Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02004/19.0BEPRT-R1
Data do Acordão:01/26/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:APLICAÇÃO DA LEI FISCAL NO TEMPO
LEI PROCESSUAL
PRAZO
Sumário:I - Inexistindo disposição transitória especial, a lei nova que fixa um prazo peremptório para a prática de um acto – no caso um prazo de recurso mais longo – não pode ser aplicada se, à data da sua entrada em vigor, o prazo, à luz da lei antiga, se encontrava já esgotado, apesar de nessa data haver ainda a faculdade de praticar o acto ao abrigo do n.º 5 do art. 139.º do CPC.
II - É que esta faculdade (também denominada «prazo de complacência») não altera o termo do prazo para a prática do acto e, ao invés e como decorre do seu teor literal («três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo»), pressupõe que este se tenha já verificado, que o prazo se tenha esgotado.
III - A aplicabilidade da lei nova sobre o prazo do recurso quando este já esgotou significaria, não a aplicação imediata da lei processual, mas a sua aplicação retroactiva.
Nº Convencional:JSTA000P28833
Nº do Documento:SA22022012602004/19
Data de Entrada:12/09/2021
Recorrente:A..............., SGPS, SA E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 2004/19.0BEPRT-R1
Recorrentes: “A……… SGPS, S.A”, “A’……… SGPS, S.A.” e “A’’……. SGPS, S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 As sociedades acima identificadas recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do acórdão de 23 de Abril de 2021 por que o Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento à reclamação apresentada do despacho do Relator naquele Tribunal, de não admissão do recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que indeferiu providência cautelar a favor das ora Recorrentes.

1.2 As Recorrentes apresentaram alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1. O douto Acórdão recorrido, de não admissão do recurso jurisdicional, considerou que, atento o disposto nos artigos 147.º n.º 6 e 279.º n.º 1 a) do CPPT (lei antiga), o prazo de interposição do recurso jurisdicional seria de apenas 10 dias.

2. E não de 15 dias, como consideraram as Recorrentes.

3. O douto Acórdão recorrido baseou-se também no artigo 297.º n.º 2 do CC, que conjugou com o artigo 139.º n.º 5 do CPC.

4. Ou seja, o douto Acórdão recorrido pressupôs que a questão a dirimir residia APENAS na aplicação no tempo da lei sobre prazos,

5. extraindo, da conjugação das sobreditas disposições legais (artigos 297.º n.º 2 do CC e 139.º n.º 5 do CPC) que, à data da apresentação do recurso jurisdicional, já havia decorrido o prazo (normal) de recurso segundo a lei antiga (que a douta Sentença da 1.ª Instância considerou ser de 10 dias), pelo que era inaplicável o prazo da lei nova (que considerou ser de 15 dias).

6. Ora, as questões a apreciar não se cingiam à aplicação no tempo de lei sobre prazos – ou seja, à aplicação do disposto no artigo 297.º do CC –, como foi decidido no douto Acórdão ora em apreço.

7. COM EFEITO, EM 16.11.2019, ENTROU EM VIGOR A LEI N.º 118/2019, DE 17/9 (lei nova), conforme artigo 14.º desta Lei.

8. Naquela data, segundo aquele douto Acórdão, as Recorrentes ainda podiam interpor o recurso jurisdicional em questão – podiam fazê-lo até 19.11.2019, segundo se afirma nesse Acórdão.

9. Nos termos do artigo 13.º n.º 1 daquela Lei n.º 118/2019, de 17/9, AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS NELA PRECONIZADAS SÃO IMEDIATAMENTE APLICÁVEIS AOS PROCESSOS JUDICIAIS EM CURSO à data da sua entrada em vigor.

10. Por sua vez, o artigo 11.º b) daquela Lei REVOGOU O ARTIGO 147.º N.º 6 DO CPPT COM EFEITOS IMEDIATOS NOS PROCESSOS EM CURSO.

11. E alterou/aditou um novo artigo 97.º n.º 3 a) do CPPT, segundo o qual “3- SÃO TAMBÉM REGULADOS PELAS NORMAS SOBRE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS A) AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES DE NATUREZA JUDICIAL A FAVOR DO CONTRIBUINTE ou demais obrigados tributários, sem prejuízo do efeito suspensivo de actos de liquidação só poder ser obtido mediante prestação de garantia ou concessão da sua dispensa nos termos previstos nas normas tributárias;” – também COM EFEITOS IMEDIATOS NOS PROCESSOS EM CURSO (cfr. artigo 3.º da Lei n.º 118/2019, de 17/9).

