Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0378/13.6BEAVR
Data do Acordão:04/07/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO DE SELO
OPERAÇÕES FINANCEIRAS
SUPRIMENTOS
ISENÇÃO
Sumário:I - Constitui requisito da isenção a que alude a alínea “i)” do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 109.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que os empréstimos sejam efetuados pelos sócios da sociedade mutuária;
II - Não é efetuado pelo sócio da sociedade mutuária o empréstimo concedido por sociedade que tenha uma participação social em sociedade que, por sua vez, tenha uma participação social na sociedade mutuária;
III - Pelo que, nestes casos, a sociedade mutuante não beneficia da isenção a que aludem os números anteriores.
Nº Convencional:JSTA000P29215
Nº do Documento:SA2202204070378/13
Data de Entrada:02/04/2021
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:CORTICEIRA A…………, S.G.P.S., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O Representante da Fazenda Pública recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial do ato de liquidação de imposto de selo (“IS”) n.º 2012 643000134, referente ao exercício de 2010, no montante de €197.285,84 e dos correspondentes juros compensatórios, no montante de €18.368,98, perfazendo o valor global de € 215.654,82.

Impugnação que tinha sido apresentada por Corticeira A............, SGPS, S.A., contribuinte fiscal n.º ………, com sede na Rua de ………, ……, ………, Santa Maria da Feira.

Com a interposição do recurso foram apresentadas alegações e formuladas as seguintes conclusões: «(…)

1) O Tribunal considerou que o empréstimo realizado pela Impugnante às sociedades A............ Revestimentos, S.A. e A............ Isolamentos, S.A. apresenta caraterísticas de suprimento, e tendo sido realizado com um prazo inicial não inferior a um ano, beneficia de isenção em sede de IS, conforme artigo 7.º alínea i) do n.º 1 do CIS.

2) Na medida em que defende que se encontram preenchidos os respetivos requisitos alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, o respeitante ao elemento objetivo, que consiste na própria operação realizada – empréstimos com caraterísticas de suprimentos – e outro atinente ao elemento subjetivo, visando a natureza do próprio mutuante – sócio da sociedade –, isto é que a entidade mutuante seja sócia da entidade mutuária.

3) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo para aferir se estão reunidas as condições para o sujeito passivo beneficiar do regime de isenção começou desde logo por determinar o conceito de “empréstimo com características de suprimentos”.

4) E para tal socorre-se da definição legal do contrato de suprimentos, consagrada no artº 243º do CSC, que estabelece que o contrato de suprimento é o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência.

5) O Tribunal defende que o conceito de sócio constante do artigo 243.º do CSC deve ser interpretado no sentido de abranger, para além dos sócios estrito senso, outras entidades que detenham idênticos poderes de controlo das sociedades participadas, independentemente de este ocorrer de forma indireta.

6) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, atendeu ao facto de a Impugnante deter indiretamente participações nas sociedades mutuárias, por via da detenção da totalidade do capital sobre a sociedade A............ …. Composites, S.A., e considera que tais detenções permitem à Impugnante, exercer um controlo sobre as sociedades mutuárias em termos totalmente idênticos a um sócio que detém participações de forma direta.

7) E considera que o empréstimo realizado pela Impugnante às sociedades A............ Revestimentos, S.A. e A............ Isolamentos, S.A. apresenta caraterísticas de suprimento, conforme exigido pela alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, e por conseguinte, está isento de Imposto de Selo.

8) Não se concorda com a interpretação e aplicação que foi dada pelo Tribunal a quo ao artº 7º nº 1 i) do CIS.

9) A douta sentença recorrida errou ao interpretar o artigo 243º do CSC no sentido de considerar que este abrange não só os empréstimos concedidos pelos sócios estrito senso, mas também os concedidos por outras entidades que detenham idênticos poderes de controlo das sociedades participadas, independentemente de este ocorrer de forma indireta.

10) E errou ao interpretar o artº 7º nº 1 i) do CIS, no sentido que este abrange os empréstimos concedidos pelos sócios estrito senso, mas também os concedidos por outras entidades que detenham idênticos poderes de controlo das sociedades participadas, independentemente de este ocorrer de forma indireta.

11) A recorrente discorda da sentença recorrida, no que se refere à qualificação jurídica dos contratos de “empréstimos de financiamento” a que se refere o ponto 13 do probatório como tratando de uns contratos de suprimentos.

12) Os suprimentos são os empréstimos dos sócios à sociedade.

13) O contrato de suprimento é uma modalidade especial de mútuo (artº 1142º do C.Civi), que se caracteriza pelo carácter de permanência e pela qualidade do mutuante que é sócio da sociedade mutuária (artº 243º nº 1 do CSC).

14) Da factualidade constante do probatório, resulta de forma evidente que os contratos em causa, não são contratos de suprimento, em virtude de a impugnante, enquanto entidade concedente do crédito não ser sócia das mutuárias A............ Revestimento, SA e da A............ Isolamentos, SA.

15) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo aceita que a impugnante fez empréstimos de financiamento aquelas sociedades nas quais, não detém, qualquer participação direta no capital social destas empresas.

16) Efetivamente, a participação no capital destas sociedades é obtida por via indireta, através da participação direta detida pela impugnante no capital da A............ …… Composites, S.A., sociedade esta que por sua vez detém diretamente 100% do capital da A............ Revestimentos, SA, e 80% do capital da A............ Isolamentos, S.A.

17) É certo que, como refere o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, a Impugnante detinha indiretamente participações nas sociedades mutuárias, por via da detenção da totalidade do capital sobre a sociedade A............ …… Composites, S.A., que por sua vez detém capital nas sociedades mutuárias.

18) Na opinião da recorrente tal facto não pode ser determinante para a qualificação jurídica de sócio destas sociedades, porque o que resulta de forma objetiva é que o mutuante não tem a qualidade de sócio das sociedades mutuárias.

19) De acordo com o CSC, a qualidade de sócio é atribuída às entidades que participam diretamente no capital duma sociedade, uma vez que na designação de “sócio” está implícita a obrigação de entrada no capital da empresa conforme o previsto no artº 9º CSC, advindo dessa participação as obrigações e os direitos previstos, nos artigos 20º e 21º CSC.

