Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0243/11
Data do Acordão:06/29/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO FISCAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
PODERES DO JUIZ
DILIGÊNCIA ESSENCIAL À DESCOBERTA DA VERDADE
Sumário:I - Quando as dívidas exequendas dizem respeito a IMI e a certidão de dívidas emitida pelo órgão da execução fiscal para efeitos de reclamação de créditos não é clara quanto à identificação dos imóveis sobre que incidiu esse imposto, pode e deve o julgador, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos artigos 809.° e 265.°, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 2.°, alínea e) e 246.° do CPPT, promover as diligências necessárias para clarificar a situação, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete.
II - Se, apesar da deficiência da certidão de dívidas, resulta da conjugação dos elementos documentais juntos ao processo de reclamação de créditos que esse IMI incidira sobre o prédio penhorado e vendido na execução fiscal e se referia aos anos de 2004 a 2007, há que reconhecer que os créditos exequendos relativos aos anos de 2006 e 2007 gozam do privilégio imobiliário especial previsto no n.º 1 do artigo 744.º do Código Civil, porque inscritos para cobrança nos dois anos anteriores à data da penhora efectuada em 26/06/2009.
Nº Convencional:JSTA00067058
Nº do Documento:SA2201106290243
Data de Entrada:03/14/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B..., SA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CCIV66 ART744 N1.
CPC96 ART265 N2 ART809.
CIMI03 ART122.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença de verificação e graduação de créditos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, na parte em que não reconheceu que os créditos exequendos, resultantes de Imposto Municipal sobre Imóveis, gozassem de privilégio imobiliário especial sobre o prédio urbano penhorado e vendido na execução fiscal, com o argumento de não se saber a que imóvel dizem respeito, graduando-os em último lugar.
Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. Não obstante a sentença sob recurso dar como provado que no PEF 1449200801045237 e apensos havia sido efectuada, em 2009-06-26, a penhora do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Marinha das Ondas, concelho de Figueira da Foz, sob o artigo 2308, registado na Conservatória do Registo Predial de Figueira da Foz sob a Ap. 5889, de 2009-06-26, veio, contudo, a considerar que “o IMI exequendo não beneficia deste privilégio, porque não se sabe sobre que imóvel recaiu”.
B. Em consequência, os créditos exequendos de IMI não foram reconhecidos nem graduados.
C. Todavia, e esse constitui o recorte discordante deste recurso com a sentença recorrida, os créditos exequendos referentes a IMI dos anos de 2006 e 2007 (inscritos para cobrança nos anos de 2007 e 2008, respectivamente), na importância total de € 1.134,18 e atinentes juros, no valor total de € 192,78, em cobrança no PEF 1449200801045237, reuniam as condições de usufruir do privilégio imobiliário especial em relação à penhora efectuada em 2009-06-26, quanto ao prédio U-2308 / Marinha das Ondas - Figueira da Foz.
D. Pois que os créditos em causa não foram alvo de impugnação e a certidão de dívidas, emitida pelo órgão da execução fiscal, nos termos do art. 241° do CPPT que integra os autos, expressamente assinala, mediante chamada de atenção identificada por alínea a) que o PEF 1449200801045237 se refere a “processos relativos à venda judicial Ap. 5889 de 2009-06-26” (a fls. 2), acrescentando, ainda, que “certifica-se que o Imposto Municipal s/Imóveis constante dos PEF’s 1449200801045237 (Por mero lapso de escrita, a certidão menciona 144920080104537), 14492009010266223 e 1449200901061976 diz respeito ao artigo urbano 2308 da freguesia Marinha das Ondas, objecto da venda judicial” (a fls. 3).
E. Neste circunstancialismo, a RFP entende que o Mmº Juiz a quo poderia ter reconhecido e graduado o IMI exequendo referente aos anos de 2006 e de 2007, ambos no valor de € 567,09, uma vez que a prova documental carreada para os autos assim o permitia.
F. E se alguma dúvida restasse, o Mmº Juiz a quo, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo (artigos 809° e 265°/2 do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 2° e 246° do CPPT), poderia, e deveria, promover quaisquer diligências, designadamente junto do representante da Fazenda Pública, que possibilitassem a verificação e graduação dos créditos em causa no lugar que legalmente lhes competia, nos termos dos artigos 122°/1 do CIMI e 744°/1 do Código Civil.