12. Nos termos do artigo 147.º n.º 1 do CPTA, o prazo de recurso jurisdicional nos casos das providências cautelares era E SEMPRE FOI de 15 dias.

13. Por conseguinte, o douto Acórdão recorrido não podia ter desconsiderado aquelas alterações legislativas oriundas da Lei nº 118/2019, de 17/9, entradas em vigor em 16.11.2019 e imediatamente aplicáveis aos processos judiciais pendentes – num momento em que, segundo o próprio Acórdão, as Recorrentes ainda estavam em tempo para apresentar recurso.

14. Com efeito, as alterações legislativas, EM BLOCO, NO SEU TODO, preconizadas naquela Lei n.º 118/2019, de 17/9 (lei nova), são IMEDIATAMENTE APLICÁVEIS AOS PROCESSOS JUDICIAIS EM CURSO À DATA DE 16.11.2019.

15. É inquestionável que em 16.11.2019 a presente providência cautelar ainda estava em curso.

16. Aliás, ainda está em curso na presente data, não tendo ainda transitado em julgado.

17. Com efeito, A LEI NOVA NÃO VEIO (MERAMENTE) ALARGAR O PRAZO DE RECURSO, como pressupôs o douto Acórdão recorrido.

18. O QUE A LEI NOVA VEIO FAZER FOI ESTABELECER QUE AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES JUDICIAIS A FAVOR DO CONTRIBUINTE SÃO REGULADAS PELO CPTA, E NÃO PELO CPPT, COM EFEITOS IMEDIATOS NOS PROCESSOS JUDICIAIS PENDENTES.

19. Daí que a questão não possa ser decidida tendo por base o disposto no artigo 297.º n.º 2 do CC.

20. Com efeito, não está em causa a entrada em vigor de uma lei nova que veio alegadamente alargar o prazo de recurso em relação à lei antiga.

21. Está em causa uma lei nova, imediatamente aplicável às providências cautelares pendentes, QUE MANDA APLICAR O REGIME LEGAL DO CPTA, COMO UM TODO, AO INSTITUTO DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES JUDICIAIS A FAVOR DO CONTRIBUINTE.

22. Por conseguinte, o DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERIDO DEPOIS DA ENTRADA EM VIGOR DAQUELAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS, não podia ter desconsiderado essas mesmas alterações legislativas.

23. O douto Acórdão recorrido violou, pois, as sobreditas disposições legais.

Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio,

24. Se, por mera hipótese, assim não se entender, importa atentar no seguinte:

25. Conforme decorre do respectivo requerimento inicial a presente providência foi apresentada ao abrigo do regime do CPPT E DO CPTA.

26. Designadamente, FOI SOLICITADO O DECRETAMENTO PROVISÓRIO DA PROVIDÊNCIA NO DESPACHO LIMINAR, NOS TERMOS DO ARTIGO 131.º N.º 1 DO CPTA – faculdade legal NÃO PREVISTA NO CPPT, muito menos no artigo 147.º (do CPPT).

27. Mais: foi ainda solicitado, NOS TERMOS DO ARTIGO 127.º N.º 2 DO CPTA, a aplicação de uma SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA por cada dia de atraso no cumprimento da providência, sem prejuízo da RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR, CIVIL E CRIMINAL DA AT, CONSIGNADA NO ARTIGO 159º DO CPTA, POR REMISSÃO DO ARTIGO 127.º N.º 3 DO MESMO DIPLOMA LEGAL (CPTA).

28. Tudo faculdades legais NÃO PREVISTAS NO CPPT, muito menos no artigo 147.º (do CPPT) – mas APENAS NO CPTA.

29. Ou seja, NÃO ESTAMOS PERANTE UM PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO (providência cautelar a favor do contribuinte) REGULADO APENAS PELO CPPT (rectius, pelo seu artigo 147.º).

30. Outrossim, fazendo apelo a vários MEIOS E FACULDADES PROCESSUAIS PREVISTAS NO CPTA, conforme resulta desde logo do requerimento inicial.

31. Nos termos do artigo 279.º n.º 2 do CPPT, “Os recursos dos actos jurisdicionais sobre MEIOS PROCESSUAIS ACESSÓRIOS COMUNS À JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E TRIBUTÁRIA SÃO REGULADOS PELAS NORMAS SOBRE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS”.

