Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02284/09.0BELSB
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATO DE TRABALHO
FUNÇÃO PÚBLICA
COMISSÃO DE SERVIÇO
Sumário:Não é de admitir revista de acórdão que decidiu que a transição da aqui Recorrente para o regime de contrato de trabalho em funções públicas ocorreu ope legis e não se exigia o cumprimento do regime de aviso prévio previsto no art. 34º da Lei nº 12-A/2008, não sendo igualmente aplicável o regime do art. 9º, nº 4 da referida Lei, por aquela transição se fazer considerando a carreira e categoria que aquela detinha antes da constituição da comissão de serviço (em 31.12.1995), conforme o art.104º da Lei nº 12-A/2008, por tal solução aparentar ser correcta.
Nº Convencional:JSTA000P28556
Nº do Documento:SA12021111802284/09
Data de Entrada:09/07/2021
Recorrente:A.........
Recorrido 1:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I. P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A…………, com os sinais dos autos, intentou no TAF de Beja, acção administrativa especial contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP), pedindo a anulação da deliberação do Conselho Directivo do IEFP, de 07.07.2009, exarada na informação nº 683/OE-PE/2009, da mesma data, e os subsequentes actos determinativos dos descontos nos vencimentos da Autora.

O TAF de Beja julgou a acção parcialmente procedente.

O IEFP interpôs recurso para o TCA Sul que veio a proferir o acórdão de 02.06.2021 concedendo provimento ao recurso.

É deste acórdão que a Autora interpõe a presente revista, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, fundamentando a admissibilidade da mesma na circunstância de estar em causa a apreciação de questão com relevância jurídica, sendo também necessária uma melhor aplicação do direito.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista a Recorrente pretende ver discutida a questão de saber se a comissão de serviço (constituída ao abrigo da Portaria nº 66/90, de 27/1) nos termos da qual se encontrava a exercer as suas funções na data da sua transição para o novo regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (aprovado pela Lei nº 12-A/2008, de 27/2 - LVCR), caducou «ope legis» com a transição então operada, não lhe sendo consequentemente aplicável o regime da comissão de serviço contemplado neste diploma, designadamente no que concerne ao respectivo regime de cessação, tal como previsto no art. 34º, pelo que tal transição deveria fazer-se considerando (imediatamente) a carreira e categoria que a Autora detinha antes da constituição daquela comissão de serviço, conforme o art. 104º da referida Lei, nomeadamente para efeitos remuneratórios, conforme decidiu o acórdão recorrido, em seu entender, em erro de julgamento.
Defende que a sua comissão de serviço criada ao abrigo da Portaria nº 66/90, de 27/1, (art. 3º), com a entrada em vigor da Lei nº 12-A/2008, foi legalmente convertida em contrato de trabalho em funções públicas a partir de 01.01.2009, por força do estabelecido no art. 109º, nº 2 desta Lei nº 12-A/2008. Tendo, por isso, direito a que lhe seja reconhecido, e declarado, o direito a transitar para o regime de contrato individual de trabalho em funções públicas com o vencimento que tinha na situação anterior, até à data em que a cessação dessa comissão de serviço produziu os seus efeitos, portanto, até 30 dias após a comunicação da deliberação impugnada.

A sentença de 1ª instância julgou parcialmente procedente a acção e anulou a deliberação impugnada e os subsequentes actos determinativos dos descontos nos vencimentos da A., indiciados nos recibos de vencimento de Agosto de 2009, tendo condenado o IEFP a pagar à A. “as diferenças entre o vencimento que auferiu durante aquele período de tempo e o vencimento que teria auferido se tivesse mantido, naquele período de tempo, um nível remuneratório cujo montante pecuniário fosse idêntico ao montante pecuniário a que tinha direito no momento da sua integração naquela modalidade de vínculo profissional, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar sobre cada uma das quantias respeitantes a essa diferença remuneratória, que deixaram de lhe ser abonadas mensalmente, ou que lhe foram descontadas nos vencimentos”.

