Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0977/19.2BELSB
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
ORDEM DOS ADVOGADOS
ACESSO
INCOMPATIBILIDADE
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão do TCA que julgou improcedente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias se o entendimento nele firmado se estriba numa desenvolvida e plausível fundamentação jurídica, que prossegue solução equilibrada e que está em linha com a interpretação feita por este Supremo e pelo TC e, bem assim, com os objetivos da própria abrangência/delimitação da concreta incompatibilidade.
Nº Convencional:JSTA000P25561
Nº do Documento:SA1202002060977/19
Data de Entrada:12/13/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:ORDEM DOS ADVOGADOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………, invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 12.09.2019 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante «TCA/S»] - cfr. fls. 409/428, paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário -, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional instaurado pela ORDEM DOS ADVOGADOS [doravante «OA»] e revogou a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante «TAC/L»], que havia julgado totalmente procedente a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, intimando a entidade requerida «OA», «através do seu Conselho Geral, a proceder, de imediato, à inscrição do Requerente como Advogado Estagiário» [cfr. fls. 286/302].

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 437/468], na relevância jurídica e social da questão objeto de litígio, a qual, em sua perspetiva, assume «importância fundamental» [por se tratar de «questão de Direito nova» e estar em causa restrições «aos direitos fundamentais de livre escolha da profissão ou género de trabalho e (…) do direito ao desenvolvimento da personalidade», respetivamente arts. 47.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, ambos da CRP] e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito» [porquanto, para além, nomeadamente, de nulidade de decisão - art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC - e da violação do art. 47.º, n.º 1, e do art. 18.º, n.º 2, ambos da CRP (rectius do princípio da proporcionalidade), o acórdão recorrido estriba-se em incorreta interpretação e aplicação dos arts. 82.º, n.º 1, al. k), e 188.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado em anexo à Lei n.º 145/2015, de 09.09].

3. A Requerida «OA», aqui Recorrida, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 500/508], pugnando pela não admissão da revista.

Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O «TAC/L» julgou procedente a pretensão de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias que havia sido deduzida pelo Requerente, ora Recorrente, e intimou a entidade requerida «OA», a proceder de imediato à sua inscrição como advogado estagiário, fazendo apelo à «condição de militar» do Recorrente e, com este diapasão, firmando que «[s]endo um militar [como não se questiona que o Requerente o seja - cf. ainda Estatuto dos militares da Guarda Nacional Republicana (Decreto-lei n.º 30/2017 …) e Lei Orgânica da GNR (Lei n.º 63/2007 …)] não pode ser um membro de forças "militarizadas"», acrescentando que «o Requerente é militar, logo não é "militarizado". Militarizados serão, por exemplo, as polícias (civis) das Forças Armadas e destas dependentes e cujo comando é cometido a militares do respetivo ramo das Forças Armadas (Polícia Marítima, Polícia dos Estabelecimentos da Marinha, etc.)» e ainda que resulta «quer da Lei Orgânica da GNR quer do Estatuto dos Militares da GNR, estes são militares, numa organização militar própria, que depende do Ministério da Administração Interna (apenas dependendo, operacionalmente do Comando-Geral das Forças Armadas em estado de sítio e de emergência)», para, com este íter de raciocínio, concluir que «o Requerente, sendo militar da GNR, não é um membro das Forças Armadas ou militarizadas, não cabendo na letra da lei expressa na alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA» e rematar, a final, que «seja porque não é possível subsumir a condição de militar de GNR na previsão da alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA; seja porque, ainda que se subsumisse à previsão geral do n.º 2 do artigo 81.º do EOA, sempre teria de se aplicar, extensivamente, a exceção ou condição prevista no n.º 3 do artigo 82.º do mesmo diploma; seja porque, por não ser subsumível ao previsto na referida alínea k), só se poderia enquadrar a situação do Requerente na alínea i) do n.º 1 do artigo 82.º, o que implica a aplicação (agora direta e não por interpretação extensiva) da exceção ou condição prevista no seu n.º 3, o resultado final será sempre o mesmo: pode o Requerente, enquanto militar da GNR, desde que prestando os serviços de advocacia em regime de subordinação e em exclusividade para a GNR, inscrever-se como Advogado ou Advogado Estagiário».