32. O artigo 147.º n.º 1 do CPTA estipulava e estipula que o prazo de recurso é de 15 dias – e não de apenas 10 dias.

33. Pelo que o recurso jurisdicional em apreço teria sempre sido apresentado em tempo.

Acresce que,

34. Os artigos 297.º n.º 2 do CC, 139.º n.º 5 do CPC, 147.º n.º 6 (extinto) e 97.º n.º 3 a) (novo) do CPPT, 279.º n.º 1 a) e n.º 2 do CPPT, 3.º e 11.º b) e 13.º n.º 1 da Lei n.º 118/2019, de 17/9, na interpretação segundo a qual é aplicável à providência cautelar o regime dos recursos jurisdicionais da lei antiga e não da lei nova, são materialmente inconstitucionais por violação do princípio constitucional da legalidade, consignado, entre outros, no artigo 103.º n.º 2 da CRP.

35. Com efeito, a aplicação, à presente providência cautelar tributária (a favor do contribuinte), do regime legal antigo dos recursos jurisdicionais em matéria de providências cautelares tributárias (a favor do contribuinte),

36. VIOLA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DADA A ENTRADA EM VIGOR, NA PENDÊNCIA DA PRESENTE PROVIDÊNCIA, COM EFEITOS JURÍDICOS IMEDIATOS, DE UMA NOVA LEGISLAÇÃO REGULADORA DAS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES TRIBUTÁRIAS A FAVOR DO CONTRIBUINTE (designadamente em matéria de recursos jurisdicionais).

Mais,

37. Conforme douto Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto do TCAN, datado de 02.04.2020, cujo teor se dá por reproduzido, (…) na nova versão do CPPT o prazo é de 15 dias, por efeito da nova redacção do artigo 97.º, n.º 3, do CPPT. “(…)Também é certo que a L. 118/2019 não visa exclusivamente alterar prazos, tem, sim, um objecto mais vasto, como da sua própria epígrafe/sumário resulta, modificar regimes processuais. Pese embora, se tratar de mera epígrafe, despiciendo se torna referir que, ainda que reduzido, e para remover dúvidas, algum efeito interpretativo se lhe poderá atribuir. E, se se visa modificar regimes processuais, querer-se-á em coerência a aplicação do processo no todo. Por isso, no artigo 13.º da L. 116/2019 se manda que 1- As alterações efectuadas pela presente lei ao Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, na sua redacção actual, são imediatamente aplicáveis, (…)” Ora, se as alterações são imediatamente aplicáveis aos processos pendentes, e não há dúvida de que este processo estava e está pendente será de concluir que o prazo de recurso que era de 10 dias transmutou-se em 15 dias. Transmutação operada, em 16/11/2019, por via da entrada em vigor da L. 118/2019. E transmutação que era possível. É que, mesmo sendo de dez dias o prazo normal, a própria decisão reclamada reconhece que podia ir até 19/11/2019, estando na disponibilidade do recorrente prevalecer-se dos três dias úteis que, com pagamento de multa, o CPC lhe oferecia (art. 144.º, n.ºs 5 e 6). Com o que forçoso é concluir que o prazo para recorrer, de 10 dias adicionado de mais 3, com multa, ainda estava a decorrer aquando da entrada em vigor da L. 118/2019. Temos, pois, duas interpretações defensáveis. Diga-se desde já que nos parece mais correcta a segunda. Porque a tal opção obriga o artigo 7 do CPTA. “Artigo 7.º Promoção do acesso à justiça Para efectivação do direito de acesso à justiça, AS NORMAS PROCESSUAIS DEVEM SER INTERPRETADAS NO SENTIDO DE PROMOVER A EMISSÃO DE PRONÚNCIAS SOBRE O MÉRITO DAS PRETENSÕES FORMULADAS.” Este dispositivo rege “IN DUBIO PRO HABILITATE INSTANTIA”. Decorre do PRINCÍPIO DA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA, TAMBÉM CHAMADO DE ANTIFORMALISTA OU PRO ACTIONE, QUE, “EM CASO DE DÚVIDA, OS TRIBUNAIS TÊM O DEVER DE INTERPRETAR AS NORMAS PROCESSUAIS NUM SENTIDO QUE FAVOREÇA A EMISSÃO DE UMA PRONÚNCIA SOBRE O MÉRITO DAS PRETENSÕES FORMULADAS .” ID EST, SEM CAIR NA ALTERAÇÃO OU REVOGAÇÃO DA LEI PELO APLICADOR, MISTER É, EM CASO DE DÚVIDA, E SÓ NESSE, FAZER UMA INTERPRETAÇÃO “PRO ACTIONE” NO PROCESSUAL. (CPTA Anotado, Aroso de Almeida) (…) Assim, FACE A DÚVIDA INTERPRETATIVA DE NORMAS PROCESSUAIS, EM OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO PRO ACTIONE, NÃO PODE MANTER-SE A DECISÃO RECLAMADA. Conclusão A reclamação deve ser julgada procedente”.

