N ora sob impugnação para e no fazer operar/sujeitar ao recorrente à presunção de culpa inserta no n.º 1 do art. 493.º do Código Civil em termos de culpa in vigilando, não se mostrando aquele juízo dotado de óbvia plausibilidade que afaste a necessidade da intervenção do órgão de cúpula da jurisdição.”

Então vejamos.

Para haver responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito é, desde logo, necessária a prática de um ato ( por ação ou por omissão) e que esse ato seja ilícito.

Dispõe o art. 6° do Dec. Lei 48 051, de 21/11/67, aqui aplicável, que são “ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

Um ato será ilícito se violar as normas legais e regulamentares, ou as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração sendo que antijuridicidade equivale a ilicitude, sendo portanto ilícitos todos os atos de agentes públicos que infrinjam regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser observadas.

Como resulta da jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal (acórdãos do Pleno de 25.10.00 – Rº 37510, de 20.3.02 – Rº 45831 e de 3.10.02 – Rº 45 621.) à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no art. 493.º, nº 1 do CCivil.

Ora, face à definição de ilicitude que resulta daquele art. 06.º do DL n.º 48051, a jurisprudência tem considerado difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da culpa neste tipo de situações do art. 493º nº1 do CC assumindo nestes casos a culpa o aspeto subjetivo da ilicitude [cfr., entre outros, o Ac. deste Supremo de 09.10.2012 (Proc. n.º 0565/12).

Pelo que, age com culpa o agente que tenha violado regras jurídicas/técnicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer.

Daí que, para beneficiar dessa presunção, o Autor só tem que demonstrar a realidade dos factos que servem de base aquela para que se dê como provada a culpa do réu (art. 349º e 350º, nº 1 do CCivil), cabendo a este ilidir a presunção (art. 350º, nº 2 do CCivil).

Isto é, o autor tem que alegar e provar uma omissão ilícita e causal.

O que no caso sub judice significa provar que o aqui recorrente devia ter sinalizado o obstáculo que causou o acidente, independentemente de tal omissão ser assacada a um certo e determinado funcionário, bastando que decorra do mau funcionamento dos serviços.

Por outro lado esse dever legal de assegurar a vigilância e fiscalização da via onde o acidente ocorreu mantinha-se ainda que nela estivessem a ser levadas a cabo obras por iniciativa e execução de terceiros.

Não está, assim, aqui posto em causa que impendia sobre o Município um dever de vigilância da via rodoviária em causa por a mesma estar sob a sua jurisdição.
E que, no âmbito desse dever devia sinalizar os obstáculos existentes na via, independentemente de tal omissão ser assacada a um certo e determinado funcionário, bastando que decorra do mau funcionamento dos serviços.
O que não aconteceu no caso dos autos.
Cabia-lhe, assim, assegurar a sinalização do obstáculo.
Sendo assim funciona a presunção de culpa consagrada no referido art. 493º do CC, presunção ilidível, que pode ser excluída por parte do obrigado à vigilância da coisa – e a quem cabe o respectivo ónus de prova (artigo 342º, n.º 2 e 350º, n.º 2, ambos do CC) -, incumbindo-lhe, assim, demonstrar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos sempre se teriam produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte, ou seja, demonstrar uma situação de força maior.
As circunstâncias relevantes para se considerar ilidida a presunção de culpa prevista no artigo 493º, n.º 1, do Código Civil, bastam-se que, perante as circunstâncias, não seria exigível a um cidadão medianamente cuidadoso e diligente que adoptasse outras medidas que as tomadas.
A ilisão da presunção de culpa da formulação de juízos de valor relativamente à atuação dos obrigados ao dever de vigilância, implica a apreciação do cuidado que foi observado, em comparação com aquele que deveria ter sido adoptado por um funcionário normalmente diligente, previdente e atento aos riscos inerentes ao bem à sua guarda seguindo os padrões do bonus pater família que serve de matriz à apreciação da culpa (art. 487º, nº 2, do CC).
Transpondo esta noção para a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, a culpa será aferida pela diligência exigível a um funcionário ou agente típico, ou seja, um funcionário ou agente zeloso que atua com respeito pela lei.
Ora, não obstante seja da responsabilidade do recorrente a sinalização de obstáculos da via pública sob a sua jurisdição, no caso concreto ele desconhecia, por nada lhe ter sido pedido ou comunicado, e não tinha obrigação de saber, que momentos antes do acidente havia sido enterrada no leito da via uma estaca de ferro motivada pela instalação na via e/ou em parte dela da instalação de um circo, cuja autorização fora dada pela Junta de freguesia das Caldas de S. Jorge.
Na verdade, ficou demonstrado nos autos que a instalação naquele local de um circo não foi por si licenciada, nem autorizada, nem tão pouco lhe foi participada ou levada ao seu conhecimento, ocorrendo o sinistro no preciso momento em que a montagem daquele circo acontecia e a dita “estaca” / obstáculo era colocada na via.
Pelo que não se lhe impunha que tivesse agido de outra forma e que, portanto, a sua omissão seja culposa.
E, também, não é argumento dizer que a instalação naquela freguesia do dito circo era um acontecimento que anualmente se repetia porque não permite a conclusão de que por isso o Município não o podia desconhecer pois sempre teria de se questionar em que concreta data iria o circo proceder à montagem da sua estrutura e em que concreto local daquela freguesia ela iria acontecer.
Na verdade, quer na apreciação dos deveres de vigilância ou de guarda que recaem sobre os onerados, assim como na ponderação dos efeitos decorrentes de circunstâncias de ordem externa causalmente ligadas ao sinistro, não se pode exigir dos interessados aquilo que é humanamente inexigível, bastando apreciar os factos apurados à luz da experiência comum.
Estando em causa um acidente que ocorreu nos instantes que imediatamente se seguiram à colocação de um obstáculo que a recorrente desconhecia nem tinha obrigação de conhecer não praticou o mesmo qualquer na falta de sinalização do mesmo.
Pelo que, foi ilidida a presunção de culpa.
Procede, pois, o recurso com este fundamento, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em :

a) Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida na parte que diz respeito à aqui recorrente.

b) Absolver o Município de Santa Maria da Feira do pedido.

c) Manter a decisão recorrida no restante.

Custas pelas recorridas.

Lisboa, 18/02/2021

Ana Paula Portela (relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art. 15º-A do DL no 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art. 3º do DL no 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Adriano Cunha e Jorge Madeira dos Santos).