20) A impugnante não detém, qualquer participação direta no capital social das empresas mutuários, e por esse facto não possui a qualidade de sócio dessas sociedades, razão pela qual os créditos concedidos a estas sociedades, não podem ser considerados como suprimentos.

21) Neste sentido, veja-se entre outros, o acórdão do STJ de 9.2.1999, in processo 98A1083, relator, Francisco Lourenço, em que defende que o contrato de suprimento só deve ser aplicado aos empréstimos do acionista empresário, ou seja aquele que detém, pelo menos, 10% do capital social da empresa.

22) E como ensina, LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial, 2º Volume, 1993, página 494, “Essencial ao contrato de suprimento é a qualidade dos sujeitos (uma sociedade e um seu sócio) e a posição de credor do sócio perante a sociedade.

23) Do art.º 7.º nº 1 alínea i) do Código de Imposto de Selo resulta que estão isentas de imposto, os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respetivos juros, quando verificadas as seguintes condições: (i) quando realizados por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10%; (ii) desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período;

24) Quanto à decisão do Tribunal a quo, de que se aplicaria a isenção prevista na alínea i) do art. 7.º, n.º 1, do CIS, tal não pode ser aceite porquanto tal dispositivo aplica-se, tal como decorre da letra da lei, a empréstimos com características de suprimentos, a serem efetuados por quem é detentor de uma participação no capital daquela sociedade, não inferior a 10%.

25) Ora, como o Tribunal a quo expressamente reconhece na douta sentença – página 12, a Impugnante não detém diretamente participações nas sociedades mutuárias, logo afastada está a possibilidade de isenção prevista na alínea i) do artº 7º nº 1 do CIS, uma vez que, esta isenção não tem aplicação ao caso dos autos por não estar cumprido o requisito de os empréstimos terem sido efetuados a favor de empresas nas quais a mutuante seja titular do capital social.

26) A Corticeira A............ SGPS, S.A., sociedade concedente dos créditos, não é acionista das sociedades utilizadoras dos mesmos (A............ Revestimentos, SA e A............ Isolamentos, SA), uma vez que não possuiu qualquer participação direta no capital destas últimas, razão pela qual, os créditos concedidos a estas sociedades, não podem ser considerados como suprimentos.

27) O Tribunal a quo ao defender que o conceito de sócio constante do artigo 243.º do CSC deve ser interpretado no sentido de abranger, para além dos sócios estrito senso, outras entidades que detenham idênticos poderes de controlo das sociedades participadas, ainda que indiretamente está a fazer uma interpretação extensiva da lei, isto é, está a estender o significado do conceito utilizado para além do sentido literal do mesmo.

28) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao interpretar o artº 7º nº 1 alínea i) do CIS, com o sentido de que a isenção pretende abranger, não apenas os suprimentos, no sentido mais estrito, mas quaisquer empréstimos com características semelhantes (não exatamente as mesmas) às dos suprimentos, está a fazer uma aplicação analógica, pois está a estender o conceito utilizado a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.

29) Tal interpretação e aplicação da lei viola o princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 8º da LGT, dado que os elementos essenciais dos impostos (nos quais se incluiu a isenção) são definidos por lei, limitando os poderes de apreciação do Tribunal, e viola o artº 11º nº 4 da LGT que proíbe a analogia nas normas que estabelecem isenções, que são normas tributárias com natureza de benefícios fiscais.

30) A douta sentença recorrida violou o artigo 243.º do CSC, 7º nº 1 alínea i) do CIS, 8º e 11º nº 4 da LGT.».

Pediu fosse ordenada a revogação da douta sentença recorrida.

Tendo sido notificada da interposição do recurso e para contra-alegar, a Recorrida veio fazê-lo com a formulação, a final, das respectivas conclusões. Que, por isso, aqui se transcrevem também: «(…)

A. A Recorrida considera que a sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do Direito ao ter concluído que os empréstimos concedidos pela CA……… SGPS à A............ Revestimentos e da A............ Isolamentos (“sociedades-netas”) são empréstimos com características de suprimentos realizados pela sócia na correcta acepção da alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redacção em vigor à data (2010), motivo pelo qual beneficiam da isenção de IS.

B. Para o Tribunal a quo, estão plenamente preenchidos os dois requisitos de aplicação daquela isenção quer no que respeita (i) à qualidade dos contraentes, firmando o entendimento que a CA………… SGPS é sócia (por deter o controlo das “sociedades-netas”) para os efeitos artigo 243.º do CSC e da alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, quer no que respeita (ii) ao carácter de permanência do crédito uma vez que foi estipulado um prazo de reembolso nunca inferior a um ano o que, de resto, nunca foi contestado pela AT (cfr. p. 12 da sentença)

C. A AT, nas respectivas alegações de recurso, labora num erro que invalida a liquidação impugnada ao professar uma interpretação puramente formalista da lei: é a condição adjectiva ou nominal e não substancial de “sócio” ou, no caso, de “accionista” (pois está em causa uma sociedade anónima) que rege o funcionamento da isenção, mesmo que a accionista formal das mutuárias (a A............ …… Composites), como acontece in casu, seja dominada totalmente pela concedente do crédito, e portanto, não possua qualquer autonomia jurídica e económica efectiva (cfr. arts. 501º a 504º do CSC).

D. Analisando-se a evolução legislativa da al. i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS constata-se inequivocamente que a exigência de uma participação directa e não inferior a 10% do capital da sociedade apenas vigorou a partir de 31 de Março de 2016. Até então, e no que a estes autos diz respeito, o preceito legal em 2010 era claro ditando a isenção de imposto quanto (i) aos empréstimos com características de suprimentos (ii) pelo sócio à sociedade.