Finalmente,

38. Está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, designadamente por razões de segurança jurídica,

39. atenta a necessidade de definir sem margem para dúvidas se a nova lei se aplica de imediato em bloco, como um todo, ou se se aplica de imediato apenas em determinados segmentos da mesma,

40. precavendo a necessidade de uniformizar a Jurisprudência sobre as dúvidas interpretativas que a sucessão das leis em apreço suscitam,

41. pelo que a admissão do presente recurso é manifestamente necessária para uma melhor aplicação do Direito (cfr. artigo 285.º n.º 1 do CPPT).

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., admitindo e concedendo provimento ao presente Recurso de Revista, revogando o douto Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que admita o recurso jurisdicional para o TCAN em questão, com a respectiva tramitação processual legal ulterior, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA».

1.3 A Recorrida não contra-alegou.

1.4 Por acórdão de 10 de Novembro de 2021 desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 285.º do CPPT, a revista foi admitida (Acórdão disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/57d1f044eee298758025878b004b3a20.), com a fundamentação de que nos permitimos destacar o seguinte segmento: «[…]

O acórdão do TCA Sul sob escrutínio confirmou a decisão do Relator no TCA Norte, proferida em reclamação de despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso por intempestividade.
Em causa está o prazo de recurso de uma decisão de indeferimento de providência cautelar tributária, que as instâncias consideraram ser o de 10 dias previsto no CPPT e as recorrentes, secundadas pelo Ministério Público no TCA, o de 15 dias previsto no CPTA, designadamente em razão da circunstância de em 16 de Novembro de 2019 ter entrado em vigor a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, de aplicação imediata aos processos em curso e que determinou que “as providências cautelares a favor dos contribuintes e demais obrigados tributários sejam reguladas pelas normas do CPTA”, alteração da qual as recorrentes pretendem extrair consequência jurídica no que à tempestividade do recurso respeita (e que o TCA considerou não relevar, porquanto o prazo de 10 dias estava já esgotado à data da entrada em vigor desta lei, embora admitisse que o recurso pudesse ser ainda admitido havendo pagamento de multa processual).
Alegam as recorrentes ser necessária a admissão da revista porquanto está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, designadamente por razões de segurança jurídica, atenta a necessidade de definir sem margem para dúvidas se a nova lei se aplica de imediato em bloco, como um todo, ou se se aplica de imediato apenas em determinados segmentos da mesma, precavendo a necessidade de uniformizar a Jurisprudência sobre as dúvidas interpretativas que a sucessão das leis em apreço suscitam, (cfr. Conclusões 38 a 40 das alegações de recurso).
Entendemos que, efectivamente, se justifica a admissão da revista para que o STA, órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, tome expressamente posição sobre questão que, por razões de certeza e segurança jurídica, não pode ser objecto de dúvida, pois que os prazos de que dispõem as partes para fazer valer o seu direito ao recurso deve ser inequívoco e, in casu, não parece sê-lo, mormente por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro.
Se em regra as questões que se prendem com a tempestividade não justificam a intervenção do STA, em razão da clareza da lei ou da existência de jurisprudência consolidada e pacífica sobre os prazos aplicáveis e respectivo cômputo, assim não é no presente caso, pois em causa estão meios processuais comuns ao CPPT e ao CPTA, de normação híbrida e que foram entretanto objecto de disposições legais novas por força da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019.
A revista será, pois, admitida, dada a relevância jurídica fundamental da questão a decidir».