G. Assim, considerada a prova documental produzida nos autos, devem os créditos em causa e respectivos juros ser graduados em primeiro lugar, a par dos créditos reclamados de IMI do ano de 2008, por estarem em condições de usufruir do privilégio imobiliário especial, decorrente da penhora efectuada em 2009-06-26 sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Marinha das Ondas, concelho de Figueira da Foz, sob o artigo 2308, registada na Conservatória do Registo Predial de Figueira da Foz sob a Ap.5889, de 2009-06-26.
H. Decidindo doutro modo, a douta decisão violou os artigos 122°/1 do CIMI, 744°/1 do CC. e 809° e 265°/2 do CPC, todos aqui aplicáveis por via do artigo 2° do CPPT.
1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por entender que assiste razão à Recorrente.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
2. Da sentença recorrida resultam como provados os seguintes factos:
I. A Administração Fiscal instaurou contra o executado, A…, com o NIF …, o processo de execução fiscal (PEF) 1449200801045237 e apensos, por dívidas de IMI dos anos de 2004 a 2007 (únicos créditos constantes do registo respectivo), que não se sabe sobre que prédios recaiu, bem como todos os respectivos juros de mora, no âmbito do qual, em 26/06/2009, procedeu à penhora do imóvel daquele, inscrito na matriz urbana da freguesia de Marinha das Ondas, concelho de Figueira da Foz, sob o artigo 2308, tendo procedido ao registo da mesma nessa data de 26/06/2009, Ap. 5889, cfr. fls. 7/ss, 43/ss e fls. 21 a 23 e certidões de dívida do PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos.
II. Por apenso aos referidos PEF, vieram, nestes autos, reclamar os seguintes créditos:
Pelo “B…, S.A.” (B…SA), Sociedade Aberta, com o NIPC e matrícula …, com sede na …, …, Lisboa, (o qual incorporou, por fusão, a sociedade anteriormente denominada “C…, SA”, mediante transferência global do património da incorporada, sucedendo a esta em todos os direitos e obrigações, cfr. escrituras e Certidão de R.° Comercial Permanente “on-line”, com o código de acesso n°3602-8175-4109 (artigo 75-5, do CRCm)] no montante global de € 207.924,64 e juros vincendos até efectivo e integral pagamento [172.168,04 €, de capital; 35.756,60 € de juros vencidos e respectivo imposto de selo], advenientes de contratos de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” e de “Mútuo com Hipoteca”, celebrados por escrituras públicas de 31/01/2001 e de 13/07/2004, respectivamente, ambas do 1º C.° Notarial de Leiria, de fls. 11 a 32, e acção executiva n.º 132/08.7TFIG, para o pagamento, que corre pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, a fls. 28/ss, no âmbito da qual foi efectuada penhora, registada em 19/12/2008, e, créditos que beneficiam das referidas hipotecas sobre o imóvel penhorado no PEF, registadas em 04/12/2000 (Ap. 18) e 25/06/2004 (Ap. 3), cfr. p.i. de fls. 2/ss, e PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos;
Pela Fazenda Pública, no montante global de € 725,68, de IMI de 2008 inscrito para cobrança em 2009, que recaiu sobre o imóvel penhorado no PEF, e juros de mora respectivos, cfr. p.i. de fls. 49/ss e 51/ss e PA anexo, cujos teores dou por reproduzidos.
3. O inconformismo da Recorrente, integrante do objecto do presente recurso jurisdicional, reconduz-se à única questão de saber se a decisão recorrida enferma de erro por ter julgado que os créditos exequendos (IMI) não gozavam de privilégio imobiliário especial sobre o prédio urbano penhorado e vendido na execução fiscal (prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 2308 / Marinha das Ondas, registado na Conservatória do Registo Predial de Figueira da Foz sob a Ap. 5889), com o argumento de não se saber a que imóvel dizem respeito esses créditos, graduando-os, por isso, em último lugar.