E. Ora, se o legislador quisesse ter previsto, para os suprimentos à data dos factos, o requisito de uma “detenção directa” como indevidamente aventa a AT nas alegações de recurso, poderia tê-lo expressado directamente na letra da lei, tal como fez a propósito da isenção prevista na al. h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS [a] qual exige desde a entrada em vigor do CIS (2000) a detenção directa da participação social para os empréstimos inferiores a um ano; já a isenção ínsita na al. i), alude somente a “sócio”.

F. Porém, tal não quer dizer que se possa entender que uma qualquer participação indirecta habilitava um mutuante a isentar um empréstimo ao abrigo daquela alínea i) do n.º 1 do artigo 7º do CIS, mas, como a Recorrida defendeu na p.i. e o Tribunal a quo subscreveu, essa isenção deve estar disponível para quem, em substância, exerça os direitos e obrigações subjacentes à condição de sócio.

G. À luz do direito societário, um suprimento pode ser prestado, sem desvirtuar aquela natureza, por quem, apesar de não ter uma participação directa no capital social, é efectivamente a entidade que exerce o controlo sobre a participada que é a “característica mais marcante da posição de sócio” como bem salientou o Tribunal a quo (cfr. p. 11 da sentença).

H. Na verdade, perante o artigo 21.º do CSC e os direitos dos sócios aí consagrados, não há como não concluir que, numa situação de domínio total, tais direitos são exercidos efectivamente pela sociedade-mãe e não por quem possui somente o nomen iuris de sócio.

I. A CA………… SGPS detém o controlo total da A............ …… Composites, a qual, por sua vez detém 100% da A............ Revestimentos e 80% da A............ Isolamentos; assim, quem determina soberanamente a vontade da entidade que concedeu os suprimentos em causa nesta lide - e A............ …… Composites – é, de forma exclusiva e irrestrita, a aqui Recorrida, CA………… SGPS (cfr. factos dados como provados nos n.º 3 a 7 da sentença).

J. O artigo 243.º do CSC define o contrato de suprimento, enformando assim, a respectiva noção legal dois atributos: (i) a qualidade dos contraentes (sócio e sociedade), e o (ii) carácter de permanência do crédito.

K. A jurisprudência tem destacado, todavia, a prevalência do segundo requisito sobre o primeiro para a construção do conceito legal de “suprimentos”, pelo que é lícito concluir que a referência legal a “empréstimos com características de suprimentos” visa abarcar os empréstimos com carácter de permanência. O que é, como provado nos autos, o caso dos empréstimos em causa, não sendo essa qualificação posta em causa pela AT nas suas alegações de recurso (facto n.º 6 dado como provado na sentença).

L. A verdade é que, todavia, a lei faz menção à qualidade de “sócia” da sociedade mutuante, cabendo, por isso, aferir se este elemento subjectivo se verifica na situação vertente.

M. Ora, o paradoxo gerado pela situação especial de domínio total que liga a CA……… SGPS à A............ …… Composites reside precisamente na circunstância de, em bom rigor, a CA………… SGPS acabar por ser mais “sócia” das mutuárias do que esta última, tal como entendeu o Tribunal a quo.

N. E tal é assim, porque o domínio total acaba, ex vi legis, por romper o “véu” da personalidade jurídica e da autonomia que caracteriza a sociedade não dominada e que lhe permite, por exemplo, adquirir acções de outras sociedades e exercer os respectivos direitos de forma livre e autónoma.

O. Em primeiro lugar, a sociedade dominante torna-se totalmente responsável pelas obrigações da sociedade dominada após consumado o domínio total (artigo 501º do CSC). A respeito desta responsabilização de carácter universal, refere a doutrina jus-societária que a sociedade dominada “passa a ser gerida em função dos interesses da sociedade-mãe”.

P. Em segundo lugar, a sociedade dominada tem o direito de exigir que a sociedade dominante compense as perdas anuais que, por qualquer razão, se verifiquem durante a vigência do contrato de subordinação, sempre que estas não forem compensadas pelas reservas constituídas no mesmo período.

Q. Isto é, se as mutuárias não cumprissem as suas obrigações de reembolso dos suprimentos quem, em primeira linha, sofreria as consequências desse incumprimento seria a Recorrida, pois a sua afiliada total poderia exigir-lhe a cobertura da correspondente perda.

R. Mas o expoente máximo da consumpção da autonomia da sociedade dominada radica no direito de a sociedade dominante emitir instruções à sociedade dominada mesmo contra o seu interesse. No próprio caso da A............ Revestimentos, existe mesmo a possibilidade de esta sociedade ser instruída indirectamente pela CA………… SGPS (por via do duplo domínio total), conquistando assim a CA………… SGPS uma posição social muito mais forte do que aquela que normalmente emerge de um contrato de suprimento em que o “sócio” formal não domina totalmente o mutuário.

S. Em suma, os ditos dispositivos asseguram que a vontade da intermediária é a vontade da CA………… SGPS, tendo como corolário forçoso que o exercício dos direitos de participação, patrimoniais e de controlo são jurídica e economicamente exercidos por iniciativa e no interesse desta.

T. A referência da lei a sócio da sociedade mutuária só pode querer significar que a mesma lei quer abranger quem de facto e com respaldo legal exerce os direitos inerentes à posição de sócio e a pessoa na qual se projectam todos os principais efeitos desse exercício, e não somente aquela entidade que, do ponto de vista formal, ostenta o rótulo de “sócio”.

U. In casu, se a vontade da sócia de jure é, na situação de domínio total, a vontade da Recorrida e se a vontade da mesma sócia não pode opor-se à desta última isso quer dizer que, em última análise, esta exerce os direitos de sócia, agindo a primeira em sua conta (por que a dominante responde igualmente pelas perdas), também, no seu interesse (dado o poder instrutório).

V. A subsunção da Recorrida no conceito de sócio gizado na al. i) do nº 1 do artº. 7º do CIS está assim muito longe de consubstanciar integração de lacuna por analogia e, na opinião da Recorrida, não pressupõe sequer interpretação extensiva daquele conceito, pois, declarativamente, sócio não é quem figura como tal no título que incorpora a parte social, mas quem, na realidade possui e exerce os direitos que lhe são imanentes.