1.5 O Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantido o acórdão recorrido. Isto, após enunciar os termos do recurso e as questões a dirimir, bem como expor o seu entendimento sobre cada uma delas, que resumiu nas seguintes conclusões:

«- ao recurso interposto de decisão proferida em providência cautelar a favor do contribuinte, antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/19 de 17.09, aplicava-se o disposto no artigo 283.º do CPPT, pelo que o prazo para a sua interposição era de dez dias;
- a eventualidade de se computar o novo prazo mais longo (15 dias) pressuporia, sempre, nos termos do artigo 297.º, n.º 2 do CC, que o anterior prazo de recurso ainda estivesse em curso, no momento em que a lei nova entrou em vigor, não se podendo aplicar numa situação em que a entrada em vigor da lei nova é posterior ao termo do prazo já previsto (10 dias);
- não tendo o sujeito processual usado da faculdade prevista no artigo 139.º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, de praticar o acto nos três dias úteis subsequentes ao termo do seu prazo, mediante o pagamento de multa, tem de se considerar que a decisão transitou em julgado no termo do prazo peremptório fixado para a interposição do recurso».

1.6 Cumpre apreciar e decidir a questão, tal como definida pelo acórdão proferido pela formação a que alude o n.º 5 do art. 285.º do CPPT.
Ou seja, tendo como certo que o prazo para a interposição de recurso da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu o pedido de providência cautelar formulado pelas ora Recorrentes era o de 10 dias, previsto no art. 283.º do CPPT, na redacção inicial – questão que o acórdão por que foi admitida a revista deixou fora do objecto da mesma e, por isso, nesse segmento o acórdão recorrido transitou em julgado –, e tendo em conta que a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, entrou em vigor em 16 de Novembro de 2019 (Nos termos do art. 14.º da Lei n.º 118/2019 de 17 de Setembro, esta Lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação.) e que, nessa data, apesar de estar já esgotado o prazo de recurso, as ora Recorrentes tinham ainda a faculdade de o interpor ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 139.º do Código de Processo Civil (CPC), impõe-se indagar se pode aplicar-se ao caso – em ordem a aferir da tempestividade do recurso – o prazo de 15 dias do n.º 1 do art. 147.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável por força do n.º 3 do art. 97.º do CPPT, na nova redacção que lhe foi dada pela referida Lei n.º 118/2019, e atenta a revogação do n.º 6 do art. 147.º do CPPT e o disposto quanto aos recursos dos actos jurisdicionais no art. 279.º deste Código.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A- As Reclamantes interpuseram um processo cautelar junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com um pedido de decretamento provisório da providência cautelar requerida, sendo esta a da intimação da Autoridade Tributária a recepcionar e a liquidar as declarações de rendimentos que aquelas apresentaram para os anos de 2016, 2017 e 2018 (cf. fls. 128 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

B- A demanda processual referida na alínea anterior, deu origem ao proc. n.º 2004/19.0BEPRT, tendo no mesmo sido indeferido o decretamento provisório por despacho datado de 03.08.2019 (cf. fls. 128 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

C- Por sentença datada de 24.10.2019, proferida pelo TAF do Porto, foi indeferida a providência cautelar requerida (cf. fls. 128 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

D- Da sentença referida na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado das Requerentes (ora Reclamantes), por notificação electrónica datada de 29.10.2019 (cf. doc. a fls. 8 dos autos – paginação do SITAF).

E- Em 20.11.2019, as Reclamantes, através do seu Advogado, apresentaram via SITAF um requerimento e respectivas alegações de recurso, dirigidos contra a sentença referida na alínea «C», solicitando o provimento do respectivo recurso e o decretamento da providência requerida (cf. fls. 20 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

F- Por despacho datado de 25.11.2019, foi determinada a não admissão do recurso referido na alínea anterior por extemporaneidade (cf. fls. 122 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

G- Do despacho referido na alínea anterior foi dado conhecimento ao Advogado dos Reclamantes por notificação electrónica datada de 27.11.2019 (cf. fls. 122 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

H- O meio processual de reclamação dirigido contra o despacho referido na alínea «F» deu entrada via SITAF em 12.12.2019 (cf. fls. 1 e segs. dos autos – paginação do SITAF).

I- Por decisão proferida por este Tribunal em 23.01.2020 [( Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: escreveu-se 2019 onde queria dizer-se 2020.)], foi indeferida a reclamação então apresentada pelas Reclamantes (cf. fls. 126 a 134 …. )

J- Notificadas as Reclamantes da decisão referida na alínea anterior, por nota de notificação datada de 24.01.2020, vieram aquelas a apresentar a presente reclamação para a conferência em 06.02.2020».