7. O «TCA/S» revogou o assim decidido, julgou improcedente a intimação e absolveu do pedido a entidade requerida «OA», ali Recorrente, louvando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal [no caso do acórdão de 22.09.2011 - Proc. n.º 0431/11] e do Tribunal Constitucional [TC] [no caso do acórdão n.º 54/2012 - Proc. n.º 793/11] concernente à «qualificação estatutária dos militares da GNR» considerando que não tem «sustentação o entendimento seguido pelo tribunal a quo segundo o qual o Requerente …, sendo militar da GNR, não é um membro das Forças Armadas ou militarizadas, não cabendo na letra da lei expressa na alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do Estatuto da Ordem dos Advogados», já que «o que se extrai da Lei e da jurisprudência citadas, é a conclusão contrária, sustentada pela aplicação do estatuto da “condição militar” aos militares da GNR e pela prossecução de atribuições mediante um esquema organizatório que é decalcado totalmente do que se verifica em relação aos militares das Forças Armadas, estando os seus membros organizados segundo uma ordem rigorosa de patentes e postos, o pessoal distribuído por "Armas" e "Serviços" e organizado por unidades de comando e regimentos» e, como tal, o A. mostra-se abrangido pela incompatibilidade do exercício da advocacia inserta no art. 82.º, n.º 1, al. k), do EOA.

8. Se in casu resulta evidente a divergência nos juízos firmados pelas instâncias temos, no entanto, que dessa constatação não deriva a necessidade de admissão da revista.

9. Com efeito, temos que, desde logo, a concreta incompatibilidade para o exercício da advocacia por parte de «membro das forças armadas ou militarizadas» inserta no art. 82.º, n.º 1, al. k), do atual EOA [Lei n.º 145/2015, de 09.09], não constitui uma novidade já que a mesma, no essencial e com idêntico ou semelhante teor, mostrava-se contida nos anteriores EOA [de 1984 - cfr. art. 69.º, n.º 1, al. j), do DL n.º 84/84, de 16.03; de 2005 - cfr. art. 77.º, n.º 1, al. m), da Lei n.º 15/2005, de 26.01], sendo que o uso/emprego das expressões «agentes militarizados»/membro-agente de forças «militarizadas» mostra-se igualmente inserto, nomeadamente, nos arts. 164.º, al. o), e 270.º da CRP, ou, ainda, na Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais [cfr. art. 06.º, n.º 1, al. g), da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14.08], ou na Lei de Defesa Nacional [cfr. arts. 11.º, al. g), e 22.º, n.º 5, da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 07.07 (na redação dada pela Lei Orgânica n.º 5/2014, de 29.08)], prevendo-se inclusive neste último diploma, mormente, que os elementos integrantes da GNR [militares dos quadros permanentes e contratados em serviço efetivo] estão igualmente sujeitos às restrições de direitos fundamentais constantes dos arts. 26.º a 35.º deste último diploma nos termos que se mostram previstos para os militares das Forças Armadas em efetividade de serviço [vide art. 47.º da referida Lei].

10. E perante o uso e confronto de tais expressões, mormente nas previsões em referência e noutras, temos que o entendimento firmado no acórdão recorrido, de inclusão na expressão de «membro das forças … militarizadas» dos militares da GNR, mostra-se ou está em linha com a interpretação que vem sendo feita por este Supremo e pelo TC, como se extrai não só da jurisprudência nele convocada, mas, também, dos acórdãos do TC n.º 103/87 [Proc. n.º 74/83], n.º 308/90 [Proc. n.º 234/89], n.º 26/2001 [Proc. n.º 356/00], e n.º 481/2001 [Proc. n.º 532/00], e, bem assim, na própria doutrina [como por exemplo Jorge Miranda e Rui Medeiros, in: «Constituição Portuguesa Anotada», Tomo III, pág. 627, ou mesmo J. Canotilho e Vital Moreira, in: «Constituição da República Portuguesa Anotada», Vol. II, pág. 846], sem que o mesmo resulte ou se apresente como desatualizado e carecido de plausibilidade no contexto da atual Lei Orgânica da GNR [Lei n.º 63/2007, de 06.11] e do atual Estatuto dos Militares da GNR [DL n.º 30/2017, de 22.03].

11. Assim, apresentando-se e assentando o entendimento/julgamento firmado no acórdão recorrido numa desenvolvida e plausível fundamentação jurídica, que prossegue solução equilibrada e que está em linha com os objetivos da própria abrangência/delimitação da concreta incompatibilidade, temos que a admissão do recurso não se revela necessária, cientes de que as questões de inconstitucionalidade não são um objeto próprio dos recursos de revista, pois podem ser separadamente colocadas junto do TC.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Custas a cargo do Recorrente. D.N..

Lisboa, 6 de fevereiro de 2020. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – Madeira dos Santos.