W. Tal é também a opinio juris da doutrina jus-societária nacional que admite a qualificação como suprimentos de empréstimos realizados pelo cônjuge e parentes próximos do sócio (pessoa singular), atenta a relação existente entre estes e o sócio da sociedade “mutuária”; e bem assim, por maioria de razão, os empréstimos realizados por sociedades coligadas.

X. Mesmo que, por mero exercício académico, ainda se conceba existir ainda alguma dúvida sobre o alcance da norma em causa sempre há que ter em conta que “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários” (cfr. nº 2 do artigo 11º da LGT), o que impõe que se considerem os empréstimos concedidos pela CA………… SGPS às sociedades suas (indirectamente) participadas como empréstimos – com características de suprimentos, como acima se demonstrou – realizados por quem, jurídica e efectivamente, exerce os poderes societários.

Y. Para precaver um eventual entendimento de que as alegações de recurso da Recorrente merecem provimento - o que só se concebe por dever de patrocínio -, deverá este Tribunal conhecer o segundo vício imputado à liquidação adicional em crise nos autos e que, por força da procedência da impugnação no que ao primeiro fundamento diz respeito, não foi conhecido pelo Tribunal a quo (cfr. p. 13 e 14 da sentença).

Z. Para o efeito, entendendo-se, como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Rel. Bravo Serra), de 06.02.2008, no processo 07S2620, requer-se a título subsidiário a ampliação do recurso nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 636.º CPC (ex vi artigo 281.º do CPPT), conhecendo-se o vício quanto ao erro de subsunção legal de determinação da matéria tributável e de aplicação de taxa de imposto de selo relevante (cfr. artigos 133.º a 150.º da petição inicial), - Capítulo V das presentes contra-alegações.

AA. Quanto a este segundo fundamento, da matéria assente (factos n.º 6, 8, 9 e 13 dados como provados na sentença) resulta que em 2010 (o ano aqui em escrutínio) a CA………… SGPS não concedeu qualquer empréstimo à A............ Revestimentos e à A............ Isolamentos uma vez que a concessão do crédito (a transferência monetária) ocorreu em anos anteriores; em 2010 apenas ocorreram reembolsos dos empréstimos anteriormente concedidos pelas sociedades mutuárias à CA………… SGPS.

BB. Na Fundamentação, socorrendo-se de suposta indeterminação no prazo do crédito, a AT parte do saldo inicial dos ditos empréstimos em 2010, para calcular o saldo em cada um dos meses do ano até Dezembro, computando o imposto total referente às duas empresas nos termos da Verba 17.1.4 da TGIS – cfr. quadro transposto no ponto n.º 16 do probatório – p. 7 da sentença).

CC. No entanto, tal como se pode concluir dos factos dados como provados na sentença nos pontos 8, 9 e 13, as utilizações de crédito efectivas no exercício de 2010, relativamente a ambos os empréstimos são nulas, pelo que o imposto do selo está desprovido de base tributável visto inexistir qualquer utilização de crédito efectiva ao nível das duas sociedades-netas.

DD. Prima facie, convém esclarecer que a circunstância de o prazo de utilização do crédito não ter uma data certa para a sua amortização, mas ter um prazo mínimo para a mesma – neste caso de um ano – afasta, in limine, a aplicação da verba 17.1.4 da TGIS, a qual como seu âmbito de aplicação aqueles contratos como a conta-corrente ou o descoberto, em que cabe ao mutuário a definição do momento em que utiliza o crédito, fazendo um saque sobre a conta objecto do crédito, bem como do momento em que amortiza a totalidade ou parte dele, reforçando a mesma conta com fundos provenientes da sua actividade.

EE. No caso vertente, nada disso se passa: há uma utilização mínima de um ano para cada tranche de crédito concedido, devendo cada uma dessas tranches ser tratada como um contrato de empréstimo e não como um contrato de conta-corrente ou similar, pois é essa a sua realidade contratual e substancial.

FF. Equivoca-se, portanto, a AT ao pretender que os créditos em causa são de prazo indeterminável; a sua inclusão na verba 17.1.2. da TGIS faz-se sem forçar minimamente a letra da lei, a qual se dirige a “crédito de prazo igual ou superior a um ano”.

GG. Também pelo exposto, e título meramente subsidiário, apreciando-se este fundamento para a eventualidade de não se entender que a isenção é aplicável, sempre seria a impugnação judicial julgada totalmente procedente e a liquidação aqui em questão integralmente anulada.».

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Remetidos os autos a este tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer, tendo concluído no sentido da improcedência do recurso.

Tendo sido dispensados os vistos legais, cumpre decidir.


◇◇◇

2. Dos fundamentos de facto

O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos: «(...)

1. A Impugnante é uma sociedade anónima cujo objeto social é a gestão de participações sociais, a que corresponde o CAE 064202 – cfr. artigo 4.º da PI e pág. 5 do RIT, a fls. 75 do processo físico;

2. No período de tributação de 2010, a Impugnante encontra-se enquadrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (¯RETGS‖), em sede de IRC, e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA – cfr. pág. 5 do RIT, a fls. 75 do processo físico;

3. Nos períodos de tributação de 2009 e 2010, a Impugnante detinha participações diretas maioritárias que lhe conferiam o domínio total, ou controlo muito próximo do domínio total, nas sete seguintes sociedades:

- A............ ……… Composites, S.A. (100%),

- B……….., S.A. (99.76%),

- A............ ………. Research Lda. (100%),

- A............ & Irmãos, SGPS, S.A. (100%),

- C…………, Lda. (100% em 2009, 0% em 2010),

- A............ Brasil (99%), e

- A............ Natural ........., S.A. (100%)

– cfr. artigo 5.º da PI e pág. 22 do RIT, a fls. 93 do processo físico;

4. As sociedades referidas no ponto anterior detinham participações de domínio noutras sociedades inseridas em sectores de atividade afins ou complementares aos seus, formando, no nível de topo, com a Impugnante, o Grupo - Corticeira A............ – cfr. artigo 6.º da PI;

5. A Impugnante é sociedade dominante do Grupo empresarial - Corticeira A............ – cfr. artigo 4.º da PI e pág. 5 do RIT, a fls. 75 do processo físico;