*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 As ora Recorrentes pediram ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o decretamento de uma providência cautelar.
O pedido foi indeferido e as Requerentes recorreram da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não admitiu o recurso por ter considerado que foi interposto para além do termo do prazo legal para o efeito, que considerou ser o de dez dias, previsto no art. 283.º do CPPT, na redacção inicial, e para além dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do “prazo de complacência” previsto no art. 139.º do CPC.
As Recorrentes reclamaram desse despacho, ao abrigo do disposto no art. 643.º do CPC, para o Tribunal Central Administrativo Norte, onde o Desembargador relator manteve o despacho reclamado.
Inconformadas, as Recorrentes pediram, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 643.º e no n.º 3 do art. 652.º, ambos do CPC, que sobre o despacho do Desembargador relator recaísse acórdão. A conferência indeferiu a reclamação e confirmou a decisão do Relator.
É do acórdão que assim decidiu que foi interposto recurso de revista.
Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, os motivos da divergência das Recorrentes com a decisão do Tribunal Central Administrativo Norte são, em resumo, os seguintes: i) o prazo para a interposição de recurso da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu o pedido de providência cautelar formulado pelas ora Recorrentes, contrariamente ao que consideraram as instâncias, não era o de 10 dias, previsto no art. 283.º do CPPT, na redacção inicial (ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro), mas o de 15 dias, previsto no art. 147.º, n.º 1, do CPTA; ii) ainda que se considerasse que o prazo era o de 10 dias, previsto no art. 283.º do CPPT, porque a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, entrou em vigor em 16 de Novembro de 2019, porque, nessa data, as ora Recorrentes tinham ainda a faculdade de interpor o recurso ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 139.º do CPC, deve considerar-se que o prazo de recurso – por força da imediata aplicação da lei processual – passou a ser de 15 dias, por aplicação do disposto no n.º 1 do art. 147.º do CPTA, ex vi do n.º 3 do art. 97.º do CPPT, na nova redacção que lhe foi dada pela referida Lei n.º 118/2019.

2.2.1.2 Este Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão da formação a que alude o n.º 5 do art. 150.º do CPTA, admitiu a revista, mas apenas relativamente à questão acima enunciada sob o n.º ii). É essa a questão a apreciar e decidir.

2.2.2 DA APLICABILIDADE DO NOVO PRAZO DE RECURSO, ENTRADO EM VIGOR DURANTE O “PRAZO DE COMPLACÊNCIA” DO N.º 5 DO ART. 139.º DO CPC