Na verdade, segundo a sentença recorrida, enquanto os créditos reclamados pela Fazenda Pública, também respeitantes a IMI, gozam de privilégio imobiliário especial sobre o prédio urbano penhorado e vendido nesta execução (PEF 1449200801045237 e apensos), já «O IMI exequendo não beneficia deste privilégio, porque não se sabe sobre que imóvel recaiu», razão por que se lhes reconheceu apenas a garantia da penhora realizada. O que levou à graduação dos créditos (exequendos e reclamados) da seguinte forma:
1° Os créditos de IMI reclamados e seus juros;
2° Os créditos hipotecários do B…-SA, com limitação de juros a 3 anos e máximo registado;
3° O crédito do B…-SA garantido pela penhora;
4° Os créditos exequendos, que beneficiam da penhora.
Todavia, segundo a Recorrente, os créditos exequendos reuniam todas as condições para lhes ser reconhecido o privilégio imobiliário especial sobre o prédio vendido na execução, por constar da certidão de dívidas, emitida pelo órgão da execução fiscal e que integra os autos, que o PEF 1449200801045237 se refere a “processos relativos à venda judicial Ap. 5889 de 2009-06-26”, e se ter certificado “que o Imposto Municipal s/Imóveis constante dos PEF’s 144920080104537, 1449200901026623 e 1449200901061976 diz respeito ao artigo urbano 2308 da freguesia Marinha das Ondas, objecto da venda judicial”, sendo que a referência, nessa certidão, ao PEF 144920080104537 em vez de 1449200801045237, traduz um mero lapso de escrita.
No que lhe assiste inteira razão.
Na verdade, da conjugação dos elementos documentais juntos aos autos resulta que no Serviço de Finanças correm contra A… três processos de execução fiscal por dívidas de IMI, registados com os nºs 1449200801045237, 1449200901026623 e 1449200901061976, tendo a venda sido efectuada naquele primeiro processo – cfr. doc. que consta de fls. 44 – tornando-se, assim, evidente o lapso de escrita que consta da certidão de dívidas, a fls. 45, no que toca à referenciação do processo executivo n.º “44920080104537por dívidas de IMI.
Em face disso, e porque após a correcção do lapso se torna evidente que todas as dívidas de IMI em cobrança no processo onde foi efectuada a venda (PEF n.º 1449200801045237), tituladas pelas certidões identificadas no doc. de fls. 44, “dizem respeito ao artigo urbano 2308 da freguesia Marinha das Ondas, objecto da venda judicial”, impunha-se reconhecer que os créditos exequendos diziam respeito a IMI dos anos de 2004 a 2007 e que este imposto incidira sobre o prédio penhorado e vendido nessa execução fiscal.
Neste circunstancialismo, o Mmº Juiz podia e devia ter reconhecido que os créditos exequendos referentes aos anos de 2006 e de 2007, inscritos para cobrança nos anos de 2007 e 2008, no valor de € 567,09 cada, gozam do privilégio imobiliário especial previsto no n.º 1 do artigo 744.º do Código Civil, porque inscritos para cobrança nos dois anos anteriores à data da penhora (efectuada em 26/06/2009).
De qualquer modo, e como também salienta a Recorrente, se alguma dúvida houvesse, o Mmº Juiz a quo, no exercício do seu poder geral de controlo e dos poderes de direcção do processo, previstos nos artigos 809.° e 265.°, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 2.° e 246.° do CPPT, deveria ter promover as necessárias diligências para clarificar a situação, de modo a proceder à graduação dos créditos exequendos no lugar que legalmente lhes compete.
Pelo exposto, tendo em conta a prova documental produzida nos autos e o preceituado no n.º 1 do artigo 744.º do C.Civil e no artigo 122º do CIMI (aprovado pelo DL nº 287/2003, de 12 de Novembro), devem os créditos exequendos respeitantes aos anos de 2006 e de 2007 e respectivos juros ser graduados em primeiro lugar, a par dos créditos reclamados de IMI, por estarem em condições de usufruir do privilégio imobiliário especial decorrente da penhora efectuada em 26/06/2009 sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de Marinha das Ondas, concelho de Figueira da Foz, sob o artigo 2308.
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento impugnado e proceder à graduação de créditos pela seguinte forma:
1° Os créditos de IMI reclamados e seus juros, a par dos créditos exequendos de IMI dos anos de 2006 e 2007 e respectivos juros;
2° Os créditos hipotecários do B…-SA, com limitação de juros a 3 anos e máximo registado;
3° O crédito do B…-SA garantido pela penhora;
4° Os créditos exequendos de IMI dos anos de 2004 e 2005 e respectivos juros.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Junho de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Valente Torrão - António Calhau.