6. Por forma a prover às carências de fundos de médio e longo prazo das sociedades suas participadas A............ Revestimentos, S.A. e A............ Isolamentos, S.A., a Impugnante concede-lhes diretamente empréstimos de acordo com tal horizonte temporal – cfr. artigo 12.º da PI;

7. No período de tributação de 2010, a Impugnante registou na subconta #2672 verbas referentes a empréstimos de financiamento concedidos às sociedades suas participadas A............ Revestimentos, S.A. e A............ Isolamentos, S.A., relativamente às quais não detém, no período de tributação de 2010, qualquer participação direta no capital social, mas apenas indireta, em virtude de deter uma participação de 100% na A............ ……… Composites, S.A. (sociedade-filha) que, por sua vez, detinha uma participação de, respetivamente, 100% e 80%, naquelas sociedades (sociedades-netas da Impugnante) – artigo 17.º da PI e págs. 21 e 22 do RIT, a fls. 92 e 93 do processo físico;

8. Durante o exercício de 2010, o saldo inicial registado na conta onde se encontram refletidos os empréstimos concedidos à A............ Revestimentos (#26721008), correspondia a €39.000.000,00, tendo sido apurado um saldo final de €34.500.000,00, correspondente a uma variação de - €4.500.000,00 – cfr. artigo 14.º da PI e pág. 21 do RIT, a fls. 92 do processo físico;

9. Durante o exercício de 2010, o saldo inicial registado na conta onde se encontram refletidos os empréstimos concedidos à A............ Isolamentos (#26721005), correspondia a €4.452.882,00, tendo sido apurado um saldo final de €2.350.000,00, correspondente a uma variação de - €2.102-882,00 – cfr. pág. 21 do RIT, a fls. 92 do processo físico;

10. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201200111, emitida em 05-06-2012, a Impugnante foi alvo de ação de inspeção interna, de âmbito parcial (IRC e IS), relativamente ao exercício de 2010, com início em 22-06-2012 – cfr. pág. 5 e 21 a 26 do RIT, a fls. 75 e 92 a 97 do processo físico;

11. Elaborado o projeto de relatório, por Ofício n.º 8206177, datado de 05-08-2015, enviado por correio registado sob o n.º RD633130747PT, foi remetida à Impugnante notificação para, querendo, exercer o seu direito de audição sobre o mesmo (nos termos do art.º 60.º da LGT e do art.º 60.º do RCPITA) – cfr. pág. 56 a 59 da numeração digital do ficheiro PDF, constante a págs. 184 a 250 do SITAF;

12. Da inspeção tributária realizada resultou correção relativa a Imposto do Selo em falta, referente ao período de 2010, no valor de €197.285,84 – cfr. pág. 3 do RIT a fls. 3 do PA;

13. Do ponto “III.1.2.1. – Operações Financeiras (Verba 17.1.4. da TGIS)”, na parte respeitante à “Descrição das operações identificadas”, consta o seguinte:

¯A Corticeira A............ SGPS, SA registou nas subcontas 2672, empréstimos de financiamento, que o sujeito passivo considerou reunirem as caraterísticas de suprimentos, concedidos às seguintes sociedades:
Conta Empresa Saldo a 01-01-2010 Saldo a 31-12-2010
26721005 A............ Isolamentos, SA 4 452 882,05 € 2 350 000,00 €
26721008 A............ Revestimentos, SA 39 000 000,00 € 34 500 000,00 €
Total 43 452 882,05 € 36 850 000,00 €
Da análise efetuada aos extratos destas contas, constatámos que os montantes inscritos nas mesmas resultam de saldos transitados do exercício de 2009.

Aquando da Inspeção externa efetuada ao exercício de 2009, foi comprovado que os valores contabilizados nas contas acima indicadas respeitavam a suprimentos, dado que o próprio sujeito passivo no campo da «Descrição movimentes» constante dos documentos de suporte dos movimentos da conta 4113, inscreveu a menção «n/e suprimentos», ou seja este empréstimo foi classificado como suprimento. Este facto verifica-se também nos documentos de suporte dos movimentos de reembolso destes financiamentos ocorridos no exercício de 2010 onde é inscrito no referido como «a n/Sup»”

– cfr. pág. 21 do RIT a fls. 21 do PA;

14. Do ponto “III.1.2.1. – Operações Financeiras (Verba 17.1.4. da TGIS)”, na parte respeitante ao “Contrato de suprimento”, consta o seguinte:

“(…) de acordo com o Código das Sociedades Comerciais, a qualidade de sócio é atribuída às entidades que participam diretamente o capital duma sociedade, uma vez que na designação de «sócio» está implícita a obrigação de entrada no capital da empresa conforme previsto no art.º 9º CS, advindo dessa participação as obrigações e direitos previstos, nos artigos 20º e 21º do CSC.

Desta forma, conclui-se que os empréstimos (…) concedidos pela Corticeira A............ SGPS, SA à A............ Revestimentos, SA e à A............ Isolamentos, SA não podem ser considerados como suprimentos, pelo facto do sujeito passivo não possuir a qualidade de sócio/acionista destas sociedades.”

– cfr. págs. 22 e 23 do RIT a fls. 22 e 23 do PA;

15. Do ponto “III.1.2.1. – Operações Financeiras (Verba 17.1.4. da TGIS)”, na parte respeitante à “Sujeição objetiva a Imposto do Selo”, consta o seguinte:

“(…) porque in casu as partes se limitaram à estipulação de um prazo nunca inferior a um ano, conclui-se não existir um prazo certo para o reembolso das respetivas utilizações, inviabilizando assim a tributação de acordo com as verbas 17.1.1 a 17.1.3 da referida tabela. É pois, a circunstância de não existir um prazo de utilização certo que é relevante para efeitos de tributação pela verba 17.1.4 da referida tabela.