O acórdão recorrido revogou a sentença de 1ª instância, tendo tido em atenção o regime da Lei nº 12-A/2008, de 27/2 e do Estatuto de Pessoal do IEFP (então o aprovado pelo DL nº 247/85, de 12/7 que veio a ser revogado pelo DL nº 213/2007, de 29/5, que aprovou a nova lei orgânica do IEFP) e do art. 2º da Portaria nº 66/90, de 27/1, e que a A. não optou por ficar definitivamente provida nos quadros desse Instituto, em regime de contrato individual de trabalho, tal como lho permitia o art. 3º da DL nº 247/85.
Referiu, nomeadamente o seguinte: “À data da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, que estabeleceu os regimes de vinculação, de carreiras e de remuneração dos trabalhadores que exercem funções públicas (LVCR), a A. e Recorrida estava a exercer funções no IEFP ao abrigo de um contrato individual de trabalho e no âmbito de um alegado regime de comissão de serviço.
(…)
Naquela data, o regime legal que enquadrava a comissão de serviço era o constante dos art.ºs. 5.º, 7.º, n.º 1 e 4, 24.º, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/12 e 18.º da Lei n.º 49/99, de 22/07, que previam a indicada figura jurídica como um título necessariamente transitório e precário.
(…)
Nesta medida, é indubitável que a previsão constante dos art.ºs. 31.º do Decreto-Lei n.º 247/85, de 12/07 – revogado pelo Decreto-Lei n.º 213/2007, de 29/05 – e 2.º da Portaria n.º 66/90, de 27/01, que deu execução àquele primeiro diploma – que foi também substituída pela Portaria n.º 637/2007, de 30/05 – quando previam a figura da comissão de serviço por tempo indeterminado para titular o exercício temporário de funções pela A. e Recorrida no IEFP, deixaram de constituir substrato legal para esse efeito. Quanto ao primeiro diploma foi expressamente revogado. Quanto à portaria de execução viu a sua lei habilitante ser revogada e foi substituída por uma outra. Para além disso, passou a vigorar na ordem jurídica um novo regime legal – o incluso na Lei n.º 23/2004, de 22/04 – que se incompatibilizava com a figura da comissão de serviço tal como estava configurada na citada Portaria n.º 66/90, de 27/01.
Logo, deixou de haver fundamento legal para a manutenção da nomeação da comissão de serviço da A. e Recorrida ao abrigo da dos indicados art.ºs. 31.º do Decreto-Lei n.º 247/85, de 12/07 e 2.º da Portaria n.º 637/2007, de 30/05, até aí aplicáveis por via da remissão do art.º 7.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/12, para os “casos expressamente previstos na lei”.
(…)
Acresce, que LVRC deixou de prever a cedência especial tal como era configurada na Lei n.º 23/2004, de 22/04, sendo que a situação da A. e Recorrida não obedece nem aos pressupostos da cedência de interesse público, nem a comissão de serviço, pelo que não pode ser integrada ou equiparada – cf. art.ºs. 9.º, n.º 4, 58.º e 82.º e 116.º da LVRC.
Ou seja, não se acompanha a argumentação da A. e Recorrida e a adoptada pelo Tribunal a quo quando defendem que o regime da Portaria n.º 66/90, de 27/01, se mantinha em vigor em 31/12/2008, à data em que se operaram os efeitos da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02.
Na nossa óptica, em 31/12/2008 a A. e Recorrida já não deveria estar a exercer funções no IEFP ao abrigo da figura da comissão de serviço por tempo indeterminado, mas dever-se-ia considerar que tal exercício se faria no âmbito de um dos institutos da mobilidade especial, tal como vinham previstos na Lei n.º 53/2006, de 07/12. Nessa mesma medida, o indicado exercício de funções em regime de comissão de serviço já não era um vínculo regular. A LVRC visou, precisamente, entre outros fins, fazer terminar este tipo de vínculos irregulares.
É, portanto, indubitável que a A. e Recorrida ficou abrangida pelo estipulado nos art.ºs. 9.º e 88.º e 109.º, n.º 2, da LVCR e 23.º da RCTFP e a partir de 01/01/2009 passou a deter um contrato individual de trabalho em funções públicas, integrando-se na carreira e categoria correspondente àquela que deteria no lugar de origem.” Assim, foi concedido provimento ao recurso interposto pelo IEFP, por se ter entendido que a transição da aqui Recorrente para o regime de contrato de trabalho em funções públicas ocorreu ope legis e não se exigia o cumprimento do regime de aviso prévio previsto no art. 34º da Lei nº 12-A/2008, não sendo igualmente aplicável o regime do art. 9º, nº 4 da referida Lei, por aquela transição se fazer considerando a carreira e categoria que aquela detinha antes da constituição da comissão de serviço (em 31.12.1995), conforme o art.104º da Lei nº 12-A/2008.

A questão que se suscita na revista nos termos supra indicados parece ter sido tratada de forma correcta pelo acórdão recorrido, através de uma fundamentação coerente e plausível. Estando, aliás, de acordo com jurisprudência do TCA Sul nos acórdãos proferidos em 19.04.2018, Proc. nº 1384/09.0BEALM e em 18.06.2020, Proc. nº 2259/09.9BEALM.
Assim, face ao aparente acerto do decidido não se justifica a intervenção deste STA, não sendo de postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.