Como resulta do que deixámos dito, a questão que ora importa dirimir é a de saber se ao recurso da sentença proferida nos presentes autos – que indeferiu a providência cautelar requerida pelas ora Recorrentes – pode aplicar-se, ou não, o prazo de 15 dias entrado em vigor em 16 de Novembro de 2019, data em que as Recorrentes, ao abrigo da lei antiga, ainda podiam interpor o recurso valendo-se da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 139.º do CPC.
Ou seja, não se discute no presente recurso, por força da delimitação do âmbito da revista operada pelo acórdão por que a mesma foi admitida, que o prazo de recurso antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, era de 10 dias, nos termos do disposto no art. 283.º do CPPT; está também assente que na data em que essa Lei entrou em vigor – 16 de Novembro de 2019 (cf. art. 16.º) – estava ainda a decorrer o denominado “prazo de complacência” previsto no n.º 5 do art. 139.º do CPC; há apenas que verificar se o novo prazo para a interposição do recurso – que passou a ser o de 15 dias, previsto no n.º 1 do art. 147.º do CPTA, ex vi da alínea a) do n.º 3 do art. 97.º do CPPT, na nova redacção que lhe foi dada pela referida Lei n.º 118/2019 (e que também revogou o controverso n.º 6 do art. 147.º do CPPT), por força do qual as providências cautelares de natureza judicial a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, compreendidas no processo judicial tributário, passam a ser reguladas pelas regras constantes do CPTA – é aplicável ao caso.
As instâncias sustentaram que não, que o novo prazo não pode aplicar-se porque, à data em que entrou em vigor a lei nova, estava já esgotado o prazo peremptório para a interposição do recurso. As Recorrentes defendem que sim, que a lei nova é aplicável de imediato a todos os processos pendentes.
Vejamos:
O prazo para a interposição de recurso é um prazo peremptório, o que significa que, esgotado que esteja, deixa de ser possível praticar o acto, no caso interpor o recurso (cfr. art. 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).
É certo que o acto pode ainda ser praticado para além do termo do prazo em dois casos, tal como estabelecem, respectivamente, os n.ºs 4 e 5 do mesmo art. 139.º do CPC: primeiro, se houver justo impedimento, tal como o define o art. 140.º do CPC e, segundo, independentemente do justo impedimento, nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sendo que neste caso fica a validade do acto dependente do pagamento de uma multa, que pode ser reduzida ou dispensada pelo juiz, se verificadas as condições do n.º 8 ainda do mesmo art. 139.º do CPC.
Mas, há que tê-lo bem presente, estas faculdades legais em que se admite a prática do acto para além do termo do prazo exigem, precisamente – passe a tautologia –, que o prazo esteja já esgotado. É o que resulta, inequivocamente, do teor literal do art. 139.º, n.ºs 4 e 5, e 140.º, n.º 2, do CPC, que dispõem, respectivamente e na parte que ora nos interessa e que ora assinalamos: «O acto pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte» (art. 139.º, n.º 4) e «o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o impedimento» (art. 140.º, n.º 2); «Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo» (art. 139.º, n.º 5). O acórdão recorrido indicou doutrina e jurisprudência nesse sentido.
Ora, como resulta das regras da aplicação da lei no tempo, não existindo norma transitória especial destinada a definir o campo temporal de aplicação da lei nova, há que aplicar as regras gerais, designadamente o art. 12.º do Código Civil, nos termos do qual a lei nova só rege para o futuro. Sem margem para dúvida, em face da doutrina sobre a aplicação da lei no tempo que foi acolhida pela nossa legislação, a lei nova não pode ser aplicada retroactivamente, não pode ser aplicada a factos pretéritos.
Daqui resulta que, no caso, porque estava já findo o prazo de recurso quando a Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, entrou em vigor, não há como aplicar o novo prazo de recurso desta resultante.
As Recorrentes pretendem que não está em causa a aplicação da lei processual sobre prazos, mas a aplicação da lei processual nova ao processo, pretendendo que, estando o processo (a providência cautelar que requereram) ainda pendente, a lei nova lhe devia ser imediatamente aplicável. Mas, salvo o devido respeito, não está em discussão nos autos que, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, em 16 de Novembro de 2019, se aplica ao processo a lei processual nova. O que está em causa é, tão-só, saber se o novo prazo de recurso resultante da entrada em vigor dessa lei pode, ou não, aplicar-se à sentença proferida nos autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Ora, como deixámos dito, para este efeito, o que releva não é a pendência do processo mas o estar ainda em curso, ou não, o prazo para a prática do acto, para a interposição do recurso; estando, como está no caso sub judice, precludido esse prazo, não pode ponderar-se a aplicabilidade da nova lei que veio alterá-lo.
Sempre salvo o devido respeito, não adianta tentar descentrar o cerne da discussão, da aplicação da lei processual sobre prazos no tempo para a, mais restrita mas não diversa, questão da aplicação da lei processual aos processos pendentes: é que, da imediata aplicação da lei processual aos processos pendentes não pode retirar-se a aplicação retroactiva dessa lei, na parte em que altera um prazo. Dito de outro modo, o que releva não é que o processo esteja pendente, mas que o prazo esteja em curso.
As instâncias, que decidiram neste sentido, fizeram correcto julgamento, que não cumpre alterar.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Inexistindo disposição transitória especial, a lei nova que fixa um prazo peremptório para a prática de um acto – no caso um prazo de recurso mais longo – não pode ser aplicada se, à data da sua entrada em vigor, o prazo, à luz da lei antiga, se encontrava já esgotado, apesar de nessa data haver ainda a faculdade de praticar o acto ao abrigo do n.º 5 do art. 139.º do CPC.

II - É que esta faculdade (também denominada «prazo de complacência») não altera o termo do prazo para a prática do acto e, ao invés e como decorre do seu teor literal («três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo»), pressupõe que este se tenha já verificado, que o prazo se tenha esgotado.

III - A aplicabilidade da lei nova sobre o prazo do recurso quando este já esgotou significaria, não a aplicação imediata da lei processual, mas a sua aplicação retroactiva.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelas Recorrentes.


*
Lisboa, 26 de Janeiro de 2022. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Gustavo André Simões Lopes Courinha.