Do descrito anteriormente, e para efeitos de aplicação das taxas previstas na verba 17.1, e uma vez que o prazo de utilização do crédito é indeterminado ou indeterminável, a obrigação tributária, conforme previsto na alínea g) do art.º 5º do CIS, considera-se constituída no último dia de cada mês, sendo a taxa a aplicar a prevista na verba 17.1.4 da TGIS que, por remissão do n.º 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em sede de Imposto do Selo, do «Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30», aplicando-se deste modo taxa de 0,04%.

(…)

Das verificações efetuadas constatámos que os empréstimos efetuados a estas sociedades têm previsto um prazo de reembolso superior a um ano.

No entanto (…) a Corticeira A............ SGPS, SA, sociedade concedente dos créditos, não é acionista das sociedades utilizadores aos mesmos, uma vez que não possui qualquer participação direta no capital destas últimas, razão pela qual, os créditos concedidos a estas sociedades, não podem ser considerados como suprimentos.

Do descrito anteriormente, concluímos que, para as operações em causa, não se encontram cumpridos cumulativamente os pressupostos previstos na alínea i) do nº 1 do artº 7º do CIS, não podendo desta forma beneficiar da referida isenção de Imposto do Selo”

– cfr. págs. 23 e 24 do RIT a fls. 23 e 24 do PA;

16. Do Relatório de Inspeção Tributária resulta uma correção, em sede de IS, no valor de €197.285,84, apurada da seguinte forma:
2010
Saldo Médio Mensal
A............
Revestimentos, SA
(1)
Imposto de Selo – verba 17.1.4
TGIS (0,04%)
(2)=(1)*0.04%
Saldo Médio Mensal
A............ Isolamentos, SA
(3)
Imposto de Selo – verba 17.1.4
TGIS (0,04%)
(4)=(3)*0.04%
Imposto de Selo Total – verba 17.1.4
TGIS (0,04%)
(5)=(2)+(4)
Data limite da entrega do imposto – ar.44 do CIS
Janeiro
40.300.000,00 €
16.120,00 €
4.601.311,45 €
1.840,52 €
17.960,52 €
20/02/2010
Fevereiro
36.400.000,00 €
14.560,00 €
3.733.333,33 €
1.493,33 €
16.053,33 €
20/03/2010
Março
40.300.000,00 €
16.120,00 €
4.116.666,67 €
1.646,67 €
17.766,67 €
20/04/2010
Abril
39.000.000,00 €
15.600,00 €
3.493.333,33 €
1.397,33 €
16.997,33 €
20/05/2010
Maio
40.300.000,00 €
16.120,00 €
3.513.333,33 €
1.405,33 €
17.525,33 €
20/06/2010
Junho
38.924.000,00 €
15.569,60 €
3.400.000,00 €
1.360,00 €
16.929,60 €
20/07/2010
Julho
37.746.000,00 €
15.098,40 €
3.513.333,33 €
1.405,33 €
16.503,73 €
20/08/2010
Agosto
37.200.000,00 €
14.880,00 €
3.513.333,33 €
1405,33 €
16.285,33 €
20/09/2010
Setembro
36.000.000,00 €
14.400,00 €
3.045.000,00 €
1.218,00 €
15.618,00 €
20/10/2010
Outubro
36.350.000,00 €
14.540,00 €
2.790.000,00 €
1.116,00 €
15.656,00 €
20/10/2010
Novembro
34.500.000,00 €
13.800,00 €
2.396.666,67 €
958,67 €
14.758,67 €
20/11/2010
Dezembro
35.650.000,00 €
14.260,00 €
2.428.333,33 €
971,33 €
15.231,33 €
20/12/2010
Total
181.068,00 €
16.217,84 €
197.285,84 €
17. Da correção promovida no contexto da ação de inspeção tributária resultou a liquidação de IS n.º 2015 643000134, referente ao exercício de 2010, no montante de €197.285,84 e dos correspondentes juros compensatórios, no montante de €18.368,98, perfazendo o valor global de € 215.654,82 – cfr. documento n.º 1 junto com a PI, a fls. 69 do processo físico;

18. Em 16-04-2013, a Impugnante apresentou, via telefax, junto deste Tribunal a petição inicial da presente Impugnação Judicial – pág. 2 do processo físico.».


◇◇◇

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou totalmente procedente a impugnação judicial da liquidação de imposto de selo, por entender que os empréstimos concedidos pela sociedade dominante a sociedades indiretamente participadas beneficiavam da isenção a que aludia a alínea “i)” do n.º 1 do artigo 7.º do Código de Imposto de Selo (doravante “CIS”).

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente Fazenda Pública, por entender, na essência, que a isenção ali prevista só se aplica a empréstimos concedidos pelos sócios das entidades beneficiárias dos créditos, isto é, por quem participe diretamente no capital social destas. Sendo que, no caso, a sociedade concedente dos créditos não é acionista das sociedades utilizadoras dos créditos.

A questão a decidir é, por isso, a de saber se a isenção se aplica (também) a empréstimos concedidos pela sociedade que detenha uma participação social indireta na sociedade mutuária (isto é, que detenha uma participação social numa outra sociedade que, por sua vez, detém uma participação social na sociedade mutuária) ou se se aplica (apenas) a empréstimos que sejam concedidos pela sociedade que detenham uma participação social direta na sociedade mutuária.

Há, porém, uma outra questão, de natureza prévia, que o tribunal de recurso entende dever colocar oficiosamente: a de saber qual a redação da norma a interpretar.

Porque o Mm.º Juiz a quo considerou aplicável a alínea “i)” do n.º 1 do artigo 7.º do CIS na sua redação em vigor em 2010 (antes da sua alteração pelo artigo 109.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro).

E a Recorrente apela à redação do preceito que lhe foi introduzida pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

Que assim é confirma-o o ponto 24.º das conclusões do recurso, onde a Recorrente refere que «decorre da letra da lei» que tal dispositivo se aplica a empréstimos «efetuados por quem é detentor de uma participação no capital daquela sociedade, não inferior a 10%». Sendo que tal referência só pode ser extraída literalmente da redação do preceito introduzida em 2016.

Ora, as normas que regulam os pressupostos das isenções de impostos são normas materiais e, como tal, não são de aplicação a factos tributários já consumados à data da sua entrada em vigor.

No caso, o facto tributário consuma-se com a utilização do empréstimo. Que, no caso das utilizações sob a forma de conta corrente, ocorre no último dia de cada mês – artigo 5.º, alínea “g)”, do CIS.

Assim sendo, e estando em causa utilizações de créditos durante os meses de janeiro a dezembro de 2010, são-lhe aplicáveis as normas tributárias materiais em vigor naquele ano de 2010.

Pelo que não tem nenhum fundamento a convocação para o caso da redação da alínea “i)” do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, introduzida pelo artigo 152.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

Estamos, assim, reconduzidos à redação do preceito em causa anterior à que lhe foi introduzida por aquela lei, mas também anterior à que foi introduzida pelo artigo 109.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. Que era a seguinte:


Artigo 7.º

Outras isenções


1. São também isentos de imposto:

(…)

i) Os empréstimos com características de suprimentos, incluindo os respectivos juros efectuados por sócios à sociedade em que seja estipulado um prazo inicial não inferior a um ano e não sejam reembolsados antes de decorrido esse prazo;

3.2. Deste dispositivo derivava que a isenção em causa dependia da verificação cumulativa de três requisitos: [1.º] que estivessem em causa empréstimos com características de suprimentos (requisito objetivo); [2.º] que fossem efetuados pelos sócios à sociedade (requisito subjetivo); [3.º] que fosse estipulado um prazo inicial não inferior a um ano e que não fossem reembolsados antes de decorrido esse prazo (requisito temporal).

No presente recurso só se discute verdadeiramente o preenchimento do segundo requisito. Isto é, se estamos perante empréstimos «efetuados por sócios à sociedade».

O CIS não contém qualquer definição fiscal de «sócio», devendo entender-se que remete para o sentido que esta expressão tem no Código das Sociedades Comerciais, em geral e no seu artigo 243.º em particular – artigo 11.º, n.º 2,da Lei Geral Tributária.

Ora, resulta do n.º 4, in fine, deste artigo 243.º que o legislador utiliza, ali, a expressão «sócio» para identificar aquele a quem seja atribuída essa qualidade.

Nas sociedades anónimas, a qualidade de sócio adquire-se com a celebração do contrato de sociedade ou com o aumento do capital social – artigo 274.º do mesmo Código.

Assim sendo, tem a qualidade de sócio quem como tal tenha outorgado no contrato de sociedade ou quem posteriormente se tenha tornado parte nesse contrato.

Sendo o contrato de sociedade aquele em que um conjunto de pessoas se obriga a contribuir como com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica e com vista à repartição do lucro dela resultante, a doutrina tem sublinhado que o essencial na determinação da qualidade de sócio é aferir quem tem a obrigação de entrada.

Como refere Pedro de Albuquerque [in «Direito de Preferência dos Sócios em Aumentos de Capital nas Sociedades Anónimas e por Quotas», Almedina 1993, pág. 186], «[s]ócio (ou acionista) é aquele que, tendo realizado uma entrada, ou assumido a obrigação de realização dessa entrada, é parte no contrato de sociedade».

A nosso ver, faz todo o sentido apelar, aqui, a este conceito de sócio, porque as prestações efetuadas a título de suprimentos têm uma função equivalente à de entrada de capital. Servem para acorrer a necessidades financeiras que as partes no contrato de sociedade normalmente assegurariam por este meio.

Ora, uma sociedade que tenha uma participação social indireta noutra sociedade não tem nenhuma obrigação jurídica de entrada nessa sociedade, precisamente porque não é parte no respetivo contrato social.

Não tem a posição jurídica de sócio nessa sociedade. Não integra o respetivo status socii.

E, assim sendo, não há também como lhe atribuir a qualidade de sócio para este efeito.

Para chegar a conclusão diversa, o Mm.º Juiz a quo contrapõe o conceito de sócio em sentido formal a uma outra noção, que não especifica, mas que teria um conteúdo essencialmente material, centrado nos poderes de influência económica sobre os destinos da sociedade mutuária.

Mas a possibilidade de exercer o controlo sobre a participada não é a característica mais marcante da posição de sócio. Não é sequer uma característica inerente à posição de sócio, no sentido de que não deriva dos direitos e obrigações dos sócios em geral.

O que é inerente à posição de sócio – neste âmbito – é o direito a participar nas deliberações de acordo com o valor da sua entrada – artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais.

Os poderes de controlo não são inerentes à qualidade de sócio, porque representam uma qualidade dos poderes de certos sócios (em regra, os sócios maioritários) e podem até representar uma qualidade dos poderes de quem logre exercer poderes de facto sobre os seus destinos, apesar de nunca ter participado no seu capital.

Neste sentido, a referência aos poderes de controlo apela a uma característica que fica, simultaneamente, aquém e além das qualidades de sócio e que, assim sendo, é inoperante para os efeitos pretendidos.

Observa o Mm.º Juiz a quo que o artigo 7.º, n.º 1, alínea “i)” do CIS não remete diretamente para o conceito de suprimentos mas para “empréstimo com características de suprimentos”.

Este argumento é, por si só, insuficiente para concluir de outro modo, porque o legislador não se limitou a exigir que o empréstimo tivesse características de suprimentos: também especificou que teria que ser efetuado pelos sócios.

De qualquer modo, o empréstimo tem características de suprimentos quando desempenha uma função de capital próprio da sociedade. Isto é, quando é possível concluir que estamos perante uma entrega patrimonial substitutiva do capital social.

Dizendo de outro modo: quando tem a função de suprir as carências de entrada de capital.

Em parte, isso resulta do próprio n.º 1 do artigo 243.º do Código das Sociedades Comerciais: ao aludir ao «carácter de permanência», o legislador está a referir-se a uma característica que exprime uma função. Não é o facto de o empréstimo ser permanente que, em si mesmo, permite caracteriza-lo como suprimento, mas o facto de essa permanência exprimir, no caso, uma função de substituição do capital social.

Ora, só podemos concluir que estamos perante uma prestação substitutiva do capital social quando o empréstimo é efetuado pelos sócios. Porque – como dissemos já – o financiamento a título de capital social compete exclusivamente aos sócios.

Só nestes casos que nos deparamos com aquela bipolaridade característica destas operações: empresta-se por se ser empresário e para se ser credor da empresa; quer-se responder às necessidades de capital mas não se quer responder às responsabilidades sociais.

Quando o empréstimo é feito por sociedade que não tem participação direta no capital social da sociedade mutuária, não pode ter aquela função. Porque não lhe compete exerce-la.

E, assim, sendo, também não pode ter as características de suprimentos.

Nas doutas contra-alegações de recurso, a Recorrida contrapõe que, se o legislador tivesse querido, para os suprimentos, o requisito de uma detenção direta, não deixaria de o especificar. Porque foi isso que fez na alínea anterior [ou seja, na alínea “h)” do n.º 1 do artigo 7.º do CIS].

A verdade é que não precisava de o fazer. Porque, ao remeter-se para os empréstimos efetuados pelos sócios à sociedade, o legislador já está a reconduzir-se às relações diretas.

Aliás, o que se pode dizer a este propósito, devolvendo o raciocínio, é que, se o legislador tivesse pretendido estender o regime às relações societárias em cascata, nunca se teria exprimido naqueles termos. Porque só ali cabem os empréstimos à sociedade de que são sócios. E o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo cabimento legal não pode ser considerado pelo intérprete, como deriva do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

Contrapõe, também a Recorrida que a referência na lei a sócio da sociedade mutuária só pode querer significar quem de facto exerce os direitos inerentes à posição de sócio. E que, numa situação de domínio total o exercício das prerrogativas da acionista acabam por caber totalmente à sociedade dominante.

Quereria – possivelmente – a Recorrida referir-se aos poderes de facto da sociedade que domina outra sociedade através de participações sociais indiretas e em defesa do seu próprio interesse. Mas a simbiose que a Recorrida ensaia entre os poderes de facto e a qualidade de sócio, não tem nenhum respaldo legal. Não existe nenhuma norma que atribua à sociedade dominante, por o ser, a qualidade jurídica de sócio da sociedade dominada.

Adiante, a Recorrida convoca certa doutrina jus-societária nacional para defender que as prestações de capital alheio efetuadas por terceiros a uma sociedade deverão sujeitar-se ao regime dos suprimentos quando, em termos económicos, correspondam a um empréstimo realizado pelo sócio.

Mas uma coisa é sujeitar ao regime jurídico do contrato de suprimento, constante da lei comercial, um determinado negócio jurídico atípico e apesar de não ser um contrato de suprimento (nem partilhar com ele certas características essenciais, como o de corresponder a um empréstimo realizado por quem tenha a qualidade jurídica de sócio). Outra coisa é estender-se o respetivo regime jurídico fiscal.

Tem sido reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo que as normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa (neste sentido, ver o acórdão de 13 de Setembro de 2017, processo n.º 01246/16).

Assim sendo não basta, para aceder à isenção fiscal, que determinado negócio jurídico partilhe o regime jurídico comercial do contrato de suprimento: importaria também que a lei fiscal declarasse estender a isenção a esse outro contrato.

O que no caso não sucede.

Pelo que o recurso merece provimento.

3.3. No ponto V das contra-alegações do recurso e nas alíneas “Y.” e seguintes das respectivas conclusões, a Recorrida veio requerer a ampliação do âmbito do recurso, a título subsidiário e para o caso de este merecer provimento. Invocou o artigo 636.º do Código de Processo Civil.

Analisada a douta sentença recorrida, verifica-se que, efetivamente, o Mm.º Juiz a quo não conheceu de outra questão por considerar que se encontrava prejudicado o seu conhecimento (ver o ponto 5.2.).

Importa começar por referir que as situações em que o tribunal de primeira instância deixou de conhecer de determinadas questões suscitadas pela parte e por julgar prejudicado o seu conhecimento, a coberto do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não cabem na previsão do artigo 636.º do mesmo Código.

Ou seja, o tribunal de recurso não conhece dessas questões a requerimento do recorrido e, sobretudo, não conhece delas em ampliação do âmbito do recurso. Desde logo, porque, não tendo o tribunal recorrido conhecido desses fundamentos, a parte também não poderia ter decaído no seu conhecimento.

A tutela dos interesses do recorrido, nesta parte, é assegurada através do mecanismo do artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Só que este dispositivo não tem aplicação quando estejam em causa recursos para o Supremo Tribunal Administrativo, como decorre da letra do próprio preceito (só ali estão previstos os poderes da Relação, a que equivalem nas disposições correspondentes desta jurisdição, os o Tribunal Central Administrativo).

O que sucede porque o Supremo Tribunal Administrativo, à semelhança do que acontece com o tribunal de cúpula na outra jurisdição, revê as decisões dos tribunais inferiores. Não conhece do mérito das pretensões em primeira mão.

A confirmar que o artigo 665.º, n.º 2, do Código de Processo Civil não é aplicável a tribunais com função de revista vem o artigo 679.º do mesmo código, que exceciona da aplicação do regime de apelação, precisamente, o referido artigo 665.º.

Assim, não cabe ao tribunal de recurso, conhecer em substituição dos fundamentos da oposição de que o tribunal de primeira instância não conheceu. Devendo, ao invés, os autos ser devolvidos à primeira instância para o seu conhecimento.


◇◇◇

4. Conclusões


4.1. Constitui requisito da isenção a que alude a alínea “i)” do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redação anterior à que lhe foi introduzida pelo artigo 109.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que os empréstimos sejam efetuados pelos sócios da sociedade mutuária;


4.2. Não é efetuado pelo sócio da sociedade mutuária o empréstimo concedido por sociedade que tenha uma participação social em sociedade que, por sua vez, tenha uma participação social na sociedade mutuária;


4.3. Pelo que, nestes casos, a sociedade mutuante não beneficia da isenção a que aludem os números anteriores.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para conhecimento dos restantes fundamentos da impugnação, se nada mais a tal obstar.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 7 de abril de 2022. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.